sábado, 16 de janeiro de 2021

A fé nossa de cada dia, e a fé de Jesus como seria


 

“Nós pintamos o céu com aquilo que o esconde, as nuvens”(Victor Franckl).

Façamos uma comparação entre o céu e as nuvens, e entre a fé e as crenças. O céu é a fé; as nuvens são as crenças. Ou, por outra, todo mundo sabe que há Deus, o céu. Aquilo que é preciso para chegar lá são as nuvens ou crenças.

Todo mundo sabe que tem céu; é a fé. Mas todo mundo quer discutir sobre as nuvens: a cor, o tamanho, e a orientação, do norte ou do sul, altura, formas. Assim, há crenças protestantes, e católicas. E passamos o tempo discutindo e condenando os outros que não pintam as nuvens da nossa cor.

Todo mundo sabe que tem um Jesus que foi a maior manifestação de Deus na Terra. Mas gastaram e gasta-se tempo como ele era, de cabelo longo, curto, Anjo, só homem, Anjo (Deus) e homem, Uno, ou dividido em duas naturezas.

E se excomungaram uns, e excomungaram outros, como quando o Papa Leão IX excomungou o Patriarca Miguel Cerulário de Constantinopla(1.054), e o Patriarca de Constantinopla por sua vez excomungou  o Papa. E porquê? Sobre as diferenças das práticas litúrgicas, se o pão da eucaristia devia ser pão ázimo ou não ázimo.

Por seu lado, no lado protestante também têm as suas nuvens; e como passam o tempo discutindo a cor das nuvens. Antigamente se dizia que “discutindo o sexo dos anjos”.

Falamos que atrás das nuvens está o céu, Deus, o mistério. Acreditar no mistério chama-se . Debater sobre as nuvens que encobrem o mistério é crença. Não é por isso que se diz “a Crença” dos evangélicos? A crença é mais semelhante à opinião “não posso  realmente garantir, mas creio que seja assim”, dizemos.

No planeta somos 8 bilhões de habitantes. E somos 2 bilhões de Cristãos entre católicos e protestantes. E 6 bilhões iguais a nós  mesmos, nem católicos e nem protestantes. Mas todos sabem que tem um Deus e quem tem um céu. Será que eles também passam o tempo a debater sobre suas nuvens? Será que têm nuvens no meio? Certamente que sim. Serão mais? Serão menos? Tudo leva a crer que são menos.

Basta olhar a crítica que Jesus fez às nuvens dos Judeus. Não foi por conta dessas nuvens que eles assassinaram Jesus? Lembra algumas? “Purificação” ou “não purificação”; os “estranhos” e os “inimigos”. Lembra o “samaritano”? O “Templo” e o “Sábado”? Lembra atrás sobre as excomunhões a respeito das práticas litúrgicas, do Papa Leão IX e do Patriarca Miguel Cerulário?

Diante do mistério, Einstein dizia: “ a reverência diante do mistério é uma emoção humana universal; não segui-la é como ser menos do que homem. A fé é uma resposta humana particular àquilo que desperta a reverência. E o “eu” fazendo parte desse mistério.”

As maiores obras de pintura, da música, da poesia e da literatura, e as primeiras pinturas das cavernas exprimem essa fé. Reprimir isso seria esmorecer até virar velas apagadas e regredir a um estado pré-humanoide, como dizia também o mesmo cientista.

Os seres humanos podem ser definidos como seres questionadores. As grandes epopeias da humanidade como o Gilgamesh, os Astecas, o Gênesis, não queriam responder às perguntas “como” ou “quando”, mas “Porquê”? E sobre o nosso lugar nesse mistério? Essa é a fé, e o Deus do trono; as perguntas são as crenças e a cor das nuvens. O nosso “Eu” faz parte desse mistério, por isso o “eu” não é um problema que possa ser resolvido, mas um mistério que permanece sempre conosco.

O filósofo judeu Levinas chegou à conclusão de expressar a fé nas três maneiras de encarar o mistério: o encontro com o universo, com o “eu” e com o “outro”. No encontro com o outro três maneiras de intenção: uma conquista, uma capitulação, um empate. E ficou tão encantado no fascínio da solidariedade, que trocou a definição tradicional da filosofia “Amor pela Sabedoria” pela definição: “Sabedoria do Amor”.

