Antigamente
havia a substituição de deuses, um deus por outro deus. Onde está isso
registrado é no poema mais antigo da humanidade, o Enuma Elish, onde se assiste à troca de Inana por Marduk à
supremacia sobre o conselho dos deuses. E, de quebra, onde há substituição
há entronização. (Cf. Cf.Rolin Scroggs, O Jesus do povo, Paulus, 2012, p.42). É
disto que vamos falar. Essa teologia antiga dos sumérios continuou até à
Bíblia, para o A.T. e quem sabe, depois passou para o N.T. com algumas
semelhanças. E não nos admiramos, uma vez que os humanos colocavam os deuses
fazendo as mesmas coisas que fazem os seres humanos. Assim como nos governos
humanos quando um rei não servia mais, era substituído por outro rei,
governador por outro governador. Sobre a Bíblia, vejamos o que nos diz a
história: Mesmo Javé pode não ter sido o sempre o deus supremo de Israel.
Segundo alguns estudiosos, os primeiros israelitas viviam à sombra da
supremacia das divindades ugaríticas que tinham o deus “El”, no entanto Davi
trocou “El” por Yahweh. Yahweh passou assim a controlar as nações e era o
supremo sobre outras divindades, e encontramos ecos disso nos salmos 52 e 47. E
a história não fica por aí. Já mesmo no final da epopeia de Israel, aparecem
elementos novos que nos trazem outra surpresa. Aparece a imagem de Deus como o
“Ancião dos Dias” que vai ser substituído por um senhor e deus novo, o “Filho do Homem”.(Dn.7.14). Daniel
apresenta este Filho do Homem como sendo uma “substituição” do deus antigo. O
deus velho, o “Ancião dos Dias” abdica em favor de um deus jovem, que assume
seu lugar, à imitação dos deuses ugaríticos e do poema Enuma Elish. (c.o.p. 39). Isto considerado desta maneira, não
obstante o tema de Daniel em si relacione estreitamente o Filho de Homem ao
povo de Israel na teologia tradicional, mas é muito provável que a própria
estrutura mítica nos leve a afirmar o outro lado da medalha: essa figura é
divina. E agora aqui funciona a teologia da “substituição”. O livro de Daniel
foi escrito para celebrar a vitória dos macabeus no ano 165 a.C. Aí o povo
respirou fundo e sentiu-se novamente livre, depois de séculos de opressão, com
dois cativeiros, a queda da Samaria e a queda de Judá. Como era próprio das
teologias antigas deduzir que a derrota da Nação era a derrota do seu deus,
então o deus Yahweh sofria as mesmas derrotas sucessivas que o povo sofreu.
Isto dá o suporte teológico para essa visão mítica onde Daniel terá colocado em
análise e em prática a teologia reinante do princípio da “substituição” e da
derrota dos deuses. Assim, “abalada a antiga teologia de Yahweh como senhor da
história, agora, com as surpreendentes vitórias dos Macabeus, esse fato encaixou
na prática das teologias reinantes. A vitalidade da nova época precisava de
alguma nova forma onde a antiga teologia fosse aplicada. Essa aplicação foi
encaixada no mito de entronização celeste do “um como Filho de Homem” que fosse
bastante forte para por em prática o programa que o deus Yahweh por tantos
longos anos não tinha resolvido” (Cf. o.c.p.40). Lembremos: estamos lidando com
teologias antigas e não do nosso tempo. E dentro dessas teologias da
“substituição” de um deus pelo outro o ponto culminante da festa era a “entronização”.
