“No dia chamado do Sol reunimo-nos num lugar da cidade ou do
campo, e lemos as memórias dos Apóstolos, até que o tempo permita” (São
Justino, Apol.1,67). Parece-nos estar no mesmo patamar das comunidades de base
do nordeste brasileiro, ou numa celebração da América latina. Este relato nos
diz que São Justino, do século II d.C. se fazia presente nessas orações “Reunimo-nos”,
“até que o tempo permita”. E eram lidas as “Memórias dos Apóstolos”, uma
vez que o termo “evangelhos” ainda não existia. O primeiro a usar a atual
expressão de “evangelho” foi o próprio São Justino, que primeiro lhe deu também
o nome de “Memórias dos Apóstolos”. Como sabemos, os evangelhos eram
inicialmente anônimos. Os textos originais já existiam há mais de cem anos, sem
nome. A primitiva Igreja atribuiu-lhes os nomes de quatro evangelistas no
séc.II depois de Cristo. Esta atribuição de autores tinha o objetivo de dar
credibilidade e autoridade aos evangelhos, antes chamados Memorias dos
Apóstolos. Inicialmente, “evangelho” já existia, e era o anúncio de “boas
notícias”, como vitórias militares ou o nascimento de um imperador, antes de se
referir à mensagem cristã. A inteligência de aplicá-lo para as “memórias dos
apóstolos” se deveu ao gênio de São Justino que era um filósofo da Palestina.
Enquanto que, quem começou o nome de “Novo Testamento” foi Tertuliano, no ano
200. Os evangelhos não são relatos de testemunhas oculares, e nenhum dos
escritores evangélicos jamais afirmou ser uma testemunha ocular. O fato de
serem escolhidos 04 Evangelhos entre os mais de 20 ou 30 que havia, foi para
representar os 04 pontos cardeais, os 04 cantos da Terra, Norte, Sul, Leste e
Oeste. Formou-se até uma lenda que no concílio de Niceia (325) os quatro
evangelhos voaram para um altar, mas, como disse, foi uma lenda popular e nada
mais. Os evangelhos, assim como a Bíblia, “não são um livro caído do céu”
(Valerio Mannucci, A Bíblia, palavra de Deus, p.74). Mesmo assim as primeiras
enciclopédias traziam que teria sido trazido por um anjo, como os
islamitas ainda pensam isso hoje sobre o Corão, o livro religioso deles. E
mesmo que antes do concilio vaticano II se sustentasse que a Bíblia tinha sido
“ditada” por Deus, antes pelo contrário, ela teve por autores verdadeiros os
redatores humanos. O Concílio nem chamou os hagiógrafos de “instrumentos”, mas
de “verdadeiros autores”, como para dizer que a qualificação de “autor
literário” cabe apenas ao leitor humano. E por isso não se resolve num “ditado”
da parte de Deus e nem é equiparável a uma inspiração de tipo
divinatório”(o.c.p.181). Consequentemente, a “Bíblia também não foi composta
com revelações previamente recebidas pelos autores” (L.Alonso Schokel, apud
Nannucci, o.c.p.175). Também na Literatura patrística era comum citar a
expressão “Carta de Deus aos homens”. Porém, é uma maneira de dizer mais
pastoral e homilética do que teológica, expressão que já vinha de Santo
Agostinho no seu romance “a cidade de Deus”. (Cf.V.D.n.21). Sobre as traduções
da Bíblia, a começar pelas mais antigas, temos dados impressionantes do próprio
São Jerônimo, quando diz: “Uns procuram traduzir palavra por palavra, outros só
o sentido, e outros ainda não diferem muito dos antigos” (S.Jerônimo, Praef. In
2 Chron.Eusebii, apud Mannucci, o.c.p. 113). Já vimos noutra página que não há
nenhum escrito original da Bíblia. Rolos e códices originais foram logo
deteriorados pelo uso, outros queimados ou soterrados por guerras, terramotos e
sanhas dos inimigos. As transcrições aumentaram também os erros de transcrição
e tradução feita de cópias de cópias. Daqui nasceu a necessidade da crítica
textual que começou há pouco mais de 100 anos, com novas descobertas de
documentos soterrados, outros encontrados em grutas, como as Grutas de Qumram,
ou a biblioteca de Nag-Hammadi, no Alto Egito. Vimos que além dos quatro
evangelhos havia outros, que por não pertencerem à lista ou cânon dos que foram
escolhidos ficaram com o nome de evangelhos apócrifos. São eles: O evangelho de
Pedro, de Tomé, de Tiago, de Filipe, de Maria Madalena, de Judas, o evangelho
grego dos Egípcios, o evangelho da infância de Jesus, o evangelho de Maria, o
evangelho da verdade, o evangelho de Nicodemos, o evangelho dos Armênios, o
evangelho da infância siríaco, o evangelho dos hebreus, o evangelho dos
Nazarenos, o evangelho dos Vivos, o evangelho de Apeles, o evangelho da
natividade de Maria; e outros perdidos, como: o evangelho de Eva, o evangelho
do reino celeste, o evangelho da perfeição, o evangelho de Matias, o evangelho
dos 70, o evangelho dos Doze, e o evangelho das “memoria apostolorum”. Vimos
que quem deu a primeira vez o nome de
“evangelhos” foi São Justino. E quem deu pela primeira vez o nome de “Novo
Testamento” foi Tertuliano, no ano 200. Os evangelhos, como todo o Novo
Testamento têm na sua escrita o ambiente daquela época deles, como mitos e
lendas. Como dizem os estudiosos, o “mundo do Novo Testamento, como aquele do
Antigo, era um mundo habitado por anjos e demônios, governado por potências
cósmicas e possuído por forças misteriosas, com Deus que fazia o papel de
dominador deste grande conjunto cósmico” (o.c.p.340). Autores recentes falam
então em “demitização” e desmitologização”. Por outras palavras, eu acho uma
fórmula mais breve e popular, temos que fazer um desconto quando lemos a
Bíblia. O concílio vaticano II no documento Dei Verbum põe em “evidência a atividade literária integralmente humana
dos escritores sagrados, chamados ‘verdadeiros autores” (DV.n11). Por isso há
exageros quando se dá lugar à emoção, e entrega-se tudo ao Espirito, o que não
é correto. Vejamos: “Todo o recurso apressado ao Espírito contra a letra do
texto é ao mesmo tempo uma traição à Palavra de Deus e às leis do falar humano.
O primeiro critério ineludível para não cair no subjetivismo hermenêutico e
sobretudo para entender a palavra de Deus na Bíblia, é a fidelidade ao texto e
ao seu sentido literal.” (o.c.p.360).
Conclusão. Quando estamos lendo os evangelhos devemos ter presente
que os evangelistas não deixaram a sua assinatura. E também que não são os
documentos originais, mas cópias de cópias que atravessaram muitas gerações. E
finalmente, que nessas cópias entraram influências de várias filosofias do
entorno, conforme o período e conforme o autor das cópias. Assim sendo, os
escritores não deixaram a sua assinatura, mas quem deixou a sua assinatura foram
as filosofias de sua época, e a cultura das épocas, e das traduções e das
várias edições do Novo Testamento, tendo em conta mitos e lendas na mistura.
P.Casimiro João
smbn www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
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