segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

TEOLOGIA BÍBLICA E ÁRVORES COMO PRIMEIRO LUGAR DE CULTO NA BÍBLIA


A árvore foi o primeiro lugar de culto na Biblia. A ciência é neutra, e tem que ser neutra para ser ciência. Não que o cientista não seja religioso, mas entrando no campo da ciência tem que entrar num campo neutro. No caso, uma descoberta arqueológica tem o mesmo valor para quem tem religião e para quem não tem religião. Sem ideias preconcebidas. Já por exemplo os autores bíblicos, no seu aspecto histórico, aproveitando memórias do passado, refletem as suas preocupações religiosas e teológicas, de tal maneira que só um estudo científico irá descobrir o que pertence à história e o que pertence à fé. Na verdade, os grandes trabalhos da Bíblia com aparência histórica contêm vários níveis de composição: o passado, a reflexão religiosa e às vezes ainda visam o futuro da escatologia, de modo que geram uma confusão na mente do leitor leigo. O resultado final desse quadro dificilmente se parece com o esquema da própria Bíblia sobre a historicidade de Israel (Cf.Mark Smith, o memorial de Deus, pag38). “A história bíblica construída na Torá e na história do Deuteronômio representa a história nacional fundadora de Israel como refém das condições do presente do povo e de suas esperanças no futuro”. Por isso, “apesar de não ser considerada historicamente inútil, a Bíblia não ocupa mais o lugar privilegiado de ditar as normas para a reconstrução do passado de Israel. O testemunho bíblico é “considerado” e “pesado” com evidências arqueológicas e textos extrabiblicos depois de terem sido avaliados separadamente por seu valor histórico” (o.c.p.35). As fontes disponíveis na Bíblia são principalmente instantâneos do passado por meio de narradores posteriores impondo suas próprias interpretações do passado de Israel sobre estes antigos retratos. Os autores bíblicos, ao escreverem história refletem as preocupações dos seus tempos. O que parece então ser narrativas históricas são respostas atuais aos desafios dos tempos passados. Os escritos bíblicos são então produtos de seus próprios autores em sua própria época refletindo a memória coletiva”.(o.c.p.37). Então, a Bíblia torna-se uma mistura do passado de Israel e das memórias ou reflexões coletivas sobre esse passado.

Vejamos algumas curiosidades sobre o passado de Israel e partindo da árvore que foi o primeiro lugar de adoração, “postes sagrados” ou tocos de plantas. Os antigos tinham no seu imaginário que os deuses moravam nos “lugares altos”, como por exemplo as árvores. Aí eram feitas as celebrações de nascimento, casamento, morte e luto. A essa árvore ou “poste sagrado” era dado o nome de “asherah” que posteriormente virou deusa, “deusa asherah”, a qual depois foi considerada a consorte ou esposa de Javé, quando Javé ganhou o status de deus de Israel, já que o primeiro era o deus “EL, dos edomitas. Cf. o.c.p.61 e 91. Daí partiram para os “lugares altos”, onde eles colocavam a moradia dos deuses, já que os deuses dos edomitas e ugaríticos eram também os deuses de Israel e moravam nos “lugares altos”. Daí vieram as construções dos templos nos lugares altos, às vezes chamados só de “lugares altos”. Daí vieram também as “torres” das igrejas porque Deus só podia habitar nos lugares altos. E daí vieram as lendas da “torre  de Babel” por onde os deuses desciam mas os mortais não podiam subir. Alguns lugares começaram a ganhar mais aglomerações de pessoas: peregrinações” festas do outono, colheitas das frutas e festas das tendas. O chefe do culto era o pai de família, o patriarca. E daí, algum outro ocupava o nome de “homem de deus”, na falta do pai de família, como Samuel e sucessores, que também resolviam problemas sociais e de guerra; foi a origem dos “Juizes” e do livro dos “Juizes”.

Avançando mais na linha do nosso tema sobre a historicidade da Bíblia, grandes narrativas tidas como históricas, veremos que são reflexões do tempo em que foram escritas sobre variações de tempos passados, e tais escritos viraram epopeia. “Não há evidências históricas sobre a historicidade do Êxodo ou algum tipo de historicidade por trás da grande epopeia que foi construída. A narrativa do Êxodo até Números pode conter tradições mais antigas que foram moldadas para responder a questões posteriores. Alguns ancestrais puderam ter andado nessas trilhas mas sem nenhuma escravidão. Não há evidências históricas sobre a historicidade do êxodo ou algum tipo de historicidade por trás da grande epopeia que foi construída (o.c.p.45).

