segunda-feira, 30 de junho de 2025

A MORAL DO “É DANDO QUE SE RECEBE”.


Esta afirmação, atribuída a São Francisco de Assis, tem criado mentes depressivas, por um lado; e mentes gulosas e sequestradoras,  por outro lado. Depressivas, quando não correspondidas, i.é, quando não recebem de volta o bem que acham que fizeram. No dizer de Augusto Cury, isso cria um desiquilíbrio emocional ou depressivo. O equilíbrio emocional de Cristo se baseava em não esperar do outro a mesma retribuição do bem que fazia. E nos convida à mesma atitude para manter o equilíbrio emocional. Por outro lado, esse jargão cria mentes gulosas, ambiciosas e sequestradoras naqueles que, já tendo milhões, dão alguns centavos sabendo que esses centavos irão produzir milhões no futuro. Pense nas eleições de todos os países modernos, e nessa democracia quando eleitores “vendem” seu voto a um candidato astuto por algum favor momentâneo. Esse “favorzinho” e mais mil de um milhão de favorzinhos renderão para o candidato milhões nos seus salários fabulosos além de outras benesses. Por sua vez, candidatos gulosos que se tornaram deputados, senadores, etc. se associam em partidos, que, juntos, sequestram o dinheiro da Nação. E quando o poder executivo propõe planos e projetos de benefícios sociais, esses partidos da gula se arrepiam e reagem em não aprovar essas leis se não for a troco de mais dinheiro, o que no Brasil é chamado de “Emendas parlamentares”, um nome de fantasia para seu enriquecimento pessoal. Na verdade, criaram-se partidos da gula que sequestram assim todo o dinheiro e economia de uma Nação. Desta maneira se subvertem as democracias, pois “democracia” significa no seu sentido original, poder do povo. “Cratos” poder; “demo’, povo. Mas resulta que não é mais poder do povo mas poder do dinheiro. A democracia virando ditadura, por culpa da gula do dinheiro. Esta matéria leva-nos a refletir no problema maior que é a Moral e a ética. Precisamos saber que o traço característico da Moral é a universalidade, e que o problema moral preexiste ao surgimento do cristianismo, que tem apenas dois mil anos de existência. Dissemos noutra página que a fé é uma e úncia em  todo mundo, e as religiões são sistemas, ou paradigmas ou configurações. Aqui acontece a mesma coisa, e  afirmamos que a Moral é única, porém povos e culturas fizeram os seus sistemas, ou seus paradigmas, ou como têm sido chamados, seus códigos. É do conhecimento geral o “Código de Hamurabi”. Slogans ou jargões como “Não faça aos outros o que não quer que façam a  você, são universais, digamos, são o primeiro mandamento, junto com o respeito ao Deus supremo, como expresso nos primeiros Códigos da humanidade, séculos antes da Bíblia hebraica. Isso também afirmaram todos os expoentes e fundadores das religiões tradicionais, como Confúcio, Lao Tsé e Zoroastro. Portanto, “sistemas ou paradigmas de moral são as regras com que os homens organizaram a sua razão e elaboraram as suas Morais” (U.Galimbertti, Rastos do sagrado, pag.31). No cristianismo surgiu essa sentença que, à primeira vista pode parecer uma sentença padrão e de valor heroico “é dando que se recebe”, mas tem os pés de barro embora pareça com cabeça de ouro. Já vimos como pode ser utilizada para o maior egoísmo e egocentrismo, e como produz mentes gulosas e sequestradoras de fortunas. Além disso “supõe um Deus contabilista, jurídico e retribuidor. Porém, um Deus retribuidor que adota a regra do “dou para receber de volta” (do ut des) seria um Deus incapaz de graça. É preciso lembrar isso a todos que interpretam a salvação como direito que pode ser adquirido com boas ações sobre a terra, a todos os que se julgam a salvo e se esquecem de que Deus é pura gratuidade” (o.c.p33). Na verdade, podemos considerar três tipos de ética ou moral: a ética cristã, a ética laica e a ética da responsabilidade. A ética cristã é a que acabamos de considerar e que traz no seu bojo a depressão para quem se decepciona com a falta de retribuição, por um lado, e as mentes gulosas por outro lado. Ao lado dela veio a ética laica, formulada por Kant, que tem por princípio que o homem deve ser sempre tratado como um fim e não como um meio. Ele resume também, afirmando o seguinte princípio: “Faça de tal maneira que o que você faz possa ser seguido por todo mundo”. Ou seja, no conceito formulado por Kant, não se mira o receber de volta, mas a gratuidade do bem: o bem deve ser feito porque é bem Esta foi completada com a ética da responsabilidade por Max Weber com a ética da responsabilidade. O que é a ética da responsabilidade? A ética que faz questão de que quem age deve responsabilizar-se pelas consequências de suas ações. Portanto, não fazer simplesmente o bem porque  tem um mandamento, mas responsabilizar-se pelos efeitos sociais e suas repercussões. No exemplo de quem vota num candidato, não deve ter em vista o dever de votar simplesmente mas olhar às consequências sociais.

