segunda-feira, 2 de junho de 2025

RECORDANDO O DIA DO SOL

“No dia chamado do Sol reunimo-nos num lugar da cidade ou do campo, e lemos as memórias dos Apóstolos, até que o tempo permita” (São Justino, Apol.1,67). Parece-nos estar no mesmo patamar das comunidades de base do nordeste brasileiro, ou numa celebração da América latina. Este relato nos diz que São Justino, do século II d.C. se fazia presente nessas orações “Reunimo-nos”, “até que o tempo permita”. E eram lidas as “Memórias dos Apóstolos”, uma vez que o termo “evangelhos” ainda não existia. O primeiro a usar a atual expressão de “evangelho” foi o próprio São Justino, que primeiro lhe deu também o nome de “Memórias dos Apóstolos”. Como sabemos, os evangelhos eram inicialmente anônimos. Os textos originais já existiam há mais de cem anos, sem nome. A primitiva Igreja atribuiu-lhes os nomes de quatro evangelistas no séc.II depois de Cristo. Esta atribuição de autores tinha o objetivo de dar credibilidade e autoridade aos evangelhos, antes chamados Memorias dos Apóstolos. Inicialmente, “evangelho” já existia, e era o anúncio de “boas notícias”, como vitórias militares ou o nascimento de um imperador, antes de se referir à mensagem cristã. A inteligência de aplicá-lo para as “memórias dos apóstolos” se deveu ao gênio de São Justino que era um filósofo da Palestina. Enquanto que, quem começou o nome de “Novo Testamento” foi Tertuliano, no ano 200. Os evangelhos não são relatos de testemunhas oculares, e nenhum dos escritores evangélicos jamais afirmou ser uma testemunha ocular. O fato de serem escolhidos 04 Evangelhos entre os mais de 20 ou 30 que havia, foi para representar os 04 pontos cardeais, os 04 cantos da Terra, Norte, Sul, Leste e Oeste. Formou-se até uma lenda que no concílio de Niceia (325) os quatro evangelhos voaram para um altar, mas, como disse, foi uma lenda popular e nada mais. Os evangelhos, assim como a Bíblia, “não são um livro caído do céu” (Valerio Mannucci, A Bíblia, palavra de Deus, p.74). Mesmo assim as primeiras enciclopédias traziam que teria sido trazido por um anjo, como os islamitas ainda pensam isso hoje sobre o Corão, o livro religioso deles. E mesmo que antes do concilio vaticano II se sustentasse que a Bíblia tinha sido “ditada” por Deus, antes pelo contrário, ela teve por autores verdadeiros os redatores humanos. O Concílio nem chamou os hagiógrafos de “instrumentos”, mas de “verdadeiros autores”, como para dizer que a qualificação de “autor literário” cabe apenas ao leitor humano. E por isso não se resolve num “ditado” da parte de Deus e nem é equiparável a uma inspiração de tipo divinatório”(o.c.p.181). Consequentemente, a “Bíblia também não foi composta com revelações previamente recebidas pelos autores” (L.Alonso Schokel, apud Nannucci, o.c.p.175). Também na Literatura patrística era comum citar a expressão “Carta de Deus aos homens”. Porém, é uma maneira de dizer mais pastoral e homilética do que teológica, expressão que já vinha de Santo Agostinho no seu romance “a cidade de Deus”. (Cf.V.D.n.21). Sobre as traduções da Bíblia, a começar pelas mais antigas, temos dados impressionantes do próprio São Jerônimo, quando diz: “Uns procuram traduzir palavra por palavra, outros só o sentido, e outros ainda não diferem muito dos antigos” (S.Jerônimo, Praef. In 2 Chron.Eusebii, apud Mannucci, o.c.p. 113). Já vimos noutra página que não há nenhum escrito original da Bíblia. Rolos e códices originais foram logo deteriorados pelo uso, outros queimados ou soterrados por guerras, terramotos e sanhas dos inimigos. As transcrições aumentaram também os erros de transcrição e tradução feita de cópias de cópias. Daqui nasceu a necessidade da crítica textual que começou há pouco mais de 100 anos, com novas descobertas de documentos soterrados, outros encontrados em grutas, como as Grutas de Qumram, ou a biblioteca de Nag-Hammadi, no Alto Egito. Vimos que além dos quatro evangelhos havia outros, que por não pertencerem à lista ou cânon dos que foram escolhidos ficaram com o nome de evangelhos apócrifos. São eles: O evangelho de Pedro, de Tomé, de Tiago, de Filipe, de Maria Madalena, de Judas, o evangelho grego dos Egípcios, o evangelho da infância de Jesus, o evangelho de Maria, o evangelho da verdade, o evangelho de Nicodemos, o evangelho dos Armênios, o evangelho da infância siríaco, o evangelho dos hebreus, o evangelho dos Nazarenos, o evangelho dos Vivos, o evangelho de Apeles, o evangelho da natividade de Maria; e outros perdidos, como: o evangelho de Eva, o evangelho do reino celeste, o evangelho da perfeição, o evangelho de Matias, o evangelho dos 70, o evangelho dos Doze, e o evangelho das “memoria apostolorum”. Vimos que  quem deu a primeira vez o nome de “evangelhos” foi São Justino. E quem deu pela primeira vez o nome de “Novo Testamento” foi Tertuliano, no ano 200. Os evangelhos, como todo o Novo Testamento têm na sua escrita o ambiente daquela época deles, como mitos e lendas. Como dizem os estudiosos, o “mundo do Novo Testamento, como aquele do Antigo, era um mundo habitado por anjos e demônios, governado por potências cósmicas e possuído por forças misteriosas, com Deus que fazia o papel de dominador deste grande conjunto cósmico” (o.c.p.340). Autores recentes falam então em “demitização” e desmitologização”. Por outras palavras, eu acho uma fórmula mais breve e popular, temos que fazer um desconto quando lemos a Bíblia. O concílio vaticano II no documento Dei Verbum põe em “evidência  a atividade literária integralmente humana dos escritores sagrados, chamados ‘verdadeiros autores” (DV.n11). Por isso há exageros quando se dá lugar à emoção, e entrega-se tudo ao Espirito, o que não é correto. Vejamos: “Todo o recurso apressado ao Espírito contra a letra do texto é ao mesmo tempo uma traição à Palavra de Deus e às leis do falar humano. O primeiro critério ineludível para não cair no subjetivismo hermenêutico e sobretudo para entender a palavra de Deus na Bíblia, é a fidelidade ao texto e ao seu sentido literal.” (o.c.p.360).

Conclusão. Quando estamos lendo os evangelhos devemos ter presente que os evangelistas não deixaram a sua assinatura. E também que não são os documentos originais, mas cópias de cópias que atravessaram muitas gerações. E finalmente, que nessas cópias entraram influências de várias filosofias do entorno, conforme o período e conforme o autor das cópias. Assim sendo, os escritores não deixaram a sua assinatura, mas quem deixou a sua assinatura foram as filosofias de sua época, e a cultura das épocas, e das traduções e das várias edições do Novo Testamento, tendo em conta mitos e lendas na mistura.

P.Casimiro João     smbn   www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

 

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