segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

TEOLOGIA BÍBLICA E ÁRVORES COMO PRIMEIRO LUGAR DE CULTO NA BÍBLIA


A árvore foi o primeiro lugar de culto na Biblia. A ciência é neutra, e tem que ser neutra para ser ciência. Não que o cientista não seja religioso, mas entrando no campo da ciência tem que entrar num campo neutro. No caso, uma descoberta arqueológica tem o mesmo valor para quem tem religião e para quem não tem religião. Sem ideias preconcebidas. Já por exemplo os autores bíblicos, no seu aspecto histórico, aproveitando memórias do passado, refletem as suas preocupações religiosas e teológicas, de tal maneira que só um estudo científico irá descobrir o que pertence à história e o que pertence à fé. Na verdade, os grandes trabalhos da Bíblia com aparência histórica contêm vários níveis de composição: o passado, a reflexão religiosa e às vezes ainda visam o futuro da escatologia, de modo que geram uma confusão na mente do leitor leigo. O resultado final desse quadro dificilmente se parece com o esquema da própria Bíblia sobre a historicidade de Israel (Cf.Mark Smith, o memorial de Deus, pag38). “A história bíblica construída na Torá e na história do Deuteronômio representa a história nacional fundadora de Israel como refém das condições do presente do povo e de suas esperanças no futuro”. Por isso, “apesar de não ser considerada historicamente inútil, a Bíblia não ocupa mais o lugar privilegiado de ditar as normas para a reconstrução do passado de Israel. O testemunho bíblico é “considerado” e “pesado” com evidências arqueológicas e textos extrabiblicos depois de terem sido avaliados separadamente por seu valor histórico” (o.c.p.35). As fontes disponíveis na Bíblia são principalmente instantâneos do passado por meio de narradores posteriores impondo suas próprias interpretações do passado de Israel sobre estes antigos retratos. Os autores bíblicos, ao escreverem história refletem as preocupações dos seus tempos. O que parece então ser narrativas históricas são respostas atuais aos desafios dos tempos passados. Os escritos bíblicos são então produtos de seus próprios autores em sua própria época refletindo a memória coletiva”.(o.c.p.37). Então, a Bíblia torna-se uma mistura do passado de Israel e das memórias ou reflexões coletivas sobre esse passado.

Vejamos algumas curiosidades sobre o passado de Israel e partindo da árvore que foi o primeiro lugar de adoração, “postes sagrados” ou tocos de plantas. Os antigos tinham no seu imaginário que os deuses moravam nos “lugares altos”, como por exemplo as árvores. Aí eram feitas as celebrações de nascimento, casamento, morte e luto. A essa árvore ou “poste sagrado” era dado o nome de “asherah” que posteriormente virou deusa, “deusa asherah”, a qual depois foi considerada a consorte ou esposa de Javé, quando Javé ganhou o status de deus de Israel, já que o primeiro era o deus “EL, dos edomitas. Cf. o.c.p.61 e 91. Daí partiram para os “lugares altos”, onde eles colocavam a moradia dos deuses, já que os deuses dos edomitas e ugaríticos eram também os deuses de Israel e moravam nos “lugares altos”. Daí vieram as construções dos templos nos lugares altos, às vezes chamados só de “lugares altos”. Daí vieram também as “torres” das igrejas porque Deus só podia habitar nos lugares altos. E daí vieram as lendas da “torre  de Babel” por onde os deuses desciam mas os mortais não podiam subir. Alguns lugares começaram a ganhar mais aglomerações de pessoas: peregrinações” festas do outono, colheitas das frutas e festas das tendas. O chefe do culto era o pai de família, o patriarca. E daí, algum outro ocupava o nome de “homem de deus”, na falta do pai de família, como Samuel e sucessores, que também resolviam problemas sociais e de guerra; foi a origem dos “Juizes” e do livro dos “Juizes”.

Avançando mais na linha do nosso tema sobre a historicidade da Bíblia, grandes narrativas tidas como históricas, veremos que são reflexões do tempo em que foram escritas sobre variações de tempos passados, e tais escritos viraram epopeia. “Não há evidências históricas sobre a historicidade do Êxodo ou algum tipo de historicidade por trás da grande epopeia que foi construída. A narrativa do Êxodo até Números pode conter tradições mais antigas que foram moldadas para responder a questões posteriores. Alguns ancestrais puderam ter andado nessas trilhas mas sem nenhuma escravidão. Não há evidências históricas sobre a historicidade do êxodo ou algum tipo de historicidade por trás da grande epopeia que foi construída (o.c.p.45).

