Apresento dois casos: os direitos humanos e o fim da escravatura. Dois casos flagrantes da evolução da consciência da humanidade e que empurraram a religião também para evoluir. A muito custo, porque no início a Igreja condenou os direitos humanos pela caneta de Pio IX e de Pio X. Pio X condenou o modernismo e o Iluminismo como “o compêndio de todas as heresias” em 1907, e elaborou o “Juramento antimodernista” obrigatório para todos os padres, bispos e catequistas, finalmente abolido em 1967 pelo Papa Paulo VI. A filosofia do Iluminismo é que deu origem à declaração dos direitos humanos e com eles a liberdade de consciência e de religião. Não foi também a Igreja nem as Igrejas que acabaram com a escravatura mas a consciência humana. E a Igreja teve que absorver estes dois avanços mesmo entre lágrimas.
Por outro lado esta consciência humana
de que tratamos tem outras consequências. Historicamente, todas as religiões
tinham a obsessão de que eram a melhor religião e todos deveriam segui-la pra
se salvar. A Igreja católica herdou do Antigo Testamento a mesma exigência, ”Se
não receberem a circuncisão, como manda a lei de Moisés, não podereis ser
salvos”(At.15,1). E como o batismo substituiu a circuncisão, todos teriam que
se batizar para ser salvos. Porém, a consciência humana evoluiu e com ela
evoluiu também a religião porque as duas andam juntas. (Cf. concílio vaticano
II, decreto L.G. n.16).
Devemos ter presente o seguinte: A
Bíblia falou a língua do seu tempo. Apresentemos mais um episódio quando da
escolha dos Doze apóstolos, Jesus terá dado os seguintes poderes: “eu os mando
para expulsarem os espíritos maus e para curar todo tipo de doença e
enfermidade” (Mt.10,1). A letra nos diz que ele os fez médicos, enfermeiros,
cirurgiões. Mas nenhum deles foi médico, enfermeiro ou cirurgião. Qual então o
significado? Vamos à linguagem da época: Na catequese dos judeus, eles
ensinavam que quando Deus criou os homens reservou a 6ªfeira para criar os
demônios. Porém, chegou a tarde e não deu mais tempo para criar um corpo para
cada um deles e criou só o espirito porque no sábado não podia mais trabalhar.
Vendo-se assim, ficaram com raiva dos homens e resolveram atacá-los, cada um
entrando no corpo dos homens e levando consigo uma doença. É por isso é que,
lendo os evangelhos, notamos que os “espíritos maus” andam sempre acompanhados
com as doenças, “expulsem os espíritos maus e curem as doenças”. (Cf. Gonzaga,
Prado, “Espíritos e demônios”) Cfwww.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
7/2/21).
Uma outra consequência da mesma
consciência humana foi a chamada revolução sexual. Sabemos que a cultura sexual
é um componente essencial e digamos central de todas as culturas, e anda
intimamente ligada com a religião. A religião é uma criação humana e uma parte
da cultura. “Os seres humanos criaram sistemas simbólicos com a intenção de
entrar em contato com a divindade ou de criar uma convivência com ela. No
sistema atual há pelo menos 95% por cento de construção cultural em que se
depositaram as heranças de muitas culturas, e há 5% que procede de Jesus Cristo”
(Paulo C.de Andrade em SOTER, p.8). Veja também nosso Blog www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
16/6/23 onde falámos na data que foi adotada para a celebração do Natal,
adotada do dia da comemoração do deus Mitra Sol Invicto.
Um dos símbolos mais altos tem sido o
corpo humano. “Além do seu valor para produzir efeitos materiais o corpo humano
vem carregado de sentidos simbólicos. Ele serve para expressar disposições
religiosas, adoração, penitência, petição, pedido de perdão, expiação, por meio
de palavras, olhares, movimentos do corpo, da cabeça, das mãos, dos pés, pelas
posições do corpo. O valor simbólico do corpo é tal que o corpo pode ser
violentado por meio de mutilações, circuncisão, incisão, castração, jejuns,
privação de movimentos, de comida, flagelações e autoflagelações. Isto nos diz
que o corpo está instrumentalizado, e tal instrumentalização varia com as
várias religiões.
Este ambiente simbólico dominava as
religiões dos povos antigos, entre os quais o povo de Israel. Somas enormes de
dinheiro eram reservadas para enaltecer e manter sacerdotes, suas vestes, suas
cerimônias, seus templos, seus guardas e seus funcionários. Inclusive tiravam
alimento da boca dos pais idosos para entregar ao templo e aos sacerdotes.
(Mc.7,11). Com a vinda do Novo Testamento, e das exigências de Cristo
revertendo a direção do cuidado para atender a subsistência da pessoa humana
põe-se o problema: Vale mais o sacrifício ou a misericórdia? Dar de comer ao
faminto, dar de beber ao sedento, dar saúde aos doentes, defender os humilhados...A
qual destes conceitos é preciso atender, ou continuar colocando a atenção no
simbolismo platônico e narcisista corpóreo? E deu-se uma reviravolta nos
últimos 60 anos: Nas culturas antigas o corpo servia para expressar valores
religiosos; na nossa época, agora, serve para expressar mais valores
econômicos. Naquela época o corpo do sacerdote, da freira ou do bispo se
exaltava como se celestial fosse, bastava tocar para obter bênção; agora
olha-se o corpo nu e faminto do morador de rua e do escravizado das fazendas,
enquanto se sabe que o corpo antes “sagrado” do padre, bispo ou freira também
são apanhados em estupros. Não é que antes não existissem, só que pelo respeito
sagrado e “misticismo” se ocultavam. Não procederão daí tantas ocultações das
dioceses e até de Roma a respeito de tantos abusos sexuais que explodiram no
nosso tempo?
Conclusão.
Reafirmamos que a consciência da humanidade evoluiu, e empurra a religião para
evoluir também. Ou a religião evolui ou fica fora do tempo, como sal estragado
sem serventia para ninguém. Na verdade, religião que não evolui perde o trem e
não faz nenhum proveito à humanidade. Imagine que a Igreja continuasse a se
opor aos direitos humanos, à liberdade de consciência e de religião, como fez
há 100 anos? Vejamos como também a consciência humana evoluiu no que respeita à
seguinte afirmação bíblica: “Deus castiga aqueles que o odeiam e dá-lhes
imediatamente o castigo merecido” (Dt.7,10). Não fora o consciência humana
evoluir e ainda estaríamos no estágio inicial da humanidade, quando eram “os
deuses” que mandavam o trovão, os raios, as tempestades, a chuva, as doenças. E
quando as estrelas estavam suspensas no céu, e a terra era plana, a terra dos
terraplanistas... De um conceito de medo passou-se para um conceito de domínio.
Daí que quando antes o corpo era dominado pelos castigos, agora a atenção voltou-se
para o treino da mente e da vontade e da consciência. Enquanto no castigo
ficava ausente a mente e a vontade psíquica, agora entra o ser humano integral,
a mente envolvendo o corpo físico
produzindo uma unidade.
Ao falar de corpo e corporeidade, só
nos resta tomar consciência, bem ao gosto platônico, de que somos artesãos de
nós mesmos. E como afirma Galeano a este respeito: “A Igreja diz, o corpo é uma
culpa; a ciência diz, o corpo é uma máquina; a publicidade diz, o corpo é um
negócio; o corpo diz, eu sou uma festa” (Galeano, em “As palavras andantes”,
p.134).
P.Casimiro João smbn
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