segunda-feira, 4 de março de 2024

TEOLOGIA BÍBLICA: SALOMÃO, ESPLENDOR OU MITO


 

Na página anterior tivemos alguma referência à história de Salomão e apresentámos as referências de Mark Smith que “apesar de não ser considerada historicamente inútil, a Bíblia não ocupa mais o lugar privilegiado de ditar as normas para a reconstrução do passado de Israel. O testemunho bíblico é “considerado” e “pesado” com evidências arqueológicas e textos extrabiblicos depois de terem sido avaliados separadamente por seu valor histórico” (Mark Smith “O memorial de Deus”, p.35). O assunto hoje é a historicidade das narrativas salomônicas e, de quebra, de Davi.

Primeiramente, nenhuma construção de Salomão foi encontrada em Jerusalém, como o famoso Templo de Jerusalém. Pelo contrário,  achados arqueológicos de grandes construções foram achados na Samaria, e em Meguido, onde nunca andou Salomão, e de uma data mais de 100 depois dele. Porém a Bíblia desvia os locais e os autores das construções, atribuindo-as a Salomão, em Judá, no Sul, por motivos políticos que veremos em seguida.(Cf. J. Ademar Kaeffer, A Bíblia e a Arqueologia, Paulus, 2018, p.57-58).Em Jerusalém não há vestígios de construções que a Bíblia atribui a Salomão. Nem uma pedra dessa estrutura foi encontrada, apesar de mais de um século de buscas por conexões entre o texto bíblico e as evidências do local de escavações. Essas construções contadas pela Bíblia, afinal de contas são da época da dinastia omrida, dos reis do Norte: Omri e Acab, no Norte e não na Jerusalém de Salomão.”(o.c.p.68). O motivo foi a ideologia dos escritores do Sul que quiseram passar uma borracha na historia do Norte. O templo de Jerusalém só na época de Josias é que começou a funcionar depois da construção subsidiada com o dinheiro da Assíria quando conquistou o país, para com isso manter o domínio sobre Judá que prometeu boa convivência e vassalagem de tributos  a Nabucopalasser e Nabucodonosor II da Assíria. Esta será então a época do Primeiro Templo.

Foi nesta época que teve início a maior atividade literária, que antes constava só de ensaios. Foi assim que a literatura deuteronomista feita no Sul reeditou a história bíblica segundo a sua ótica ideológica. E conseguiu isso aproveitando-se do declínio do Israel Norte (Samaria) tomada por Sargão II e Nabucopalassar. Foi assim que trocou os dados da história, forjando a ideologia do império de Salomão. Depois os assírios resolveram também abocanhar Judá e Jerusalém, quando Judá quis trair a confiança da Assíria, aliando-se secretamente com o rei Necau do Egito.  Como tinha sido o fim da Samaria, no Norte em 722, assim foi o fim de Judá, no Sul em 586. Falámos no inicio do período da escrita. Ele começou na Samaria, Norte. Inscrições hebraicas aparecem pela primeira vez em Hazor e Betsã em 883 na Samaria (Norte), enquanto que no Sul só no século seguinte. E porque é que essa escrita prosperou no Sul, em Judá?  Porque alguns fugitivos da Samaria, quando foi tomada por Nabucodonosor, conseguiram fugir para Judá e levaram consigo esses primeiros escritos, que depois foram transformados pela ideologia do Sul. Temos na cabeça que Davi conquistou Jerusalém em 1.000 a.C. e depois teria sido sucedido por Salomão e daí por diante. Porém, as últimas descobertas e escavações arqueológicas têm mudado a visão que é a seguinte: 1- A formação de Estado da Samaria, Norte não tem nada a ver com os filhos de Salomão depois do ano 1.000 a.C. mas com a dinastia Omrida (Omri e Acab (884-831). 2- Como se formou o Israel bíblico: No séc.VIII (722 a.C.) deu-se a queda de Samaria, Norte, e houve uma migração em massa para Judá e Jerusalém: gente vinda da Samaria, de Betel etc. Jerusalém que tinha 1.000 habitantes ficou com cerca de 15.000 almas. Judá transformou-se em Reino neste momento. A Assíria tinha aniquilado a Samaria porque era perigosa, mas Judá não oferecia perigo nenhum. Foi com esta vinda para Judá que se formou o Novo Estado de Israel bíblico. Não há evidências claras da estadia de Israel no Egito nem em fontes e documentos egípcios, nem na arqueologia. (M.Smit, O memorial de Deus,p.176-177).

A escrita tomou agora seu grande momento. E foi reformulada e reeditada toda a história de Israel, sob a ótica dos escribas do Sul. O grande objetivo foi promover os “reis davídicos” como os únicos governantes legítimos, e o Templo de Jerusalém, que de um quase nada foi construído por Dário e os sucessores de Nabucodonosor, como dissemos, para servir à ideologia da Assíria. O que levou pouco tempo, só até 586 quando se deu a queda de Jerusalém e Judá. “O autor de Êxodo incorporou as tradições do Norte mas as sujeitou aos seus principais objetivos ideológicos. Por isso foi necessário a imaginação épica da construção do império salomônico para dar todo o respaldo aos seus objetivos. Por isso é uma história não bem contada na Bíblia, pois é ideologicamente distorcida, a fim de servir aos interesses de Judá num momento em que o reino da Samaria já não existia mais. Isto até que chegasse o momento em que Judá deixou também de não existir mais. 586 a.C. (Cf.o.c.p.91).

Do lado da arqueologia fica evidente que os monumentos tradicionalmente atribuídos a Salomão fazem parte da lenda. Como vimos, em população e em relevância, Judá era desconhecida dos reis do entorno. Nesse primeiro momento Judá não era ainda reconhecida como Estado. Foi devido a isso que a ideologia posterior de Judá elaborou outros dois mitos, Jeroboão e Roboão como filhos de Salomão para daí construir um Salomão fabuloso e de quebra o mesmo Davi, os quais historicamente teriam sido apenas simples chefes tribais. Nos registros da época não se encontram noticias de Salomão nem do seu reinado. “Salomão não é mencionado em nenhum texto extrabíblico nem do Egito nem da Mesopotâmia” (J.Ademar Kaeffer, o.c.p.56).

Conclusão. A história bíblica é muito intrincada. Este pequeno resumo possa servir para nos alertar sobre as nossas seguranças e nos levar a desconfiar de nossas certezas.

P. Casimiro João        smbn

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