segunda-feira, 24 de novembro de 2025

CEM MOEDAS DE PRATA.


 Era uma vez um coronel das terras do Oriente que, antes de viajar entregou 100 moedas de prata a dez colaboradores mais confiados do seu agronegócio e terceirizou a eles o trabalho de suas propriedades. Após suas férias e suas diversões e saciar sua sede de regalias pelas capitais da Europa, quando voltou convidou logo seus arrendatários para conferir os negócios e os lucros. Ao que mais lucrou confiou-lhe o governo de um quinto dos seus domínios territoriais, e ao segundo um décimo. A outro que decidiu não negociar deixou-o de mãos vazias, igual como estava antes. Porém, sobre os outros sete terceirizados o coronel não nos dá notícias. Mas isso não interessa ao narrador Lucas. (Lc. 19.11-23). Como é já um jargão, o evangelho não é geográfico e não é histórico, é teologia. E a lição moral ou teológica aqui qual será? A mesma da Carta aos Tessalonicenses, que estava sendo escrita pela mesma época. " Depois nós, os vivos, os que estamos ainda na terra, seremos arrebatados juntamente com eles sobre as nuvens ao encontro do Sehor  nos ares"(1Tes.4,17). Os cristãos da 3ª geração ainda estavam no aguardo da vinda de Jesus com seus anjos, para levar os vivos ao seu encontro “nos ares”. Isso dava ocasião para que alguns não se dessem mais ao cuidado de trabalhar. Até que uma Carta posterior teve que corrigir essa visão dando o seguinte recado:  “Não vos deixeis facilmente perturbar o espírito e alarmar-vos por palavras que afirmam estar iminente o dia do Senhor. Quem não quer trabalhar não deve comer”(2 Tes.3,10). Esta Carta foi escrita para corrigir o sufoco da espera do “dia do Senhor” de uns vinte anos atrás, E de onde afirmamos que neste evangelho também estavam na espera da vinda do “dia do Senhor”? Lá no início da parábola quando é falado assim: “Jesus estava perto de Jerusalém e eles pensavam que o “reino de Deus ia chegar logo.” (Lc.19,11). E qual a comparação ou paralelo entre a situação das comunidades da Carta citada e do evangelho? O seguinte: na Carta alguns não queriam trabalhar, e no evangelho esse terceiro empregado também não queria trabalhar. Após este preâmbulo histórico avancemos na exegese: Por conta das 100 moedas de prata e do “prêmio” acumulado, esta narrativa tem servido para os capitalistas da Europa e Américas para pensar a mesma coisa sobre Jesus, isto é, que ele apoiaria o lucro de quem já tinha mais, e para rotular de “preguiçoso” o terceiro funcionário,  rotulado de “servo mau e preguiçoso”. E notamos ainda que a partir de análise do ambiente que explicamos da espera ou expectativa do final dos tempos, vemos que não tem sido esta a visão principal, e até de muitos comentadores. Porque será? Não haverá aí uma visão até inconsciente do valor do acúmulo? Poderíamos ver aí uma visão oposta, i.é, que da perspectiva camponesa os dois que lucraram mais para o coronel-patrão poderiam ser considerados como exploradores que cooperavam com o patrão em esquemas de opressão. Em segundo lugar notemos o seguinte: A possibilidade de esta parábola ter sido uma reflexão do evangelista está nos últimos versículos: “Enquanto a esses inimigos que não queriam que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui e matai-os na minha frente” (Lc.19,22). Era impossível aquele patrão ser a representação de Jesus ou de Deus como dá a entender o texto. É mais uma reflexão de como agiam os patrões daquele tempo visando o lucro. Além disso, é mais uma indicação literal de histórias imperiais elaboradas pelos redatores que marcaram atitudes na história da Igreja e da nobreza para fazer os mesmos procedimentos de “matar” e torturar, adotando os mesmos métodos do patrão-homem-nobre-e-rico. Temos um caso paralelo de como não era costume "agradecer" ao trabalhador ou funcionário. Por ventura o patrão terá que agradecer ao servo porque fez o que lhe havia ordenado? (Lc.17,9). Somos convidados a ter prudência quanto à costumeira expressão de que a “Bíblia dizia”. Na verdade uma coisa é dizer   a “Bíblia dizia” outra coisa é: a “Biblia diz”. Ou seja: a Bíblia dizia para aquela época muitas coisas sobretudo tendo em conta assuntos de costumes sociais e culturas ainda rudes e atrasadas e opressoras que não poderia  dizer para hoje, como no caso referido onde a Bíblia “dizia” que não precisa “agradecer” ao trabalhador por ter feito o seu serviço. Enquanto que hoje todo patrão deve reconhecer o valor do funcionário e lhe ficar sempre grato. Porém naquela época não se agradecia ao funcionário ou trabalhador mas só se tratava com rigor e quem sabe na base do chicote, sem agradecimento nenhum. As palavras do Papa Francisco são atuais: “Nos bons relacionamentos não faltem as três palavras: “com licença, desculpe, obrigado”. Também entre patrões e funcionários.