Falemos sobre o politeísmo em Israel. “A realidade mais antiga é que muitas divindades residiam no antigo Israel, o que foi amplamente esquecido” (o.c.p.53). Até porque as falas contra os deuses foram escritas depois que Israel nadava tranquilamente por séculos na convivência com todos os deuses do seu panteão, com deuses superiores e outros inferiores como os “Angeli” (“Anjos”, “mensageiros”) que faziam as ordens dos deuses maiores. Inclusive, com Javé com sua consorte Asherah como falei já. As várias críticas contra os “deuses” dos pagãos são devidas à amnésia coletiva do povo, no dizer do mesmo autor M.Smith: “A amnésia coletiva de Israel sobre os outros deuses, a saber, que muitos destes deuses tinham pertencido primeiramente a Israel ajudou-os a esquecer seu próprio passado politeísta, e portanto serviu para induzir a amnésia coletiva.” (o.c.p.25)

Vejamos várias estratégias da narrativa bíblica. Uma delas é aquela luta contra os vários deuses. Esse politeísmo em que sempre nadaram e mergulharam os judeus inventou a história do “bezerro de ouro”. Essa é uma estratégia do reino do Sul (judá) contra o reino do Norte que também tinha o santuário de Dã e Betel e diziam: “estes também são os deuses que nos tiraram do Egito” (1 R.12,28). E a estratégia da narração foi colocar esta crítica no episódio de Moisés no Sinai, coisa nem pensável naquela época. “A luta contra o ‘bezerro de ouro’ é uma reação contra os santuários da Samaria e foi colocada no relato do Sinai para fazer do Sinai o centro de toda a história bíblica. É portanto uma transposição moral e atemporal. O que vemos em Êx.32,4.8 é uma reação contra os santuários de Samaria no Norte em 1 Reis 12,28” (o.c.p.30 e 63). E o autor citado Mark Smith conclui: “O problema não era o politeísmo mas a competição entre diferentes divindades apoiadas por diferentes santuários. O monoteísmo deles não se originou historicamente no primeiro momento no Sinai com Moisés e a Aliança feita lá”.(o.c.p.86 e p.133). A arqueologia encontrou documentos dos reis babilônicos dizendo: “capturamos os deuses da confiança dos judeus nas suas cidades” (o.c.p.93).

Outra estratégia de como o deus “El” virou Javé para os israelitas foi a lenda de Jacó versus Isaú com a seguinte conotação: Jacó, o filho mais novo de Isaque tomou o lugar do mais velho que era Isaú. Por isso, assim como Isaú, o mais velho perdeu para Jacó, o mais novo, assim “El”, o deus mais velho perdeu para Yahweh, o nome do deus mais novo escolhido agora. (o.c.p.45), Gn.32,23-33). Foi quando Jacó trocou o nome por Israel, que era o mesmo nome da nação “Tu te chamarás Israel”; e de quebra “El” trocou o nome por “Yahweh”, (Gn.cap.32). Este foi o jogo entre os escritores “E” e “J”, isto é a tradição “eloista” e a tradição “javeista”. O livro de Gênesis corrobora isto quando fala que Jacó, no Norte ofereceu sacrifício ao seu deus El: “Aí (em Siquém) fez um altar, que denominou El, o deus de Israel”(Gn.33,20). E tudo isto porque ainda não existiam as inimizades entre Israel e os edomitas como depois aconteceram nas diversas lutas sobretudo quando eles ajudaram os inimigos a derrubar o templo de Jerusalém em 586 a.C.

Sobre Davi: “Os últimos sucessos militares de Davi são descritos em termos adulativos, e mesmo esses sucessos não podem ser defendidos como históricos; as questões de cronologia levantadas pelos arqueólogos e as questões críticas levantadas pelos estudiosos demoliram a visão gloriosa que Davi recebera na tradição religiosa posterior, assim como como suas habilidades são lendárias”(o.c.p. 59). Afinal, reina também entre as mesmas pesquisas que isso á atribuído também a Salomão. Na verdade, “polêmicas reais e apologéticas são frequentemente escritas como fatos históricos, e esta monarquia não deve ter sido tão grande quanto no início se pensou” (Finkenlstein, Mazar e Stager, o.c.p.60). “A história lendária de Salomão são contos populares atribuídos a ele, como as lendas do bebê e as duas prostitutas, e da rainha de Sabá. A própria construção do templo e a figura do templo é mais ideológica do que real, segundo o maior investigador bíblico israelense Finkenlstein, pois nas escavações arqueológicas não se encontram sinais evidentes do seu tamanho. (id. pp.61ss.).

