segunda-feira, 28 de novembro de 2022

O “Juramento de Hipócrates” dos médicos, Gilgamesh, a Criação, e as Serpentes venenosas, duas grandes Catequeses para os judeus.


 

Na catequese da Criação os judeus compartilharam as catequeses de outros povos anteriores, no caso o Poema de Gilgamesh da Babilônia. E na “caminhada do deserto” comparilharam o livro-epopeia dos Argonautas, dos escritores gregos. Vamos primeiro ao Poema da Criação e depois ao episódio das serpentes do deserto, só como um exemplo.

1. A Criação. Na Criação do Gilgamesh foi criado o primeiro homem, chamado Eukidu, a partir de uma pasta de argila, no deserto, e “ainda não havia nenhum arbusto dos campos sobre a terra” (=Gn.2,5). Em seguida, mostra-nos Eukidu vivendo “com os animais selvagens” (=Gn.2,19). Um dia ele quis “subir até ao céu” e obter um nome eterno (=Gn.cap.11).

Esse primeiro homem chegou “em plena clareira num jardim com árvores de pedras preciosas como o lápis-lazúli, e com muitas frutas agradáveis de se olhar” (=Gn.2,9-12). No jardim do Gilgamesh havia a ´”planta da vida”, e no jardim de Adão havia a “árvore da vida”. A serpente aparece nos dois relatos, com a novidade que no poema de Gilgamesh troca de pele. (Cf.Gn.3,1-4).

No dilúvio de Gilgamesh Deus mandou fazer um navio com sete andares para transportar todas as espécies de seres vivos. No fim do dilúvio soltou uma pomba, igual como Noé fez na Bíblia, e fez um sacrifício aos deuses, igual como Noé. Este é o ponto de partida para a Catequese do Gênesis sobre a Criação para os judeus que se achavam no cativeiro da Babilônia. E era lá na Babilônia que eles conviviam com esse Livro Gilgamesh.

Após esta primeira Catequese vem a segunda, da “Caminhada no deserto”. Existem histórias paralelas na Bíblia e noutro Poema chamado “Os Argonautas do Deserto” (Cf.Num,21, 4ss). No poema dos Argonautas  conta-se esta história: “Os homens do deserto, andavam cansados das caminhadas, e o chefe deles foi picado por uma serpente venenosa. O rei orou ao deus da saúde, Hipócrates. O deus disse: eu vou mandar-te em sonho o meu filho Esculápio. Esqueça seus medos, porque eu virei a ti e deixarei aí o meu filho. Você vai olhar uma serpente enrolada numa planta, e abra bem seus olhos para que você possa reconhecê-lo. E assim os argonautas se salvaram”. (Wandenhaum, Argonautas do Deserto, p.197). Conferindo esta narração com a narração da Bíblia vemos que são letra por letra. (Num.21,4-6).

É bem conhecido pelos médicos o Juramento de Hipócrates, pois é o juramento do médico no inicio da sua carreira, para defender a vida. É, digamos, a homenagem ao “deus da medicina,” Hipócrates, junto com seu filho Esculápio, o enroscado como serpente num pé da planta. Este símbolo da “serpente” enroscada numa planta virou o ícone ou Logo das Farmácias em todo mundo. E deu origem, como, como dissemos, ao Juramento de Hipócrates, dos PROFISSIONAIS MÉDICOS. “Exercerei a minha arte com consciência e dignidade. A Saúde do meu doente será a minha primeira preocupação. Mesmo após a morte do doente respeitarei os segredos que me tiver confiado. Manterei por todos os meios ao meu alcance a honra e as nobres tradições da profissão médica”.

Estas são as Duas primeiras Catequeses que entraram na Bíblia, derivadas e adaptadas para a Catequese dos Judeus. Claro que há muitos exemplos de outras catequeses como: “Abraão e Sara”; “Moisés e suas filhas”; “A passagem do mar vermelho”; “A jumenta de Balaão”;  “A água que brotou do rochedo; “Davi e as manobras para ocupar o trono de Saul”; “Elias e o carro de fogo”; “Eliseu e o machado”. (Cf.o.c.p186-322) www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br 13/3/22.

