domingo, 31 de janeiro de 2021

Evangelho de Tomé e a cena: “Quem dizem os homens que Eu sou?” (Mc.8,27).

 

Na pesquisa de Jesus “quem dizem os homens que Eu sou” (Mc.8,27), há uma versão antiga muito interessante no Evangelho de Tomé.

Eu gostaria de destacar a importância histórica do evangelho de Tomé, como evangelho que está despertando muito interesse nos autores atuais.

É de admirar quantas vezes os estudiosos atuais apelam para o evangelho de Tomé. Vejamos um local de primeira importância e central nos evangelhos Sinóticos, e qual é a versão de Tomé na “enquete” que Jesus fez a respeito de sua pessoa “Quem dizem os homens que Eu sou?” (Mc.8,27).

No Dito 13 do evangelho de Tomé: “Jesus disse a seus discípulos: Fazei comparações, dizei-me a quem me assemelho”. Simão Pedro disse-lhe: “Tu és como um Anjo justo”. Mateus disse-lhe: ”Tu és como um sábio filósofo”. Tomé disse-lhe: “Mestre, minha boca é completamente incapaz de dizer a quem te assemelhas”. (Dito 13).

Aqui vemos outra versão do evangelho de Tomé sobre esse intrincado episódio. E os autores se interrogam sobre a relevância do papel de Pedro e de Mateus nesse episódio. Porquê Pedro e Mateus foram escolhidos para testemunhar sobre Jesus, na intenção dos redatores? Quanto a Pedro, teria sido para evidenciar a figura apostólica de Pedro entre os cristãos “ortodoxos”, despeitados com os cristãos das comunidades de Paulo. E porquê Mateus? Mateus seria um dos mias esquecidos dos Doze se não lhe tivesse sido atribuído um Evangelho.

E temos uma observação a fazer neste particular: o evangelho de Tomé exaltou o ensinamento ético de Jesus como ensinamento de um filósofo e de uma ética superior. No Mundo Antigo, a Ética era domínio dos filósofos. E um Mestre de ética como o Jesus do evangelho de Mateus podia ser muito bem descrito como “um sábio filósofo”.

Quanto ao evangelho de Tomé, ele quer sublinhar dois aspectos. Em primeiro lugar ele nos quer dizer que em nenhum outro Evangelho  o ensinamento ético é tão proeminente quanto no Evangelho de Mateus. Basta olhar quantas vezes insiste na fórmula “Eu Vos digo”, em contraste com a outra “Os Antigos diziam”...

E o segundo item que deduzimos do evangelho de Tomé, não se reportando ao messianismo de Jesus, era que o Evangelho de Tomé não tinha interesse algum na Bíblia hebraica ou na expectativa messiânica judaica.

Efetivamente, no evangelho de Mateus, que aumenta os ditos de Jesus que não vêm no evangelho de Marcos, que foi o primeiro, vem assim: “Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt.16,19).

Aqui reflete-se o messianismo da Bíblia hebraica, e o evangelho de Mateus  foi buscar as palavras do profeta Isaías a respeito dessa expectativa  na pessoa do Rei Davi: “Porei sobre os seus ombros as chaves da Casa de Davi: quando ele abrir, ninguém fechará, quando ele fechar, ninguém abrirá” (Is.22,22).

É estranho que esta promessa não vem no primeiro evangelho que é a fonte dos outros, o evangelho de Marcos. Porém, o evangelho de Mateus estava interessado na relevância de Pedro, como dissemos atrás, e para acrescentar trouxe à baila a antiga expectativa messiânica. 

Por seu lado, os pesquisadores da história bíblica sabem que o evangelho de Tomé é da mesma época e contemporâneo do evangelho de Marcos(50 d.C.), portanto antes dos evangelhos de Mateus e Lucas e João. E também não estava interessado, como dito atrás, na Bíblia hebraica e na expetativa messiânica de Mateus.

