sábado, 30 de dezembro de 2023

As novidades da Casa de Nazaré.


 

Eu suponho que quando um par de jovens junta a sua vida para formar uma família, a maior preocupação surge logo: e agora: o filho chegou, como educar esta criança? Deve ter pais que levam uma bagagem de conhecimentos, mas deve ter outros com muitos receios, como marinheiros de primeira viagem. 

 Augusto Cury dá algumas dicas: “educadores que querem controlar tudo na educação dos filhos acabam transmitindo o que mais detestam, a insegurança e o medo. A culpa excessiva esmaga a lucidez, e o desespero esfacela o prazer de viver, Quem não corre riscos está inapto para educar”.(Augusto Cury, Maria a maior Educadora da História, p.16).

Desde que recebeu o convite para conceber o menino Jesus, o mundo da jovem Maria de Nazaré virou do avesso. Ela estava só. A não ser seu futuro marido, ninguém poderia oferecer-lhe o ombro para chorar. Tinha que usar suas lágrimas para irrigar a serenidade e se conhecer para não entrar em desespero. A jovem mãe do menino  Jesus viveu uma vida pautada por fatos imprevisíveis. “Educar é caminhar sem ter a certeza de onde se vai chegar” (A.Cury, p.17).

Maria devia ser ótima contadora de histórias. Contava não apenas a sua história, mas a história do seu povo e dos personagens que o marcaram. O pequeno Jesus devia colocar as mãos sobre  a mesa que seu pai havia feito e ouvir prolongadamente a sua mãe. Jesus também leu o mundo e com sua mãe ia entendendo os seus problemas.(o.c.p.160).

“Maria falava das suas lágrimas para Jesus, dos seus temores, dos seus sonhos. Muitos pais trabalham arduamente para deixar uma herança para seus filhos, mas se esquecem de que o maior tesouro que eles podem dar é o seu próprio ser. Muitos lutam para que seus filhos tenham um diploma, mas não batalham para que eles aprendam a viver.” (o.c.p.156). Como sábia contadora de histórias, Maria contava a historia de sua vida, e os seus conflitos. Os educadores aconselham isso. Como instruir os filhos a lidar com os seus conflitos, se nos calamos sobre os nossos? Treinamos para realizar tarefas, fazer provas, praticar esportes, dirigir carros, lidar com a conta no Banco, mas não para falar de nós mesmos. Essa é uma das mais graves e absurdas contradições humanas. “Somos especialistas em maquiar o que somos” (A.Cury, p. 163).

Para muitos perfeccionistas vale também esta assertiva: Quem é plenamente saudável? Somos todos imperfeitos, mas sentimos a necessidade neurótica de ser perfeitos. Para Jesus somente é grande quem enxerga sua pequenez, somente é saudável quem assume sua doença. Mais que disciplinar, falar com segurança, colocar limites, devemos encantar nossos filhos com o filme de nossa existência” A.Cury, p.101).

Um olhar sobre a família de Nazaré nos dá outra lição. Jesus entendeu que não há quem torne os outros infelizes se primeiro não está machucado (lei da psicologia social tal como a lei da gravidade). O que leva ao seguinte esclarecimento: por trás de uma pessoa que fere há sempre uma pessoa ferida. (A.Cury, p.106). É por isso que Jesus se treinou para perdoar e falar sobre o perdão. O perdão será uma utopia se não compreendermos o outro na sua dimensão interior. Perdoar não é um ato coitadista, mas de elevada inteligência. Muitas pessoas montaram um departamento de cobrança em suas casas, são especialistas não em se amar, mas em se cobrar. E especialistas em exigir o que não podem dar. Jesus era especialista em se doar, e mais especialista ainda em não querer dos outros a mesma resposta. Esperava ser amado, mas não esperava ansiosamente o retorno. Era o segredo do seu equilíbrio emocional. Este é o segredo do equilíbrio emocional de nossa vida. E uma das maiores lições da Casa de Nazaré. (A.Cury,p.165).

Conclusão. Sem comentários, temos aqui em curtas frases muito da intuição e do estudo de Augusto Cury. Na verdade, só as mulheres podem dar uma nova face ao mundo. “Uma mãe fascinante como Maria com um braço ela segura o filho, com o outro muda a Historia” (p.147). Para encerrar esta página, A.Cury arrisca ainda uma afirmação inédita e inteligente: “Se num determinado momento as mulheres ocupassem as funções dos homens e os homens as das mulheres, é provável que 90% da corrupção, da discriminação, dos assassinatos, dos atos terroristas, dos conflitos internacionais, seriam eliminados em pouco tempo” (o.c.p.178). “Os homens sempre foram o sexo frágil, pois só os frágeis usam a força. As mulheres sempre usaram mais as ideias e a sensibilidade” (o.c.p18).

P.Casimiro João     smbn

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domingo, 24 de dezembro de 2023

Fé bíblica e fé atualizada – Advento, Natal, Anunciação


 

A Pontifícia Comissão Bíblica em 1993 declarou para toda a Igreja e para toda a humanidade que na Bíblia as palavras não são ”palavra por palavra palavra de Deus” (n.40). Temos muitos exemplos de autores bíblicos que nos divertem com “contos” como o conto ou novela de Jonas; o conto ou novela de Sansão (Jz.cap.13 segs); o livro de Jó que é uma reflexão sobre a sabedoria; o livro de Gênesis, só para trazer alguns exemplos. Inclusive os 30 capítulos do livro dos Provérbios vêm de livros mais antigos de provérbios, o livro dos provérbios de Amenenope (cf.A.Raymond, 2011,p.175-180). E também profetas copiaram a profissão e arte da profecia de antigos profetas sumérios, mesopotâmios, zoroastros, persas e babilônicos. Há uma confusão entre “fé bíblica” e fé atualizada. O teólogo K.Rahner  diz que existe a “fé irrefletida e a fé refletida”(Curso Fundamental da Fé, p.340).(www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br 23/4/23). Se falarmos em fé bíblica teremos que afirmar que o mundo foi feito em 6 dias; que a serpente “falava”; que “Adão e Eva” eram figuras reais; que não houve evolução das espécies; que a burra de Balaão falou; que Jonas esteve 3 dias na barriga da baleia; que o sol parou com uma ordem de Josué, e por ai adiante.

A mesma Comissão Bíblica Pontifícia também alertou para o fundamentalismo “que tem a tendência a uma grande estreiteza de visão, pois ele considera conforme à realidade uma antiga cosmologia já ultrapassada só porque vem na Bíblia. A necessidade de uma hermenêutica, isto é, de uma interpretação no hoje do nosso mundo encontra um fundamento na própria Bíblia e na história da sua interpretação. E ainda avança: Os textos da Bíblia são a expressão de tradições religiosas que existiam antes deles”. Por isso é que a nossa fé não pode ser a dos tempos bíblicos, nem como foi na Idade Média, nem a fé de Agostinho que botava as crianças sem batismo no inferno, e como a fé de São Cipriano e do concílio de Cartago para os quais ”fora da Igreja não havia salvação” (conc. de Cartago, séc.III; IV conc. de Latrão, séc. XIII e de Florença, séc.XV).

Por outro lado, além de sabermos que muitos artigos de fé da Bíblia dos judeus são devedores à fé dos sumérios e babilônicos, como o trinômio céu, inferno, purgatório, também sabemos que a ressurreição não pertencia à fé da Bíblia antes do profeta Daniel que escreveu no século dois a.C. E que mesmo assim o partido dos Saduceus nunca aceitou que há “ressurreição, nem Anjos nem espíritos”(At.23,8). E também sabemos que muitas coisas do Antigo Testamento foram passadas para o Novo Testamento, tipo esquemas ou “formatos” de histórias de vocações de heróis importantes e de Nascimentos. Um exemplo é o anúncio e o nascimento de Sansão, o “conto” ou lenda que já falei, além de outros. Nesses formatos havia os seguintes itens iguais para todos: Estéreis e (ou) idosas; anjos; gravidez de estéril ou velha; medo; não beber bebidas alcoólicas; a cria seria consagrada desde o ventre materno. Compare esse formato do A.T. (Jz.13) com o anúncio do Nascimento feito a Zacarias: Estéreis e idosos; não tinham filhos; anjo; medo e perturbação; não beberá álcool; consagração desde o ventre. (Lc.1,5-26) e com o anúncio feito a Maria e encontrará os mesmos elementos. Devido a isso os estudiosos dizem que o anúncio a Maria faz parte do Antigo Testamento, ou seja, o evangelho de Lucas foi buscar o esquema no A.T. Desta maneira os estudiosos dizem que o evangelho de Lucas se divide em três seções, a primeira a seção do Antigo Testamento; a segunda o tempo de Jesus; a terceira o tempo da Igreja. (Cf. Eugene Boring, Comentário ao Novo Testamento vol.II, p.1055). Isto porquê? Porque para o anúncio do Nascimento, Lucas foi buscar os esquemas ou formatos do A.T. E isso não pertence à vida de Cristo, que inicia com o Batismo, como afirmei.