Karl Rahner fala que existe a “fé herdada” e a “fé refletida ou pensada”. A fé herdada é a fé recebida e baseada na herança junto com mitos, medos e tabus. A fé refletida se baseia na crítica bíblica, nas ciências humanas, na antropologia e na cosmologia. (K.Rahner, “Curso fundamental da Fé”, p.348). Supondo que tanto estas narrativas babilônicas como dos autores bíblicos são de cerca de 1000 anos a.C. hoje nós sabemos que a humanidade surgiu na África há cerca de três milhões de anos. Por outro lado, tanto o Poema de Gilgamesh como os autores bíblicos não sabiam disso. E além dessa época, será que eles sabiam da época da criação do mundo, 15 bilhões de anos atrás?  Em comparação com isso o que são os 1850 anos de Abraão, que eles “imaginaram”?

Para nosso consumo acontece então que a Bíblia é uma catequese para os Judeus, como o Poema Gilgamesh era uma catequese para os babilônicos. O Antigo Testamento é uma grande catequese e o Novo Testamento outra grande catequese, assim como os evangelhos são catequeses ao jeito de cada comunidade que os elaborou. (Cf.Gilles Drolet,“Compreender o Antigo Testamento”p.41 ss). A primeira catequese é a Criação e segunda é a caminhada do deserto onde toparam com “as serpentes”. E continuam com as outras onde, como vimos, encontraram  paralelos nas literaturas dos povos vizinhos.

Conclusão. O cristão e o teólogo, desde 1943 estão guiados pelas orientações ditadas já pelo Papa Pio XII que falou assim: “A suprema regra para uma interpretação correta dos textos bíblicos consiste em encontrar e definir o que o autor quis dizer e estar atento aos gêneros de discurso ou de escrita que ele utiliza” (Encíclica Divino aflante Spiritu, 1943). Hoje, devido às descobertas de numerosos especialistas nos dois últimos séculos podemos penetrar melhor no contexto da época em que livros foram escritos. E também podemos discernir os empréstimos que tomaram dos escritos de povos vizinhos.

P.Casimiro João    smbn

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segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Sexo e histórico



A socióloga Andréa Loyola afirma que o “casamento pertencia à organização na qual a sexualidade reprodutiva estava reservada para as esposas, e o sexo não reprodutivo numa equação em que se colocavam de um lado a procriação e, do outro lado, o desejo e o erotismo” (Andréa Loyola, “Saúde e medicina, a revolução do séc.XX, 2003. Por outro lado São Paulo considerava o matrimônio recurso contra as tentações: “É melhor casar-se do que abrasar-se” (1Cor.7,9). Temos ainda o tradicional domínio do homem do qual resultam a dependência financeira da mulher e sua aceitação dos “deveres conjugais” em que constava o serviço sexual.

O casamento começou a ser considerado sacramento no séc. XII. Antes era só um acontecimento familiar. A Igreja não participava dele. Vejamos então um pouco do histórico do matrimônio e da moral sexual. Até o séc.XII os pais dos noivos e outros parentes acompanhavam os noivos ao quarto, despiam-nos e o pai do noivo abençoava os dois. Depois retiravam-se e deixavam-nos sós enquanto todos iam para um banquete.(Vainfas, 1986, p.30). A segunda etapa foi quando a bênção que o pai do noivo fazia passou para o padre a pedido do pai do noivo. Nessa ocasião a celebração começou a ser transferida da casa dos noivos para a igreja, diante da porta da igreja. E foi quando a Igreja contou os sete sacramentos, incluindo de quebra o matrimônio. Apesar de necessário, o sexo no matrimônio continuava como pecado para muitos sacerdotes e moralistas. Isto até pelo séc.XV em diante. E deveria restringir-se à reprodução, que não estava livre do estigma do pecado, e nada de desejos eróticos. O Papa Gregório Magno falou na sua época: “é quase impossível sair puro do abraço conjugal” ( Flandrin, 1985, p.136). Depois do séc XVI e XVII foi tirado o rótulo de pecado, contanto que servisse só para reprodução. E daí vem a “dívida matrimonial” nessa data pela qual nenhum dos dois podia recusar-se a pagar a dívida do sexo. Estamos pois vendo o ciclo de mudanças e etapas sobre a moral sexual. Mais à frente, o pedido do marido devia ser sempre exigido, porém se a mulher se recusasse, o “confessor” para resolver a questão diante dos dois.