Voltando ao nosso início, vale a pena refletir e dar o seu devido valor a esta versão em questão: “quem dizem os homens que Eu sou” na versão dos redatores do evangelho de Tomé (50 d.C.), contemporâneo do evangelho de Marcos.

P.Casimiro   smbn

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domingo, 24 de janeiro de 2021

Porque é que nos Evangelhos Jesus manda sempre aos demônios calar a boca? “E não deixava que os demônios falassem” (Mc.1,34).


 Porque é que nos Evangelhos Jesus manda sempre aos demônios calar a boca? “E não deixava que os demônios falassem” (Mc.1,34).

“E não deixava que os demônios falassem, pois sabiam quem ele era” (Mc.1,34).

Você vai responder assim: “porque sabiam quem ele era”. E vem a outra pergunta: Eles sabiam que ele era quem? E a resposta será: “O Messias”?  E a outra pergunta: Se os demônios sabiam que ele era o Messias, porque é que o povo não podia saber?

Aí eu esbarrei. Mas vou tentar achar uma resposta. E vou buscar a resposta que o Pedro deu: “Tu és o Messias”(Mt.16,16). E em seguida Jesus começou a manifestar que o Messias “ia sofrer muito da parte dos anciãos, dos príncipes dos sacerdotes e dos escribas, seria morto e ressuscitaria  ao terceiro dia. Pedro então começou a interpelar Jesus e a protestar nestes termos: Que Deus não permita isto, Senhor! Isto não te acontecerá! Mas Jesus, voltando-se para Pedro disse: Afasta-te de mim, Satanás, tu és para mim um escândalo; teus pensamentos não são de Deus mas dos homens”(Mt.16,16-23).

Vimos aqui que Jesus lhe chamou de “Satanás” (demônio). Porque é que Pedro era “satanás” ou “demônio”? Porque o Messias de Pedro era um Messias ao jeito do Antigo Testamento e do jeito do rei Davi, imperador e dominador.

Tenho para mim que aqui está a chave: Quem pensasse que Jesus seria esse Messias imperador e dominador  estaria sendo um demônio. Por isso Jesus não deixava que “os demônios falassem porque sabiam quem ele era”. Fossem demônios ou gente, eles tinham na cabeça o Messias que vinha fazer de Israel um império, Jesus o imperador e dominador. “Dominará de mar a mar e até os confins da Terra” (Sal.72,8).

Que isso estava na cabeça dos apóstolos prova-o também a cena dos dois irmãos João e Tiago e a mãe deles:  “ A mãe dos filhos de Zebedeu aproximou-se de Jesus e disseram-lhe: Mestre, queremos que nos concedas o que te pedimos. Concede-nos que nos sentemos na tua glória, um à tua direita e outro à tua esquerda”(Mc.10,35). Assim como ainda a cena da Ascensão: “Senhor, é agora que ides restaurar o Reino de Israel?” (At.1,6). Esta ideia acompanhou os apóstolos do princípio ao fim.

Na cabeça do povo está que o chefe de uma Nação tem que ser rico, poderoso, e com muito poder. E eles assim fazem. Botam os outros para sofrer, e eles ficam ricos. Jesus lutava para que os outros vivam. “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância” (Jo.10,10). Numa palavra: o Rei, o imperador vive para que os outros sofram ou morram; o Jesus morreu para que os outros vivam.

Hoje em dia muitos presidentes lutam para que ninguém tenha vida. E se todos morrerem, eles não estão nem aí. Há poucos meses o presidente do Brasil fez um decreto que tirava verba da Saúde e da Educação para comprar Armas pros milicianos e para aumentar as verbas do Exército. Se o povo morrer de doenças, ou viver no analfabetismo, ele não está nem aí.

E segundo o melhor jornalismo informa, ele estaria alimentando o plano de armar os milicianos e dar incentivos ao exército para as próximas eleições: se ele não ganhar no Voto, milicianos e exército estariam no ponto para, na marra e na violência colocarem ele de novo no Planalto. Nos Estados Unidos, o Trump  tentou fazer isso mas fracassou. E no Brasil teria esse plano já visando esse futuro. É também por isso que ele está tirando o poder dos Governadores sobre as Policias nos Estados para ficarem direto sob a alçada central do Planalto, prontos para intervirem ao primeiro grito.