Os teólogos nos previnem que os evangelhos não são geográficos, nem históricos, mas teológicos. Isto é, se há Anjos ou não, não vem ao caso, o que importa é a mensagem. Se a narrativa aconteceu daquele jeito como vem escrita não vem ao caso. A este respeito, a Igreja passou por várias teologias, e algumas foram deixadas para trás, como a primitiva teologia de Santo Agostinho que afirmava que crianças não batizadas não iam para o céu. Outra, a afirmação teológica que “fora da Igreja não há salvação” como definiram os concílios de Cartago e Florença e IV de Latrão, entre outras. Atendendo a este processo sabemos que entre os evangelistas, cada um tinha que defender uma posição ou teologia reinante em sua comunidade e foi assim que escreveram os evangelhos.

Numa coisa os evangelhos são unânimes tanto os sinóticos como o IV evangelho: descrever o início da vida e atividade de Jesus com o batismo por João Batista. Porém com o seguinte detalhe: somente Marcos começa direto “naqueles dias Jesus, veio de Nazaré, da Galileia e foi batizado por João”(Mc.1,9). Os outros trazem um Prefácio, ou Prólogo, onde dizem a crença ou mensagem que vão expor. Assim tem o prólogo de João, de Mateus e de Lucas. Ontem fiquei pensando que se não fosse São Lucas não teríamos o imaginário do Natal, e se não fosse São Francisco não teríamos o presépio.

Conclusão. Do que fica dito vamos reter o seguinte: Nesses anúncios todos e no anúncio a Maria não é para ver como é que foi mas para ver em que a Igreja acreditava. E isso era a “teologia” ou a “mensagem” a transmitir. FELIZ NATAL.

P.Casimiro João      smbn

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segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

A TECNOCIÊNCIA E A MORAL


 A natureza é imutável? Cadê o motor imóvel? Ou a evolução de Charles Darwin? Cadê a era industrial? Me disseram que não se pode mexer com a natureza, mas a natureza mexe com a gente. Porém a natureza toma outras roupagens conforme as épocas.

Dizer “segundo a natureza” já não é a mesma coisa de há 2000 anos ou de 1000 anos atrás, porque a natureza se tornou por sua vez incerta, e insegura de si mesma e sujeita a ser “corrigida” pelo homem. Veja a correção dos hormônios e os transplantes de coração. Veja a seleção de embriões. A Igreja fala que isso é perigoso porque é criar super-homens artificialmente. A resposta é fácil: e quando ela cria espontaneamente gigantes e super-homens? A diferença está na frequência modificada pela técnica. E quando o Faustão ganhou o coração de um doador? Não houve receios de quê? E o que falar dos super-homens e supermulheres que estão sendo programados para ser gerados para a Lua e mais espaços? Onde funciona a natureza aí?

Natureza versus moral. A moral diz “não matar”. Porém na Inquisição a Igreja passou por cima da moral e inventou junto com a monarquia a técnica da “sobrevivência da fé”, ou o “princípio pragmático” de Gianni Vattimo, e a “caça às bruxas” que eram conduzidas à fogueira e ao extermínio.  E assim matavam e queimavam quem se desviasse da fé. A Igreja não pode se queixar se vir que a técnica hoje já resolveu a seu modo o problema da convivência entre os homens com mais sucesso do que tenham alcançado todas aa morais que se sucederam na história” (Cf. Umberto Galimberti, “Rastros do sagrado”, pg.363). Assim, ao lado da moral funcionam também as normas da técnica, chamadas também como “regras da arte” segundo as quais cada um deverá fazer da melhor maneira possível o que escolheu fazer, gerir com competência e rigor a função a que foi chamado. Chega-se assim a dizer que as “morais profissionais ou técnicas” não são um indicio de amoralidade mas o sinal da progressiva ocupação da técnica de um espaço que lhe concede a moral” (o.c.p.364).

Este aporema é sobremaneira oportuno e urgente, de tal maneira que o autor citado nos adverte ainda: “Neste ponto é importante evitar o problema relativo ao modo como configurar-se a moral na idade da técnica, e para enfrentá-lo é preciso antes de mais nada acabar com as falsas inocências, e com as fábulas da ciência neutra que opera apenas os meios que depois as decisões dos homens optam por empregar ou bem  ou mal. A ciência não é neutra porque cria um mundo com determinadas coordenadas que nós não podemos deixar de habitar e, habitando-as adquirimos hábitos e costumes”. Veja bem o que mudou: antigamente o chinelo, o sapato, o lápis e o relógio faziam parte dos pertences e das viagens do homem, como a bengala do cego e as muletas do acidentado. Hoje em dia é o celular, o Laptot, o fone de ouvidos, a máscara dos olhos e a mala de bordo. A tecnociência é o nosso mundo. Não somos seres imaculados e estranhos que por vezes nos servimos da ciência e da técnica. Habitamos um mundo já organizado cientificamente e tecnicamente. Não é uma escolha nossa, é o nosso ambiente onde vícios e virtudes, condutas e paixões, sonhos e desejos são cientifica e tecnicamente estruturados. (cf. o.c.p.364).

Esta é uma realidade a que o ser humano atual não pode furtar-se. E no caso de alguém entender que pode sobreviver recorrendo às épocas “daqueles tempos” de quando “no meu tempo não era assim”, estaria fabricando para si um ser mitológico que andou neste planeta há cem anos, mas que agora não anda mais. Nesses tempos era um mundo terraplanista, hoje não é mais. A isto junte-se a consideração que há 100 anos o mundo era um mundo rural, a cidade era uma exceção para poucos. Hoje porém a cidade se estende até os confins da terra. A “natureza” era o que enchia a vista e o imaginário desse tempo. Antes a “natureza era o largo horizonte sem fim. Hoje a velha natureza vive-se na cidade, isto é, a cidade tomou o lugar da natureza, de tal modo que muitas pessoas só conhecem alguma partezinha da “natureza” pela televisão.

Conclusão. Podemos dizer que o ser humano de há 100 anos tinha os braços, pernas, cérebro e o coração da natureza. Hoje braços, pernas, cérebro e coração são tomados pela técnica. Pense numa grande fábrica chinesa ou em São Paulo em que os braços, pernas e cérebro são de mais de 100 robôs comandados pela inteligência artificial. Apenas três ou quatro humanos de mistura estão lá também, confundindo-se com todos aqueles seres em movimento constante. Aí um leigo muito histórico e empacotado na sua roupagem meio aristocrática pode olhar aquelas figuras impecáveis e automatizadas e se perguntar: Cadê a natureza e a técnica? Cadê a moral na era da técnica? Ainda tem um motor imóvel? Cadê a era industrial de há 100 anos quando os primeiros carros e trens e barcos começaram a ser movidos pelo carvão e o vapor de água? Que época estamos vivendo?

P.Casimiro João smbn

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segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Mantos dourados do passado, ou viver o novo?


 

Para quem se sentir sem chão ao ler esta matéria, pode reavaliar seu pensamento sobre a dúvida da fé com a seguinte afirmação de Umberto Galimberti: “Aqui concordam Paulo, Agostinho e Tomás: ‘Não existe uma fé que não seja acompanhada pela disposição da dúvida” (Umberto Galimberti, “Rostos do Sagrado”, pag.333, cf.Tomás de Aquino, Suma Teologica, Questio de fide, quest.I,tr.it, Compêndio de Teologia, Marietti, Turim, 165).

