População
de Israel Norte: originária de assentamentos de povos nómades, a maioria
pastoris, no séc. XIII a.C. Os primeiros povos sedentários da região se
chamaram Israel. Porquê? Porque o deus dos locais donde vinham
(Urit, Mesopotâmia), era “El”. E também o primeiro deus deles era
o mesmo El, que depois deu Elohim. Tanto é assim que muitos nomes
pessoais terminavam em “el”: Abediel, Adriel, Ariel, Azrael, Ezequiel,
Gamaliel, Hazael, Kalel, Miguel, Otoniel, Rafael, Salatiel, Samuel....
Habitantes:
No séc.XIII a região do Israel Norte tinha cerca de 45.000 habitantes, e Judá,
no sul 15.000. Já no séc. VIII o Norte tinha 350.000 e o sul (Judá) 115.000
almas. Porquê assim? No Norte, tinha densa população e os reis eram poderosos.
O Sul, Judá, tinha pouca população e poucos lugarejos. O reino de Israel Norte
era considerado e reconhecido como potência internacional, enquanto que Judá
era desconhecido, não era ainda um reino. Israel dominava em Judá nessa
época.
E como se deu a inversão, que Judá
e Jerusalém se impuseram sobre o Israel Norte E como surgiram os mitos dos
reinados de Davi e Salomão? É aí o nó da questão que as últimas
descobertas e escavações arqueológicas demonstram até à evidência, por
conta de escavações metodicamente levadas a efeito nos últimos 50 anos por
empresas e arqueólogos. Entre eles, um dos mais famosos o arqueólogo israelense
Israel Finkelstein, professor da Universidade de Tel Aviv, que
citaremos neste Blogue, no livro ”O Reino Esquecido, Arqueologia e História de
Israel Norte”, Paulus, 2015).
Foi assim: Judá atingiu o seu apogeu
no séc.VIII a.C., com o rei Josias (640-609), e Israel no
séc. IX, com Amri, Acab, e Joroboão II. Teve um colapso com a derrota
contra o rei Hazael de Damasco, mas reergueu-se logo anos depois, com Joás.
A Bíblia retrata negativamente o Reino do Norte como sendo de Baal
mas as descobertas e escavações modernas conferiram que essa afirmação é falsa,
e faz parte da construção ideológica de Judá, 200 anos depois. Primeiramente,
nenhuma construção de Salomão foi encontrada em Jerusalém, como o famoso
Templo. Pelo contrário, achados
arqueológicos de grandes construções foram achados na Samaria, e em Meguido
no Reino de Israel Norte. Porém a Bíblia desvia os locais e autores das
construções, atribuindo-as a Salomão, em Judá, no Sul, por motivos que
veremos em seguida.
Em Jerusalém não
há vestígios de construções que a Bíblia atribui a Salomão. Nem uma
pedra dessa estrutura foi encontrada, apesar de mais de um século de busca por
conexões entre o texto bíblico e as evidências do local de escavações.
Essas construções contadas pela Bíblia, afinal de contas são da época da
dinastia omrida, dos reis do Norte: Amri, Acab e Jeroboão II, no Norte e
não em Jerusalém, Sul. O motivo foi a ideologia dos escritores do Sul que
quiseram passar uma borracha na historia do Israel Norte.
O templo de Jerusalém só na época de Josias
é que começou a funcionar depois da construção subsidiada com o dinheiro da
Assíria quando tomou a Samaria, para com isso manter o domínio sobre Judá
que prometeu boa convivência e vassalagem de tributos a Nabucopalasser e Nabucodonosor II
da Assíria.
Essa, tradicionalmente, seria a época
do Primeiro Templo (1020a.C.). No entanto, como foi dito, nem uma pedra
dessa estrutura foi encontrada nas escavações de Jerusalém. A Bíblia descreve
Salomão como o sábio, o rico, o dono de mais mil concubinas.