Não vamos muito longe: Nos Judeus era assim também, o povo morrendo, e os ricos aumentando sua riqueza, e aumentando a fome e as doenças do povo. Na verdade, Jesus vinha na contramão, e os chefes hoje em dia andam também na contramão de Jesus.

Voltando à pergunta inicial, “porque é que nos evangelhos Jesus mandava sempre calar a boca dos demônios” a resposta dos estudiosos era o “segredo messiânico”. Mas trocado em miúdos, o segredo messiânico era justamente não divulgar esse conceito triunfalista sobre Jesus. Seria muito difícil ao povo ter esse conceito sobre Jesus e constatar a sua fraqueza diante da cruz na hora da verdade.

E o conceito triunfalista ficou reservado e adiado na pena dos evangelistas para depois das narrativas da ressurreição. Esse é outro capítulo em que o texto e contexto do Antigo Testamento foi redivivo e aplicado sem restrições ao Cristo Senhor e glorioso.

E aqui se marcam as duas etapas do Jesus histórico e do Jesus da fé. Aa narrativas da ressurreição marcam a etapa do Jesus da fé, e é a nossa etapa.

P.Casimiro   smbn

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sábado, 16 de janeiro de 2021

A fé nossa de cada dia, e a fé de Jesus como seria


 

“Nós pintamos o céu com aquilo que o esconde, as nuvens”(Victor Franckl).

Façamos uma comparação entre o céu e as nuvens, e entre a fé e as crenças. O céu é a fé; as nuvens são as crenças. Ou, por outra, todo mundo sabe que há Deus, o céu. Aquilo que é preciso para chegar lá são as nuvens ou crenças.

Todo mundo sabe que tem céu; é a fé. Mas todo mundo quer discutir sobre as nuvens: a cor, o tamanho, e a orientação, do norte ou do sul, altura, formas. Assim, há crenças protestantes, e católicas. E passamos o tempo discutindo e condenando os outros que não pintam as nuvens da nossa cor.

Todo mundo sabe que tem um Jesus que foi a maior manifestação de Deus na Terra. Mas gastaram e gasta-se tempo como ele era, de cabelo longo, curto, Anjo, só homem, Anjo (Deus) e homem, Uno, ou dividido em duas naturezas.

E se excomungaram uns, e excomungaram outros, como quando o Papa Leão IX excomungou o Patriarca Miguel Cerulário de Constantinopla(1.054), e o Patriarca de Constantinopla por sua vez excomungou  o Papa. E porquê? Sobre as diferenças das práticas litúrgicas, se o pão da eucaristia devia ser pão ázimo ou não ázimo.

Por seu lado, no lado protestante também têm as suas nuvens; e como passam o tempo discutindo a cor das nuvens. Antigamente se dizia que “discutindo o sexo dos anjos”.

Falamos que atrás das nuvens está o céu, Deus, o mistério. Acreditar no mistério chama-se . Debater sobre as nuvens que encobrem o mistério é crença. Não é por isso que se diz “a Crença” dos evangélicos? A crença é mais semelhante à opinião “não posso  realmente garantir, mas creio que seja assim”, dizemos.

No planeta somos 8 bilhões de habitantes. E somos 2 bilhões de Cristãos entre católicos e protestantes. E 6 bilhões iguais a nós  mesmos, nem católicos e nem protestantes. Mas todos sabem que tem um Deus e quem tem um céu. Será que eles também passam o tempo a debater sobre suas nuvens? Será que têm nuvens no meio? Certamente que sim. Serão mais? Serão menos? Tudo leva a crer que são menos.