É nesta disposição da dúvida que se baseia a teologia. Percorrendo a Historia vemos que a caminhada tem sido uma interrogação constante. Formaram-se vários sistemas filosóficos e a teologia ia-se apoiando ora num ora noutro. E formaram-se correntes teológicas cada uma respondendo de sua maneira a várias questões, resultando em várias aporias. Concilios e mais concílios foram convocados para debates que se seguiam. Dogmas e mais dogmas foram sendo forjados para tentar barrar mais perguntas a assuntos que ficavam sem respostas. E os autores hoje em dia têm a consciência de que os dogmas, igual a Sagrada Escritura têm a sua consistência na contingência histórica e cultural da sua época em que foram redigidos. “A mesma batalha tem de ser vencida em relação aos dogmas, onde mais uma vez a revelação divina foi expressa por homens” (Raymond Brown, Biblical Reflections on Crises Facing the Church,, London, 1975, p.116). Nesta disposição, vou fazer bastantes citações do Livro “O Católico de Amanhã”, da Paulus,2013, que pode ser considerado uma Introdução à Teologia para os dias de hoje. “Dentro do cristianismo, agnósticos escreveram suas próprias escrituras, inclusive evangelhos, confiavam em suas experiências e seu conhecimento religioso e em geral resistiam a quaisquer exigências da autoridade concernentes ao “verdadeiro” ensinamento. Sua visão do mundo era muito complexa: a matéria era má e Deus estava distante. Selecionavam do pensamento cristão o que se adequava às suas ideias sobre a maneira como a realidade se ligava ao divino. Em especial, dentro do cristianismo, alguns aspectos do gnosticismo encontravam base comum com especulação fundamentada no pensamento judaico: especulação sobre Adão e Eva; o papel da Sabedoria celeste vindo esclarecer os seres humanos perdidos na escuridão; e a criação de rituais batismais como meio de incorporar os seres humanos a uma nova raça celeste livre das restrições deste mundo” (Pheme Perkins). Walter Kasper, bispo e teólogo alemão diz: “A primeira fase no desenvolvimento da doutrina da Trindade ocorreu no conflito com o gnosticismo”. A narrativa mítica de Adão e Eva desempenhou papel fundamental nesse desenvolvimento. Significava, para eles, que Jesus era interpretado no contexto de um modelo de raça caída que precisava ser salva. Como já vimos, essa visão do mundo realçava o fato de nós, seres humanos, não podermos salvar a nós mesmos e obter entrada no céu. A ênfase na dignidade de Jesus e as perguntas complexas que levantou ofuscaram a realidade humana de Jesus. Consequentemente, herdamos uma longa tradição suspeita quanto a falar de Jesus como humano semelhante a nós (por exemplo era limitado; ele não sabia tudo). Esse entendimento teológico desenvolveu-se em grande parte de acordo com padrões do pensamento grego. Do pensamento grego os teólogos da Igreja primitiva criaram um entendimento de Jesus como o Verbo preexistente que tinha estado com Deus e que desceu ao nosso mundo, como se Deus estivesse em outro lugar lá nas nuvens e viesse desse lugar passar algum tempo conosco. Do pensamento grego desenvolveu-se o entendimento de duas naturezas unidas em uma única pessoa. E da mesma filosofia grega desenvolveu-se a solução para a questão teológica mais incômoda a respeito de Jesus – seu relacionamento com o Deus Único da religião judaica. Assim surgiu a doutrina da Trindade. Entretanto, a Igreja cristã ficou irrevogavelmente dividida quanto ao que significava a expressão “da mesma natureza”. O Concílio de Calcedônia definiu o que os cristãos devem crer, mas em uma estimativa em que 99,99% por cento dos cristãos nos séculos que se seguiram não tinham e agora não têm nenhum entendimento dessas palavras. Ao mesmo tempo foi uma época de interferência e até domínio pelos imperadores, e de personalidades interessadas e preocupadas em antagonismo rancoroso e lutas entre bispados importantes. Termos técnicos sem origens bíblicas transformaram-se em palavras-chave em respeitadas declarações de crença. Seu emprego fez com que o Ocidente e o Oriente entendessem mal e dessem uma ideia falsa um ao outro. Doutrinas sobre Jesus, desenvolvidas dentro do contexto de um determinado tempo e cultura, em um entendimento literalista da Queda, uma visão religiosa do mundo que entendia estar Deus distante de nós e a necessidade de Jesus ser uma figura de Deus para sermos realmente salvos passaram a ser consideradas imutáveis. Devemos continuar a contar uma história de nós mesmos em relacionamento com Deus que nos vê primordialmente como uma “raça caída”? Tem um Deus masculino, localizado, que reage e nos deixa de fora, depois envia seu filho que caminha nesta Terra conhecendo o “plano eterno”? e depois faz esse seu Filho ter morte terrível planejada com antecedência, para podermos ser reconduzidos à amizade com esse Deus? Vamos continuar a citar a Escritura para apoiar essa história sem qualquer referência à visão do mundo e aos padrões de pensamento nos quais os autores e editores bíblicos operaram?”(Michael Morwood, O Católico de Amanhã” Paulus, 2013, p.68-73). Em páginas anteriores falei no comunicado da Pontifícia Comissão Bíblica que já em 1993 afirmava que nos evangelhos há inúmeros escritos que dependem de “cosmologias antigas e ultrapassadas”, e que essas teorias “antigas e ultrapassadas” continuam fazendo o substrato de grandes porções de nossa teologia. Quando as novas edições de novas teologias ficarão acessíveis para colocar nas mãos dos alunos dos novos cursos acadêmicos, e daí passando a fazer parte do ensino das catequeses e das homilias? Será um trabalho de anos e anos ou centenas, mas por algum lado se deve começar. Acho que esta é  a questão deste autor da presente matéria.

Vejamos o trato que tem sido dado ao perfil de Jesus. “Depois de sua morte, camadas e camadas de interpretação e entendimento foram colocadas em sua vida e seu ministério, de modo que ficou extremamente difícil conhecer a realidade de carne e osso de Jesus. Quem esse homem realmente pensava que era? O que ele pensava que estava fazendo? O que ele esperava alcançar? Depois de 2000 anos puseram um manto de entendimento sobre a realidade original e continuamos a ver Jesus à luz do manto em vez de refletir sobre a realidade original: a vida e o ensinamento de Jesus. Por exemplo, que pensamentos e sentimentos teriam ocupado a mente de Jesus quando se dirigia para o rio Jordão? Quais eram as convicções que o guiavam? Talvez ele se sentasse na margem do rio algum tempo antes de avançar e se comprometer” (o.c.p.78). Segundo, o que mais intrigava Jesus? Não seria a multidão de pessoas que o procuravam, mas ao mesmo tempo condicionadas pela educação recebida, pelos costumes sociais e pelas atitudes religiosas que os levavam a crer que Deus não estava perto deles? E como eram desprezados pelos outros não seriam também desprezados por Deus? Atitudes de medo, ignorância e um sentimento de distância do sagrada enchiam os seus dias. O que ele teria que fazer para mudar essa situação? O que mais impressionava Jesus era a generosidade entre os pobres. No entanto eles pensavam que Deus não estava perto deles. Jesus teria que chamá-los para mudar essa maneira de pensar. Tinham que mudar a cabeça. Tanto os “bem estabelecidos” não lhes davam importância que eles assim se julgavam sem importância nenhuma diante de Deus. Tanto eram chamados de pecadores, que eles assim se consideravam como pecadores. Tanto eram chamados de impuros, que eles assim se consideravam como impuros. Eles olhavam os “bem estabelecidos” como “ditadores”. E claro, como o filho põe em Deus o que ele vê no pai, eles punham em Deus isso de ser também “ditador”. Porque nossa espiritualidade segue as imagens e pensamentos que temos sobre Deus: ditador e cruel. Nós herdamos, muitas vezes sem questionar e procuramos ser fiéis a essa falsa visão. Dá para termos uma ideia do trabalho que Jesus ia enfrentar entrando nesse mar de lutas.

Conclusão. Grande parte de preconceitos que Jesus enfrentou, não habitarão ainda a cabeça de muitos de nós agora no século XXI? Qual é o novo discernimento que a nova era da nossa história terá que adotar? O escritor Frei Beto inventou o bordão “não estamos numa época nova, estamos numa nova época”. A Igreja como um todo já se deu conta dessa nova época, ou se recolhe e se enrola nos mantos dourados do passado, proclamando que nada mudou, mas que tudo está igual? Como? Se mudou a visão do mundo, transplantam-se corações e rins, dois gêmeos com uma só cabeça se fazem viver cada um com sua cabeça, e está tudo igual? Ou talvez a Igreja continue querendo realizar cirurgias cardíacas num hospital moderno só com o conhecimento do século primeiro depois de Cristo?

P.Casimiro João     smbn

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segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Pedras de Jeremias caindo nos templos de Javé.


 

“Quanto a você, não reze por este povo. Não insista comigo porque eu não atenderei. Você não está vendo o que eles fazem nas cidades de Judá e nas ruas de Jerusalém? Os filhos recolhem lenha, e os pais acendem o fogo, e as mulheres preparam a massa para fazer pães em honra da rainha do céu. Este templo onde o meu nome é invocado será por acaso um esconderijo de ladrões?  Vocês vão até o meu lugar em Silo, onde antes eu fiz habitar o meu nome, e vejam o que eu fiz lá por causa da maldade do meu povo Israel. Vou tratar este Templo onde é invocado o meu nome no qual vocês tanto confiam, vou tratá-lo do mesmo modo como tratei Silo. Minha ira vai pegar fogo, e não se apagará” (Jer.7,11.14.18.20).