P.Casimiro João              smbn

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segunda-feira, 17 de novembro de 2025

ORAÇÃO E MAGIA E BATISMO

Há um exemplo muito elucidativo numa etapa do crescimento ou não crescimento do povo da Bíblia, onde se mostra uma mentalidade primitiva mágica. É no livro do Êxodo, pelo ano 1.200 a.C: “Amanhã estarei de pé no alto da montanha com a vara de Deus na mão. Quando Moisés conservava as mãos levantadas, Josué vencia o inimigo, quando Moisés deixava cair as mãos, o inimigo vencia. Pegando então uma pedra colocaram-na debaixo dele, e então Arão e Ur, um de cada lado sustentavam as mãos de Moisés, e Josué derrotou os inimigos a fio de espada” (Ex.17,9-13).  Ainda hoje há essa atitude. Adulto que não cresceu na fé e no entendimento continua na fé de criança, assim como os judeus pensando que num estalar de dedos Deus resolvia todas as coisas, ou na expressão de hoje “fazia milagres.” Vamos ver que esta magia não se infiltrou só na oração mas também no sacramento. Comecemos pelo  batismo. Comumente o batismo se torna um rito muito simples: é só botar a água na criança e pronto. A gente acha que o batismo automaticamente salva, como uma coisa mágica. Porém, etimologicamente batismo significa muito mais do que isso. Batismo é um mergulho. Mergulho na vontade de Deus e na missão que temos que fazer, do qual o mergulho na água é o símbolo ou a comparação. Sem dúvida, como Jesus terá dito um dia: “devo receber um batismo, e não vejo a hora para que isso se cumpra” (Lc.12,50). Qual era esse batismo? Não seria ir para a paixão e morte próxima? Para nós, batismo é muito simples, mas ele é esse mergulho de corpo inteiro na vontade de Deus e nas tarefas que temos que fazer, assim como Jesus fez esse mergulho. Infelizmente, nas catequeses habituais se insinua que o batismo perdoa os pecados e pronto. E veio a tradição que sem o batismo não havia salvação. E de quebra que quando estamos batizados estamos salvos. A mágica funcionou. De tal maneira entrou na cabeça do povo que ficou resumido que a vida do cristão é só ser batizado. Porém agora a Igreja diz que não são só os batizados que se salvam. Nesta lógica poderá alguém perguntar: então para que serve o batismo? Eu respondo: O batismo não é para a outra vida, é para esta. Se é na Igreja católica é para cumprir as tarefas da Igreja católica; Se for nos evangélicos é para cumprir as tarefas dos evangélicos, e assim por diante. Imagine só isto: o militar é para esta vida, não é para a outra vida; o advogado é para esta vida, não é para a outra vida; o médico é só para esta vida, não é para a outra vida. Na outra vida não vai ter militar, nem médico, nem advogado, e nem padre, nem bispo e nem Papa, porque lá não precisa. Onde precisa é aqui nesta terra. É assim que Jesus disse: “tenho que receber um batismo, e era para cumprir as tarefas que ainda faltavam. Assim nós. Na verdade, o desenvolvimento da humanidade teve o paralelo com o desenvolvimento da criança. Vejamos.

