sábado, 9 de janeiro de 2021

O Mundo Cristão tem dois Papas, um de carne e osso e outro que é um Livro, que é a Bíblia

 

Para nossa surpresa quem subscreve este dito é um teólogo norte americano, adventista, Harvey Kox. Ele se refere simplesmente à Bíblia como sendo um “Papa de papel”, para os fundamentalistas protestantes da América do Norte. E já temos que saber que o “Fundamentalismo” nasceu em 1920.

Entre os quatro objetivos que eles tinham em vista era a luta contra a teologia da libertação. Porquê? Porque alimentavam a ideia fixa do próximo retorno de Cristo “sobre as nuvens”, “nos ares” (1Tes.4,16-18). Desta maneira, para eles, a teologia da libertação estava errada, porque pensavam que ninguém se devia importar com os pobres.  

As novidades trazidas no séc. 19 pela ciência confundiram e fizeram tremer muitas “certezas” da fé protestante, e não só. Investigações históricas e científicas mexeram muito com a Bíblia.

Na verdade, até o séc. 19 todo mundo tinha a Bíblia não só como o livro sagrado de fé mas também da ciência. Enquanto que começou-se a separar na Bíblia  o que é fé e o que é ciência: era o filtro da investigação cintífica  bíblica. O que não era fé era ciência. E ciência da época, não de agora. Porém, a Bíblia não era para transmitir ciência mas fé. Só isso. E isso é que eles não admitiam, afirmando que a Bíblia não podia falhar porque era ditada letra a letra por Deus.

Firmados nisso, para eles o Iluminismo e a investigação científica não podia mexer na Bíblia, seria blasfêmia. Na verdade, do lado católico havia uma voz infalível que era o Papa. Durante toda a Idade Média reinava a sentença: “Roma locuta, causa finita”, i.é, Roma falou, a questão acabou. E entre os protestantes havia um mote semelhante “A Bíblia falou, a questão acabou”. E ainda hoje essa frase se diz com frequência “A Bíblia  diz assim”, sem saber o que na verdade a Bíblia quer dizer.

O problema é que não só do lado protestante era sentido este abalo, mas também do lado católico. Do lado católico começavam a ser condenadas todas as novas teorias e movimentos que faziam parte do mundo moderno, o  que era chamado de Modernidade, ou “Modernismo”.

Já desde o séc. 16 o Renascimento, com toda a sua carga cultural trouxe a teoria do humanismo, heliocentrismo, cientificismo, antropomorfismo, e a reforma protestante; e a Igreja católica sentiu as suas bases abaladas. A Igreja via um risco e uma perspectiva de não ser mais a única instituição doutrinária que determinava as regras e normas que conduziam a sociedade e a vida dos homens, como em  toda a Idade Média.

A ciência reinante no mundo era a ciência de Ptolomeu, 160 antes de Cisto, que estabelecera que a Terra era o centro do universo, o geocentrismo. Quando Copérnico (séc.16), e Galileu (séc. 17), revolucionaram essa teoria e descobriram o Sol como o centro do universo, deu-se a chamada virada copernicana, a Terra dando lugar ao Sol como centro. A descentralização da Terra pôs em risco a centralidade da Igreja, deixando de ser o centro do poder mundial.

Começava a ser questionada a antiga e única filosofia aristotélica que se baseava na silogística.  Bacon e Descartes introduziram a metodologia empírica, com o “Discurso do Método”, tendo-se ajuntado a eles a saga dos filósofos renascentistas, Diderot, Blaise Pascal,  Espinoza, Isaac Newton, Leibniz, Bercley e Thomaz Hobbes. E os filósofos Iluministas da saga de Kant, com a “Crítica da Razão Pura”, Voltaire, D.Hume, Rousseau, e A.Smit. E veio também a nova teologia com os teólogos dos séculos 17 e 18: Kierkegaard, e Henri Newmann, Scleiermacher, Hugo Grotius, Ellen White, Felipe Melanchton, Fhilipo Jacobo Spener, E.Swudemberg, George Bull, e Jhon Knox.