E é disso que nos dá notícia o livro de Daniel: “A ele foi dado poder, glória e reino, e todos os povos, nações e
línguas o serviam. O seu poder é eterno que nunca lhe será tirado e nem
destruído” (Dn.7,14). O teólogo Emerton conclui: “As quatro passagens de Filho
do Homem enquadram-se bem no pano de fundo da festa de entronização e das
ideias cananeias e israelitas a ela associadas” (cit. em R.Scroggs o.c.p 41). E
continua Scroggs: “O tema é retomado na exaltada conclusão de Mateus onde Jesus
ressuscitado reivindicou poder divino em alusão a Daniel: “Toda autoridade sobre o céu e sobre a terra me foi entregue” (Mt.28,18;
o.c.p.41). Esta teologia de substituição e entronização passou depois para
as Cartas paulinas em expressões muito carregadas. São Paulo fala que não foi
“usurpação” ou competição. (Fil.2,6-11). Porém, as funções antes atribuídas a
Yahweh como “cosmocrator”, e como senhor do mundo e juiz do mundo passavam para
o Cristo, o Filho de Homem por “substituição”. E vejamos bem se isto não está
mesmo no nosso imaginário inconsciente: Todo cristão deixa “Deus” de lado e
todo mundo se dirige a Jesus.. Semelhante ao que aconteceu naquele tempo: o que
não foi possível acontecer com o mando de Yahweh estaria agora acontecendo com
os triunfos dos guerreiros macabeus e
com a entronização do novo “Cosmocrator” Filho de Homem, que na
linguagem helenista tomava o nome de Kyrios
Iesous Cristos. Desde esse momento era inaugurado um novo tempo de
prosperidade. “O mundo agora era uma realidade agradável na qual todos podiam
viver e respirar livremente. Os poderes demoníacos e os impérios que outrora
escravizavam o cosmo estavam agora destronados, e o Filho de Homem Iesous
Christos reinava. Como em todos os cultos, esse Kyrios ou novo Senhor é
honrado, seus membros exultam com
confiança por estarem à direita e terem contato com aquele que verdadeiramente
governava. Assim, todo Israel interpretava e celebrava a entronização descrita
por Daniel, e ao mesmo tempo assim passou a ser lida pelas comunidades do Novo
Testamento. Era assim como a satisfação de quando se elege um novo governo no
qual o povo põe toda a sua confiança. Assim como diz aquele grito “Ó rei, vive
para sempre”; Viva o novo rei!” Como dizem os teólogos, era uma teologia de
consequências políticas, isto é, referente ao presente, e não escatológicas,
isto é, para o futuro. (Cf. o.c.p.35). Vamos agora localizar uma passagem das
Cartas de Paulo onde ele assumiu este modelo de teologia: “Por isso Deus o exaltou soberanamente e lhe outorgou o nome que está
acima de todos os nomes para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho no céu,
na terra e nos abismos. E toda a língua confesse para a glória de Deus-Pai que
Jesus Cristo é o Senhor” (Fil.2,6-11). Na verdade, o que na Velha Aliança
Isaías tinha colocado em Yahweh, foi aplicado agora ao Cristo Jesus, o novo
entronizado: “diante de mim se dobrará
todo joelho e por mim jurará toda a língua dizendo só: em Yahweh se encontra
justiça e força” (Is. 45,23). (Cf. o.c.p.35).
Conclusão A nossa teologia encara com coragem a volta à antiguidade não só judaica mas também pre-judaica com a tarefa de analisar à luz de hoje antigas teologias tanto judaicas como pre-judaicas. E não devemos nos podemos surpreender com as descobertas, uma vez que os humanos quando falam de Deus e dos deuses falam fazendo deles seres semelhantes aos homens, como a “substituição e entronização”. Também no meio, há outra atitude que também existe: a “usurpação”. Por isso São Paulo nas Cartas adverte claramente que Jesus Cristo não veio por “usurpação”, mas por “substituição”. “Jesus Cristo, sendo em forma de Deus, não teve por “usurpação” ser igual a Deus, mas aniquilou-se a si mesmo quando se fez humano e semelhante aos homens” ( Fil.2,6-11). Finalmente o próprio Apocalipse começa com Deus entregando a tarefa da "revelação" que vai seguir-se a "Jesus Cristo" como uma missão a cumprir: "Revelação que Deus confiou a Jesus Cristo, para que mostre aos seus servos as coisas que devem acontecer em breve"(Ap.1,1).
P.Casimiro
João smbn
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