A criança é por natureza mágica. Ela nasce mágica. Porquê? Porque não sabe fazer ainda nada. É o pai e a mãe que fazem tudo. O pai faz os brinquedos, conserta os brinquedos. O pai é forte. Defende do cachorro, defende dos bichos, pega no colo, nas cacundas, cura as doenças, bota o carro para andar, conserta os estragos, sabe onde está a água, onde está o mercado, bota tudo em casa. O pai é o herói. É maior que todos. A humanidade era uma criança. Ela também nasceu mágica. Assim como para a criança o pai pode tudo também para a humanidade Deus podia tudo. Era Deus que fazia tudo, o fogo, as nuvens, as plantas, o mar e os frutos e que vencia as guerras. Vai ver, se a criança não crescesse, ela iria ficar sempre criança e na dependência total da mãe e do pai o tempo todo. Pais que fazem tudo para as crianças, botam as crianças na vida sem aprender a fazer nada. Ao contrário, a criança que começou a ganhar independência pouco a pouco aprenderá a não depender dos outros e a resolver os seus problemas. Sua experiência junto com o seu estudo lhe ensinarão a resolver os seus problemas. Assim aconteceu com a humanidade. Tem aquela parte da humanidade que, apesar de muitos séculos que passaram ainda ficaram como crianças que não desenvolveram. Quem sabe, seriam os pais que o pouco que sabiam não ensinaram aos filhos. Justo pelo medo de que os filhos aprendessem demais, e mais do que eles. Isto aconteceu nas sociedades que guardavam muitos segredos. Alguns velhos que tiveram sorte de aprender mais coisas não é que guardariam muitos segredos a sete chaves? E por isso são temidos, porque eles podem fazer mal aos outros, por vingança. Não será daí que vem a tradição e a cultura dos feiticeiros e dos gurus? Em contrapartida, em outras partes do mundo democratizou-se o ensino. E foi onde os pais não tiveram medo de ensinar os filhos. Pais e filhos frequentaram círculos de estudo, ou eles mesmos os criaram. Nasceram assim as escolas e as Universidades. Aplicando este aporema agora ao pensamento e à religião acontece a mesma coisa. Aristóteles observava que o ser humano, por natureza, tende ao saber. E também à religião. Neste desenvolvimento, a humanidade também se dividiu em duas etapas. Na primeira etapa, a humanidade  quando era criança punha todo poder em Deus, como a criança no poder do pai. Mas quando cresceu livremente começou vendo que tudo não dependia de Deus mas também dela mesma. A humanidade que entregava tudo a Deus pra ele tudo fazer, continuava com uma atitude mágica de que só Deus podia fazer tudo pra ela como num estalar de dedos. E daqui temos ainda hoje dois tipos de humanidade: Uma que faz, inventa, faz coisas, transforma coisas e inventa outras. E assim se chegou à inteligência artificial, aos robôs e ao celular. Isto aconteceu numa parte da humanidade onde o estudo acompanhou o crescimento da humanidade. Em contrapartida, naquela parte da humanidade onde o estudo não acompanhou, a humanidade ainda vive bastante na época da magia e dos segredos dos feiticeiros e dos gurus.

Conclusão. Falta-nos o tempo de avançar para a narrativa de outros sacramentos, pois falamos no batismo. Mas, pelo dito, dará para descobrir sinais de magia também, e coisificação, noutros sacramentos. Dizemos “coisificação” porque é o mesmo significado de magia. E infelizmente essa magia ficou por muito tempo “consagrada” na Igreja com a expressão que os sacramentos agem “ex opere operato”, ou seja, posto o rito, tudo acontece automaticamente. É o fato de reduzir Deus a uma “coisa”, e os sacramentos também a “uma coisa”. Quem sabe, talvez também aquele dito de que "para Deus nada é impossivel" seja ainda uma expressão mágica já vinda também dos salmos do Antigo Testamento, (Sl.135,6). Se assim fosse, como não foi possivel os judeus vencerem todas as guerras; Porque não foi possivel livrar-se do extermínio da morte de seis milhões de judeus na Alemanha nazista na época de Aushwitz, em 1945. Por outro lado, quando alguém se joga de um prédio de 10 andares nunca ninguém reza a Deus, mas são os bombeiros que jogam os colchões para não morrer.

P.Casimiro João      smbn

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segunda-feira, 10 de novembro de 2025

RELIGIÃO SEM A CIÊNCIA É CEGA, CIÊNCIA SEM RELIGIÃO É MANCA (EINSTEIN).


 