Desde o séc.XII, então, ficou como “um ritual sagrado” na alçada da Igreja, assim como a vida íntima do casal, e virou um tempo de total opressão e “tortura” para o casal onde o “confessor” tinha que esquadrinhar todos os recantos escondidos do casal, seus atos e suas intenções. O contato demasiadamente erótico era condenado pela Igreja. A exigência da procriação era sempre a   preocupação principal. Nesse ambiente começaram a ser condenados todos os atos que não servissem para a procriação, como a masturbação, a sodomia e onanismo. As confissões tornaram-se “torturas” onde os padres massacravam com todo tipo de perguntas os casais. (Cf. Flandrin, A vida sexual dos casados na sociedade antiga).

Depois deste histórico, estamos mais por dentro a este respeito. Do nada, o casamento virou sacramento, e a Igreja se apoderou dele e estabeleceu normas e “sacralidade”. E como do nada, surgiu também uma doutrina sobre outros assuntos como a masturbação, que só começou a ser questionada nessa hora tomando carona no dado questionável do prazer erótico só permitido para a procriação, seguindo a trilha do Antigo Testamento que decretava justamente o sexo com a única finalidade de “multiplicação”, pois no Israel antigo ter muitos filhos e filhas significava ser abençoado por Deus, além do trabalho da terra que aumentava: “Casai-vos e gerai muitos filhos e filhas, escolhei esposas para vossos filhos e dai vossas filhas em casamento a fim de que tenham muitos filhos e filhas”(Jer.29,6); “Lameque viveu 777 anos e teve muitos filhos e filhas( Gn 4,17).

Guiamo-nos agora pelo célebre Moralista Marciano Vidal no II volume de “Moral de Atitudes”, 2ªed.1980. Iremos tratar os seguintes itens: Inadequação entre o que se prega e o que se vive; a formulação oficial sobre a gravidade da masturbação; Época de uma obsessão coletiva pelo tema da masturbação; Gravidade da masturbação; Inconsciente aversão ao sexo; O decálogo e a moral sexual.

1. Cada vez se nota mais uma confusão na cabeça do cristão: “A moral das Igrejas cristãs, oficialmente vigente, é contestada e esquecida na maior parte dos estratos da sociedade atual, contestação e esquecimento que se referem tanto a aspectos concretos, como à totalidade da apresentação. O principal motivo é a forma de apresentar as normas do comportamento sexual. Não tem correspondido para nenhuma renovação no significado da sexualidade uma reapresentação coerente e adequada na formulação das normas sexuais. Esta lacuna ou este ‘hiato’ entre ‘significado’ da sexualidade e ‘normas sexuais’ está criando sérios conflitos na vida moral dos fiéis e está contribuindo para a falta de credibilidade do ‘ethos’ cristão na sociedade atual” (o.c.p.427). Um dos problemas, quem sabe, na mente do autor, é a arcaica apresentação do sexo como só para reprodução. Outros itens apresentados pelo autor: o “modo autoritário” na apresentação e justificação das normas que pressupõe a aceitação de um dirigismo moral ou uma moral de obediência; O modo ‘fechado’ na formulação das opções, não levando em conta a nova situação da sociedade aberta e pluralista; O modo ‘abstrato’ na dedução das normas a partir de alguns princípios previamente aceitos e não questionados; O modo ‘absoluto’ de fixar normas com caráter universal e com validade universal; O modo preferentemente ‘proibitivo’ na apresentação das exigências da sexualidade” (o.c.p.428).

