segunda-feira, 28 de abril de 2025

JOÃO E SEU EVANGELHO VERSUS COMPETIÇÃO COM O APÓSTOLO PEDRO


 

Direto ao assunto. O IV evangelho afirma, na narrativa da ressurreição, que Pedro foi ao túmulo junto com outro discípulo, “aquele que Jesus amava” (Jo.20,4). “Maria Madalena correu e foi dizer a Simao Pedro e ao outro discípulo, a quem Jesus amava: tiraram o Senhor do túmulo e não sabemos onde o puseram. Saiu então Pedro com aquele outro discípulo e foram ao túmulo” (Jo.20,3-4). Porém,  os três primeiros evangelhos afirmam que Pedro foi ao sepulcro sozinho. “Pedro correu ao sepulcro; inclinando-se para olhar, viu só os panos de linho no chão” (Lc.24,12). E Marcos: “Ide dizer aos seus discípulos e a Pedro que ele vos precederá na Galileia.” (Mc.16,7). E Mateus: “Ide dizer aos discípulos que ele ressuscitou dos mortos” (Mt.28,7). Em segundo lugar, outra divergência importante, na ocasião do julgamento de Jesus no pátio do sumo Sacerdote. O IV evangelho diz que Pedro foi com o “outro discípulo”: “Simão Pedro seguiu Jesus, e mais outro discípulo. Este discípulo era conhecido do sumo sacerdote e entrou com Jesus no pátio da casa do sumo sacerdote” (Jo.18,25). Porém, os três primeiros evangelhos dizem que Pedro foi sozinho: “Pedro foi seguindo de longe, até dentro do pátio do Sumo Sacerdote” (Mc.14,54). E Mateus: “Enquanto isso, Pedro estava sentado no pátio” (Mt.26,69). Em Lucas: “Pedro seguia-o de longe; acenderam um fogo no meio do pátio e sentaram-se em redor” (Lc.22,55).  Após estas afirmações tão divergentes, é muito de estranhar a afirmação  do IV evangelho, segundo a qual Pedro foi com outro discípulo, tanto numa cena como na outra. Não restam dúvidas que há  uma intencionalidade no IV evangelho que iremos analisar. Não é falado o nome do “outro discípulo”, apenas se diz “aquele a quem Jesus amava”. Os estudiosos dizem que esse discípulo era o fundador da comunidade joanina, onde se deu a escrita do IV evangelho. Vejamos o perfil: “Embora fosse um companheiro histórico de Jesus, é certo que ele não estava na Ceia, porque não era o apóstolo João. O evangelho o pôs em foco a tal ponto que a sua importância em cena no evangelho vai além da importância que ele teria tido aos olhos de um observador de fora durante o ministério de Jesus.” (R.Brown, A Comunidade do discípulo amado, p.32). “O Discípulo Amado é a autoridade que está por trás do IV evangelho em cujo espírito o evangelho foi escrito, mas que não teve participação imediata na composição da obra. Antes, ele é o supremo representante da tradição e um testemunho para a Comunidade.” (Freiburg, Herder,1975 III, 449,64, Apud R.Brown, o.c.p.34). Por seu lado O.Cullmann afirma que há evidências que ele era um antigo discípulo de João Batista, que começou a seguir Jesus sem compromisso na Judeia, quando o próprio Jesus estava bem próximo ainda do Batista, e que teve alguma participação na vida de Jesus”. (Apud R.Brown, o.c.p.35). Essa figura misteriosa que aparece só no IV evangelho é assim o herói da Comunidade. Ele serviu como o esteio e a motivação das duas Eclesiologias que estavam-se formando: a eclesiologia dos três primeiros evangelhos que tinha Pedro como o representante dos Doze, e  a eclesiologia do Discípulo Amado como pivô de outra eclesiologia sem Pedro e sem a sua autoridade. Ou mais ligeiro: Com Pedro prevalecia a eclesiologia do “Apóstolo” e a sua autoridade; com o Discípulo Amado era a eclesiologia do Espírito e sem a autoridade de Pedro. Aquela exaltava a estrutura, esta exaltava a “proximidade” com Jesus, sem estruturas, apoiando-se na autoridade do Espirito. Tanto que o IV evangelho não fala no “poder” concedido a Pedro, como falam os três outros evangelhos, e nunca fala em “Igreja”, “eklesia”, mas sempre e só no Espírito. Agora temos as razões das diferenças e, digamos, da intencionalidade ou até competição com a qual este evangelho tentou “denegrir” a imagem de Pedro na entrada no pátio com o “outro discípulo”, o que tudo indica não ser verdade como vimos, e o rebaixa a um segundo plano na “corrida” ao túmulo. “A chave destas divergências é o contraste consistente e deliberado entre Pedro e o discípulo amado, o herói da comunidade joanina. Não é acidental que o evangelho fale de seu herói como de um “discípulo”, não como um “apóstolo”. Discipulado é a primeira categoria para este evangelho, não a missão apostólica  que conferia a dignidade. Contrapondo o seu herói ao mais poderoso dos Doze, a Comunidade joanina estava simbolicamente contrapondo-se a si mesma às Igrejas que veneravam Pedro e os Doze”. (o.c.p.86-87). Falamos na diferença de eclesiologia entre o IV evangelho e os Sinóticos. Na verdade, segundo os estudiosos, Mateus pensa em uma Igreja construída sobre Pedro, na qual os Doze têm o poder de “ligar e desligar”, enquanto que no IV evangelho não há nenhuma referência à categoria de “Apóstolo”, mas faz de “discípulo” a primeira categoria cristã, de modo que para ele a continuidade com Jesus vem do testemunho do “Discipulo Amado”. Por outro lado, insiste que o mestre é o Espírito Santo, o Paráclito, que permanece para sempre com cada um que ama Jesus e “guarda os seus mandamentos” (Jo.14,15-17), e é o guia de toda a verdade Jo.16,13). Para responder àquela questão de que João é a testemunha ocular do “que vimos e ouvimos”(jo.19,39), devemos responder com a Instrução da Comissão Bíblica de 1964, n.19: “que ensina aos católicos que estas narrativas passaram por anos de desenvolvimento através da pregação apostólica e de nova redação feita pelos evangelistas individualmente, de modo que o produto final, os evangelhos, “relatam” as palavras e ações do Senhor numa ordem diferente, e expressam suas sentenças não literalmente, mas de um modo diferente” (Comissão Bíblica 1964, n.19). E mais: “Só com muita circunspecção é que se pode usar o evangelho como fonte histórica” (M.de Jonge, apud R.Brown, o.c.p.18).

Conclusão. No evangelho assistimos à construção do formato do “Discípulo Amado”, sua supervalorização e sua "invenção" de tal maneira que ficou “símbolo”, mito e ícone  das Comunidades joaninas, pelo efeito bumerangue de contrapor o seu herói “discípulo amado” ao herói Pedro das Comunidades petrinas, ou da “grande Igreja”, como são chamadas pelos historiadores.

P.Casimiro João      smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

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