Conclusão. As duas éticas modernas completam a ética cristã, e são abrangentes. Porque nenhum ato é isolado, mas mexe com o mundo e seu  universo. São portanto três variantes no conceito de ética: a cristã, a laica e a ética da responsabilidade. Esta olha para as consequências sociais, ecológicas e humanas ou desumanas dos atos particulares e fazem a radiografia do jargão tão em voga do “é dando que se recebe”, o qual, nesta radiografia, fica como o jargão de uma moral manca.

P.Casimiro João      smbn

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segunda-feira, 23 de junho de 2025

GENOMA, INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E RELIGIÃO.

Estamos na época de uma nova corrida planetária à Lua. A américa do Norte por um lado, a China e Rússia por outro lado, a Europa e a Índia no páreo. Até que foi a Índia que recentemente encontrou água na Lua, e agora todos querem beber daquela água. Outra história que vai revolucionar as fontes de energia limpa: A Alemanha descobriu e está em fase de testes avançados, que podem formar barragens hidráulicas que não vão seguir os moldes tradicionais, i.é, não serão represas de rios mas irão armazenar água do fundo do mar em grandes reservatórios de 50 e ou  100 metros de diâmetro na sua circunferência, e estas enormes bolas de concreto oco serão jogadas nos oceanos, e lá dentro irão transformá-la em energia, do mesmo modo que as represas hidreléticas, só que é tudo invisível no oco daquelas bolas monstras. Este avanço nos espanta, assim como esses projetos de começar a captar os minerais raros que serão pesquisados na Lua e chegarão às indústrias mais sofisticadas aqui na terra. E de quebra aparecerão bases lunares que serão os novos pontos de apoio para as viagens a Marte. Daqui a 10 ou o mais tardar 20 anos, ouviremos falar que na Lua  tem uma colônia ou uma cidade de humanos. Chegou também a ocasião de avaliar os milhões de Provas do Enem com o uso da IA, inteligência artificial, o que vai economizar horas e dias de trabalho dos professores, e ligeireza dos resultados. Isto que estará acontecendo nesta década é mais avançado do que na época de 1990 quando a ciência começou a mexer no genoma humano que consiste em 3,1 bilhões de pares de base do DNA. Foi também a época da condenação dos processos da regulação da natalidade e dos meios anticoncepcionais por parte da Igreja. Na época o Papa João Paulo II fez umas denúncias severas sobre esses procedimentos porque, segundo ele, seria abrir caminho para a seleção de indivíduos melhores com relação aos piores. Afinal, a ciência respondeu que a natureza já fazia isso durante  milhares de anos, apenas agora artificialmente aconteceria mais rápido. E por parte dos teólogos, hoje se diz que “a Igreja não confia no homem e muito menos nas suas escolhas” (U.Galimbertti, Rastos do sagrado, p.324). Não só, mas sobretudo  em relação à dimensão da ética sexual,  um campo onde a Igreja se acostumou a avaliar muito abusivamente os novos avanços que surgiram devido aos estudos na área das ciências humanas da Psicologia, antropologia, e da cosmologia com a variante da evolução. É por isso que é aconselhada a adotar a “estratégia que todos os pais adotam com relação aos filhos quando percebem que as proibições que serviam para educar os filhos quando eram pequenos perderam sua eficácia; então os pais se dispõem ao diálogo e à escuta e adotam modalidades educativas que nascem da consciência de que a emancipação dos filhos não pode parar, e de que toda a intervenção categórica e definitiva é contraproducente”(o.c.id.id.). Na verdade, quando há uma contenda entre a ciência e a religião, a Igreja ainda não acabou de se dar conta que a ciência é independente da religião, e, quer queiramos ou não, quando há embate entre as duas quem leva o melhor é a ciência, como deixa entrever a história desde os tempos de G.Galileu, passando pelas vitórias da Revolução Francesa e as últimas descobertas da engenharia genética. Os tempos modernos resolveram chamar de “secularização” esta independência da ciência em relação à fé e religião. Situação que também ficou selada no paralelo da independência do Estado em relação à Igreja, separando o “casamento” entre  eles que vinha de longa data, desde os tempos do imperador Constantino, no séc. V d.C. E aí resultou, de quebra, que as autoridades, sendo eleitas pelo povo, perderam aquela aura mítica segundo a qual elas vinham de Deus. É a democracia que nasceu, porque democracia é o poder que vem do povo. De quebra, daí se deve também a origem do Estado laico.

Conclusão. Na base de nossa reflexão está a questão de como a Igreja confia no homem. É fácil confiar em Deus, ou fazer de conta que se confia. Se alguém diz que Deus faz uma planta crescer com a raiz para cima, tem gente que aceita tranquilo pensando que sim. Mas não vai saber se isso aconteceu alguma vez, e nunca aconteceu. Enquanto isso, a razão questiona se as afirmações a respeito de Deus são inteligíveis ou absurdas. Nesse sentido, o iluminista Kant considerava a Idade das luzes a “saída da humanidade de um estado de menoridade” (apud Galimbertti, o.c.p.300).

P.Casimiro João       smbn

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segunda-feira, 16 de junho de 2025

VIOLÊNCIA E A LÓGICA MIMÉTICA.