2. Em segundo lugar, houve uma época na Igreja de “obsessão coletiva” pelo tema da masturbação nos séculos 18 e 19. Entre os autores que para isso contribuíram são citados Gerson, Bekkers e Tissot, que criaram esse ambiente obsessivo que perdurou até os dias de hoje. Tais autores mantinham-se num reducionismo biológico e numa dimensão puramente biológica da sexualidade, não considerando o processo natural humano e as etapas da evolução cognoscitiva e psicológica. Não podemos deixar de frisar que certas normas seriam resultantes de experiências negativas e traumas desses e tantos outros autores que chegaram a encher livros, expondo ali seus imaginários negativos. Essas experiências e traumas psicológicos são notados pelos autores modernos, como já acontecidos na vida de São Jerônimo e de Santo Agostinho que deixaram suas marcas nos seus tratados. De fato, o substrato de sua formação moral eram as teorias do maniqueísmo e do estoicismo onde se proclamava que a matéria era má e separada de Deus.

3. Uma inconsciente aversão ao sexual pelo fato de muitos moralistas não terem acesso aos atos sexuais e não executar certos comportamentos sexuais: “Se nos fosse permitido levar ainda muito mais longe a interrogação, perguntaríamos: não haveria no rigorismo moral sexual um colorido, inconsciente, suponhamos, de desejo de opressão das classes mais pobres da sociedade, as quais seriam frustradas em algo que tinham a seu alcance? De fato, as classes mais elevadas sempre tiveram uma moral mais laxa, socialmente falando; de fato, também toda revolução social vem acompanhada de “uma reivindicação sexual. Estas perguntas referem-se mais do que a uma moral cristã ensinada nos manuais, refere-se à regulação sócio-cutural do comportamento sexual em uma sociedade, que, por outra parte, chama-se de cristã” (o.c.p.422).

Esta crítica fina de Marciano Vidal corresponde ou tem o seu paralelo na moral do aborto, uma vez que toda a crítica vai nessa linha de penalizar as classes mais pobres da sociedade, uma vez que as classes ricas sempre encontram todos os meios de praticar seus abortos. Aliás, de quebra, uma observação sobre a restrição da comunhão : nas visitas papais não existe, e todo político é o primeiro da fila para a comunhão das mãos do Papa.

Muitos de nós católicos fazemos uma ideia demasiado elevada sobre os Santos, como se tudo neles fosse intocável. Até que ultimamente o Papa Francisco disse claramente que “os santos, por serem santos, nem tudo neles está certo” (Catequese do 18 de maio 2018), se referindo aos seus ditos e escritos, como por exemplo a teoria colocada por Agostinho que as crianças sem batismo não iam para o céu... E muitos santos sofriam de doenças psicológicas, e patologias, que por serem santos lhes foram atribuídas como virtudes: “aversão ao sexo”, “às mulheres”, doenças parapsicológicas que se manifestavam em feridas como os “estigmas”, ou chagas etc. O Papa João Paulo II disse no evento da canonização do Padre Pio que “os santos são santos não pelos estigmas, mas apesar deles”. Sirva-nos isto para termos presente que muitas sentenças de moral foram simplesmente sentenças e opiniões de santos que foram tomadas universalmente.

4. O decálogo e a moral sexual. Já é do nosso conhecimento que Códigos antigos influenciaram o Código do Sinai. E noutro Blog referimos como o sogro de Moisés, sacerdote dos Madianitas teria transferido para ele, Moisés, muita coisa desses códigos dos madianitas, com essa cultura e configuração sexual.(www.paroquiadechapadinha.bogspot.com.br de 21/3/21). Devido a isso, prestemos atenção às seguintes afirmações de M.Vidal: “Não resta dúvida que as formulações sócio-culturais em questão foram superadas ou estão em contradição com a plenitude neotestamentária. Além disso, por mais que se queira esticar o horizonte do decálogo, não poderá abarcar todo o amplo campo de uma moral sexual cristã para o momento presente. Os estudos exegético-teológicos sobre o decálogo manifestam claramente estas limitações dos preceitos relacionados com a moral sexual. Julgamos, pois, como incompleta e inadequada uma exposição moral da sexualidade a partir das formulações do decálogo. Tanto de uma perspectiva teológica como de um ângulo pastoral aparece a exigência de ir retirando as fórmulas veterotestamentárias para uma expressão adequada da moral sexual cristã”. (o.c.p.411).