Conclusão. A Bíblia é composta de edições e reedições, e cada época de uma reedição tinha novas versões sobre os mesmos fatos e novas ideologias e defender. E, como disse, pertence à investigação e erudição científica destrinchar e avaliar; é o que a gente tem que ir aprendendo e não ficar sempre pensando as mesmices de que tudo era como antigamente.

P.Casimiro João   smbn

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segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Quem eram os “servos inúteis” do evangelho


 

Uma certa vez, no evangelho de Lucas, encontramos esta expressão: “Assim também vós, quando tiverdes feito tudo o que vos mandaram, dizei: ‘somos servos inúteis’, fizemos o que devíamos fazer” (Lc. 17,10).

Em primeiro lugar, a quem era dirigida esta palavra? A uma autoridade? A um sumo sacerdote? A um doutor da lei? Ou a um governador? Não? Era a um trabalhador manual ou rural, talvez um escravo. Na época do colonialismo era assim que tratavam os colonos, mas ninguém diria isso a um “europeu”. Infelizmente seguimos muito os vícios da antiga Grécia e Judeia neste campo. Os antigos gregos seguiam a filosofia de Platão segundo a qual as ideias moravam no Olimpo celeste, e eram separadas da matéria da terra. E havia uma parte da humanidade que se devia dedicar ao estudo das ideias. Esta classe de pessoas não podia se ocupar com trabalhos manuais e do campo. E deviam ter uma formação adequada de estudo, ou “skolé”, donde deriva a nossa palavra Escola. Esta era a filosofia de Platão e Aristóteles. A outra classe de pessoas era dos trabalhadores rurais. Eles não estudavam e tinham que produzir os bens para aqueles primeiros. Já para Homero e Hesíodo, o trabalho era um castigo que Zeus impôs aos homens, coisa semelhante ao que encontramos no Gênesis.

Entre os romanos havia os cidadãos livres e os não livres, estes que tinham sido derrotados nas guerras e faziam os trabalhos servis, isto é de servos e escravos. E havia os detentores dos direitos de propriedades e os que trabalhavam nelas sem nenhum direito. Os donos de propriedades tinham todos os direitos perante os servos. Os servos eram desprovidos de todos os direitos e de personalidade jurídica.

Em consequência temos que olhar portanto as categorias sociais da época.: “servo inútil” seria igual a animal de carga, que você pode espancar para andar, trabalhar, pode maltratar, berrar com ele; se ele morrer tem logo outro animal. Por isso o trabalhador só tem que comer para entrar logo no trabalho, como se fazia com qualquer animal. Daí que esse desprezo de “servo inútil” significa isso, e não vamos pensar que será um discurso de Jesus mas uma composição da época usando as mesmas categorias sociais da época. Estamos longe ainda da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1949 e dos direitos sociais dos trabalhadores que foram se desenvolvendo do séc.XVIII em diante até chegar aos nossos dias. Já vimos noutro BLOG como a própria Igreja, durante muito tempo foi conivente com a situação de opressão, finalmente despertando e reagindo com a publicação das Encíclicas Sociais. (www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br 01/01/23), e no Brasil com as SEMANAS SOCIAIS.

Aqui no Brasil, a primeira vez que se falou nos direitos dos trabalhadores foi na Constituição de Getúlio Vargas, de 1934, onde foi instituído pela primeira vez o salário mínimo, 08 horas de jornada de trabalho, e a organização do trabalho de mulheres e crianças, muito requisitadas pela indústria porque eram mais baratas. E solidificaram-se e aperfeiçoaram-se mais os direitos trabalhistas com a famosa CLT, Consolidação das Leis de trabalho de 1943.

Conclusão. “Somos servos inúteis” portanto é uma daquelas sentenças que passaram de prazo de época de validade e não dá para alguém se aplicar a si  com aquela iludida “humildade” que se julgaria “evangélica”. Pelo contrário é falsamente evangélica porque uma diminuição do ser humano. Tudo que é contra o ser humano é anti-evangélico. E contra toda a mentalidade de Jesus que disse: “Eu não lhes chamo de servos mas amigos” (Jo.15,15).