Basta olhar a crítica que Jesus fez às nuvens dos Judeus. Não foi por conta dessas nuvens que eles assassinaram Jesus? Lembra algumas? “Purificação” ou “não purificação”; os “estranhos” e os “inimigos”. Lembra o “samaritano”? O “Templo” e o “Sábado”? Lembra atrás sobre as excomunhões a respeito das práticas litúrgicas, do Papa Leão IX e do Patriarca Miguel Cerulário?

Diante do mistério, Einstein dizia: “ a reverência diante do mistério é uma emoção humana universal; não segui-la é como ser menos do que homem. A fé é uma resposta humana particular àquilo que desperta a reverência. E o “eu” fazendo parte desse mistério.”

As maiores obras de pintura, da música, da poesia e da literatura, e as primeiras pinturas das cavernas exprimem essa fé. Reprimir isso seria esmorecer até virar velas apagadas e regredir a um estado pré-humanoide, como dizia também o mesmo cientista.

Os seres humanos podem ser definidos como seres questionadores. As grandes epopeias da humanidade como o Gilgamesh, os Astecas, o Gênesis, não queriam responder às perguntas “como” ou “quando”, mas “Porquê”? E sobre o nosso lugar nesse mistério? Essa é a fé, e o Deus do trono; as perguntas são as crenças e a cor das nuvens. O nosso “Eu” faz parte desse mistério, por isso o “eu” não é um problema que possa ser resolvido, mas um mistério que permanece sempre conosco.

O filósofo judeu Levinas chegou à conclusão de expressar a fé nas três maneiras de encarar o mistério: o encontro com o universo, com o “eu” e com o “outro”. No encontro com o outro três maneiras de intenção: uma conquista, uma capitulação, um empate. E ficou tão encantado no fascínio da solidariedade, que trocou a definição tradicional da filosofia “Amor pela Sabedoria” pela definição: “Sabedoria do Amor”.

À medida que tomamos consciência dos mistérios do mundo, do eu, e do outro, eles sempre aparecem permeados de linguagens, emoções, e padrões intelectuais específicos de uma tradição cultural particular. E disso vêm as teorias, mitos e metáforas com as quais respondemos, como nos poemas atrás referidos: Gilgamesh, Astecas, Odisseia e Elíada, Corão e Gênesis. Só os humanos marcaram os lugares onde colocavam os restos dos seus mortos, e isto deu origem à filosofia, à religião, e à cultura.

A fé carrega consigo toda a existencialidade e história do pensador. Basta olhar a Bíblia, que tanto colocava toda a história do Povo de Israel na berlinda, que mal dá para ver se fala de política ou da história ou da . Por isso diz Victor Franckl “a fé não é uma maneira de pensar da qual se subtrai a realidade, mas uma maneira de pensar à qual se acrescentou a existencialidade do pensador” .

Tanto a Bíblia como os outros poemas paralelos pretendem encontrar um sentido da vida. Confirma-o também o astrônomo Albert Einstein quando diz: “Ser religioso é ter encontrado uma resposta para a pergunta: qual o sentido da vida?”. E outro psicólogo: crer em Deus significa ver que a vida tem um sentido” (L.Vittgenstein).

Neste momento precisamos fazer uma pergunta: qual era a fé de Jesus? Desdobrando: trata-se de fé em Jesus, ou da fé de Jesus? Primeiro precisamos saber se Jesus tinha fé. Para São Tomás a resposta era não, porque, segundo a Escolástica, ele acreditava que tinha a visão beatífica desde a concepção e não precisava de fé. Porém, o teólogo Urs von Baltasar tem outra opinião, dizendo que isso é a fé intelectualizada, neste sentido: “ a fé, na Idade Média consistia em afirmar algo de que não temos a certeza de ser verdade”. Ou por outra: “Crer que algo é verdade porque é isso que ensina a hierarquia eclesiástica” (argumento da autoridade).