Esta afirmação de Einstein é cheia de sentido e dignifica as duas maiores atividades do ser humano, a ciência e a religião. Religião sem ciência fica cega e a ciência sem religião fica manca. Bote as duas para funcionar e terá gênios como o autor dessa afirmação. Na antropologia atual reconheceu-se a centralidade do ser humano como sendo o maior valor. Vemos que isso tem uma surpreendente afirmação de Paulo na Carta aos romanos: “De fato os mandamentos resumem-se neste: amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Rom.13,9). As ciências humanas modernas chegaram a defender também isso com ousadia desde o Renascimento. Na época a Igreja se apavorou com essa ideia e condenou o Iluminismo e se distanciou dele. Pio IX e Pio X condenaram estas filosofias rotulando-as de “compêndio e veneno de todas as heresias” (1864). Pio VI inventou até uma suposta “revelação” divina para condenar as teorias modernas da liberdade de consciência e de religião. Por seu lado, Pio IX, com o documento “Syllabus” declarava guerra à modernidade, o que provocou um descrédito e uma debandada geral da Igreja católica de cientistas e filósofos, e provocando um descrédito geral da Igreja nas classes dos intelectuais” (Cf. Hans Kuns, em “A Igreja tem salvação?” p.158). Foi nessa época que começaram surgindo as ideias de democracia, liberdade religiosa, liberdade de consciência, luta pela justiça social defendida pelos ambientes liberais e pelo Iluminismo, teoria que resumia toda as Ciências modernas, ou Renascimento. A Igreja, sendo pega de surpresa, ficou numa atitude defensiva e não dialogante e nessa recusa do diálogo foi perdendo espaço. Pio IX estava saindo de circunstâncias muito delicadas da perda dos Estados Pontifícios confiscados pelo governo da Itália e não estava em condições psicológicas de dialogar com essas novidades. Ele até orientou os católicos a não votarem na época das eleições. Leão XIII procurou amenizar a questão, com a Encíclica social Rerum  Novarum (Sobre as Coisas Novas), mas logo após chegou Pio X que declarou o Modernismo “como compêndio de todas as heresias”. Inclusive publicou o “Juramento antimodernista” em 1910, obrigatório para Bispos, sacerdotes e professores de teologia, do qual foram desobrigados posteriormente por Paulo VI em 1965. Um dos melhores textos de Einstein é aquele onde destaquei aquelas afirmações. Aliás o próprio Einstein chegou a declarar que o mundo pode melhorar tanto com a religião como com a ciência. O problema é que antes dele a religião era inimiga da ciência: “Temos que começar com o coração do homem – com a sua consciência – e os valores da consciência só podem ser manifestados com serviço para a humanidade.  Eu acredito que nós não precisamos nos preocupar com o que acontece depois desta vida, enquanto nós fazemos o nosso dever aqui, para amar e servir. Sem religião não há caridade. A alma que é dada a cada um de nós é movida pelo mesmo espírito vivo que move o universo”. (Einstein). E continua: “A religião e a ciência caminham juntas. Como eu disse antes, a ciência sem religião é manca, e religião sem ciência é cega. Elas são interdependentes e têm um objetivo comum – busca da verdade. O verdadeiro cientista tem fé, o que não significa que ele deve se inscrever em um credo. Por isso é um absurdo para a religião proscrever Galileu ou Darwin ou outros cientistas. E é igualmente absurdo quando os cientistas dizem que não há Deus. Este é o começo da religião cósmica dentro do ser humano: a comunhão e o serviço humano tornam-se seu código moral. Sem tais fundamentos morais estamos irremediavelmente perdidos”. No movimento de que falávamos do Iluminismo entravam também de quebra os direitos da mulher sobre a reprodução, com os meios anticoncepcionais e a invenção da pílula, descoberta por dois médicos católicos John Rock e Pasquale DeFelice. Outra surpresa para a Igreja que  enfrentou também este combate. A discussão chegou até o Concílio Vaticano II, que se mostrou receptivo, encarregando três Comissões para o estudo. Porém, esse estudo chegou a ser barrado por Paulo VI, que publicou em seguida a encíclica “Humanae vitae” (Sobre a Vida humana) contra os contraceptivos, o que ensejou o primeiro caso em que, na história da Igreja no séc.XX a grande maioria do povo e do clero recusava obediência ao papa” (H.Kung, o.c.p;178). A teoria da condenação dos métodos em questão vinha das ideias do matrimônio do Antigo Testamento e do sexo, que tanto um  como o outro só seria usado com a finalidade reprodutiva. Porquê? Porque teriam que produzir muitos filhos para trabalhar a terra, que era o único trabalho da época assim como a guerra. Nesta como entre outras coisas da ciência em que a Igreja (os Papas) da época quiseram se mesclar foi que até se manifestaram contra as Locomotivas a vapor, a Iluminação a gás e contra as pontes suspensas sem falar que também contra as vacinas (o.c.p.143). Termino com a seguinte exclamação poética a partir do Livro da Natureza de Einstein: “Se olharmos  para uma árvore com suas raízes procurando água por debaixo do pavimento, ou uma flor que exala o seu cheiro doce às abelhas polinizadoras, ou até mesmo nós mesmos e as forças interiores que nos impulsionam a agir, podemos ver que todos nós dançamos uma música misteriosa, e o tocador que toca à distância, com qualquer nome que queiramos dar-lhe: Força Criativa, ou Deus, escapa a todo conhecimento dos livros”. (Albert Einstein, extraído do Livro: “Em Busca do Homem Cósmico (1983).