Mas não há nenhuma evidência arqueológica sobre Salomão. Isto
deixa claro aos arqueólogos se o segundo rei de Israel, Salomão, era real ou se
parecia mais com outros governadores lendários da história como Arthur da
Grã-Bretanha ou Rómulo fundador de Roma.
Foi nesta época que teve início a maior
atividade literária, que antes constava só de ensaios. Foi assim que a
literatura deuteronomista feita no Sul reescreveu a história bíblica
segundo a sua ótica ideológica. Foi dessa maneira que aproveitando-se do declínio
do Israel Norte tomada por Sargão II e Nabucopalassar. Foi assim que trocou
os dados da história, forjando a ideologia do império de Salomão
que hoje em dia é vista como uma
construção ideológica, uma lenda. Isto é, tudo o que tinha sido o
esplendor de Israel Norte com o esplendor dos reis omridas dois séculos
antes, o Deuteronômio colocou aí os nomes de Salomão e Davi. Pura
ideologia. E o objetivo era porque Judá gozava de paz, uma vez que não fazia
competição com nenhum rei no entorno, enquanto Israel e Damasco, no Norte, eram
considerados os dois reinos mais fortes na região, e por isso tinham sido
calados pela Assíria. Digamos, Jerusalém era cachorro invisível em
comparação com Israel.
E assim continuou até que os assírios
resolveram também abocanhar Judá e Jerusalém, quando Judá quis
trair a confiança da Assíria, aliando-se secretamente com o rei Necau do
Egito. Como tinha sido o fim de Israel
Norte em 722 assim foi o fim de Judá Sul em 586 quase 200 anos mais tarde.
Falámos no inicio do período da escrita.
Ele começou na Samaria, Norte. Inscrições hebraicas aparecem pela
primeira vez em Hazor e Betsã em 883 em Israel Norte, enquanto
que no Sul só no século seguinte. O primeiro Livro do Antigo Testamento foi
escrito aí, Israel Norte, e não foi Abraão, mas o livro de Jacó, o
primeiro livro, e o Êxdo-deserto (o.c.p.170-171).
Alguns fugitivos do Israel Norte, quando
foi tomada por Nabucodonosor, conseguiram escapar para Judá, no Sul e levaram
consigo esses escritos, que depois foram transformados pela ideologia do Sul.
Não há evidências claras da estadia de Israel no Egito nem em fontes e
documentos egípcios, nem na arqueologia. (o.c.p.176-177). O máximo que se pode conceder
é a base de uma tradição que se originou a partir de uma expulsão de
uns trabalhadores do Delta do Nilo. Não há indicação de opressão egípcia
como um todo. O único rei egípcio da época da fundação do Israel Norte é Shanshoq
I que reinou mais de 40 anos, na
época dos assentamentos das tribos do Norte, que tinha um governador em Gaza,
cidade da qual dependia Siquém e a região de Canaã, regiões que vieram a
formar o Israel Norte. As tradições de um êxodo devem ter tido,
além da experiência da expulsão do Delta do Nilo ainda mais outro objetivo que
foi para celebrar a saída do exílio da Babilônia. (o.c.p.178).
Para a caminhada do Êxodo, como está
escrita, os redatores do Sul não poderiam ter tido conhecimento da geografia do
deserto do Norte. Seu trabalho era estritamente literário com o objetivo de
atender às circunstâncias e teologias de seu tempo. (Cf.Hoffmann, 1989). A
tradição da caminhada do Êxodo é, portanto, uma narrativa multicamada. Ela
primeiro foi transmitida oralmente e posteriormente colocada por escrito no
Norte. Daí foi levada para o reino do Sul, acumulou níveis, cresceu em volume e
detalhes, e foi transformada e redigida uma e outra vez em Judá e Yehud
ao longo de um período de muitos séculos em função de mudanças políticas e
realidades históricas. (o.c.p.181-183).