Na Carta aos Hebreus se diz que “Jesus foi o autor e realizador da fé” (Heb.12,2). O que significa autor? É como o autor de um livro. Realizador, é quem realiza um projeto, como uma construção de um barco. Significa assim que Jesus tinha um plano  e o realizou. Qual era o plano, o objetivo? O Reino de Deus. Ele o realizou? Realizou. Vejamos:

Na época de Jesus se dizia que Augusto César era a BOA NOVA (evangelho), e que era o “deus salvador”, que trazia a paz para toda a Terra. Ora Jesus, paralelamente, proclamava outra BOA NOVA dele, e outro evangelho. Aí começava o choque. E a vida e atividade de Jesus não foi pregar-se a si mesmo, mas essa Boa Nova, e esse evangelho, o Reino de Deus. O choque foi tão grande que o mataram.

Por isso, tem um teólogo que diz: “a expressão “reino de Deus” é uma das mais mal utilizadas e mal compreendidas da Bíblia inteira. Por vezes demais se pensa que para lá você talvez vá quando morrer ou algo que começa quando a história deste mundo acabar, ou algo que é inteiramente interior. Contudo, os profetas hebreus, o próprio Jesus e as últimas páginas do Apocalipse ensinam-nos que o Reino de Deus é algo que acontece neste mundo e para este mundo”. (Harvey Cox,62).

Tanto a teologia e pregação se fixaram na necessidade da fé em Jesus, que a fé de Jesus muitas vezes é ignorada. Na verdade, o objeto da fé de Jesus qual era? O “reino escatológico de Deus” prometido por Deus. Não a fé ou não fé da existência de Deus, essa era o que os Judeus mais tinham, e que nasce com todo ser humano. Jesus não estava preocupado consigo mesmo. Mas com o “Reino” não dele, mas de Deus. Na oração do Pai Nosso rezou assim: “venha a nós o vosso reino”; não disse o meu reino.

Vimos então na Carta aos Hebreus que “Jesus foi o autor e realizador da fé” (Heb.12,2). Jesus fez do livro do Reino de Deus o seu livro, ele o começou e concluiu ou realizou. Quais eram os testes, e as dúvidas da sua fé? Eram as dificuldades não de ordem intelectual mas sobre recuos e perdas ou atrapalhos que pareciam às vezes malograr a vinda do reino do Pai.

Muitas vezes Jesus teve que se refugiar e se esconder para não ser preso. Nos últimos dias decidiu entrar em Jerusalém, e sabia que se tornou impossível evitar o confronto decisivo. As forças imperiais e religiosas tentaram enterrar seu projeto. Mas ele seria enterrado para ressurgir.

P.Casimiro   smbn

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sábado, 9 de janeiro de 2021

O Mundo Cristão tem dois Papas, um de carne e osso e outro que é um Livro, que é a Bíblia

 

Para nossa surpresa quem subscreve este dito é um teólogo norte americano, adventista, Harvey Kox. Ele se refere simplesmente à Bíblia como sendo um “Papa de papel”, para os fundamentalistas protestantes da América do Norte. E já temos que saber que o “Fundamentalismo” nasceu em 1920.

Entre os quatro objetivos que eles tinham em vista era a luta contra a teologia da libertação. Porquê? Porque alimentavam a ideia fixa do próximo retorno de Cristo “sobre as nuvens”, “nos ares” (1Tes.4,16-18). Desta maneira, para eles, a teologia da libertação estava errada, porque pensavam que ninguém se devia importar com os pobres.  

As novidades trazidas no séc. 19 pela ciência confundiram e fizeram tremer muitas “certezas” da fé protestante, e não só. Investigações históricas e científicas mexeram muito com a Bíblia.

Na verdade, até o séc. 19 todo mundo tinha a Bíblia não só como o livro sagrado de fé mas também da ciência. Enquanto que começou-se a separar na Bíblia  o que é fé e o que é ciência: era o filtro da investigação cintífica  bíblica. O que não era fé era ciência. E ciência da época, não de agora. Porém, a Bíblia não era para transmitir ciência mas fé. Só isso. E isso é que eles não admitiam, afirmando que a Bíblia não podia falhar porque era ditada letra a letra por Deus.