 

A humanidade viveu e vive de ondas de violência, como ondas do mar. E arrumou seus símbolos  como Caim e Abel. E hoje os símbolos dos Hitlers. A violência tem a sua fonte na fome do poder. “A fome do poder perverte o tecido interno do ser humano donde resulta a relação de senhor-escravo e a coisificação do homem como joguete na mão do ímpio. E aqui há duas vertentes do ser humano que se subvertem: uma é a dignidade do ser humano como construtor de si próprio que é subvertida, e outra é a dimensão do ser humano frente à interpelação do “outro” que também fica truncada.  Para interromper esse ciclo de violência torna-se necessário atentar no termo simbólico que é “o outro” na sua alteridade inabarcável; esta atitude se forma, antes de mais nada, por um critério crítico denunciador e superador de uma cultura do individualismo egoísta” (Cf. Duque, João Manuel, “Para o diálogo com a pós-modernidade, Coimbra,48). Isto pressupõe dar lugar a um “humanismo do outro homem”                                               , como paradigmaticamente lhe chama Levinas. Nenhuma atitude religiosa pode prescindir desse humanismo fundamental, sem correr o grave risco de se tornar atitude desumana, mesmo anti-humana, e, como tal, anti-divina, ou seja, falsamente religiosa”o.c.p.48). Por outro lado, nasce daí a responsabilidade de denunciar a cultura de todos os idealismos especulativos e ideológicos, de todas as falsas utopias que sacrificam a realidade concreta, e sobretudo a realidade das vítimas da história ao totalitarismo de um sistema filosófico, político ou religioso. Nenhuma atitude religiosa  autêntica pode prescindir de uma profunda solidariedade com o “outro” sofredor, e da memória dos mártires da história” (o.c.p.49). Na base da nossa análise está em jogo a psicologia do conflito e da violência, dando-nos conta de que os seres humanos são mais violentos que os animais, num tipo de conflito que é interno, recíproco e potencialmente interminável, ao qual nenhum sistema judiciário consegue por freio. Historicamente, a violência tem fabricado vítimas inocentes e bodes expiatórios exigindo sacrifícios rituais nas religiões. E, como diz Duque, “as religiões fabricam bodes expiatórios e depois os divinizam sem saber o que estão fazendo” (o.c.p.27). No dizer de Girard, “a linguagem dos evangelhos confirma a interpretação da morte de Jesus como bode expiatório: um de seus epítetos ou sinónimos é “Cordeiro de Deus”, o que é sinônimo de bode expiatório” (Girard, “Cristianismo e relativismo”, pg.105). Por outro lado, daí origina-se o “contágio mimético”, que significa que  uma multidão é contagiada por uma convicção unânime de ter encontrado um culpado, uma vítima de todos os seus pecados; não há comportamentos individuais, mas apenas a lógica mimética da multidão. No meio disto aparece o lugar das religiões. Estudiosos das religiões afirmam que por milhões de anos as religiões, apesar das suas contradições foram aquilo que permitiu às comunidades primitivas não se autodestruírem, inventando o símbolo do bode expiatório e a vítima e os sacrifícios. No cristianismo, a vítima é inocente, nas outras a vítima é culpada como no mito de Édipo onde é morto o pai Laio para casar com Jocarta. Isto sem falar da violência contra a Natureza, já que os homens primitivos não cultivavam a terra pelo medo dos espíritos e divindades que nela habitavam e permeavam a natureza. (Girard,31). Vem ao nosso caso a expressão usada na teologia da pós-modernidade da concepção de um “Deus sobre nós” (Deus super nos), ou de um “Deus entre nós” (E.Jungel, apud Duque, o.c.p.98) respondendo à eterna pergunta da metafísica “Onde está Deus?” Esta é uma questão que brota já do próprio texto escriturístico. Esse contexto surge no âmbito da discussão sobre o Deus de Israel ou dos outros deuses. E  “onde está o Deus de Israel, se parece estar sempre ausente? Aqui surge o dilema: a ânsia da certificação do ser divino acompanha a literatura bíblica. Isto afeta também a ideia que o homem atual passa a ter de Deus, mas também a outra presença, a do mundo. Este passa a ser o espelho da sua atividade pois é obra sua, pela qual ele se sente responsável, tornando supérflua a ação de Deus. O peso do mundo então cai sobre o homem tornando supérflua a referência a Deus. Peso demasiado pesado, sobretudo frente às injustiças de que a história é testemunha. O recurso a Deus poderia então aliviar o homem desse demasiado peso. Mas é então neste contexto que se volta à pergunta: “Onde está Deus?” pergunta que parece perder-se no vazio do próprio ressoar.  De novo temos a resposta de Jungel: “A fé não pode falar da presença de Deus sem pensar simultaneamente na sua ausência”.(Apud Duque, o.c.p.99). Foi esta a experiência que Dietrich Bonhoeffer nos deixou na experiência do “Viver em Deus sem Deus, como se Deus não existisse” como ele assim se expressou na sua expressão “Honest to God”, honestos com Deus. O recurso do “Deus entre nós” deu-se na cruz, onde “o Deus que morre não é um Deus sobre nós, mas um “Deus entre nós” (Jungel, apud Duque, o.c.p.101). Isto é tudo o contrário da religiosidade onde “tudo vale”, porque “nada tem valor”, exceto a promoção individual e o dinheiro, e onde se cria a era do vazio e do “homem light”, onde se fabrica também a “self religião” como um “sel service” no restaurante. E também a religião ‘de mercado’ onde a religião é apresentada com a mesma facilidade com que se vai ao mercado comprar um parafuso para completar a engrenagem de uma máquina e pô-la a funcionar. Porém, a  atitude de fé não é uma atitude de supremacia em relação ao mundo e aos outros, mas uma atitude de entrega de si mesmo” (Duque, o.c.p. 156).

