A “epilepsia”, ou o “mal sagrado” para os antigos, e “possessão”
dos demônios para os judeus, o que era para Heráclito, o pai da medicina?
Sobre o assim chamado “mal sagrado”, eis o que ele já dizia: “ Em nada é mais
divino do que outras doenças, pois tem estrutura e causas racionais, porém os
homens o julgaram obra divina por ignorância e espanto, já que em nada se assemelha
às outras doenças; e esse caráter divino é confirmado pela dificuldade que eles
têm de compreendê-lo” (Hipócrates, “Mal sagrado &1, apud Umberto Galimbertti, “Rastos
do sagrado”, p67). Por esta atitude de Heráclito, (séc. V a. C.), considerado o pai da medicina, é antecipado o Iluminismo do Renascimento, quando a luz
da razão ganhou independência em relação à fé no séc. XVIII, que foi chamado o
século das luzes ou do Iluminismo. Porque de fato a medicina não pertence ao
campo da fé mas da ciência. E o Iluminismo assim iniciou essa caminhada a duras
provas e bem à revelia da Igreja, pois a Igreja se julgava com poder absoluto
tanto no campo da fé como no campo da ciência. Porém, Heráclito bem claramente
falou já no séc.V a.C. o que os filósofos e cientistas do Iluminismo falaram
depois de tantos séculos, no século 18. Por isso nos diz o autor citado que “para Heráclito, o
distanciar-se do divino equivale a distanciar-se da ignorância; e a “impiedade”,
mais do que uma revolta contra Deus, é a condição para encontrar conhecimentos.
Com efeito, iniciando a discussão sobre o ‘mal sagrado’, nome da antiguidade
para a epilepsia, Heráclito pôs os pingos nos iis” (o.c.p.68). Nesse sentido
diz outro investigador que, nestas circunstâncias, o recurso ao divino é a
máscara da ignorância” (M.Vergetti, id., id.). Na verdade, Heráclito com esta teoria, se afastou da mítica de Platão, sobre a unidade do cosmo. Nesta unidade,
o homem teria sido feito para o todo, quase como o Tao para o Lao-Tsé da China.
Segundo esta unidade mítica, o homem seria um ponto dentro do universo, e não
podia mexer no universo, ou, como diria o filosofo da Idade Média Tomás de Aquino,
dentro do “motor imóvel”. Vem ao caso dizer que no mundo há dois tipos de dizer:
“Uns que arriscam a linguagem, e estes “são os que dizem”; outros usam a
linguagem e se detêm nos modos de dizer” (o.c.p.74). A linguagem destes não
diz, a linguagem simplesmente lhes serve; e valem-se da linguagem para brincar de “dizer” mas não
dizem mais nada senão sons. Por outro lado, tem havido um mundo de só
obediência e só submissão na área religiosa e na área civil que se criou em toda a Idade Média.
Até porque a razão e a inteligência nunca foram chamadas a exercer a primazia.
Geralmente, o mundo tem sido governado por ditaduras de reis e de impérios, e
por ditaduras da política nos outros tempos e na área da Igreja. E em todos os
regimes o Estado privava as populações em geral do acesso à escrita e à leitura
e portanto à ciência, aliás já como diziam Platão e Aristóteles que o estudo
era só para as elites, não para as classes baixas. Inclinação seguida também
pela Igreja católica que só e sempre escolhia seus dirigentes entre as classes ricas, deixando os outros só para obedecer, castrando-os de pensar,
seguindo os regimes do mundo onde a Igreja estava inserida. Daí que na Igreja, como dizem hoje os estudiosos, a fé
reduzia-se à moral, e a moral reduzia-se a uma obediência que não se podia
contestar e nem muito menos compreender. Nas pegadas de Heráclito chegou portanto
o Iluminismo moderno, desmitificando a doença com causas naturais, e não mais
atribuindo-a ao “divino” ou “sagrado”. Daí em diante o espírito se abriu à
investigação, e com a investigação chegou também a técnica como ferramenta de
atuação na vida prática. É aqui que
U.Galimbertti tira algumas conclusões a este respeito: “A ciência não é neutra,
porque cria um mundo com determinadas características que nós não podemos evitar
de habitar, e, habitando-o, adquirimos hábitos e costumes. A tecnociência é
agora o nosso mundo. Não somos seres isolados e estranhos, seres que só por
vezes se servem da ciência e da técnica. Nós habitamos um mundo cientificamente
e tecnicamente organizado. Portanto a tecnociência não é objeto de escolha
nossa, mas é nosso ambiente onde virtudes e vícios, condutas e paixões, sonhos
e desejos são cientificamente e tecnicamente estruturados e já têm necessidade
da ciência e da técnica para se realizarem. Não há lugar para os trogloditas
que viviam nas cavernas. E os que ainda pensam encontrar uma existência do
homem além deste condicionamento simplesmente não têm consciência de que vivem
uma mitologia do homem que já não existe” (cf.o.c.p.364). Esse homem mitológico
tem sido paulatinamente destronado segundo as etapas da história. Por exemplo,
no século dezoito a Igreja chegou a condenar a iluminação a gás, as pontes
suspensas e as locomotivas dos trens a vapor. Mas esse homem não existe mais
hoje; mais recentemente condenou a regulação da natalidade e os
anticoncepcionais e a pílula e a camisinha. Mas esse homem e mulher também não existem
mais.
Conclusão. Na Idade Antiga Sêneca foi condenado à morte porque foi
considerado ateu: ele se recusava a aceitar a quantidade de deuses dos seus
compatriotas. Para ele um deus era suficiente. Discordava da plataforma de
pensamento reinante da quantidade de deuses e suas histórias. Hoje não é diferente:
não é difícil “inventar deuses” para o nosso serviço. E há para tudo, até para
as “causas impossíveis”. Se aquele Deus que está lá em cima não nos serve inventamos
os nossos “das causas impossíveis” e das Novenas ou trezenas que “não podemos
quebrar”. E também é muito cômodo para a
maioria dos mortais ser “maria vai com as outras”, repetindo as respostas “de
rebanho” e de “maria vai com as outras”das postagens da
Internet: “amém, amém, amém”...
P.Casimiro João
smbn
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
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