Conclusão. Não nos admiraremos da secularização e da laicização que se deu na Europa após estes acontecimentos? E ainda tendo em conta condenações e prisões de cientistas como Giordano Bruno, preso por 14 anos e depois condenado à fogueira, e de Galileu, o pai da ciência moderna, preso por oito anos, além de outros. Qual o descrédito entre os ambientes universitários? Descrédito que certamente hoje invade todas as esferas de ensino superior, senão declarado, mas vivido e palpitante nos ambientes.

P.Casimiro João         smbn

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segunda-feira, 3 de novembro de 2025

A CRIAÇÃO E O PECADO ORIGINAL EM PAULO E AGOSTINHO.

Num certo capítulo das Cartas de Paulo, ele seguiu o caminho da cosmologia e antropologia de sua época, tendo feito também a plataforma para a teologia de Agostinho que desembocou na célebre teoria da necessidade do batismo para a salvação. E, de quebra, se o batismo era necessário para a salvação, então estavam postas as premissas para a salvação ou não salvação das crianças que morriam sem o batismo. Logo então, era só colocar a conclusão: que, sendo necessário o batismo para a salvação, a conclusão vinha direto: que criança  não batizada não se salvava. Esta teologia bíblica de Agostinho, que por sua vez estava já implícita na teologia bíblica de Paulo, passou por toda a Idade Média até à época do II concílio do Vaticano. Onde Agostinho se firmava? Na Carta de Paulo aos romanos, cap.V. E onde Paulo se firmava? Em Gênesis, cap. 02 e 03. É evidente que a Carta de Paulo seguia a mesma cosmologia e a mesma antropologia de Gênesis, que hoje não tem fundamento. Cosmologia define-se como a teoria da formação do mundo, ou cosmo. Antropologia define-se como o estudo da formação do ser humano, antropos. E está definido hoje que a cosmologia primitiva não era científica, mas mítica. E do mesmo modo a antropologia primitiva também não era científica mas mítica. Por mítica se entende o arrazoado onde não entra a ciência, mas só a imaginação. Vale dizer, os primeiros humanos imaginavam uma maneira de ‘como’ seria possível o aparecimento das estrelas, das plantas, e do cosmo e da nossa terra. E sobre o ser humano  imaginavam ‘como’ teria sido o aparecimento dos seres humanos na terra. São estas ‘imaginações’ que são chamadas ‘mito’, que hoje mais popularmente se chamam também de ‘lendas’. Qual é então a narrativa de Paulo, tirada do mito da ‘criação’, e que deu origem à teologia bíblica de Agostinho? O seguinte como lemos na Carta aos romanos: “O pecado entrou no mundo por um só homem. Através do pecado, entrou a morte. E a morte passou para todos os homens, porque todos pecaram” (Rom,5,12-15). A cosmologia da ‘imaginação’ do Gênesis e a antropologia da mesma ‘imaginação’ são trazidas para aqui por São Paulo. Porém, hoje a Pontifícia Comissão Bíblica declarou já  que essa narrativa do Gênesis se baseia numa cosmologia ultrapassada. E afirma a necessidade de uma interpretação no hoje do nosso mundo porque “os textos da Bíblia são a expressão de tradições religiosas que existiam antes deles,  os quais foram retrabalhados e reinterpretados para responderem a situações novas desconhecidas anteriormente”. E no início desta colocação começa com a declaração explícita: “Essa narrativa do Gênesis se baseia numa cosmologia ultrapassada”.  (Pont. Com. Bíblica, 1994). Por seu lado, Agostinho extrapolou ainda mais, e recorreu `a teoria maniqueísta de que a matéria era má, e só o espírito era bom. Ora, como a criança era gerada pela matéria má do pai que era o sémen, era gerada em pecado. (Cf. Bárbara Andrade, em “Pecado original, ou graça do perdão? Paulus 2007, p.121). Esse pecado foi chamado “o pecado da origem”, ou pecado “original”. A ‘geração’ era a origem do pecado original, e como tal passava o pecado também para todos os homens. As consequências são terríveis. Agostinho argumentava que a ‘geração’ embora que era má e pecaminosa, mas era necessária.  