É aqui que entra a questão dos nomes,
de novo, do deus El (Elohim), deus do Norte, e Javé, o deus do Sul
(Judá). Como se deu isso? Na época das migrações para Judá, junto com os israelitas
do Norte, um clan de moabitas que controlavam as minas de ferro e
cobre do Sinai, chamados “ferreiros” dos quais fazia parte como sacerdote o
sogro de Moisés, eles migraram também para Judá, e tinham
o deus Javé como seu patrimônio. Quando os escribas do Sul refizeram as
tradições, incorporam e adotaram o nome de JAVÉ a fim de adotarem a nova
divindade, servindo assim como mais um marco determinante de suplantar a influência
do Norte, para legitimarem os esquecimentos das tradições do Norte, até
porque associavam as tradições do deus El com Baal, como sendo
filho do mesmo deus El. Deste jeito nasceram as narrativas da sarça
ardente como o início da nova “tradição” do Êxodo.
Que El era um deus de Israel
Norte, vem de que o nome de Israel vem do deus El. Primeiramente
era Isra-Yahu, mas foi adotando o nome de El para ficar: Isra-El.
(Cf. blog www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br 04/03/2018). O deus El
seria o pai de Baal dos povos ugaríticos que eram os antepassados de
Isra-Yahu, em Ugarit, cidade-estado de Canaã. E tinham El-Shadday,
o deus das montanhas; e El-Olam, o deus eterno. O livro de Gênesis
corrobora isto quando fala em Jacó, no Norte oferecendo sacrifício ao
seu deus El: “Aí (em Siquém) fez um altar, que denominou El, o
deus de Israel”(Gn.33,20). Por outro lado, sobre o deus Javé das minas
do Sinai foram encontradas três inscrições nesse local “Yhwh dos Yahu”, que
os arqueólogos interpretam Javé deus dos Yahu.
Recapitulando:
Temos na cabeça que Davi conquistou
Jerusalém em 1.000 a.C. e depois sucedido por Salomão e daí por diante. Porém,
as últimas descobertas e escavações arqueológicas têm mudado a visão que é a
seguinte: 1- A formação de Estado do Israel Norte não tem nada a ver com
Salomão nos anos 1.200-1.000, mas com a dinastia Omrida (Amri, Acab e Jeoboão
II (884-831). 2- Como se formou o Israel bíblico: No séc.VIII deu-se a
queda definitiva do reino de Israel Norte, e houve uma migração em massa
de grupos israelitas do Norte para Judá e Jerusalém: gente vinda da Samaria, de
Betel etc. Judá tinha um terço de habitantes, e ficou crescida. Jerusalém que
tinha 1.000 habitantes ficou com cerca de 15.000 almas. Judá transformou-se em
Reino neste momento, tendo passado do domínio de Israel Norte para o domínio
assírio. A Assíria tinha aniquilado Israel Norte porque era perigoso, mas Judá
não oferecia perigo nenhum. Foi com esta vinda de Israel Norte para Judá que se
formou o Novo Estado de Israel bíblico conjunto ficando daí em diante o
nome oficial de Estado de Israel abrangendo o Sul e o Norte.
A escrita tomou agora seu grande
momento. E foi reformulada e reformada toda a história de Israel, sob a ótica
dos escribas do Sul, que ficaram para sempre na literatura deuteronômica. O
grande objetivo foi promover os “reis davídicos” como os únicos
governantes legítimos, e o Templo de Jerusalém, que de um quase nada foi
construído por Dário e os sucessores de Nabucodonosor para a ideologia de
unificação do seu reinado. O que levou pouco tempo, só até 586 por conta da traição
do rei Sedecias que tinha ocultamente se aliado com o Egito.
O autor de Êxodo incorporou as tradições
do Norte mas as sujeitou aos seus principais objetivos ideológicos. Por isso foi
necessário a imaginação épica da construção do império salomônico para
dar todo o respaldo aos seus objetivos. Por isso é uma história não bem contada
na Bíblia, pois é ideologicamente distorcida, a fim de servir aos interesses de
Judá num momento em que o reino de Israel Norte não existia mais. Isto até que
chegasse o momento em que Judá deixou também de não existir mais. (586 a.C.).