Firmados nisso, para eles o Iluminismo e a investigação científica não podia mexer na Bíblia, seria blasfêmia. Na verdade, do lado católico havia uma voz infalível que era o Papa. Durante toda a Idade Média reinava a sentença: “Roma locuta, causa finita”, i.é, Roma falou, a questão acabou. E entre os protestantes havia um mote semelhante “A Bíblia falou, a questão acabou”. E ainda hoje essa frase se diz com frequência “A Bíblia  diz assim”, sem saber o que na verdade a Bíblia quer dizer.

O problema é que não só do lado protestante era sentido este abalo, mas também do lado católico. Do lado católico começavam a ser condenadas todas as novas teorias e movimentos que faziam parte do mundo moderno, o  que era chamado de Modernidade, ou “Modernismo”.

Já desde o séc. 16 o Renascimento, com toda a sua carga cultural trouxe a teoria do humanismo, heliocentrismo, cientificismo, antropomorfismo, e a reforma protestante; e a Igreja católica sentiu as suas bases abaladas. A Igreja via um risco e uma perspectiva de não ser mais a única instituição doutrinária que determinava as regras e normas que conduziam a sociedade e a vida dos homens, como em  toda a Idade Média.

A ciência reinante no mundo era a ciência de Ptolomeu, 160 antes de Cisto, que estabelecera que a Terra era o centro do universo, o geocentrismo. Quando Copérnico (séc.16), e Galileu (séc. 17), revolucionaram essa teoria e descobriram o Sol como o centro do universo, deu-se a chamada virada copernicana, a Terra dando lugar ao Sol como centro. A descentralização da Terra pôs em risco a centralidade da Igreja, deixando de ser o centro do poder mundial.

Começava a ser questionada a antiga e única filosofia aristotélica que se baseava na silogística.  Bacon e Descartes introduziram a metodologia empírica, com o “Discurso do Método”, tendo-se ajuntado a eles a saga dos filósofos renascentistas, Diderot, Blaise Pascal,  Espinoza, Isaac Newton, Leibniz, Bercley e Thomaz Hobbes. E os filósofos Iluministas da saga de Kant, com a “Crítica da Razão Pura”, Voltaire, D.Hume, Rousseau, e A.Smit. E veio também a nova teologia com os teólogos dos séculos 17 e 18: Kierkegaard, e Henri Newmann, Scleiermacher, Hugo Grotius, Ellen White, Felipe Melanchton, Fhilipo Jacobo Spener, E.Swudemberg, George Bull, e Jhon Knox.

O Iluminismo defendia a liberdade de consciência, a tolerância religiosa, a fraternidade universal, e a separação da Igreja e do Estado, excluindo a antiga teoria do direito divino do Rei, que vinha desde o Cesaropapismo  bizantino, do séc.IV. E de quebra, também a única teologia escolástica reinante de Tomás de Aquino começou a ser questionada.

Esta reviravolta copernicana abria brechas para o saber crítico, e questionamentos sobre posições sociais,  políticas, econômicas e filosóficas. As filosofias e teologias baseadas na aporia de Deus como sendo o motor imóvel, de Tomás de Aquino  e de Aristóteles, foram questionadas, e prepararam o caminho para a evolução do mundo e das espécies. O Teocentrismo deu lugar ao Antropocentrismo, e a relevância do ser humano. Galileu (séc.17) uniu o método da indução e da empírica com a matemática.

Nascia assim a Idade Moderna, que teve o incremento com as Navegações, e o alargamento dos horizontes do mundo. Deu-se realce à Crítica do Conhecimento, com a saga de Descartes, o que mexeu também com  a revelação bíblica.

O mundo começou a despertar. Deu-se a Independência dos Estados Unidos da América do Norte (1776), e a Revolução Francesa, em 1889. A Democracia e a Revolução industrial vieram junto com  o Iluminismo

Qual foi o impacto disto tudo na Igreja católica? Em  vez de se abrir ao diálogo com o mundo, a Igreja fechou-se a essas ideias, e isolou-se. Fechou-se no passado, em vez de olhar para o futuro, não escutando a filosofia de um grande filósofo alemão “O Deus bíblico é um deus cuja essência é a futuridade.” (Ernesto Bloch). E também diz o ditado popular que “quem vive do passado é museu”.