P.Casimiro João     smbn

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segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

TEOLOGIA BÍBLICA E SEUS DESAFIOS


 

Há duas ordens de conhecimento: o saber da fé e o saber da razão.(G.Sp, 59). O saber da fé baseia-se no testemunho de experiências religiosas confiáveis de primeiros fãs de Deus que tiveram a capacidade de transmiti-las com sua vida e suas comunicações verbais. O saber da ciência baseia-se em métodos de investigação empírica, matemática e histórica. Na Grécia antiga, Platão considerava o corpo como prisão da ama; a vida espiritual tinha como meta a libertação da alma. Para Platão e Plotino o mundo material era apenas uma sombra. A verdadeira realidade era o “mundo espiritual”.  Digamos já de início que Platão cortava toda a possibilidade de acreditar na ciência e nos seus métodos, para ele só havia o valor da “experiência religiosa”, uma vez que o “mundo material” era “uma sombra”, e a verdadeira realidade era o “mundo espiritual”. Ainda faz parte do imaginário de 90% por cento de cristãos este espectro da mente humana que veio desses primeiros pensadores gregos. Entre cardeais, bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas e fiéis de ambos os gêneros. Do Antigo Testamento e do Novo Testamento. E essa era a eclesiologia dominante antes do vaticano II, época da cristandade, jurisdicista e triunfalista. Quando o século 19 teve um despertar deste imaginário milenar para restabelecer o valor do mundo material, a voz da Igreja, pela voz do Papa Pio IX promulgou o Syllabus, condenando todas as novas filosofias que começavam a pulular, se afastando do tal Platão e Plotino. Aquelas raízes da filosofia de Platão e Plotino criavam uma separação escandalosa entre corpo x alma; terra x céu; mundo x Igreja; profano x sagrado; natureza x graça. O vaticano II abandonou essa postura para afirmar que Deus e o mundo não são rivais, mas o mundo é obra de Deus, ele é constitutivo da Igreja e do cristão. Isto leva ao problema candente sempre atual, queiramos ou não, do binômio fé e ciência, teologia e razão.

A teologia é um serviço à fé e uma instância crítica necessária para evitar que a prática religiosa degenere em fideismo, fundamentalismo e fanatismo. Justamente as três coisas que estão incluídas no imaginário do mundo recebido de Platão, como o “corpo prisão da alma”, e o mundo “material” como uma “sombra”, e a “vida espiritual” como a “verdadeira realidade” donde, dessas três raízes, se gera o tal fideísmo, fundamentalismo e o fanatismo. É aí que entra a teologia. A teologia vem dar o entendimento entre o mundo da ciência e o mundo da fé. Os dois campos têm suas atribuições e seus limites. O mal que havia nos postulados dos primeiros ditados do tal Platão era que o estudo do espiritual devida abranger, regular, organizar e dominar o estudo do mundo da matéria. Veio daí que a ciência tinha que ser escrava da fé, porque o mundo material era apenas “uma sombra” e a vida espiritual “tinha como tarefa libertar a alma”. Estava feita a plataforma para que a fé dominasse a ciência, e que sempre a fé tivesse a última palavra, aumentando o desprestigio da Igreja como aconteceu com a publicação da encíclica “Humanae Vitae” de Pio XII. E assim sucedeu em toda a Idade Média e Antiga, até o despertar de novo mundo e um novo modo de entender o mundo e a fé. Foi aí, no séc.19, quo Pio IX se apavorou e pôs a Igreja em pé de guerra contra a ciência. Foi nessa época que a ciência se independenciou da fé e que os cientistas fizeram a seguinte afirmação quando perderam a paciência vendo que a Igreja teimava sempre em se imiscuir em todos os caminhos da ciência, e colocava a ciência numa camisa de forças: Quanto maior a fé, menor a ciência, e vice-versa” (Dawkins). Nessa época a fé passava a ser vista como um estágio a ser superado pela ciência, no dizer de Augusto Comte, porque só atrapalhava a progresso da sociedade. Na verdade nesta época e depois de Galileu Galilei não só se passou a questionar a autoridade da Igreja mas a própria existência de Deus. Se uma Igreja assim era o caminho para chegar a Deus, esse caminho não levava a Deus nenhum e era melhor ficar sem a Igreja e seu Deus. Os cientistas dispensaram a hipótese de Deus ao mesmo tempo que  dispensaram a intervenção da Igreja. Vejamos alguns passos da ciência nos últimos séculos: 1642 a máquina de calcular por Blaise Pascal; 1897 a telegrafia sem fio, por Morse; 1902 o rádio; 1925 a TV; 1934 o radar; 1964 o laser e calculadoras eletrônicas; 1967, primeiro transplante de coração; 1972, inicio da engenharia genétia por Herbert Boyer e Stanley Cohen; 1957 lançamento do primeiro satélite não tripulado em volta da terra; 1960, os foguetes teleguiados; 1961, a primeira viagem tripulada em volta da terra; 1968, a primeira viagem tripulada em redor da lua; 1969, a primeira alunissagem feita pelo homem; 1942, a energia nuclear; DNA, em 1953 por Francis Crick.