Judá foi sempre governada por Israel
Norte. Exceto na derrota de Ocosias e Jorão, vencidos provisoriamente por
Hazael de Damasco, mas logo recuperando-se com Joás. Não há vestígios
históricos conclusivos de culto nessa época. Somente em Meguido apareceram poucos sinais de culto. O que há a
respeito, na Bíblia sobre os altares de Betel é uma ficção polêmica do
deuteronômio sendo portanto uma construção não histórica representando
preocupações religiosas deuteronômicas sobre o culto idolátrico de Betel na
época de Jeroboão (o.c.p.98).
A primeira capital do Norte foi Tersa.
Os supostos 40 anos do reinado de Salomão e Davi são simbólicos assim
como a colocação da ordem dos três primeiros monarcas feita por um redator
posterior(o.c.p.72).
Sobre Saul:
“por falta de evidências históricas a própria história de Saul fica
duvidosa e pouco confiável dado que o redator do Deuteronômio colocou as terras
de Benjamim, que são no Norte, colocou-as no Sul, entre outras
anomalias. (o.c.p.68).
Sobre o Livro dos Juizes:
“As narrativas dos Juízes deverão ser vistas, antes de tudo, como construções deuteronômicas
que utilizam mitos, contos, e tradições etiológicas a fim de
transmitir a teologia e ideologia territorial dos autores da monarquia.(o.c.p.
41).
Conclusão.
Neste resumo resumido podemos ver a distorção que o reino do Sul fez sobre o
reino do Norte e os seus reis. O Norte foi tomado pela Assíria porque esse é
que lhe interessava; Judá (Sul) não constava no mapa, e eram lugarejos só
pequenos, inclusive Jerusalém, como dissemos.
A ideologia política da História
deuteronomista na Bíblia representa uma realidade posterior à queda do Reino do
Norte. Nessa ideologia a história do Reino do Norte quase não existe, e é só no
negativo e pejorativo. O objetivo agora é exaltar o templo e a dinastia
de Jerusalém. O Reino do Norte é visto como ilegítimo. Do lado da erudição
bíblica, é evidente hoje que a ideia bíblica de uma grande monarquia unida
(Davi e Salomão)é uma construção literária que representa uma ideologia territorial, conceitos
monárquicos e ideia teológica da monarquia tardia dos autores judaítas.
Do lado da arqueologia fica evidente,
entre outras razões, graças ao estudo de radiocarbono que os monumentos
tradicionalmente atribuídos a Salomão fazem parte da lenda. Eles foram construídos
pelos reis de Israel Norte, os Omridas, Amri e sucessores.(o.c.p.24-26).
Amri foi o fundador da mais célebre dinastia do Norte, o rei pelo qual Israel é
conhecida nos registros assírios. Salomão não aparece em nenhum registro.
Entre outros reis do Norte, depois dos Omridas, destacou-se Jeroboão II,
que não tem nada a ver com Salomão. Foi ele quem governou o reino do Norte por
40 anos.
Como vimos, em população e em
relevância, Judá era desconhecida dos reis do entorno, desde que Sheshonq,
do Egito deu certa autonomia a essas cidades-estado do Norte, e que
posteriormente formaram o Estado de Israel Norte, que depois foi se
aliando em alianças sucessivas com Assírios e egípcios.
Nesse primeiro momento Judá não era
ainda reconhecido como Estado, mas dependia do Estado de Israel Norte. Foi
devido a isso que a ideologia posterior de Judá colocou os dois
primeiros reis, Jeroboão I (do Norte) e Roboão I (de Judá) como filhos
de Salomão, para daí construir um Salomão fabuloso, começando por dois
chefes supostamente remanescentes das antigas tribos, Saul e Davi.
A história bíblica é muito intrincada.
Este pequeno resumo possa servir para nos alertar sobre as nossas seguranças e
nos levar a desconfiar de nossas certezas.
P. Casimiro João smbn
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br