Comparemos com outras “pedras” do Novo Testamento, no evangelho de Lucas: “Os inimigos farão trincheiras contra ti, e te cercarão de todos os lados. Eles esmagarão a ti e a teus filhos. E não deixarão pedra sobre pedra. Está escrito: Minha casa será casa de oração, no entanto vós fizestes dela um covil de ladrões” (Lc.19,43.46). Nossa constatação é a seguinte: Neste trecho de Lucas, ele foi buscar ao Jeremias cap.7, e copiou e colou. Isto porque o ambiente daquela época de Jeremias era o mesmo do ambiente de Lucas no ano 80 d.C. Aliás, outras pedras já tinham derrubado o santuário de Silo, muito antes de Jeremias. “Não viram o que eu fiz, em Silo, o que eu fiz lá por causa da maldade do meu povo de Israel?”(Jr.7,49). De tal forma que as pedras que derrubaram Silo (1.100 a.C.) eram as mesmas que derrubaram o Templo de Judá, com Jeremias,(600 a.C.), e o Templo de Jerusalém, com Lucas (70d.C). E os pecados eram os mesmos, e os inimigos usaram os mesmos métodos. Em Silo as maldades começaram com os filhos de Heli que roubavam os alimentos do santuário; Vieram os filisteus e acabaram com o templo e carregaram a arca da Aliança. Em Judá, onde se sacrificava à deusa Astharte, “a deusa rainha do céu”, o templo teve a mesma sorte. Depois que os assírios destruíram o templo de Betel na Samaria (720 a.C.), foi a vez do templo do reino  de Judá, no Sul, em 600 a.C. E finalmente, já no Novo Testamento foi a vez do Templo de Jerusalém (o segundo Templo), destruído pelos romanos, em 70 d.C. Foram três sessões de pedras, contra três épocas de infidelidades do povo de Israel.

Enfocando agora as pedras do texto de Lucas, vejamos o paralelo que tem com Jeremias e como foi transposto por Lucas para o seu tempo. Essa realidade das pedras, “não ficará pedra sobre pedra” já tinha acontecido quando foi escrito o evangelho de Lucas no ano 80 d.C. E o Templo foi destruído no ano 70 d.C. No entanto, por um artifício literário muito frequente na Bíblia, o presente é posto no passado, como tendo sido dito por Jesus, o que não é provável. Na antiguidade coisas passadas eram ditas como profecias de coisas futuras. Aliás, em comprovação do que falamos, há “profecias” na Bíblia que nunca se cumpriram, como aquela sentença: “Não passará esta geração antes que tudo isto aconteça”(Mc.13,3 e Lc.21,32). O que era “tudo isto”? “Este evangelho do Reino será pregado pelo mundo inteiro para servir de testemunho a todas as nações, e então chegará o fim”(Mt.24,14). E: “A vinda do filho do homem sobre as nuvens” (Lc.21,27). E: “Não acabareis de percorrer as cidades de Israel antes que volte o filho do homem”(Mt.10,23).

Voltemos ainda à reflexão de Lucas sobre o fim do Templo. Comparando com a narrativa de Mateus, qual é a diferença que existe? É que em Mateus não é mencionado o Templo mas só as construções da cidade: “Os discípulos aproximaram-se de Jesus e fizeram-no apreciar as construções. Jesus porém respondeu-lhes: vedes todos estes edifícios? Em verdade vos declaro? Não ficará pedra sobre pedra, tudo será destruído”(Mt.24,1-2). E do mesmo modo em Marcos (Mc.13,1-37). Concluímos daqui que a intenção de Lucas era expressamente trazer aqui a mesma lição de Jeremias, 600 anos atrás. Enquanto que a dos outros evangelistas era só de chamar para a vigilância e espera do final da história. “Naqueles dias depois desta tribulação o sol se escurecerá, a lua não dará o seu resplendor, cairão os astros do céu e as forças do céu serão abaladas. Então vereis o filho do homem voltar sobre as nuvens com grande poder e glória. E enviará os anjos e reunirá os seus escolhidos dos quatro ventos, desde a extremidade da terra até a outra extremidade do céu”(Mc.13,24-27). É impressionante a teologia de Lucas, e como conseguiu unir os episódios dos eventos dos três templos para enfocar numa única visão a atual época histórica vivida pelas comunidades, desenhando assim numa pirâmide de três faces a sua intenção e a sua teologia. Apontando para o vértice da pirâmide que o “templo não é um covil de ladrões para eles se esconderem e com esse pretexto de uma “falsa religião” enganarem a população de que eram “muito religiosos” mas à sombra do templo praticarem todas as hipocrisias.

Conclusão. O final dos tempos ou escatologia era tema sempre presente em Israel. No livro de Isaias vem que “os céus se enrolarão como um lençol, e as estrelas cairão como folhas de figueira” (Is.34,4). Claro que eles pensavam que as estrelas estariam presas no grande “lençol” do “céu e por isso iriam todas cair. Devido a isso no Novo Testamento se fala em “sinais no céu, na lua e nas estrelas” (Lc. 21,25; Mt. 24 14; Mc cap.13) e de quebra em tudo que atingiria o Templo.

P.Casimiro João    smbn

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segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Existe uma religião verdadeira?


 

No Cristianismo já se guerreou, se queimou e matou gente, se destruiu e assassinou, se falsearam documentos. Aí nos deparamos com esta pergunta: Houve coisa igual em outras religiões? Houve. No Cristianismo há gente santa? Há. Também há nas outras religiões? Há. Então a pergunta volta: haverá uma religião verdadeira ou haverá igualdade entre religiões? Junto com esta pergunta vai outra: Onde está a verdade? Vejamos: “Nenhum problema produziu na história das religiões tantas guerras como o problema da verdade. Em todos os tempos o fanatismo cego pela verdade atormentou, queimou, destruiu e assassinou impiedosamente. A consequência foi o cansaço da verdade, a desorientação e o abandono de toda religião” (H.Kung, Teologia a caminho, p.262). Para sair já de posições antipáticas, começo esta reflexão assim: No céu não haverá religiões, só uma, a do amor. Não existirá o Budismo, ou Hinduísmo, ou Islamismo, nem o Cristianismo. No final não existirá nenhuma religião, mas somente o próprio inefável ao qual se dirigem todas as religiões” (o.c.p.291). Esta é nossa premissa. Daí vamos deduzir várias verdades escondidas nesta caixa de Pandora ao contrário. A posição tradicional da Igreja era que apenas uma religião é verdadeira, todas as outras seriam falsas. Esta teologia foi preparada nos primeiros séculos por Orígenes, Cipriano e Agostinho, copiando do A.T. onde o Judaísmo funcionava como a única religião verdadeira. E isto foi definido depois pelo IV concílio de Latrão (1215), com o jargão “Fora da Igreja não há salvação”, e pelo concílio de Florença em 1442. Com a chegada das descobertas dos novos continentes a Igreja viu a fragilidade dessa teologia e procurou interpretar de forma nova esse dogma. “Roma entendeu de forma nova esse dogma absolutamente excludente, o que com frequência levou a uma reinterpretação e até transformá-lo em seu contrário” (o.c.p.266). Na verdade, como falei no Blog anterior, essa configuração da “salvação” já não servia para os tempos modernos que começaram com as descobertas. E assim se mostra que dogmas parece serem como camisas de força que com o tempo ou eles estouram ou estoura a pessoa. No concílio de Trento os teólogos Belarmino e Suarez reconheceram como suficiente para a salvação eterna um desejo inconsciente do batismo e de entrar na Igreja. E no séc.  XVII Roma condenou a proposição dos Jansenistas que era: “fora da Igreja nenhuma graça”. E no séc. XX, em 1964 o concilio vaticano II afirmou na Constituição sobre a Igreja: “Todos os que buscam a Deus sinceramente e procuram cumprir a sua vontade  conhecida por meio da consciência, e agem sob o influxo íntimo da graça podem obter a salvação” (L.G. n.16). E na Declaração sobre as religiões não cristãs: “A Igreja católica não rejeita o que é verdadeiro e santo em todas as religiões” (Nostra Aetate n.2). Como podemos ver, o dogma caiu por si mesmo como fruta passada e “fora de prazo” de validade.