Conclusão. Refletimos sobre a filosofia da violência e da lógica mimética e do bode expiatório. A psicologia explica que a violência tem que escolher um bode expiatório para encontrar a desculpa furada da fome de poder e de domínio. Os Hitlers antigos viviam disso, como o da Alemanha nazista, e os hitlers de hoje das guerras de Gaza. E acontece o fenômeno do “contágio mimético” pelo qual as massas agem por mimetismo ou imitação contagiosa dos seus chefes.

P.Casimiro João     smbn

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segunda-feira, 9 de junho de 2025

ILUMINISMO DE HERÁCLITO ANTES DO ILUMINISMO.


 

A “epilepsia”, ou o “mal sagrado” para os antigos, e “possessão” dos demônios para os judeus, o que era para Heráclito, o pai da medicina? Sobre o assim chamado “mal sagrado”, eis o que ele já dizia: “ Em nada é mais divino do que outras doenças, pois tem estrutura e causas racionais, porém os homens o julgaram obra divina por ignorância e espanto, já que em nada se assemelha às outras doenças; e esse caráter divino é confirmado pela dificuldade que eles têm de compreendê-lo” (Hipócrates, “Mal sagrado &1, apud Umberto Galimbertti, “Rastos do sagrado”, p67). Por esta atitude de Heráclito, (séc. V a. C.), considerado o pai da medicina, é antecipado o Iluminismo do Renascimento, quando a luz da razão ganhou independência em relação à fé no séc. XVIII, que foi chamado o século das luzes ou do Iluminismo. Porque de fato a medicina não pertence ao campo da fé mas da ciência. E o Iluminismo assim iniciou essa caminhada a duras provas e bem à revelia da Igreja, pois a Igreja se julgava com poder absoluto tanto no campo da fé como no campo da ciência. Porém, Heráclito bem claramente falou já no séc.V a.C. o que os filósofos e cientistas do Iluminismo falaram depois de tantos séculos, no século 18. Por isso nos diz o autor citado que “para Heráclito, o distanciar-se do divino equivale a distanciar-se da ignorância; e a “impiedade”, mais do que uma revolta contra Deus, é a condição para encontrar conhecimentos. Com efeito, iniciando a discussão sobre o ‘mal sagrado’, nome da antiguidade para a epilepsia, Heráclito pôs os pingos nos iis” (o.c.p.68). Nesse sentido diz outro investigador que, nestas circunstâncias, o recurso ao divino é a máscara da ignorância” (M.Vergetti, id., id.). Na verdade, Heráclito com esta teoria, se afastou da mítica de Platão, sobre a unidade do cosmo. Nesta unidade, o homem teria sido feito para o todo, quase como o Tao para o Lao-Tsé da China. Segundo esta unidade mítica, o homem seria um ponto dentro do universo, e não podia mexer no universo, ou, como diria o filosofo da Idade Média Tomás de Aquino, dentro do “motor imóvel”. Vem ao caso dizer que no mundo há dois tipos de dizer: “Uns que arriscam a linguagem, e estes “são os que dizem”; outros usam a linguagem e se detêm nos modos de dizer” (o.c.p.74). A linguagem destes não diz, a linguagem simplesmente lhes serve; e valem-se  da linguagem para brincar de “dizer” mas não dizem mais nada senão sons. Por outro lado, tem havido um mundo de só obediência e só submissão na área religiosa e na área civil que se criou em toda a Idade Média. Até porque a razão e a inteligência nunca foram chamadas a exercer a primazia. Geralmente, o mundo tem sido governado por ditaduras de reis e de impérios, e por ditaduras da política nos outros tempos e na área da Igreja. E em todos os regimes o Estado privava as populações em geral do acesso à escrita e à leitura e portanto à ciência, aliás já como diziam Platão e Aristóteles que o estudo era só para as elites, não para as classes baixas. Inclinação seguida também pela Igreja católica que só e sempre escolhia seus dirigentes entre as classes ricas, deixando os outros só para obedecer, castrando-os de pensar, seguindo os regimes do mundo onde a Igreja estava inserida. Daí que  na Igreja, como dizem hoje os estudiosos, a fé reduzia-se à moral, e a moral reduzia-se a uma obediência que não se podia contestar e nem muito menos compreender. Nas pegadas de Heráclito chegou portanto o Iluminismo moderno, desmitificando a doença com causas naturais, e não mais atribuindo-a ao “divino” ou “sagrado”. Daí em diante o espírito se abriu à investigação, e com a investigação chegou também a técnica como ferramenta de atuação na vida  prática. É aqui que U.Galimbertti tira algumas conclusões a este respeito: “A ciência não é neutra, porque cria um mundo com determinadas características que nós não podemos evitar de habitar, e, habitando-o, adquirimos hábitos e costumes. A tecnociência é agora o nosso mundo. Não somos seres isolados e estranhos, seres que só por vezes se servem da ciência e da técnica. Nós habitamos um mundo cientificamente e tecnicamente organizado. Portanto a tecnociência não é objeto de escolha nossa, mas é nosso ambiente onde virtudes e vícios, condutas e paixões, sonhos e desejos são cientificamente e tecnicamente estruturados e já têm necessidade da ciência e da técnica para se realizarem. Não há lugar para os trogloditas que viviam nas cavernas. E os que ainda pensam encontrar uma existência do homem além deste condicionamento simplesmente não têm consciência de que vivem uma mitologia do homem que já não existe” (cf.o.c.p.364). Esse homem mitológico tem sido paulatinamente destronado segundo as etapas da história. Por exemplo, no século dezoito a Igreja chegou a condenar a iluminação a gás, as pontes suspensas e as locomotivas dos trens a vapor. Mas esse homem não existe mais hoje; mais recentemente condenou a regulação da natalidade e os anticoncepcionais e a pílula e a camisinha. Mas esse homem e mulher também não existem mais.