O Iluminismo defendia a liberdade de consciência, a tolerância religiosa, a fraternidade universal, e a separação da Igreja e do Estado, excluindo a antiga teoria do direito divino do Rei, que vinha desde o Cesaropapismo  bizantino, do séc.IV. E de quebra, também a única teologia escolástica reinante de Tomás de Aquino começou a ser questionada.

Esta reviravolta copernicana abria brechas para o saber crítico, e questionamentos sobre posições sociais,  políticas, econômicas e filosóficas. As filosofias e teologias baseadas na aporia de Deus como sendo o motor imóvel, de Tomás de Aquino  e de Aristóteles, foram questionadas, e prepararam o caminho para a evolução do mundo e das espécies. O Teocentrismo deu lugar ao Antropocentrismo, e a relevância do ser humano. Galileu (séc.17) uniu o método da indução e da empírica com a matemática.

Nascia assim a Idade Moderna, que teve o incremento com as Navegações, e o alargamento dos horizontes do mundo. Deu-se realce à Crítica do Conhecimento, com a saga de Descartes, o que mexeu também com  a revelação bíblica.

O mundo começou a despertar. Deu-se a Independência dos Estados Unidos da América do Norte (1776), e a Revolução Francesa, em 1889. A Democracia e a Revolução industrial vieram junto com  o Iluminismo

Qual foi o impacto disto tudo na Igreja católica? Em  vez de se abrir ao diálogo com o mundo, a Igreja fechou-se a essas ideias, e isolou-se. Fechou-se no passado, em vez de olhar para o futuro, não escutando a filosofia de um grande filósofo alemão “O Deus bíblico é um deus cuja essência é a futuridade.” (Ernesto Bloch). E também diz o ditado popular que “quem vive do passado é museu”.

Pio IX fez um documento em que condenava todo este renascimento, o documento “Sillabus” de 1873, com o  qual condenava o “modernismo” no seu conjunto. Inclusive condenava as traduções da Bíblia e a leitura da Bíblia. O clero e a Igreja passaram a ser vistos como “os inimigos do progresso  e da civilização”.

Na verdade, o Papa na Idade Média tinha os seguintes créditos: Era o Rei; o Papa-Rei; o Soberano dos Césares; o Rei altíssimo; o Príncipe majestático; o Regente supremo; o Máximo soberano do Mundo; o Rei dos reis.

E para quem fazia seus esses títulos e direitos, se tornou muito difícil a adaptação à nova ordem mundial. Após a condenação com o documento “Sillabus  Pio IX convocou o Concilio Vaticano I em 1870 com a ideia fixa de definir a Infalibilidade pontifícia.

Certamente apoiava-se naquilo que o Papa Bonifácio VIII (1303) declarava na Bula “Unam Sanctam,” contra o rei Filipe IV da França, sobre a sua autoridade absoluta sobre os reis “aos reis caberia apenas um poder de execução”; “O Papa julga todo mundo e não é julgado por ninguém”. 

E assim o Papa Pio IX forçou os cardeais para que fosse aprovada no Vaticano I.  Inclusive contam os historiadores que muitos cardeais abandonaram as Sessões do Concílio antes da votação, diante das constantes ameaças do Papa. Na Alemanha e na Espanha, segundo Augusto Harler saiu publicado o livro em 1980 e 1985 respectivamente: “Como o Papa tornou-se infalível”, que conta como foi manobrada a votação. Note-se que o Concílio de Trento tinha-se recusado a mexer no conceito de infalibilidade.

Concluindo, o século 19 foi tumultuado para o Protestantismo e para o Catolicismo. E aos trancos e barrancos no lado católico ficou definida a infalibilidade pontifícia, e o lado protestante pelejava para que não se mexesse na infalibilidade da Bíblia no sentido  de “cada palavra e letra” ser escrita por Deus.

A definição da infalibilidade papal fortaleceu a posição do Papa, que segundo Pio IX estava em risco, e a Bíblia como autoridade infalível teria que ser, segundo  os fundamentalistas norte americanos um ”Papa de papel” paralelo à autoridade papal. (Cf. Harvey Kox – O futuro da Fé, Paulus, 203).

P.Casimiro    smnb

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

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