A humanidade viveu e vive de ondas de violência, como ondas do
mar. E arrumou seus símbolos como Caim e
Abel. E hoje os símbolos dos Hitlers. A violência tem a sua fonte na fome do
poder. “A fome do poder perverte o tecido interno do ser humano donde resulta a
relação de senhor-escravo e a coisificação do homem como joguete na mão do
ímpio. E aqui há duas vertentes do ser humano que se subvertem: uma é a
dignidade do ser humano como construtor de si próprio que é subvertida, e outra
é a dimensão do ser humano frente à interpelação do “outro” que também fica
truncada. Para interromper esse ciclo de
violência torna-se necessário atentar no termo simbólico que é “o outro” na sua
alteridade inabarcável; esta atitude se forma, antes de mais nada, por um
critério crítico denunciador e superador de uma cultura do individualismo
egoísta” (Cf. Duque, João Manuel, “Para o diálogo com a pós-modernidade,
Coimbra,48). Isto pressupõe dar lugar a um “humanismo do outro homem” ,
como paradigmaticamente lhe chama Levinas. Nenhuma atitude religiosa
pode prescindir desse humanismo fundamental, sem correr o grave risco de se
tornar atitude desumana, mesmo anti-humana, e, como tal, anti-divina, ou seja,
falsamente religiosa”o.c.p.48). Por outro lado, nasce daí a responsabilidade de
denunciar a cultura de todos os idealismos especulativos e ideológicos, de
todas as falsas utopias que sacrificam a realidade concreta, e sobretudo a
realidade das vítimas da história ao totalitarismo de um sistema filosófico,
político ou religioso. Nenhuma atitude religiosa autêntica pode prescindir de uma profunda
solidariedade com o “outro” sofredor, e da memória dos mártires da história”
(o.c.p.49). Na base da nossa análise está em jogo a psicologia do conflito e da
violência, dando-nos conta de que os seres humanos são mais violentos que os
animais, num tipo de conflito que é interno, recíproco e potencialmente
interminável, ao qual nenhum sistema judiciário consegue por freio. Historicamente,
a violência tem fabricado vítimas inocentes e bodes expiatórios exigindo
sacrifícios rituais nas religiões. E, como diz Duque, “as religiões fabricam
bodes expiatórios e depois os divinizam sem saber o que estão fazendo”
(o.c.p.27). No dizer de Girard, “a linguagem dos evangelhos confirma a
interpretação da morte de Jesus como bode expiatório: um de seus epítetos ou
sinónimos é “Cordeiro de Deus”, o que é sinônimo de bode expiatório” (Girard,
“Cristianismo e relativismo”, pg.105). Por outro lado, daí origina-se o
“contágio mimético”, que significa que
uma multidão é contagiada por uma convicção unânime de ter encontrado um
culpado, uma vítima de todos os seus pecados; não há comportamentos
individuais, mas apenas a lógica mimética da multidão. No meio disto aparece o
lugar das religiões. Estudiosos das religiões afirmam que por milhões de anos
as religiões, apesar das suas contradições foram aquilo que permitiu às
comunidades primitivas não se autodestruírem, inventando o símbolo do bode expiatório
e a vítima e os sacrifícios. No cristianismo, a vítima é inocente, nas outras a
vítima é culpada como no mito de Édipo onde é morto o pai Laio para casar com
Jocarta. Isto sem falar da violência contra a Natureza, já que os homens
primitivos não cultivavam a terra pelo medo dos espíritos e divindades que nela
habitavam e permeavam a natureza. (Girard,31). Vem ao nosso caso a expressão
usada na teologia da pós-modernidade da concepção de um “Deus sobre nós” (Deus
super nos), ou de um “Deus entre nós” (E.Jungel, apud Duque, o.c.p.98) respondendo
à eterna pergunta da metafísica “Onde está Deus?” Esta é uma questão que brota
já do próprio texto escriturístico. Esse contexto surge no âmbito da discussão
sobre o Deus de Israel ou dos outros deuses. E
“onde está o Deus de Israel, se parece estar sempre ausente? Aqui surge
o dilema: a ânsia da certificação do ser divino acompanha a literatura bíblica.
Isto afeta também a ideia que o homem atual passa a ter de Deus, mas também a
outra presença, a do mundo. Este passa a ser o espelho da sua atividade pois é
obra sua, pela qual ele se sente responsável, tornando supérflua a ação de
Deus. O peso do mundo então cai sobre o homem tornando supérflua a referência a
Deus. Peso demasiado pesado, sobretudo frente às injustiças de que a história é
testemunha. O recurso a Deus poderia então aliviar o homem desse demasiado
peso. Mas é então neste contexto que se volta à pergunta: “Onde está Deus?”
pergunta que parece perder-se no vazio do próprio ressoar. De novo temos a resposta de Jungel: “A fé não
pode falar da presença de Deus sem pensar simultaneamente na sua
ausência”.(Apud Duque, o.c.p.99). Foi esta a experiência que Dietrich Bonhoeffer
nos deixou na experiência do “Viver em Deus sem Deus, como se Deus não
existisse” como ele assim se expressou na sua expressão “Honest to God”,
honestos com Deus. O recurso do “Deus entre nós” deu-se na cruz, onde “o Deus
que morre não é um Deus sobre nós, mas um “Deus entre nós” (Jungel, apud Duque,
o.c.p.101). Isto é tudo o contrário da religiosidade onde “tudo vale”, porque
“nada tem valor”, exceto a promoção individual e o dinheiro, e onde se cria a
era do vazio e do “homem light”, onde se fabrica também a “self religião” como
um “sel service” no restaurante. E também a religião ‘de mercado’ onde a
religião é apresentada com a mesma facilidade com que se vai ao mercado comprar
um parafuso para completar a engrenagem de uma máquina e pô-la a funcionar.
Porém, a atitude de fé não é uma atitude
de supremacia em relação ao mundo e aos outros, mas uma atitude de entrega de
si mesmo” (Duque, o.c.p. 156).
Conclusão. Refletimos sobre a filosofia da violência e da lógica
mimética e do bode expiatório. A psicologia explica que a violência tem que
escolher um bode expiatório para encontrar a desculpa furada da fome de poder e
de domínio. Os Hitlers antigos viviam disso, como o da Alemanha nazista, e os
hitlers de hoje das guerras de Gaza. E acontece o fenômeno do “contágio
mimético” pelo qual as massas agem por mimetismo ou imitação contagiosa dos
seus chefes.
P.Casimiro João
smbn
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
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