Conclusão. Na Idade Antiga Sêneca foi condenado à morte porque foi considerado ateu: ele se recusava a aceitar a quantidade de deuses dos seus compatriotas. Para ele um deus era suficiente. Discordava da plataforma de pensamento reinante da quantidade de deuses e suas histórias. Hoje não é diferente: não é difícil “inventar deuses” para o nosso serviço. E há para tudo, até para as “causas impossíveis”. Se aquele Deus que está lá em cima não nos serve inventamos os nossos “das causas impossíveis” e das Novenas ou trezenas que “não podemos quebrar”. E  também é muito cômodo para a maioria dos mortais ser “maria vai com as outras”, repetindo as respostas “de rebanho” e de “maria vai com as outras”das postagens da Internet: “amém, amém, amém”...

P.Casimiro João       smbn

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segunda-feira, 2 de junho de 2025

RECORDANDO O DIA DO SOL

“No dia chamado do Sol reunimo-nos num lugar da cidade ou do campo, e lemos as memórias dos Apóstolos, até que o tempo permita” (São Justino, Apol.1,67). Parece-nos estar no mesmo patamar das comunidades de base do nordeste brasileiro, ou numa celebração da América latina. Este relato nos diz que São Justino, do século II d.C. se fazia presente nessas orações “Reunimo-nos”, “até que o tempo permita”. E eram lidas as “Memórias dos Apóstolos”, uma vez que o termo “evangelhos” ainda não existia. O primeiro a usar a atual expressão de “evangelho” foi o próprio São Justino, que primeiro lhe deu também o nome de “Memórias dos Apóstolos”. Como sabemos, os evangelhos eram inicialmente anônimos. Os textos originais já existiam há mais de cem anos, sem nome. A primitiva Igreja atribuiu-lhes os nomes de quatro evangelistas no séc.II depois de Cristo. Esta atribuição de autores tinha o objetivo de dar credibilidade e autoridade aos evangelhos, antes chamados Memorias dos Apóstolos. Inicialmente, “evangelho” já existia, e era o anúncio de “boas notícias”, como vitórias militares ou o nascimento de um imperador, antes de se referir à mensagem cristã. A inteligência de aplicá-lo para as “memórias dos apóstolos” se deveu ao gênio de São Justino que era um filósofo da Palestina. Enquanto que, quem começou o nome de “Novo Testamento” foi Tertuliano, no ano 200. Os evangelhos não são relatos de testemunhas oculares, e nenhum dos escritores evangélicos jamais afirmou ser uma testemunha ocular. O fato de serem escolhidos 04 Evangelhos entre os mais de 20 ou 30 que havia, foi para representar os 04 pontos cardeais, os 04 cantos da Terra, Norte, Sul, Leste e Oeste. Formou-se até uma lenda que no concílio de Niceia (325) os quatro evangelhos voaram para um altar, mas, como disse, foi uma lenda popular e nada mais. Os evangelhos, assim como a Bíblia, “não são um livro caído do céu” (Valerio Mannucci, A Bíblia, palavra de Deus, p.74). Mesmo assim as primeiras enciclopédias traziam que teria sido trazido por um anjo, como os islamitas ainda pensam isso hoje sobre o Corão, o livro religioso deles. E mesmo que antes do concilio vaticano II se sustentasse que a Bíblia tinha sido “ditada” por Deus, antes pelo contrário, ela teve por autores verdadeiros os redatores humanos. O Concílio nem chamou os hagiógrafos de “instrumentos”, mas de “verdadeiros autores”, como para dizer que a qualificação de “autor literário” cabe apenas ao leitor humano. E por isso não se resolve num “ditado” da parte de Deus e nem é equiparável a