Chegados neste ponto, os teólogos perguntam: então o “Cristianismo o que tem ainda para oferecer” E a questão é: se o anúncio cristão hoje, diferentemente de outras épocas, constata já não a pobreza  mas as riquezas das outras religiões, então o que o próprio Cristianismo  ainda pode oferecer? Como pode continuar oferecendo a “luz”, quando reconhece por toda a parte uma luz revelada? Se todas as religiões têm verdade, por que o Cristianismo seria a verdade? Se há salvação fora da Igreja, e do Cristianismo, o que ele tem a mais? (o.c.p.268). Antes de partir para outras reflexões, a resposta adequada será: o Cristianismo tem a oferecer a referência ao “humano”, ao autenticamente humano. Não adiantaria a multidão de ritos, de celebrações, de teologias e de orações, mas desprezando e negligenciando o ser humano. “Tudo o que quereis que os homens vos façam fazei-o vos também a eles, pois esta é a Lei e os profetas” (Mt.7,12). Porque se as outras religiões praticam isso e o Cristianismo não, o que poderia então oferecer? Não se pode apelar ao “divino” para destruir o “humano”. “Se uma religião pratica aquilo que é verdadeiramente humano, isso sim, pode invocar em seu favor a autoridade do “Sagrado” (o.c.p.274), pois o que há de mais “sagrado” é o ser humano, nem o “sábado”, nem os jejuns, sacrifícios ou orações.(Mc.2,28).

Chegamos a outro ponto onde topamos com outra constatação seguinte: As outras religiões têm virtudes e defeitos? Porém, há acusações contra o Cristianismo quando ele pensava ser a única religião verdadeira, justo como também o Judaísmo, o que depois achou que não era bem assim, quando se pensa na queima de “hereges” e na “venda de indulgências” em tempos idos. No critério de outras religiões o Cristianismo se apresenta ante as outras religiões com uma “consciência doentia do pecado” e da culpa, e de sua aversão contra o mundo e o corpo”, (o.c.p.273), deixando de lado o valor em si do “ser humano”, e de deixar de lado o “não faça aos outros o que não quer que façam a você mesmo”. Daí que a  verdadeira religião pode se identificar com a “bondade” ou a boa conduta, da seguinte forma: um cristão ou um budista “verdadeiro” é o cristão ou o budista “bom”. Nesse sentido a questão de qual é uma verdadeira ou falsa religião se identifica com a prática da bondade e do amor. Já dizia um cantor: “O amor é a melhor religião” (FranciscoMarinho@.com). Nesse sentido todas as religiões são iguais quando levam ao 1º e 2º mandamento do Sinai, que já não é um mandamento exclusivo mas patrimônio das religiões universais, (Mt.7,12).

Do que dissemos seguem-se alguns corolários: 1- O Cristianismo não tem nenhum monopólio da verdade, e tampouco o direito de renunciar ao testemunho da verdade que ele possui, como as outras religiões possuem as suas verdades. (L.G.16), precisando lidar com o binômio diálogo versus testemunho; 2- Depois do concílio vaticano II o teólogo Karl Rahner lapidou a frase que os fiéis sinceros das outras religiões são “cristãos anônimos”, para explicar o nº16 da Constituição sobre a Igreja, e o nº2 sobre as religiões que já aduzimos. Isso pôde ter servido para aquela época do concílio para dar o ponta pé inicial do inicio do novo jogo da teologia. Porém agora vemos que já não tem sentido uma vez que supõe uma situação de superioridade que considera de antemão a própria religião (a cristã) como a única verdadeira; e só por isso já exclui o diálogo antes mesmo de iniciá-lo. Devemos afirmar que os homens e mulheres de outras religiões devem ser respeitados como tais e não integrados ou colonizados numa camisa de força da teologia cristã. Ou seja, eles se conhecem como pertencendo e cumprindo a sua consciência e a sua religião pelo seu valor próprio e não com a “capa” de um anonimato que não existe e que esvaziaria o valor das suas crenças.

Conclusão. Poderá haver uma religião unificada para o mundo inteiro? Impossível, porque todos os caminhos bons levam a Deus. Na verdade, nenhuma religião possui toda a verdade. Apenas Deus possui a verdade plena. Só o próprio Deus, qualquer que seja o seu nome, é a verdade. No  fim da história não haverá religiões, só uma, a do amor. Já não existirá Budismo ou Hinduísmo, Islamismo ou Judaísmo ou Cristianismo. No final não existirá nenhuma religião. Nem profetas ou  iluminados como pontos de luz nos horizontes da humanidade: nem Maomé, nem Buda, nem o próprio Jesus Cristo que entregará tudo a Deus Pai (Jo.14,28).

P.Casimiro João     smbn

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sábado, 25 de novembro de 2023

Cristo Rei e o pastoreio em Israel.


 

“Eu vou procurar a ovelha perdida” (Ez.34,16). Deus prometia sempre procurar a ovelha perdida. Uma vez que “eles” os israelenses faziam perder. Perder quem? Os cidadãos, tratados por “ovelhas”.

No Novo Testamento acontece o paralelo: “Eu tive fome e me destes de comer; eu estava com sede e me destes de beber” (Mt.25,35). A vida começa pelo comer e o beber. Os governantes deste mundo nunca experimentaram o que é ter fome e o que é ter sede. Jesus experimentou. Com algumas raras exceções: Nelson Mandela (da independência da África do Sul); Samora Machel (da independência de Moçambique); Agostinho Neto (da independência de Angola); Xanana Gusmão (da independência de Timor Leste); Mahatma Gandhi (da independência da Índia).

“As orações religiosas, as práticas devocionais, as celebrações e adorações não salvam por si mesmas; existem para nos aproximar de Deus e dos irmãos”. (Sônia Gomes de Oliveira, Presidente do Conselho Nacional do Laicato do Brasil).

P.Casimiro João    smbn

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segunda-feira, 20 de novembro de 2023

QUANDO FOI CONDENADA A TEOLOGIA DE S.TOMÁS.


 

“A condenação de Santo Tomás em 1277, três  anos após a sua morte, pelos bispos das duas  principais Universidades da Europa, Paris e Oxford, foi considerada como a mais desastrosa condenação da Idade Média porque impediu por muitos anos o livre desenvolvimento da teologia” (Kung H. “Teologia a caminho, p.190).

Não só essa condenação da teologia de Tomás mas muitas outras condenações tiveram o mesmo efeito aqui referido pelo autor citado. Isto acontece porque os grandes pensadores podem dizer o que disse o teólogo H.Kung: “Jamais aprendi a jurar pelas sentenças do mestre, porém aprendi a aprender dia após dia, pois na teologia também é preciso aprender a aprender.” (o.c.p.213). Impressiona-nos o fato pouco conhecido e menos divulgado da condenação da teologia de São Tomás. Mas também ele passou por essa experiência. Fazemos referência a este fato pelo seguinte: As gerações estão sujeitas a bitolas ou modelos de expressar a fé que já vem correndo calmos como um rio pelas suas margens. E todo mundo olha aquele rio e acha que se não fosse o seu trajeto ele não seria mais o rio. Mas a história não é só a nossa visão e o nosso horizonte e o nosso rio. Ao rio nós vamos chamar agora de religião, fé ou teologia; à bitola chamamos paradigma, ou modelo ou configuração. Um rio pode mudar o seu curso, i.é a sua configuração, devido a terremotos, abalo das placas teutônicas e outros eventos mas ele permanece o mesmo rio. A fé, a religião ou a teologia pode mudar de configuração mas permanece a mesma fé. Foi isso que fez São Tomás na Idade Média, como já tinha feito Orígenes no primeiro séc. d.C.

Nos primeiros séculos “Orígenes, o primeiro sábio e pesquisador metódico do Cristianismo” (o.c.p.179), foi condenado porque propôs a fé numa nova configuração que hoje é muito conceituada pela teologia. Em seguida veio a configuração de S.Agostinho que antes de ser aceita passou por outra condenação. Na Idade Média campeou São Tomás com a Suma Teológica, que foi condenada também depois da sua morte porque propunha a fé numa nova configuração, apoiando-se na filosofia aristotélica. A respeito disso diz Kung: ”Novos modelos teológicos não surgem porque alguns teólogos gostam de brincar com o fogo ou porque ficam sentados na sua escrivaninha criando novos modelos mas sim porque o modelo hermenêutico tradicional fracassa. Ou seja, não encontra respostas satisfatórias para as grandes questões levantadas em novos contextos históricos” (o.c.p.172). São Tomás só foi reabilitado por Pio V duzentos anos mais tarde em 1567, mas mesmo assim, no concílio de Trento foi dada muito mais relevância a Duns Escoto do que a Tomás.

A configuração teológica de S.Tomás representava um grande avanço para o séc.XIII ultrapassando as teologias de Orígenes e S.Agostinho. Por sua vez, com o andar dos tempos, o que era um avanço para aquela época já não era mais para o século 19 e 20. Antes do concílio Vat.II o mundo deu uma enorme guinada devido às descobertas científicas da época com Galileu, Copérnico, Kepler e vários outros e também por conta da pesquisa cientifica bíblica. Por isso, como dizem hoje os teólogos, o que era avanço para o séc.XIII tornou-se retaguarda ou atraso para os séculos seguintes. Justo nessa época em que era urgente uma teologia dialogante e dialógica e dialética, os Papas se firmaram numa teologia monolítica medieval e colonialista, como vinha sendo ainda a teologia escolástica e aristotélica de Tomás de Aquino, do “motor imóvel”. E assim “os pregadores e Catequistas recebiam pedras em vez de pão” (o.c.p.217). Foi nessa época que foram pulicados o “Síllabus” de condenações de Pio IX e as encíclicas Pascendi de Pio X e Generis humani de Pio XII.