Como se diz, era então um mal necessário. Mas veja a doutrina moral que daí se desenvolveu por exemplo para o casamento. Como podia ser isso? Sim, que haja casamento mas somente para que haja filhos, sem nenhum tipo de outras coisas  como afeto, carinho, abraços, carícias, tudo simplesmente como sexo tipo animal, só porque é necessário para reprodução. Esta situação, além de vir dos maniqueus também já vinha dos Judeus, para  os quais só o sexo com reprodução é que podia acontecer, casamento sem filhos não podia. E quantos mais filhos melhor, sabe porquê? Para trabalhar as terras, porque a terra era a única fonte de renda para as famílias. (Cf. Eduardo L. Azpitarte, em Ética da sexualidade e do matrimônio, p.83). Tire daí as conclusões deles porque é que condenavam o sexo não reprodutivo, e é isso que botaram na sua bíblia. Por isso quando hoje se invoca a Bíblia sobre sexo e sobre relações sexuais veja as tradições e ‘contradições ‘humanas’ e antiquadas e obsoletas que pode estar ouvindo...Paulo transcreveu situações sofridas daquele dualismo de sua teologia bíblica da carne como sendo má, quando declarou : “Estou ciente de que o bem não habita em mim, isto é, na minha carne. Com efeito, não faço o bem que quero, mas faço o mal que não quero. Homem infeliz que eu sou.” (Rom.7,18-19.24).  Esta teologia bíblica que moldou a teologia da Idade Média e a moral não ficou só por aqui mas trouxe consequências. E entramos na temática do matrimônio. Como dissemos noutra página, a Igreja  só começou a marcar a sua presença  nos matrimônios no séc.XII, quando o matrimônio entrou para o número sete dos sete sacramentos. Antes o matrimônio era só uma questão de família. Os pais acompanhavam os noivos para o quarto, despiam-nos e iam para o banquete, depois de dar uma bênção para o casal. O costume da presença do sacerdote começou da iniciativa de um pai que um dia convidou um padre para essa bênção. Mas a teoria bíblica, e melhor dito maniqueia da “maldade” da matéria tinha entrado de forma drástica na cabeça do clero. O sexo era “mau”? Era. No entanto era “permitido” por causa da geração dos filhos. Mas excluídas carícias, e todos sinais de afeto e carinho, só sexo igual animal, tudo o resto era pecado. A confissão tornou-se uma sessão de tortura porque exigia uma sessão de perguntas sem fim. Por isso o Papa Francisco um dia disse que a confissão não deve ser uma sessão de tortura, certamente lembrando dessas situações. Outra coisa, já pensamos porque até há bem pouco tempo o pai não podia abraçar ou beijar os filhos? Não seria também por esses motivos? E tudo isso vinha, além dos maniqueus, também vinha dos judeus, porque na ideia deles sexo sem filhos não era permitido, como dissemos porque tinham que trabalhar as terras da família, a única fonte de renda das famílias nessa época. Por isso todas as relações e todo sexo que não fosse produtivo era condenado. Daí você pode enumerar as consequências dos atos não direcionados à reprodução como  eram condenados e porque é que eram condenados. Podemos então imaginar por quê e por quais vias muitas leis  e muitas morais eles colocaram na sua bíblia como proibidas e condenadas. Podemos observar e comparar com isso a herança manifestada na encíclica de Pio XI, condenando o onanismo pela única razão de não produzir filhos: “criminosa licença essa que alguns se arrogam, porque só desejam satisfazer seu prazer sem a carga dos filhos” (AAS,22,1930 359, apud Azpitarte, o.c.p.109). Continua aqui a herança da reprodução herdada dos judeus. Como observa Azpitarte, “o receio tradicional para o prazer fez com que a sexualidade perdesse seu caráter festivo para muitos cristãos.” E o mesmo autor afirma que o prazer só pelo prazer “não era considerado comportamento digno do cristão. No entanto a experiência de prazer pelo simples fato de sê-lo não deve ser  catalogado como pecaminoso, o contrário produz tantas patologias.” (o.c.p.111-112).

Conclusão . Às vezes ouvimos isto já tão manjado: "A Bíblia diz". Já dissemos noutra página que uma coisa é a “Bíblia dizia”, outra coisa é “a Bíblia diz”. A Bíblia dizia para a sua época, não diz isso para hoje. O que se ouve, como eu ouvi de um eclesiástico que “família é pai e mãe e filhos” nem sabe que está falando linguagem dos judeus.

P.Casimiro João           smbn

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