uma inspiração de tipo divinatório”(o.c.p.181). Consequentemente, a “Bíblia também não foi composta com revelações previamente recebidas pelos autores” (L.Alonso Schokel, apud Nannucci, o.c.p.175). Também na Literatura patrística era comum citar a expressão “Carta de Deus aos homens”. Porém, é uma maneira de dizer mais pastoral e homilética do que teológica, expressão que já vinha de Santo Agostinho no seu romance “a cidade de Deus”. (Cf.V.D.n.21). Sobre as traduções da Bíblia, a começar pelas mais antigas, temos dados impressionantes do próprio São Jerônimo, quando diz: “Uns procuram traduzir palavra por palavra, outros só o sentido, e outros ainda não diferem muito dos antigos” (S.Jerônimo, Praef. In 2 Chron.Eusebii, apud Mannucci, o.c.p. 113). Já vimos noutra página que não há nenhum escrito original da Bíblia. Rolos e códices originais foram logo deteriorados pelo uso, outros queimados ou soterrados por guerras, terramotos e sanhas dos inimigos. As transcrições aumentaram também os erros de transcrição e tradução feita de cópias de cópias. Daqui nasceu a necessidade da crítica textual que começou há pouco mais de 100 anos, com novas descobertas de documentos soterrados, outros encontrados em grutas, como as Grutas de Qumram, ou a biblioteca de Nag-Hammadi, no Alto Egito. Vimos que além dos quatro evangelhos havia outros, que por não pertencerem à lista ou cânon dos que foram escolhidos ficaram com o nome de evangelhos apócrifos. São eles: O evangelho de Pedro, de Tomé, de Tiago, de Filipe, de Maria Madalena, de Judas, o evangelho grego dos Egípcios, o evangelho da infância de Jesus, o evangelho de Maria, o evangelho da verdade, o evangelho de Nicodemos, o evangelho dos Armênios, o evangelho da infância siríaco, o evangelho dos hebreus, o evangelho dos Nazarenos, o evangelho dos Vivos, o evangelho de Apeles, o evangelho da natividade de Maria; e outros perdidos, como: o evangelho de Eva, o evangelho do reino celeste, o evangelho da perfeição, o evangelho de Matias, o evangelho dos 70, o evangelho dos Doze, e o evangelho das “memoria apostolorum”. Vimos que  quem deu a primeira vez o nome de “evangelhos” foi São Justino. E quem deu pela primeira vez o nome de “Novo Testamento” foi Tertuliano, no ano 200. Os evangelhos, como todo o Novo Testamento têm na sua escrita o ambiente daquela época deles, como mitos e lendas. Como dizem os estudiosos, o “mundo do Novo Testamento, como aquele do Antigo, era um mundo habitado por anjos e demônios, governado por potências cósmicas e possuído por forças misteriosas, com Deus que fazia o papel de dominador deste grande conjunto cósmico” (o.c.p.340). Autores recentes falam então em “demitização” e desmitologização”. Por outras palavras, eu acho uma fórmula mais breve e popular, temos que fazer um desconto quando lemos a Bíblia. O concílio vaticano II no documento Dei Verbum põe em “evidência  a atividade literária integralmente humana dos escritores sagrados, chamados ‘verdadeiros autores” (DV.n11). Por isso há exageros quando se dá lugar à emoção, e entrega-se tudo ao Espirito, o que não é correto. Vejamos: “Todo o recurso apressado ao Espírito contra a letra do texto é ao mesmo tempo uma traição à Palavra de Deus e às leis do falar humano. O primeiro critério ineludível para não cair no subjetivismo hermenêutico e sobretudo para entender a palavra de Deus na Bíblia, é a fidelidade ao texto e ao seu sentido literal.” (o.c.p.360).