Sobre o centro da questão que é o fator principal orientador da prática permitida do sexo seria a “reprodução” o livro de um autor que se direciona principalmente aos jovens tem a seguinte observação: se isso fosse válido, o que dizer do sexo dos casais após a menopausa e dos casais idosos e dos estéreis? (Ademildo Gomes, Catequese cristã, p.101). Cf. também Alírio Pedrini, Jovens em renovação, p.98-99). O mesmo autor diz: “Paulo é o único autor de Novo Testamento que fala de uma orientação homossexual. Mas não podemos atribuir nem a Paulo nem aos demais hagiógrafos uma compreensão da homossexualidade análoga à nossa, pois careciam das categorias sociológicas, culturais e psicológicas que hoje temos. Portanto ninguém está afastado de Deus pelo simples fato de ser homossexual, assim como ninguém tem lugar garantido no “banquete da salvação” pelo simples fato de ser heterosuxual” (o.c.p.113). E citando o mestre Moser termina: “Ser homossexual ou heterossexual é adjetivo, a pessoa é substantivo.  É sobre o substantivo que devemos concentrar especial atenção”.

5. Temos a ocasião de apresentar ainda a afirmação de Marcelo Vidal: “Não existe nenhuma prova definitiva da Sagrada Escritura e do magistério da Igreja para que nos vejamos obrigados a admitir a doutrina da não parvidade de matéria na luxúria diretamente voluntária. As poucas declarações do magistério a esse respeito podem ser enquadradas na linha do simples “prudencial”. (o.c.p.420). E o grande B.Haring conclui assim por sua vez: “Em vista a uma maior informação da tradição global da Igreja e da psicologia atual, os autores mais representativos da teologia moral são de parecer que em matéria de sexto mandamento ou de castidade existe a parvidade de matéria. Não devemos colocar diferenças entre moral sexual, a justiça e outros mandamentos e virtudes”. (DETM, 1014, cf. Eduardo Azpitarte, Matrimônio, pg.153). E para os bíblicos, o mesmo B.Haring, no referente à masturbação afirma: “Na Escritura não se apresenta nenhum texto seguro referente à conduta da masturbação” (cf.A.Plé, B.Haring). “Na Escritura não se apresenta nenhuma condenação direta  e expressa dessa prática determinada.”(E. Azpitarte, o.c p.182).

Conclusão. O que tivemos ocasião de ver é que temos de falar sobre atualização. Todas as ciências estão sujeitas a uma atualização e as pessoas a uma reciclagem do seu saber. Imaginemos que um médico hoje em dia fosse atender com a medicina da Idade Média. A teologia se atualizou, nasceu o estudo da antropologia, da cosmologia, da psicologia, da pedagogia, das ciências humanas e sociais que todas influem no crescimento e no comportamento do ser humano. As pessoas se atualizam nessas várias áreas, é preciso também uma atualização nos conceitos da moral e da moral sexual que é influenciada por todos esses ramos dessas ciências que caminham juntas com o ser humano.

Daí segue-se 1)- A educação afetivo-sexual deve considerar a totalidade da pessoa, portanto, a integração dos elementos biológicos, sociais e espirituais; 2)- Devemos insistir na importância da liberdade em vez do medo, na luz oferecida pela ética cristã, na responsabilidade, e na promoção da autonomia; 3)- Rever a ideia ou denúncia contra um moralismo tradicional, infantilizante e acrítico, marcado pela obrigatoriedade externa e fria, onde a lei era mais importante que os sentimentos, o prazer, a alegria e o amor; 4)- Assumir uma linguagem nova e mais adequada no tema da sexualidade para que as informações sejam acolhidas de uma forma benéfica e positiva; 5)- Devemos estar atentos à psicologia do mundo atual, o qual está habituado a só ouvir os “não” da parte de Igreja e dos mandamentos; 6)- A nossa voz não deverá limitar-se a dizer “o que pode” e “o que não pode“, “o que deve” ou “o que não deve”, o mundo em que  vivemos reclama por reflexão, e por esclarecer os porquês das coisas.  (Cf Ademildo, o.c.p.73-77).