Na história da ciência teológica acontece que “os pesquisadores mais velhos e seguidores dos modelos tradicionais se opõem durante toda vida aos novos paradigmas. Isso acontece não só por causa da teimosia do idoso mas também porque estão totalmente comprometidos com os antigos modelos ou configurações. Precisa-se de uma nova geração até que finalmente a grande maioria assuma as novas configurações” (o.c.p.179). E o cientista Max Plank dizia: “Uma nova verdade cientifica não costuma se impor pelo convencimento e pela conversão de seus adversários mas sim esperando que eles desapareçam, e que as novas gerações se familiarizem com essa verdade” ( Autobiografia, p.42). Ele e também Ch.Darwin se referiam tanto às ciências como à teologia. E Eisntein disse: “É mais difícil destruir preconceitos do que desintegrar um átomo” (o.c.p.181).

“O problema maior da dificuldade e da demora de aceitar os novos modelos acontece quando a teologia e a Igreja rejeitam um modelo hermenêutico determinado é que a rejeição se transforma facilmente em condenação, e a discussão é substituída pela excomunhão; identificando-se Evangelho e teologia, realidade eclesial e sistema eclesiástico, conteúdo de fé e expressão de fé. E a consequência é que esse modelo hermenêutico tradicional com sua explicação teológica se transforma em verdade verdadeira ou seja aquele velho modelo teológico se torna dogma, e a tradição se torna tradicionalismo. Historicamente na Igreja e na teologia esse fechamento se transformou em violência e repressão: contra todos os direitos humanos, perseguição dos “hereges”, inquisição física ou psicológica dos opositores, ou simplesmente proibição da discussão, como vimos com Orígenes e Tomás de Aquino.” (Cf. o.c.p.189).

Reparando bem, atendendo a modelos ou expressões de modelos da religião ou de fé, há o essencial, e há o acidental, o acessório. ”Os representantes da religião institucional sempre se aproveitaram disso para preservar não só o essencial mas também o acessório, e até o ridículo e sobretudo para revestir o próprio poder de uma aura de eternidade e imutabilidade divinas. Quantas coisas como instituições muito terrenas (autoridades romanas), ou posições jurídicas, objetos litúrgicos e ritos folclóricos foram declarados “santos” e intocáveis para imunizá-los contra qualquer crítica e reforma. Os menores detalhes em assuntos de fé, de moral e de Igreja foram regulamentados juridicamente, sancionando-se os desvios com penas eclesiásticas, excomunhões, inclusões no índice e suspensões “a divinis” neste mundo além do fogo eterno no outro. Assim não se preservava a mensagem cristã e a causa do Cristianismo, mas também mitos e costumes, às vezes de origem pagã, a superstição, a procura de milagres e o culto das relíquias, mitos e símbolos duvidosos que, mesmo que tivessem seu sentido na sua época, não têm mais agora” (o.c.p.250).

Em 1983 realizou-se o Congresso ecumênico internacional em Tubinga, na Alemanha, e uma das coisas importantes que se constataram foi que a perda da hegemonia político-militar e econômica e cutural da Europa deu um abalo da hegemonia do Cristianismo como única religião verdadeira, “salvífica” e “absoluta”: pela primeira vez realizou-se um encontro do Cristianismo com as religiões mundiais. Aí o lado cristão deu-se conta de adquirir mais disposição em ouvir seriamente as outras religiões e aprender delas. Será que isto seria possível no modelo de teologia e de Igreja na Idade Média, com Santo Tomás de Aquino, ou no séc.XIX com os Papas Pio IX, Pio X e Pio XII?

Conclusão. Vimos nesta breve reflexão que uma pessoa pode mudar de modelo ou formato de  religião sem mudar de religião. É como trocar a moldura de um quadro mas não a figura do quadro. Assim por exemplo, quando se trata de “conversão: quando por exemplo um católico, por sentir repugnância contra o sistema romano autoritário se torna protestante, ou vice versa, se um protestante se torna católico, atraído pela unidade e universalidade católica, então, em ambos os casos não acontece uma mudança de religião propriamente dita, mas ambos permanecem cristãos, pois houve só uma mudança de paradigma (ou configuração)” (o.c.p.242). Como dizíamos, só trocaram de moldura mas a figura do quadro ficou a mesma. Isto é, não houve troca do essencial mas só do acidental ou acessório.

P.Casimiro João   smbn

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segunda-feira, 13 de novembro de 2023

GÊNESIS OU TERRAPLANISTA? VOCÊ TOPA?

Nossos antepassados nem imaginavam as maravilhas que se escondem na composição do Sol e do nosso universo. O sol produz os fótons em seu centro, onde a fusão atômica cria átomos de hélio e de hidrogênio, e, no processo, fotos são liberados na luz do sol. Os ións do cérebro dependem do alimento, o alimento depende dos fótons produzidos no centro do sol, o sol resulta de explosões anteriores, quando estrelas explodiram, e tudo isso resulta de seja o que for que aconteceu no primeiro momento do início dos 15 bilhões de anos. Essa saraivada fotônica do início dos tempos provê de energia nosso modo de pensar. Incêndios do início dos tempos fortalecem agora mesmo, neste instante você mesmo. O que você pensa e sente neste momento só é possível através do fogo cósmico. Todo o seu sistema nervoso é rico de deste fogo. Por isso o cientista Carl Sagan dizia que nós somos faíscas de estrelas. A bola de fogo primeva existiu duzentos bilhões de ambos sem consciência introspectiva. Por si só essa estrela não podia se dar conta da sua beleza. Mas a estrela pode, por nosso intermédio, refletir sobre si mesma e, em certo sentido, você é essa estrela. Você é aquela estrela trazida a uma forma de vida que possibilita à vida refletir sobre si mesma. Então sim, a estrela realmente sabe de seu grande trabalho, de sua entrega ao encanto da vida e de sua enorme contribuição à vida, mas por meio de sua articulação ulterior – você. Mais ainda nossa admiração cresce se soubermos o seguinte: qualquer pesquisa vai fornecer uma riqueza de informações cheias de fascínio sobre nossa galáxia e seu lugar no universo. Por exemplo: Há mais de 200 bilhões de estrelas só na nossa galáxia. Nossa galáxia é tão extensa que a luz, viajando 300.000 quilômetros por segundo leva 100 mil anos para atravessá-la. O Sol com seus planetas viaja ao redor desta galáxia à velocidade de 210 quilômetros por segundo. Uma viagem ao redor da galáxia o nosso Sol leva 250 milhões de anos. Nossa galáxia é a segunda maior num grupo de 30 galáxias. A maior é Andrômeda, que está a 18.921.600.000.000.000 quilômetros de nós. Os astrónomos calculam que há mais de 300 bilhões de galáxias, cada uma com bilhões e bilhões de estrelas. Ainda mais: nosso Universo é apenas um entre uma multidão de Universos e, em certo sentido, os muitos Universos competem uns com os outros pelo direito de existir. (Cf. John Gribbin, “Os princípios, a formação do Universo, 1994 p.XIII). Tudo isto fruto do Big Bang inicial acontecido há 15 bilhões de anos atrás. Aconteceram explosões que foram criando galáxias, estrelas, constelações, aos bilhões. E ainda continuam numa atividade criativa infinita em expansão contínua. Comparando agora, em contrapartida, com a visão primitiva do Gênesis, podemos baixar as seguintes conclusões: A morte não veio ao mundo por intermédio do pecado humano. A morte já era realidade milhões e milhões de anos antes que os seres humanos caminhassem no planeta. Desenvolvimento, morte, desastres e revoluções eram partes essenciais da existência deste planeta milhões e milhões de anos antes que os seres humanos entrassem em cena, com o sistema solar criado há 5 bilhões de anos incluindo a Terra, as plantas e as flores há 600 milhões de anos, e o ser humano há cinco milhões de anos. No entanto, toda a teologia do Novo Testamento está baseada nisso como se fosse real. Então não deveríamos concluir que a “Queda da criação” não será uma metáfora? Que não houve uma queda nada parecida com o que está descrito no Gênesis? Como fica então a vida de Cristo e sua missão? Ou não deveremos pensar o quanto de simbólico e não literal é a narrativa com que estamos lidando? (Cf. M.Morwood o.c.p.19 e 33). Dessa visão ou cosmologia antiquada e mítica do mundo é que, por exemplo, o Novo Testamento tirou as consequências para a teologia de São Paulo que se baseava no imaginário lendário da “criação de um só homem, e que pelo ‘pecado de um só homem’ entrou o pecado no mundo” (Rom.5,17). A respeito disso devemos reler o documento da Pontifícia Comissão Bíblia que nos fala nas “cosmologias já ultrapassadas: “O fundamentalismo tem uma tendência a uma grande estreiteza de visão, pois ele considera conforme à realidade uma antiga cosmologia já ultrapassada, só porque encontra-se expressa na Bíblia”(Pontifícia Comissão Bíblica, 1993, 40-41). A Igreja no princípio se negou a compartilhar a ciência de Galileu e ficou como hoje estão os terraplanistas, fora dos padrões da ciência. Na época, a Igreja, se apoiando numa falsa autoridade sobre a ciência condenou a ciência em nome da teologia, invertendo a definição de teologia e trocando cosmologia por teologia e teologia por cosmologia, firmando-se que a ciência de Galileu era contra a Sagrada Escritura. Tanto assim que só 350 anos mais tarde deu o braço a torcer apresentando ao mundo científico desculpas pelo modo como tratou Galileu e os cientistas. Hoje em dia todo mundo está sendo formado na ciência de Galileu sobre a astrofísica, astrologia e cosmologia, sobre a Terra que gira em torno do Sol, e não o Sol em volta da terra, coisa que a Igreja condenava, como se fosse missão da Igreja governar a ciência. E nós também somos convidados a outra visão do mundo diferente daquela na qual a fé cristã se formou, com a teoria terraplanista. É nessa visão que somos desafiados a falar de Deus, Jesus, Igreja e nossa fé cristã.