Pio IX fez um documento em que condenava todo este renascimento, o documento “Sillabus” de 1873, com o  qual condenava o “modernismo” no seu conjunto. Inclusive condenava as traduções da Bíblia e a leitura da Bíblia. O clero e a Igreja passaram a ser vistos como “os inimigos do progresso  e da civilização”.

Na verdade, o Papa na Idade Média tinha os seguintes créditos: Era o Rei; o Papa-Rei; o Soberano dos Césares; o Rei altíssimo; o Príncipe majestático; o Regente supremo; o Máximo soberano do Mundo; o Rei dos reis.

E para quem fazia seus esses títulos e direitos, se tornou muito difícil a adaptação à nova ordem mundial. Após a condenação com o documento “Sillabus  Pio IX convocou o Concilio Vaticano I em 1870 com a ideia fixa de definir a Infalibilidade pontifícia.

Certamente apoiava-se naquilo que o Papa Bonifácio VIII (1303) declarava na Bula “Unam Sanctam,” contra o rei Filipe IV da França, sobre a sua autoridade absoluta sobre os reis “aos reis caberia apenas um poder de execução”; “O Papa julga todo mundo e não é julgado por ninguém”. 

E assim o Papa Pio IX forçou os cardeais para que fosse aprovada no Vaticano I.  Inclusive contam os historiadores que muitos cardeais abandonaram as Sessões do Concílio antes da votação, diante das constantes ameaças do Papa. Na Alemanha e na Espanha, segundo Augusto Harler saiu publicado o livro em 1980 e 1985 respectivamente: “Como o Papa tornou-se infalível”, que conta como foi manobrada a votação. Note-se que o Concílio de Trento tinha-se recusado a mexer no conceito de infalibilidade.

Concluindo, o século 19 foi tumultuado para o Protestantismo e para o Catolicismo. E aos trancos e barrancos no lado católico ficou definida a infalibilidade pontifícia, e o lado protestante pelejava para que não se mexesse na infalibilidade da Bíblia no sentido  de “cada palavra e letra” ser escrita por Deus.

A definição da infalibilidade papal fortaleceu a posição do Papa, que segundo Pio IX estava em risco, e a Bíblia como autoridade infalível teria que ser, segundo  os fundamentalistas norte americanos um ”Papa de papel” paralelo à autoridade papal. (Cf. Harvey Kox – O futuro da Fé, Paulus, 203).

P.Casimiro    smnb

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sábado, 2 de janeiro de 2021

A Parábola dos vinhateiros, a vinha e a torre, e os frutos do latifúndio; o talento enterrado no chão, e a atitude do “preguiçoso” que não é preguiça, ao contrário.


 

Um proprietário plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, colocou um engenho, e construiu uma torre. Arrendou-a a vinhateiros, e viajou para o estrangeiro. No tempo oportuno mandou seus servos para receberem os seus frutos. Mas os lavradores agarraram os servos, espancaram um, mataram outro, e apedrejaram o terceiro. Enviou outros servos em maior número do que os primeiros e fizeram-lhes o mesmo. Por fim enviou seu próprio filho dizendo: hão de respeitar o meu filho. Os lavradores, porém, vendo o filho, disseram uns aos outros “Eis o herdeiro, matemo-lo, e teremos a sua herança” (Mt.21,33-39).

Além da interpretação usual, tem fontes com outra versão de interpretação alternativa que é a seguinte: O homem rico do texto representa aqueles que acumularam as terras roubando dos camponeses pobres da Galileia. Na hora da colheita o proprietário quer os frutos da colheita, porém os trabalhadores defendem os seus direitos. O envio do filho, o herdeiro tinha como objetivo intimidar os trabalhadores.