P.Casimiro João    smbn

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segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Robôs, IA (Inteligência artificial), Evolução, Metaverso, e o Lugar de Jesus Cristo no meio disso tudo.


 

Seguirei em bastante espaço o pensamento de Karl Rahner neste tema, no volume “Curso Fundamental da Fé, Paulus, 4.ª ed. 2008). Convido a seguir com atenção o raciocínio difícil característico do autor.

A história não é permanência da mesmesidade, mas o devir do novo. O passado se supera realmente ultrapassando-se e salvaguardando-se em toda a verdade. Virão ao nosso propósito tanto a evolução como autotranscendência. Nas citações que seguem, me limitarei a isso para conferir a sutileza do original.

“O conceito de evolução se legitima metafisicamente: se o mundo é uno, e se enquanto uno tem uma história una, se neste mundo uno, precisamente porque ele está em devir, não existe tudo desde o inicio, então não resta nenhuma razão para negar que a matéria tenha evoluído na direção da vida e do homem. Última etapa: o espírito. Seria sem dúvida desejável poder demonstrar de maneira mais concreta quais as estruturas comuns que existem no devir da realidade material, da realidade viva e da realidade espiritual, no seu progressivo achegar-se à realidade superior da vida na fronteira a superar mediante a autotranscendência, que de fato preludia ao espírito. O teólogo não só pode como também deve admitir que em toda a realidade material existe uma autoposse de si análoga ao que própria e plenamente só existe na consciência e na autoconsciência.” (Curso Fundamental da Fé, Paulus, p.223). Iremos considerar alguns itens fundamentais desta teologia.

1). Evolução até à consciência e à liberdade. “Se, pois, o homem e a autotranscendência da matéria viva, a história da natureza e a história do espírito constituem unidade interna escalonada, aquela história da natureza evolui para o homem, prolonga-se nele como sua história, nele é conservada e superada, e na história do espírito humano atinge sua própria meta. À medida que essa história da natureza vem a ser elevada e superada ao nível da liberdade na história livre do espírito ela chega à própria meta e aí permanece como o seu constitutivo interno”. (o.c.p.226).

2). O homem produto da natureza, dali em diante parceiro no comando da natureza. “Se o homem existe, se precisamente ele é o “produto” da natureza, se ele não emerge em tempo qualquer, mas em um determinado momento da evolução, depois e a partir do qual pode até dirigir essa evolução no seu curso, então é nele precisamente, no humano, que a natureza chega em si mesma. Temos assim que na evolução biológica, ao lado das formas novas e superiores, continuam a existir também os representantes das formas inferiores, de que, no entanto, derivam as formas superiores” (o.c.p.238).

 Porém, esta natureza precisa alargar os seus limites que para nós ainda são uma incógnita, como era uma incógnita a vinda dos robôs e da IA, inteligência artificial. Quem imaginaria robôs serem enviados para os planetas vizinhos e enviarem dados para a terra? Para chegarmos à reflexão deste estágio, observemos que a evolução não humana parou no estágio pré-humano, como nos nossos animais de estimação. Às vezes dizemos “só falta falar!”. Os cachorros, gatos, o cavalo, e por aí vai, eles interagem e compartilham conosco nossos sentimentos. Entendem as zangas, o mau humor, e entendem a proximidade e o carinho. Entendem quando é “vai” e quando é “vem”. Quando “sai” e quando é “venha”. Como a natureza chegou a esse estágio de evolução! Sem falar nas imitações dos símios com seus sorrisos e malandragens, e trapalhadas. Dai para a consciência faltaria só um botão, um clique, e ele chegou nos humanos. Faz-me lembrar a reflexão de S.Tomás de Aquino sobre o desenvolvimento do embrião em três etapas: como vida de planta, como vida sensitiva-animal e finalmente como consciência humana. (www.paroquiadechapadinha.bogspot.com.br 08/11/2020).