Conclusão. Se isto fosse parar na mente de terraplanistas iriam se arrepiar pensando que na Bíblia nunca leram isso. E nunca irão ler. Como os bebês de proveta não vêm na Bíblia, e também as últimas possibilidades de editar embriões humanos, e quem sabe, selecionar embriões inteligentes para futuros super-homens e super-mulheres, e implantações de chips nos cérebros humanos, e escanear o cérebro para ver as possibilidades de seu pensamento e seus planos, o que servirá para futuras investigações forenses e policiais, isso também não vem na Bíblia Assim como a Inteligência Artificial e os robôs de múltiplos serviços que estão invadindo o mundo, de tal maneira que, no Japão, o povo não distingue quem é gente e quem é robô que está enchendo as ruas das cidades. Termino, com a pergunta que não cala, do início do texto: O antes e o depois do Gênesis, ou continuar terraplanista, você topa?

P.Casimiro João      smbn

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segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Revelação, inerrância e inspiração bíblica


 

“O concílio de Trento não foi claro, e deixou a discussão em aberto sobre se a Escritura é a única fonte da Revelação ou se esta tem duas Fontes, a Escritura e a Tradição. O Vaticano II também não encerrou com clareza o assunto, embora se notasse a favor das Duas Fontes pela pressão da Cúria. A única tábua de salvação sobre a Escritura como única Fonte da revelação foi uma indicação velada no último capítulo da Constituição sobre a Revelação onde se indica a Escritura como “alma da Teologia” (Cf. Hans Kung, “Teologia a caminho” p68-71). Estamos falando em Fontes da Revelação, ou seja a Escritura e a Tradição. Tradicionalmente tem-se defendido as Duas Fontes. É por isso que colocamos a posição do concilio de Trento e do Vaticano II, na análise do teólogo H.Kung que foi perito no Vaticano II. Quer no concilio de Trento quer no Vaticano II campearam fortes reações, como era de esperar, contra a Reforma protestante do século XVI. Por seu lado, o protestantismo reagiu atribuindo a infalibilidade às frases bíblicas, a mesma que os católicos atribuíam ao Papa e à Tradição. Por isso que para eles a Bíblia é como um “Papa de papel” (o.c.p.71). Isto é, como para os católicos o Papa teria o dom da infalibilidade, assim para eles a Bíblia tem infalibilidade, como única Fonte da Revelação.

Agora vamos falar da inerrância. Em que consiste a inerrância? Aquilo que não tem erros, infalível. Fabricada pela Reforma protestante, para se contrapor à infalibilidade do Papa, a inerrância seria aplicada a todas as palavras e frases da Bíblia. Esse assunto nem apareceu no concílio de Trento. Simplesmente os Papas, no século XIX se aproveitaram dessa doutrina dos protestantes em favor de sua própria política. No Vaticano II o esquema que trazia a discussão sobre a inerrãncia foi retirado da ordem do dia pelo Papa São João XXIII, o Papa que convocou o concílio. Porém, o sucessor, Paulo VI, homem indeciso e obedecendo de novo ao esquema da Cúria aceitou colocá-lo de novo na ordem do dia da terceira sessão, para surpresa de todos.” (o.c.p73). Então as conclusões do vaticano II foram as seguintes: A palavra “inerrância” foi substituída pela outra palavra “inspiração”, tirando da cabeça que o autor da Bíblia não é um “instrumento” de Deus, como se dizia no sentido de “inerrância”, mas que era o autor descrevendo suas experiências e de seu povo, experiências estas que se alimentavam da convivência com Deus. Portanto, não havia uma limitação ou supressão da sua autoria, como antes se pensava. Inclusive, o autor estava sujeito a erros, como expôs o cardeal de Viena, Franz Konig (o.c.p.74). Daí em diante, autores católicos seguidos por muitos protestantes concordam nos seguintes pontos básicos: 1) Os livros bíblicos são também totalmente humanos; devem ser julgados e relativizados de acordo com seus dons e suas limitações, seus conhecimentos e possibilidades de erro. 2) Não são como um ditado, e não se trata de um milagre, como por exemplo no caso do Corão que, na crença do islão, veio diretamente do céu e ditado por um Anjo. 3) Os escritos do Novo Testamento não pretendem ter caído diretamente do céu e não são excluídas deficiências nem falhas, obscuridades nem confusões, limitações nem erros (Cf. o.c.p.76-77).

Em último falemos de Magistério da Igreja. O Magistério da Igreja consiste no conjunto dos dogmas, encíclicas papais e documentos da Sagrada Congregação da doutrina da Fé. Vejamos quatro itens que é preciso refletir. 1) ”Não só os Santos Padres mas também os concílios ecumênicos se desautorizam muitas vezes um ao outro, ou se corrigem de  fato; 2) Nem sequer os concílios ecumênicos têm, a priori, a verdade em seu favor; ao contrário, ela somente se revela pelo fato de as afirmações conciliares serem “recebidas” e aceitas por toda a Igreja; 3) A intenção dos próprios concílios não é constituir uma doutrina, mas apenas constatar e confirmar o que já vem sendo crido; 4) Os concílios não têm a capacidade de dispor da verdade de Cristo, devem esforçar-se por compreendê-la; 5) Portanto, Sim à Bíblia, mas não ao biblicismo, que tende a idolatrar a letra da Escritura. E também Sim à autoridade, mas não ao autoritarismo que tende a idolatrar a autoridade quando rejeita qualquer crítica à autoridade em nome de suposta ortodoxia católica” (o.c.p 78-79).

Referimos algumas vezes nestas páginas o documento da Pontifícia Comissão Bíblica que nos alerta sobre muitas passagens bíblicas que são baseadas numa “antiga cosmologia já ultrapassada”, e que não precisam ser aceitas “só porque encontram-se na Bíblia” (PCB, 1993, pp.40-41). E também os autores bíblicos são autores humanos e não “anjos” ou “instrumentos” de Deus, como dizemos nesta página. Sabemos que muitas narrativas antigas passaram para a Bíblia, como o caso dos primeiros Onze capítulos do Gênesis, para dar só um exemplo e são cópia de “mitos” antigos. Então não será lógico que um dogma que se baseia num mito antigo só poderá vir a ser um dogma mitológico?

Conclusão. Encontramos várias narrativas na Bíblia que relatam “cosmologias antigas e ultrapassadas” que já não têm aplicação para o agora de hoje, “passaram de prazo”. A mesma afirmação não valerá também para vários atos do Magistério que se apoiam nessas narrativas e passagens da Escritura já “passadas de prazo”? Dogmas que dependem de mitos bíblicos e dessas cosmologias, não estarão também eles debaixo de suspeição?

P.Casimiro João.     Smbn

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segunda-feira, 30 de outubro de 2023

IBOPE NA ESCRITA DOS EVANGELHOS.