Na interpretação tradicional é tudo legitimo, tudo o que o proprietário tem e faz. E ao contrário, tudo errado o que fazem os trabalhadores. Nesta versão invertem-se os papéis. Errado o proprietário porque terá acumulado terras às custas de tirar dos mais pobres, e acertado o comportamento dos trabalhadores, que cobram os seus direitos. Na verdade, os latifundiários, na época de Jesus, tiravam as terras dos pobres quando eles não tinham com que pagar as dívidas, e ficavam escravos dos patrões. Assim os ricos ficavam mais ricos, e os pobres ficavam mais pobres.

Uma é a perspectiva  dos três evangelhos sinóticos, outra a perspectiva aqui representada. Tem uma parábola semelhante, a dos talentos, na qual todo mundo elogia a atitude do patrão, e condena a atitude do servo, que não colaborou para aumentar os lucros do patrão, e enterrou o talento. “servo mau e preguiçoso, não devias ter colocado meu dinheiro no Banco, e à minha volta, eu receberia com os juros o que é meu”? (Mt.25,26-27).

O P.Nilo Luza, nos comentários da “Liturgia Diária” comenta este capítulo como representando os problemas sociais da época. E na verdade, em ambas as parábolas os problemas são iguais.

Falta respondermos à pergunta: Porquê esta inquietação não vem expressa nos evangelhos sinóticos, e eles dão razão aos patrões? Além da explicação do P.Nilo Luza, temos a explicação que oferece o teólogo Leonardo Boff, da seguinte maneira, seguido por outros teólogos como Eugène Boring, Neill Eliott, Frei Jacir Freitas e Richard Bauckam: No princípio o Cristianismo estava junto com o Judaismo. O Judaismo era uma religião legalizada pelo Império. Mas quando o cristianismo se separou do Judaismo tornou-se uma seita, a “Seita dos nazarenos”. Como tal vivia na ilegalidade e era uma religião inferior, e sujeita à repressão.

Nessa época, foram escritos os evangelhos sinóticos. Aí nos diz textualmente Leonardo Boff: “Os apologetas se esforçaram por apresentar o Cristianismo como uma religião que poderia desempenhar uma função útil ao Estado como os demais cultos, e se tornar uma religião lícita” (Igreja, Carisma e Poder, 143).

Numa situação de perseguição como aquela os evangelhos iriam, digamos, sair em defesa dos romanos, porque os patrões eram todos romanos ou afetos a eles. Não iriam cair na desavença contra eles mas iriam procurar uma aceitação do cristianismo entre eles.

Ao invés disso, esta versão se reporta à situação das comunidades da Galileia, mais afastadas dos centros de Roma. Os abusos dos proprietários e latifundiários na região da Galileia é que estavam aí denunciados. E os estudiosos dizem que é mais provável que esta versão esteja mais próxima à versão de Jesus.

Concluindo, temos ocasião de ver como as duas versões foram desenhadas, dependendo do objetivo: ou defendendo uma classe, ou defendendo outra, inclinando o pêndulo para a vantagem de não magoar os exploradores, ou para a defesa dos explorados.

Ainda hoje a Bíblia pode servir para manter o “status quo” dos poderosos ou para denunciar a exploração, como “faca de dois gumes que vai “até à medula dos ossos” (Heb. 4,12).

Quantas vezes pregadores, palestristas, sobretudo em cerimônias de ocasião ou cultos de adulação, dão-se ao trabalho de escolher textos: “Este não, porque vai contra os ouvintes tal e tal, que ficariam revoltados. Então se escolhem outros, ou que podem servir de elogios, ou que não dizem nada, “não são quentes nem frios", e mais que mornos. É da experiência de cada um, só não dos profetas.

Vemos assim a abrangência da Parábola dos vinhateiros, a vinha e a torre, e os frutos do latifúndio; o talento enterrado no chão, e a atitude do “preguiçoso” que não é preguiçoso, ao contrário, é o inteligente.

P.Casimiro    smbn

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