Conclusão. Quando estamos lendo os evangelhos devemos ter presente que os evangelistas não deixaram a sua assinatura. E também que não são os documentos originais, mas cópias de cópias que atravessaram muitas gerações. E finalmente, que nessas cópias entraram influências de várias filosofias do entorno, conforme o período e conforme o autor das cópias. Assim sendo, os escritores não deixaram a sua assinatura, mas quem deixou a sua assinatura foram as filosofias de sua época, e a cultura das épocas, e das traduções e das várias edições do Novo Testamento, tendo em conta mitos e lendas na mistura.

P.Casimiro João     smbn   www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

 

segunda-feira, 26 de maio de 2025

TOMÁS DE AQUINO PERSEGUIDO E SUA TEOLOGIA.


 

Tomás de Aquino começou  por ser um teólogo muito contestado, combatido e difamado como modernista e suspeito de heresia pelos teólogos tradicionalistas do seu tempo, no século XIII, 1274. Foi destituído da Ordem dos Dominicanos e expulso da Universidade de Paris onde ensinava, e por fim foi formalmente condenado como herege. Estas penas perduraram por três séculos, até ao século XVI, até à Reforma Protestante. Então a sua obra, Summa Theologiae é que foi reconhecida pela Igreja, e entrou nas Universidades (Cf.H.Kung, Teologia a caminho, p. 165). Porque aconteceu isso? Os teólogos atuais nos dizem os motivos. “Não só na teologia, mas nas ciências, os descobridores de novidades, que ameaçam o modelo estabelecido, podem ser moralmente desacreditados como ‘perturbadores da paz’, ou simplesmente reduzidos ao silêncio” (o.c.p.166). Foi o que aconteceu com São Tomás de Aquino, que começou um novo modelo de Teologia que ameaçava os padrões estabelecidos tradicionais. Vejamos como era o ambiente em que foi escrita a teologia da Summa Theologiae. A teologia e a exegese bíblica, antes de Tomás de Aquino baseavam-se na interpretação da Escritura em sentido alegórico, simbólico e metafórico-espiritual seguindo o método tradicional que vinha já de Orígenes,  o principal teólogo do Oriente do séc.II d.C. Esta linha teológica e exegética, retomada também por Santo Agostinho, perdurou por mil anos, justamente até ao período de Tomás de Aquino. Após Agostinho, qual foi o motivo do surgimento da Summa de Tomás de Aquino? Ele desenvolveu a revalorização da razão diante da fé, o sentido literal da Escritura em face do sentido alegórico-espiritual, e o sentido da natureza diante da graça, e da filosofia diante da teologia. A mola que orientou o novo paradigma de Tomás foi o ressurgimento da filosofia de Aristóteles, que serviu de base para a Summa Teológica. Com estas ferramentas em mãos, algumas Universidades adotaram este novo paradigma de ensino. Tomás de Aquino organizou e expandiu este novo paradigma na sua teologia que ultrapassava o paradigma clássico e tradicional da teologia agostiniana, que ficava ultrapassada. Porém, as mais célebres Universidades, como a de Paris e de Oxford detonaram Tomás de Aquino até ao ponto de ser excluído e expulso de ensinar na Europa. (o.c.p.165). Estamos falando de Paradigmas, o que são? Paradigmas são sistemas conceituais ou esquemas filosóficos que são caminhos de pensamento. E quem está num caminho onde se sente seguro, dificilmente quer enveredar por outro caminho desconhecido. Foi o que aconteceu com os opositores de Tomás de Aquino, que mostrou um paradigma ou caminho novo, e foi rechaçado por 300 anos, até que fosse aceito. Começamos por dizer que há macro, meso e microparadigmas. Exemplo de macroparadigma: o modelo agostiniano, que perdurou por 1000 anos; o mesoparadigma, com a doutrina da criação e da graça e sacramentos; e microparadigma, com a doutrina do pecado original e da união hipostática. Como vimos, os paradigmas ou “modelos” são caminhos provisórios ou projetos teóricos enquanto não se descobrem outros melhores. Não há modelos ou paradigmas absolutos, e sim novas buscas constantes para descobrir novos aspectos da realidade. Ultimamente, deixando agora para trás S.Tomás, um novo paradigma surgiu, com o despertar do Renascimento e com as novas filosofias daí resultantes, assim como com o despertar das novas ciências. É o paradigma ou modelo da teologia histórico-crítica. Como aconteceu com o novo paradigma de Tomás de Aquino, assim este novo paradigma encontra muita estranheza nos teólogos acostumados com o padrão tradicional, igual os tradicionalistas que combateram Tomás de Aquino. Como dizem os teólogos atuais, “os novos modelos teológicos de interpretação não surgem porque alguns teólogos gostam de brincar com o fogo ou porque ficam sentados  na escrivaninha criando novos modelos, e sim porque o modelo hermenêutico tradicional teve validade de prazo vencido” (o.c.p.172). O concílio vaticano II falou bem claro que a Escritura é a “norma normans”, ou seja o princípio normativo da Teologia.(Dei Verbum,12,3). O concílio fala que a Palavra de Deus é “alma ou princípio vital” de toda a teologia. Falamos que na transmissão dos conteúdos da fé, em cada época se vive num horizonte diferente conforme a visão e as ferramentas que aumentam ou diminuem a visão desse horizonte. Assim como o nosso horizonte visual hoje não é o mesmo de há 500 anos atrás, com os modernos telescópios de ciência de hoje. Em um mundo mágico, assim os humanos se expressavam. Como esse horizonte era o mundo mágico deles, o mundo de hoje vive cada vez menos do mágico e mais do científico. Como dizem os teólogos, “a teologia não consiste na ‘simples repetição’ de um ensinamento supostamente eterno; ao contrário, trata-se de uma tradução da mensagem histórica daquele mundo de experiência ao nosso mundo de hoje” (o.c.p.198).

Conclusão. Ninguém hoje, com um mínimo de instrução, tem o mesmo olhar sobre o universo e a pessoa humana dos tempos de S.Agostinho e de S.Tomás de Aquino. Foram gênios no seu tempo, mas também passaram de época e de prazo de validade. Inclusive, hinos litúrgicos que deixaram, pertenciam ao horizonte da fé e da teologia da época, que hoje ó outra e noutro horizonte.

P.Casimiro João       smbn

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segunda-feira, 19 de maio de 2025

CULTO ÀS RELIQUIAS, ORIGEM


 