A Igreja, em todos os tempos reivindicava para si o direito de sentenciar sobre verdade e falsidade da pesquisa científica. E a marcha vitoriosa da ciência foi por isso erroneamente interpretada como derrota da crença em Deus. Mesmo que agora vá respeitando paulatinamente o direito inalienável da ciência, mesmo assim fica sempre uma tradição de se expressar nas categorias da metafisica medieval estranhas à cultura contemporânea determinada pela moderna tecnologia. Na verdade, todos os conceitos ou imagens de Deus, por mais adequados que nos pareçam, não são Deus”.  Santo Anselmo de Cantuária dizia que Deus é sempre maior pois não cabe em categorias filosóficas ou científicas. (Cf. Cf.Urbano Zilles, Desafios atuais para a Teologia, pag.29).  A Igreja nunca se libertou desse medo histórico e inconsciente da ciência, como também nunca se libertou da ambição inconsciente de querer “controlar” a ciência e os avanços científicos. Por isso já se criou o jargão que a “Igreja anda 500 anos atrasada”. E as boas consciências atribuem isso à “sabedoria da Igreja”, para não dizer que essa sabedoria é inércia, medo e paralisia.

Conclusão. À guisa de conclusão podemos resumir a relação entre razão e fé nos seguintes itens: 1) A fé e a razão são diferentes modos de conhecer; 2) A fé e a razão não se podem contradizer porque o autor de ambos é  Deus; 3) No homem que se abre à experiência religiosa Deus se revela e o capacita para que possa ser um elo de transmissão para outros humanos, tendo em vista tanto em Israel como na revelação cósmica; 4) A razão exerce papel fundamental na formulação da fé tanto nos preâmbulos como para ilustrar por meio de comparação semelhanças e dessemelhanças. (Cf.o.c.p.82)

P.Casimiro João    smbn

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segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

O matrimônio um palco; o mundo um palco.


 

“Este mundo é um palco, cada individuo cumpre o seu ato e dá a continuação do drama a outros indivíduos. É o todo que é o drama. Os indivíduos, na verdade, depois de cumprir seu papel aqui, não saem de um drama, que no seu conjunto continua a marchar sem fim e, por assim dizer, em um palco firmemente montado continuam sempre dando a outros indivíduos espirituais a possibilidade da apresentar o seu ato” (K.Rahner, Curso fundamental da fé, p.514).

Este trecho leva-nos a pensar na questão do cristão perante o pluralismo da existência humana. Na 1ª Carta de Paulo aos coríntios ele limita a vida do homem cristão e da mulher cristã ao “sagrado” e ao “profano”: “Meus irmãos, eu gostaria que estivésseis livres de preocupações. O homem não casado é solícito pelas coisas do Senhor e procura agradar ao Senhor. O casado preocupa-se com as coisas do mundo e procura agradar à sua mulher e assim está dividido. Do mesmo modo a mulher não casada tem zelo pelas coisas do Senhor e procura ser santa de corpo e espírito. Mas a que se casou preocupa-se com as coisas do mundo e procura agradar ao seu marido”.(1Cor.7,32-34).Esta reflexão de Paulo é fruto do dualismo da sua época que separava Deus e o mundo, Deus e marido, Deus e esposa, espírito e corpo como coisas opostas e proibidas, filosofia e antropologia agora fora de época e que perdeu a validade de prazo. Ele louvava a mulher solteira pelo fato de estar “livre”para servir o Senhor, como se o Senhor fosse inimigo do “mundo” e do “marido”, e vice-versa o homem solteiro, como se o Senhor fosse inimigo do “mundo” e da “mulher”. Enquanto que existe uma unidade: servir o marido e servir o “mundo” aí se serve ao mesmo tempo o Senhor, como uma medalha com verso e reverso. Quem quisesse usar esses versículos para uma pastoral familiar e tomasse à letra poderia cair numa grande alienação e alienar o auditório. É por isso que a Bíblia cria muitas armadilhas e pode iludir muita gente. Na verdade, o homem cristão e a mulher cristã são confrontados com o pluralismo da vida, com uma vida plural, e nessa pluralidade devem realizar a unidade do seu entendimento e do seu agir, e não devem cair na tentação de querer agir como uma barata correndo em todas as direções sem encontrar um rumo de uma unidade: “onde eu encontro Deus se eu tenho que dar conta do meu balcão? e dos meus relacionamentos com agnósticos, com ateus, e com gente que faz assédios? e dar conta do meu namoro, e dos meus relacionamentos com o marido? e logo depois como posso encarar a igreja, a missa e as tarefas dos meus compromissos religiosos?...”