À medida que tomamos consciência dos mistérios do mundo, do eu, e do outro, eles sempre aparecem permeados de linguagens, emoções, e padrões intelectuais específicos de uma tradição cultural particular. E disso vêm as teorias, mitos e metáforas com as quais respondemos, como nos poemas atrás referidos: Gilgamesh, Astecas, Odisseia e Elíada, Corão e Gênesis. Só os humanos marcaram os lugares onde colocavam os restos dos seus mortos, e isto deu origem à filosofia, à religião, e à cultura.

A fé carrega consigo toda a existencialidade e história do pensador. Basta olhar a Bíblia, que tanto colocava toda a história do Povo de Israel na berlinda, que mal dá para ver se fala de política ou da história ou da . Por isso diz Victor Franckl “a fé não é uma maneira de pensar da qual se subtrai a realidade, mas uma maneira de pensar à qual se acrescentou a existencialidade do pensador” .

Tanto a Bíblia como os outros poemas paralelos pretendem encontrar um sentido da vida. Confirma-o também o astrônomo Albert Einstein quando diz: “Ser religioso é ter encontrado uma resposta para a pergunta: qual o sentido da vida?”. E outro psicólogo: crer em Deus significa ver que a vida tem um sentido” (L.Vittgenstein).

Neste momento precisamos fazer uma pergunta: qual era a fé de Jesus? Desdobrando: trata-se de fé em Jesus, ou da fé de Jesus? Primeiro precisamos saber se Jesus tinha fé. Para São Tomás a resposta era não, porque, segundo a Escolástica, ele acreditava que tinha a visão beatífica desde a concepção e não precisava de fé. Porém, o teólogo Urs von Baltasar tem outra opinião, dizendo que isso é a fé intelectualizada, neste sentido: “ a fé, na Idade Média consistia em afirmar algo de que não temos a certeza de ser verdade”. Ou por outra: “Crer que algo é verdade porque é isso que ensina a hierarquia eclesiástica” (argumento da autoridade).

Na Carta aos Hebreus se diz que “Jesus foi o autor e realizador da fé” (Heb.12,2). O que significa autor? É como o autor de um livro. Realizador, é quem realiza um projeto, como uma construção de um barco. Significa assim que Jesus tinha um plano  e o realizou. Qual era o plano, o objetivo? O Reino de Deus. Ele o realizou? Realizou. Vejamos:

Na época de Jesus se dizia que Augusto César era a BOA NOVA (evangelho), e que era o “deus salvador”, que trazia a paz para toda a Terra. Ora Jesus, paralelamente, proclamava outra BOA NOVA dele, e outro evangelho. Aí começava o choque. E a vida e atividade de Jesus não foi pregar-se a si mesmo, mas essa Boa Nova, e esse evangelho, o Reino de Deus. O choque foi tão grande que o mataram.

Por isso, tem um teólogo que diz: “a expressão “reino de Deus” é uma das mais mal utilizadas e mal compreendidas da Bíblia inteira. Por vezes demais se pensa que para lá você talvez vá quando morrer ou algo que começa quando a história deste mundo acabar, ou algo que é inteiramente interior. Contudo, os profetas hebreus, o próprio Jesus e as últimas páginas do Apocalipse ensinam-nos que o Reino de Deus é algo que acontece neste mundo e para este mundo”. (Harvey Cox,62).

Tanto a teologia e pregação se fixaram na necessidade da fé em Jesus, que a fé de Jesus muitas vezes é ignorada. Na verdade, o objeto da fé de Jesus qual era? O “reino escatológico de Deus” prometido por Deus. Não a fé ou não fé da existência de Deus, essa era o que os Judeus mais tinham, e que nasce com todo ser humano. Jesus não estava preocupado consigo mesmo. Mas com o “Reino” não dele, mas de Deus. Na oração do Pai Nosso rezou assim: “venha a nós o vosso reino”; não disse o meu reino.

Vimos então na Carta aos Hebreus que “Jesus foi o autor e realizador da fé” (Heb.12,2). Jesus fez do livro do Reino de Deus o seu livro, ele o começou e concluiu ou realizou. Quais eram os testes, e as dúvidas da sua fé? Eram as dificuldades não de ordem intelectual mas sobre recuos e perdas ou atrapalhos que pareciam às vezes malograr a vinda do reino do Pai.

Muitas vezes Jesus teve que se refugiar e se esconder para não ser preso. Nos últimos dias decidiu entrar em Jerusalém, e sabia que se tornou impossível evitar o confronto decisivo. As forças imperiais e religiosas tentaram enterrar seu projeto. Mas ele seria enterrado para ressurgir.

P.Casimiro   smbn

www.paroquiuadechapadinha.blogspot.com.br

 

Nenhum comentário: