“Nós
pintamos o céu com aquilo que o esconde, as nuvens”(Victor Franckl).
Façamos
uma comparação entre o céu e as nuvens, e entre a fé e as crenças. O céu é a
fé; as nuvens são as crenças. Ou, por outra, todo mundo sabe que há Deus, o
céu. Aquilo que é preciso para chegar lá são as nuvens ou crenças.
Todo
mundo sabe que tem céu; é a fé. Mas todo mundo quer discutir sobre as nuvens: a
cor, o tamanho, e a orientação, do norte ou do sul,
altura, formas. Assim, há crenças protestantes, e católicas.
E passamos o tempo discutindo e condenando os outros que não pintam as nuvens
da nossa cor.
Todo
mundo sabe que tem um Jesus que foi a maior manifestação de Deus na Terra. Mas
gastaram e gasta-se tempo como ele era, de cabelo longo, curto, Anjo, só homem,
Anjo (Deus) e homem, Uno, ou dividido em duas naturezas.
E
se excomungaram uns, e excomungaram outros, como quando o Papa Leão IX
excomungou o Patriarca Miguel Cerulário de Constantinopla(1.054), e o Patriarca
de Constantinopla por sua vez excomungou
o Papa. E porquê? Sobre as diferenças das práticas litúrgicas, se
o pão da eucaristia devia ser pão ázimo ou não ázimo.
Por
seu lado, no lado protestante também têm as suas nuvens; e como passam o tempo
discutindo a cor das nuvens. Antigamente se dizia que “discutindo o
sexo dos anjos”.
Falamos
que atrás das nuvens está o céu, Deus, o mistério. Acreditar no mistério
chama-se Fé. Debater sobre as nuvens que encobrem o mistério é crença.
Não é por isso que se diz “a Crença”
dos evangélicos? A crença é mais semelhante à opinião “não
posso realmente garantir, mas creio
que seja assim”, dizemos.
No
planeta somos 8 bilhões de habitantes. E somos 2 bilhões de Cristãos entre
católicos e protestantes. E 6 bilhões iguais a nós mesmos, nem católicos e nem protestantes. Mas
todos sabem que tem um Deus e quem tem um céu. Será que eles também passam o
tempo a debater sobre suas nuvens? Será que têm nuvens no meio? Certamente que
sim. Serão mais? Serão menos? Tudo leva a crer que são menos.
Basta
olhar a crítica que Jesus fez às nuvens dos Judeus. Não foi por
conta dessas nuvens que eles assassinaram Jesus? Lembra algumas? “Purificação”
ou “não purificação”; os “estranhos” e os “inimigos”. Lembra o “samaritano”? O
“Templo” e o “Sábado”? Lembra atrás sobre as excomunhões a
respeito das práticas litúrgicas, do Papa Leão IX e do Patriarca
Miguel Cerulário?
Diante
do mistério, Einstein dizia: “ a reverência diante do mistério é uma emoção
humana universal; não segui-la é como ser menos do que homem. A fé é uma
resposta humana particular àquilo que desperta a reverência. E o “eu” fazendo
parte desse mistério.”
As
maiores obras de pintura, da música, da poesia e da literatura, e as primeiras
pinturas das cavernas exprimem essa fé. Reprimir isso seria esmorecer até virar
velas apagadas e regredir a um estado pré-humanoide, como dizia
também o mesmo cientista.
Os
seres humanos podem ser definidos como seres questionadores. As grandes
epopeias da humanidade como o Gilgamesh, os Astecas, o Gênesis,
não queriam responder às perguntas “como” ou “quando”, mas “Porquê”? E sobre o
nosso lugar nesse mistério? Essa é a fé, e o Deus do trono; as perguntas são as
crenças e a cor das nuvens. O nosso “Eu” faz parte desse mistério, por isso o
“eu” não é um problema que possa ser resolvido, mas um mistério que permanece
sempre conosco.
O
filósofo judeu Levinas chegou à conclusão de expressar a fé nas três maneiras
de encarar o mistério: o encontro com o universo, com o “eu” e
com o “outro”. No encontro com o outro três maneiras de intenção:
uma conquista, uma capitulação, um empate. E ficou tão
encantado no fascínio da solidariedade, que trocou a definição tradicional
da filosofia “Amor pela Sabedoria” pela definição: “Sabedoria do
Amor”.
À
medida que tomamos consciência dos mistérios do mundo, do eu, e do outro, eles
sempre aparecem permeados de linguagens, emoções, e padrões intelectuais
específicos de uma tradição cultural particular. E disso vêm as teorias,
mitos e metáforas com as quais respondemos, como nos poemas atrás
referidos: Gilgamesh, Astecas, Odisseia e Elíada, Corão e Gênesis. Só os
humanos marcaram os lugares onde colocavam os restos dos seus mortos, e isto
deu origem à filosofia, à religião, e à cultura.
A
fé carrega consigo toda a existencialidade e história do pensador. Basta olhar
a Bíblia, que tanto colocava toda a história do Povo de Israel na berlinda, que
mal dá para ver se fala de política ou da história ou da fé.
Por isso diz Victor Franckl “a fé não é uma maneira de pensar da qual se
subtrai a realidade, mas uma maneira de pensar à qual se acrescentou a
existencialidade do pensador” .
Tanto
a Bíblia como os outros poemas paralelos pretendem encontrar um sentido da
vida. Confirma-o também o astrônomo Albert Einstein quando diz: “Ser
religioso é ter encontrado uma resposta para a pergunta: qual o sentido da vida?”. E outro psicólogo: crer em Deus significa
ver que a vida tem um sentido” (L.Vittgenstein).
Neste
momento precisamos fazer uma pergunta: qual era a fé de Jesus?
Desdobrando: trata-se de fé em Jesus, ou da fé de Jesus? Primeiro
precisamos saber se Jesus tinha fé. Para São Tomás a resposta era não,
porque, segundo a Escolástica, ele acreditava que tinha a visão beatífica desde
a concepção e não precisava de fé. Porém, o teólogo Urs von Baltasar tem outra
opinião, dizendo que isso é a fé intelectualizada, neste sentido: “ a fé, na
Idade Média consistia em afirmar algo de que não temos a certeza de ser
verdade”. Ou por outra: “Crer que algo é
verdade porque é isso que ensina a hierarquia eclesiástica” (argumento da
autoridade).
Na
Carta aos Hebreus se diz que “Jesus foi o autor e realizador da
fé” (Heb.12,2). O que significa autor? É como o autor de um livro. Realizador,
é quem realiza um projeto, como uma construção de um barco. Significa assim que
Jesus tinha um plano e o realizou.
Qual era o plano, o objetivo? O Reino de Deus. Ele o realizou? Realizou.
Vejamos:
Na
época de Jesus se dizia que Augusto César era a BOA NOVA (evangelho), e que era o “deus salvador”, que trazia a paz para
toda a Terra. Ora Jesus, paralelamente, proclamava outra BOA NOVA
dele, e outro evangelho. Aí começava o choque. E a vida e atividade de
Jesus não foi pregar-se a si mesmo, mas essa Boa Nova, e esse evangelho,
o Reino de Deus. O choque foi tão grande que o mataram.
Por
isso, tem um teólogo que diz: “a expressão “reino de Deus” é uma das mais mal
utilizadas e mal compreendidas da Bíblia inteira. Por vezes demais se pensa que
para lá você talvez vá quando morrer ou algo que começa quando a história deste
mundo acabar, ou algo que é inteiramente interior. Contudo, os profetas
hebreus, o próprio Jesus e as últimas páginas do Apocalipse ensinam-nos que o Reino
de Deus é algo que acontece neste mundo e para este mundo”.
(Harvey Cox,62).
Tanto
a teologia e pregação se fixaram na necessidade da fé em Jesus, que a fé
de Jesus muitas vezes é ignorada. Na verdade, o objeto da fé de
Jesus qual era? O “reino escatológico de Deus” prometido por Deus. Não a fé
ou não fé da existência de Deus, essa era o que os Judeus mais tinham, e
que nasce com todo ser humano. Jesus não estava preocupado consigo mesmo. Mas
com o “Reino” não dele, mas de Deus. Na oração do Pai Nosso rezou
assim: “venha a nós o vosso reino”;
não disse o meu reino.
Vimos
então na Carta aos Hebreus que “Jesus foi o autor e realizador da fé”
(Heb.12,2). Jesus fez do livro do Reino de Deus o seu livro, ele o
começou e concluiu ou realizou. Quais eram os testes, e as dúvidas da sua fé?
Eram as dificuldades não de ordem intelectual mas sobre recuos e perdas
ou atrapalhos que pareciam às vezes malograr a vinda do reino do Pai.
Muitas
vezes Jesus teve que se refugiar e se esconder para não ser preso. Nos últimos
dias decidiu entrar em Jerusalém, e sabia que se tornou impossível evitar o
confronto decisivo. As forças imperiais e religiosas tentaram enterrar seu
projeto. Mas ele seria enterrado para ressurgir.
P.Casimiro smbn
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