Falemos sobre o politeísmo em Israel. “A realidade mais antiga é que muitas divindades residiam no antigo Israel, o que foi amplamente esquecido” (o.c.p.53). Até porque as falas contra os deuses foram escritas depois que Israel nadava tranquilamente por séculos na convivência com todos os deuses do seu panteão, com deuses superiores e outros inferiores como os “Angeli” (“Anjos”, “mensageiros”) que faziam as ordens dos deuses maiores. Inclusive, com Javé com sua consorte Asherah como falei já. As várias críticas contra os “deuses” dos pagãos são devidas à amnésia coletiva do povo, no dizer do mesmo autor M.Smith: “A amnésia coletiva de Israel sobre os outros deuses, a saber, que muitos destes deuses tinham pertencido primeiramente a Israel ajudou-os a esquecer seu próprio passado politeísta, e portanto serviu para induzir a amnésia coletiva.” (o.c.p.25)

Vejamos várias estratégias da narrativa bíblica. Uma delas é aquela luta contra os vários deuses. Esse politeísmo em que sempre nadaram e mergulharam os judeus inventou a história do “bezerro de ouro”. Essa é uma estratégia do reino do Sul (judá) contra o reino do Norte que também tinha o santuário de Dã e Betel e diziam: “estes também são os deuses que nos tiraram do Egito” (1 R.12,28). E a estratégia da narração foi colocar esta crítica no episódio de Moisés no Sinai, coisa nem pensável naquela época. “A luta contra o ‘bezerro de ouro’ é uma reação contra os santuários da Samaria e foi colocada no relato do Sinai para fazer do Sinai o centro de toda a história bíblica. É portanto uma transposição moral e atemporal. O que vemos em Êx.32,4.8 é uma reação contra os santuários de Samaria no Norte em 1 Reis 12,28” (o.c.p.30 e 63). E o autor citado Mark Smith conclui: “O problema não era o politeísmo mas a competição entre diferentes divindades apoiadas por diferentes santuários. O monoteísmo deles não se originou historicamente no primeiro momento no Sinai com Moisés e a Aliança feita lá”.(o.c.p.86 e p.133). A arqueologia encontrou documentos dos reis babilônicos dizendo: “capturamos os deuses da confiança dos judeus nas suas cidades” (o.c.p.93).

Outra estratégia de como o deus “El” virou Javé para os israelitas foi a lenda de Jacó versus Isaú com a seguinte conotação: Jacó, o filho mais novo de Isaque tomou o lugar do mais velho que era Isaú. Por isso, assim como Isaú, o mais velho perdeu para Jacó, o mais novo, assim “El”, o deus mais velho perdeu para Yahweh, o nome do deus mais novo escolhido agora. (o.c.p.45), Gn.32,23-33). Foi quando Jacó trocou o nome por Israel, que era o mesmo nome da nação “Tu te chamarás Israel”; e de quebra “El” trocou o nome por “Yahweh”, (Gn.cap.32). Este foi o jogo entre os escritores “E” e “J”, isto é a tradição “eloista” e a tradição “javeista”. O livro de Gênesis corrobora isto quando fala que Jacó, no Norte ofereceu sacrifício ao seu deus El: “Aí (em Siquém) fez um altar, que denominou El, o deus de Israel”(Gn.33,20). E tudo isto porque ainda não existiam as inimizades entre Israel e os edomitas como depois aconteceram nas diversas lutas sobretudo quando eles ajudaram os inimigos a derrubar o templo de Jerusalém em 586 a.C.

Sobre Davi: “Os últimos sucessos militares de Davi são descritos em termos adulativos, e mesmo esses sucessos não podem ser defendidos como históricos; as questões de cronologia levantadas pelos arqueólogos e as questões críticas levantadas pelos estudiosos demoliram a visão gloriosa que Davi recebera na tradição religiosa posterior, assim como como suas habilidades são lendárias”(o.c.p. 59). Afinal, reina também entre as mesmas pesquisas que isso á atribuído também a Salomão. Na verdade, “polêmicas reais e apologéticas são frequentemente escritas como fatos históricos, e esta monarquia não deve ter sido tão grande quanto no início se pensou” (Finkenlstein, Mazar e Stager, o.c.p.60). “A história lendária de Salomão são contos populares atribuídos a ele, como as lendas do bebê e as duas prostitutas, e da rainha de Sabá. A própria construção do templo e a figura do templo é mais ideológica do que real, segundo o maior investigador bíblico israelense Finkenlstein, pois nas escavações arqueológicas não se encontram sinais evidentes do seu tamanho. (id. pp.61ss.).

Conclusão. A Bíblia é composta de edições e reedições, e cada época de uma reedição tinha novas versões sobre os mesmos fatos e novas ideologias e defender. E, como disse, pertence à investigação e erudição científica destrinchar e avaliar; é o que a gente tem que ir aprendendo e não ficar sempre pensando as mesmices de que tudo era como antigamente.

P.Casimiro João   smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

 

     

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