 

Às Às vezes nós vamos atrás do que no evangelho não tem importância e é de algum comentarista que pôde ter acrescentado ao texto do primitivo evangelho. E isso dava ibope. Ou por não concordar com o que vinha escrito atrás ou colocando um seu comentário às vezes até fora do contexto. Botamos aqui um aparte histórico de como isso acontecia. Em primeiro lugar, os evangelhos tiveram início com a narrativa da Paixão. E a primeira narrativa apareceu 40 anos d.C. no pequeno evangelho de Marcos. Mateus e Lucas tiveram conhecimento dele e depois cada um fez algumas mudanças e aumentos nos seus respectivos escritos que foram chamados de evangelho de Mateus e de Lucas, pelos anos 80 e 95 respectivamente. De João nem se fala porque foi escrito pelos anos 100 ou 105 d.C. E aí devemos tomar consciência  do seguinte: nenhum dos evangelistas foi testemunha ocular dos acontecimentos da Paixão, como eles mesmos atestam quando dizem que depois da prisão de Jesus “todos o abandonaram e fugiram” (Mc. 14,50; Mt.26,56 ). E então deixaram Jesus sozinho e entregue à própria sorte. Em segundo lugar, como não havia testemunhas presenciais nem entre os apóstolos e nem entre os redatores, a curiosidade dos primeiros convertidos levava a se dirigirem aos mais velhos para captar “ditos”, frases e acontecimentos da pessoa de Jesus para reconstituir o “Jesus histórico” da maneira que fosse possível, o que foi acontecendo. Até que, depois das recordações da Paixão surgiu outra coleção ou livrinho que foi chamado de “Ditos de Jesus”. E ambos começaram a circular. Esses “ditos” e acontecimentos eram aumentados depois por comentaristas e novos redatores. E tudo isso sendo grampeado em épocas sucessivas. Este processo foi avançando até o século IV. Aí a Igreja, já mais organizada levantou a voz e veio a proibição de fazer mais aumentos e acrescentos no que já estava escrito. Esse trabalho ganhou o nome de “Lista” ou “Cânon” na linguagem da época. Isso deu-se no concílio de Hippona (África) no ano de 393 por iniciativa do São Cipriano. Na verdade “na época em que a fé cristã entrou no mundo, esse ‘mundo’ era mágico, ou seja, davam mais valor ao misticismo, como sonhos, sinais e milagres, onde tudo era milagre”(Dreher, Martin, “A Igreja no império romano” 2013, p.103). E, como vimos, foi muito difícil reconstituir a figura do “Jesus histórico”. Tornou-se mais fácil delinear então a figura do “Jesus da fé”, que tem feito o grande imaginário de toda a teologia, catecismos, e vivência das Igrejas e do povo cristão. Além disso, ainda que os evangelhos apócrifos ficaram fora do Cânon do séc.IV, contudo muitas páginas deles, difusas e aleatórias ainda ficaram nos evangelhos, sobretudo nas narrativas da Infância e da ressurreição. Uma terceira observação: Dissemos que as narrativas da Paixão não foram presenciadas por testemunhas oculares. Então como foi? Fácil assim: os redatores foram buscar narrativas do Antigo Testamento que falavam do poema do “Servo” de Isaías, cap. 50 sgs. E ai usaram o processo “copia-cola” aplicando-o a Jesus. E foi isto que deu mais ibope do que os fatos históricos anteriores. Um exemplo mais: No cap.14 de Lucas vem que um rei preparou o casamento do seu filho, porém os convidados faltaram ao convite. Foi quando o rei mandou os empregados introduzir na sala do banquete cegos, aleijados, povo da rua para encher a sala do banquete” (Lc. 14,15-24). Em Lucas e Marcos condensam assim. Porém em Mateus foi inserido um comentário de um pregador ou algum catequista que certamente podia não concordar com aquela multidão no banquete, e então, segundo os estudiosos, fez a sua colocação aumentando o seguinte: “Quando o rei entrou para ver os convidados observou ai um homem que não estava usando trajes de festa e perguntou-lhe ‘amigo, como entraste aqui sem o traje de festa?’ Então o rei disse aos que serviam: amarrai os pés e as mãos desse homem e jogai-o fora, na escuridão! Aí haverá choro e ranger de dentes. Porque muitos são os chamados e poucos os escolhidos” (Mt.22,11-14). A gente pergunta: afinal, quem é que estava com traje de festa, se todos estavam sem traje de festa, pois os empregados “se espalharam pelos caminhos e encruzilhadas e reuniram todos quantos encontraram, maus e bons, de modo que a sala do banquete ficou lotada”? (Mt.22,10). E ainda: o comentarista trocou os pés pelas mãos: afinal foram poucos os convidados e muitos os escolhidos, ao contrário do que ele disse, tanto que encheram a sala. Então, repetindo o nosso início: às vezes vamos atrás do que no evangelho não tem importância e é de algum que talvez não sabia o que dizia. Porque dá “ibope”. Quantos pregadores devem ter feito sermões empolgados com este homem castigado porque não tinha o “traje”, atribuindo ao pecado, afinal tudo fora do contexto. Aliás isso dá belamente para um sermão burguês e para auditórios de burgueses. E dá “ibope”. Mas não dá ibope aquela lição moral de incluir gente de rua, trabalhadores, doentes, aleijados, no banquete, e, o que falta ainda, gente que faz questão de escolher seu gênero e suas opções sexuais. Isso não ia dar ibope, pelo contrário, ia dar “exclusão”, do jeito dos fariseus. Falamos que os pregadores tradicionais enfatizam o “traje de festa” para falar do pecado. Na verdade a Igreja  sempre gostou de falar de pecado. Os protestantes dão ibope com o demônio, a Igreja católica dá ibope com o pecado, talvez mais do que com a misericórdia. Só para terminar, outro “ibope” com o pecado: o da “ovelha perdida”, equiparada ao “pecador”. Vejamos o contexto no evangelho de Mateus: “Guardai-vos de menosprezar um destes pequeninos porque eu vos  digo que os seus anjos no céu contemplam sem cessar a face do meu Pai que está no céu. Que vos parece? Um homem possui cem ovelhas, uma deles se perde; Não deixa ele as 99 nas montanhas para ir buscar aquela que se perdeu? E se a encontrar sente mais alegria do que pelas noventa e nove? (Mt.18,10-14).

     Aqui dá ibope duas vezes, falar de “criança” e da “ovelha perdida” referindo-se ao “pecador”, enquanto aqui não tem essa conotação. Já dissemos em páginas anteriores que esses “pequeninos” eram as pessoas expulsas das sinagogas, pois no catecismo dos Judeus (o Talmude), os Anjos se envergonhavam dessa gente incluindo as crianças. E de “ovelha perdida” não tem a ver com o “pecador” mas com essas pessoas expulsas das sinagogas. Como diz o versículo quando falou dos “pequeninos”: que vos parece, um homem possui cem ovelhas, e uma delas se perdeu”, essa que faz parte dos “pequeninos” e que é preciso ser acolhida de volta. “O que fizerdes ao mais pequenino dos meus  irmãos é a mim o fizestes” (Mt.25,40).  Também naquele outro contexto que diz “Deixai vir a mim as crianças e não as impeçam porque o reino dos céus é para aqueles que se lhes assemelham”(Mt.19,14). Quem são aqueles que se lhes assemelham? Os “pequeninos” e os “desprezados”. “Jesus demonstrou sua preocupação pelos pequenos usando um dos termos mais desprezados da época que era a palavra “criança”, e insistiu que seus discípulos recebessem os mais humildes” (Elsie Gilbert, “Biblia e Criança”). Estes humildes eram expulsos das Sinagogas. Resultado: a “ovelha perdida” nunca foi o “pecador” mas as pessoas desprezadas e expulsas dos ambientes sociais e religiosos, como hoje das nossas igrejas e convivências. E o evangelho em questão termina assim: “Quando encontrar essa pessoa pequena e expulsa (essa “ovelha expulsa” haverá mais alegria no céu do que pelos 99 acomodados que se julgam os donos da religião, da fé e da igreja” que se julgam justos como o fariseu no “templo” (Lc.18,9-14).

     Conclusão. Este senhor que terá feito esse comentário ele queria falar certamente que o homem excluído tinha “pecado”, falando do  “traje”. Sim, a Igreja sempre teve tendência de insistir no pecado. Os protestantes no demônio. Outro “ibope”. E dá-se outro “ibope” na “ovelha perdida”, equiparada ao “pecador”. Nem vemos que isso vem no contexto dos pobres expulsos da Sinagoga, entre eles as crianças. Então comparemos com o outro paralelo “tudo que fizerem ao mais pequenino dos meus irmãos foi a mim que o fizeram” (Mt. 25, 40). Já pensou no outro “ibope” que tem dado aquilo de que “a mulher foi tirada da costela do homem”? Dizendo que não foi tirada da cabeça nem dos pés para que não fosse dominada pelo homem.” Quanto ibope tem dado essa anedota tirada do “mito” da Criação, de Gn.2,22).

               P.Casimiro João smbn    www.paroquiadechapadinha.bogspot.com.br