Na verdade, o cristão tem o direito e o dever de se entregar tranquilamente e cheio de confiança ao pluralismo de sua própria existência. “E de experimentar o amor e a morte, o ódio e a ternura, sucesso e desilusão. E no meio de tudo isso, cheio de confiança, deixar-se interpelar pelo próprio Deus que quis este pluralismo do seu mundo a fim de que o homem faça ideia de que tudo isso está envolvido pelo mistério eterno. E algumas vezes o homem cristão e a mulher cristã tem que contar com uma realidade plural obscura, cheia de trevas e incompreensível” (o.c.p.421), onde terão ocasião de exercitar a calma e o discernimento do seu espírito. O cristão é o que aceita tranquilamente a diferença entre o que somos e o que devemos ser, como tarefa. E nisto supõe a relatividade do presente. E estará habilitado a dizer um “não” a alguma coisa e um “sim” a outra coisa.

Esta diferença faz parte do palco da vida humana e coloca o cristão em pé diante dela. Precisamente o homem cristão e a mulher cristã aceitarão tranquilamente este palco da vida, ou seja, a distância entre o que somos e o que devemos ser; assim como vemos o mundo como é e como devia ser e tomar uma atitude de “aceitar-se”. Aceitar-se quando erramos e aceitar-se quando acertamos, sabendo de antemão que nem sempre vamos acertar. É maravilhosamente confortante fazer a cabeça pensando que não se é perfeito. E ainda mais cultivando a resiliência e a predisposição para prosseguir mais alto.

O homem cristão e a mulher cristã saem sempre de sua própria falha e se voltam para o que lhe está adiante. Na incompreensibilidade de sua liberdade por vezes cheia de trevas e escuridão sabem-se continuamente envolvidos pela graça de Deus e que sempre devem refugiar-se nessa graça. E são sempre aqueles que jamais fazem cálculos perante Deus mas, pelo contrário, entregam a Deus e à sua graça todo cálculo, todo esforço moral, uma vez mais sem a pretensão de fazer contas perante Deus” (o.c.p.475). Deste modo avaliamos aquela teologia de que falamos embasada numa cosmologia tradicional e fora de validade de prazo. Para manter seu otimismo, o homem cristão e a mulher cristã poderão afirmar em sua fé cristã e na esperança coletiva a ela vinculada que o mundo no seu conjunto está salvo, que o drama da história da salvação terá em seu conjunto êxito positivo, que Deus já superou por Jesus Cristo crucificado e ressuscitado o “não” dito pelo mundo com o pecado” (o.c.p.479).

Conclusão. K.Rahner encerra o seu livro “Curso fundamental da fé” com o dito que formou o título desta matéria, “Este mundo é um palco”. E o cantor Francisco Marinho, natural de Chapadinha tem um título “A vida é um show: eu sou o palco e a vida é o show”. Vejamos mais algo da letra do hino: “O ar que eu respiro faz parte do show, e os instrumentos que tocam é a paz e o amor; Jesus é o artista; eu sou o palco e a vida é um show. Respeitar a vida é simples assim: saber dar valor à arte e à cultura: viver o amor. É deixar o amor tomar conta de ti: a vida é um show. A vida é dez e até mais de cem: a vida é uma festa e não tem pra ninguém: a vida é linda, a vida é um show”. Para ouvir digite o site: (www.franciscomarinhoreligiao).

P.Casimiro João             smbn

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