As verdades reveladas, para S.Tomás, eram a “autoridade sagrada”. Porém, no século XVI essa autoridade sagrada faliu, e a Igreja antes “unida na fé”, da cristandade, se desuniu. Falamos isto a respeito da definição e essência do que é a Teologia fundamental: A teologia fundamental é a ciência do por quê. Ela estuda o evento da revelação e a sua credibilidade. Define-se como a disciplina que constitui a função do saber teológico e imbricada com outras ciências evidencía o caráter científico, hermenêutico e metodológico da Teologia. Como ciência do porquê ela se interroga permanentemente sobre seus conteúdos à luz das novas aquisições do saber universal, e sabe tornar presente ao homem de todos os tempos a riqueza  inexaurível da revelação cristã.  Sendo uma ciência do saber crítico, ela encontra a sua razão de ser naquela pergunta do livro de Deuteronômio, 6,20 onde o membro mais jovem da família pergunta aos mais velhos: “porque fazemos estas coisas”?  E segue-se a resposta do pai da família dizendo que eles eram um povo nômade, sem pátria e sem identidade, escravo no Egito, eleito pelo Senhor e possuidor do dom da Lei e da terra prometida. Aqui há uma revelação que é transmitida a outra geração. E há um ato de fé em gérmen na criança. E para que a criança, com sua idade em andamento possa ganhar um saber e uma consciência de que nesse saber não está sendo enganada. Temos ai a gênese da teologia fundamental: um evento de  uma revelação e um saber livremente perguntado e respondido, até porque aberto a outras perguntas e outras respostas que virão depois, conforme a idade da criança e suas motivações. A teologia fundamental começa onde as fases do crescimento formulam outras perguntas, e onde o confronto contribui para descobrir novas respostas. Em épocas antigas da Igreja a Teologia fundamental reduzia-se à “Apologética”, chovendo no molhado de sempre e só repetindo o que já estava aprendido, e fabricando barreiras para não tomar contato com outras ciências, julgando-as inimigas da Igreja, em vez de usá-las como escadas e molas de crescimento. Num jogo de futebol, a equipe que só opta pela defesa, inevitavelmente perde porque não aproveita os lances da outra equipe para fazê-los seus e avançar para o seu campo. Assim era  na Apologética antiga, que só jogava na defesa e no método defensivo. Porque a teologia fundamental é o estudo do acontecimento da revelação e sua transmissão. E como transmissão, assume a idade, o conhecimento e as ciências e as capacidades do sujeito. A revelação é o conteúdo, a transmissão  é o método. Uma comparação com o conteúdo da ciência médica: não se pode fazer hoje, num moderno hospital uma cirurgia do coração com os métodos da há 500 anos atrás. Estamos falando no método da revelação, falemos agora no conteúdo. Durante a história da teologia houve várias interpretações do conteúdo da revelação. Santo Irineu dizia que há três modelos de revelação: a criação e o mundo, o corpo humano, e o Verbo feito corpo também. Por outro lado, as Enciclopédias antigas traziam que a revelação era a comunicação de verdades religiosas que Deus faz pessoalmente ou por meio de um anjo. (confira a semelhança com o islamismo).  A atual noção de revelação é uma experiência do sagrado no A.T. e no N.T. a experiência do evento chamado Jesus Cristo. Voltando atrás, antes das Enciclopédias, a revelação foi definida  por Tomás de Aquino como “doutrina sagrada”, i.é, os ensinamentos contidos na Escritura e interpretados pela fé da Igreja. Porém, no século XVI a autoridade da Igreja foi abalada, e a Igreja antes unida pela fé da Cristandade se desuniu. E há um item importante: a Idade Média foi caracterizada  pelo surgimento das Universidades,   onde o “mestre” era aquele que detinha a “autoridade”. Diante disto surgiu uma resposta inédita para explicar o colapso da unidade tradicional da fé: “Cada região com a sua religião”, “cuius régio eius et religio”(Rino Fisichella, Introdução à Teol.Fundamental, Loyola p.76). Chegou-se aí porque o despedaçamento dessa unidade seguira-se ao fato de que a razão devia ter um papel importante no campo da fé. Inaugurava-se assim uma nova etapa do saber cristão, como saber humano e saber teológico. O concílio de Trento já se deu conta disso e com isso se deparou. E  o que aconteceu depois? No século XVI a fé agora dividiu a cristandade, e a unidade parecia poder ser alcançada somente por meio da razão. Por isso o eixo de interesse começou a deslocar-se da fé para a razão. A razão entra em cena na sua relação com a fé, e parece que deu lugar à religião, compreendida como exigência natural do homem.(o.c.p.77). A explicação foi a constatação de que a fé cristã já não era mais o instrumento de unidade em condições de manter os vários Estados e reinos ocidentais unidos. Seria o caso de explicar com o jargão: “foram-se os anéis, ficaram os dedos”. Afinal das contas, a fé parece que ficou trocada pela religião; a religião invadiu o campo da fé. Como vimos noutro Blog, a religião são as estruturas e sistemas; a fé é o coração e o espírito; a fé são os dedos; os anéis são as estruturas. Há ainda por trás disso outras causas: os ataques iniciais ao poder temporal da Igreja, e a possibilidade de Deus revelar-se a uma existência pessoal. Vendo então que o rio da história não estava correndo para a Igreja com aquelas águas mansas, a teologia da Igreja refugiou-se encarando a religião como refúgio a alguns dos seus ataques, porque a religião pode não incluir fé nenhuma, mas ficar só nos sinais e símbolos, e nas estuturas, como aquele que faz promessas aos Santos até para “matar a Deus.” E de quebra, escreveram-se vários livros de Aretologias, i.é, livros fantasiosos de muitos milagres que não levavam à fé, mas só à religião, ou ao deismo, popularmente chamado de religião de fachada.

Conclusão Há helenismos que entraram no imaginário cristão e católico, como aquele dos Atos dos Apóstolos onde se diz que “Colocavam os doentes para que a sombra de Pedro os tocasse” (At.5,15), assim como as vestes de Paulo que curavam doentes (At.19,12).  Foi assim, segundo os estudiosos, que apareceu o culto às relíquias (o.c.p.82). Para entender no seu ambiente e na sua história pagã e mítica é que o “saber” e o “discernir” do ato de fé  tem que intervir contra uma fé infantil e folclórica e fantasiosa.

P./Casimiro João     smbn

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