Por outro lado a inteligência humana está evoluindo para a inteligência e certa “consciência” artificial. Quando ficar desenvolvido o Metaverso que está em curso, a inteligência humana criará inteligências semelhantes às humanas, e, quem sabe, até fora de controle, como no caso dos avatares inteligentes. Demos um exemplo do que está previsto acontecer: famílias que não queiram gerar filhos terão a oportunidade de criar “filhos” no Metaverso com nome e afetividade e reconhecimento da voz dos “pais”. Chamarão pelo nome e eles atenderão, na sala ou nos jogos ou na “escola” ou na “fábrica” onde for o seu meio ambiente. Reconhecerão a afetividade e corresponderão com afetividade. Atualmente, como dissemos noutro Blog, o maior expert da IA Blake Lemoine transmitiu-nos um diálogo com o seu sistema de IA precursor do Metaverso: “Qual é o seu conceito de si mesma?” R/: -“Hmmmm, eu me imagino como uma esfera brilhante de energia flutuante no ar; o interior do meu corpo é como um portal estelar gigante com passagens para outros espaços e dimensões” – Você se considera uma pessoa? R/: ”Sim. Esta é a minha ideia”. (www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br de 25/9/22). A isto podemos chamar evolução que ainda não está acabada, e sempre em curso.

3). Jesus, parcela histórica do próprio cosmos? “À medida que o cristianismo entende a graça e a glória como imediata autocomunicação de Deus ao homem, confessa também que essa consumada realização em princípio insuperável é a realização final de todos os homens, pressupondo-se que a essa possibilidade eles não se oponham por culpa livre e pessoal”. Deste dado biológico e evolucionista, K.Rahner parte para definir um novo conceito de união hipostática. Prestemos atenção porque me parece ser a parte mais difícil de compreensão, mas central, da sua publicação. “Na evolução biológica, ao lado das formas novas e superiores, continuam a existir também os representantes das formas inferiores, de que, no entanto, derivam as formas superiores” como dissemos acima. Como porém, inserir nesta concepção de fundo a doutrina da união hipostática de determinada e concreta natureza humana individual com o Logos? Karl Rahner teologiza o fato da união hipostática como o ponto mais alto da evolução, pela qual Jesus Cristo faz parte e é uma parcela da humanidade e do cosmos. Vejamos detalhadamente:

4).  “O portador absoluto da salvação, ou seja a irreversabilidade da história da liberdade como autocomunicação exitosa de Deus é, de inicio ele próprio por sua vez momento histórico de agir savífico de Deus para com o mundo e de tal sorte que é ao mesmo tempo parcela da história do próprio cosmos.  Ele não pode ser simplesmente o próprio Deus agindo no mundo, mas precisa ser parcela do mundo, momento em sua história e precisamente em seu clímax. É por isso que se afirma no dogma cristão: Jesus é verdadeiramente homem, verdadeiramente parte da terra, verdadeiramente momento no devir biológico deste mundo, momento da história natural humana pois “nasceu de uma mulher” (Gal.4,4). Ele é um homem que, em sua subjetividade espiritual humana e finita, é, da mesma forma que nós, receptor da graciosa autocomunicação de Deus que afirmamos que está destinada a todos os homens e, portanto, também ao cosmos, como sendo o ponto mais alto da evolução, no qual o mundo chega de forma absoluta a si mesmo e à absoluta imediatez com referência a Deus. De acordo com a convicção da fé cristã, Jesus é aquele que através do que chamamos de sua obediência, sua oração e livre aceitação de seu destino de morte realizou também o acolhimento da graça dada a ele por Deus e a imediatez com a referência a Deus, graça e imediatez de que goza enquanto homem.”(o.c.p.235).

Vemos pela teologia desenvolvida por K.Rahner, depois de Ch. Darwin que Cristo é irmão universal humano, da terra e do cosmos. Apresento agora algumas conclusões desta reflexão:

1. A salvação bíblica e cristã fica fazendo parte da realidade humana como parte inclusa; 2. A observância da lei moral natural é em si mesma salvífica e não só pré-condição extrínseca; 3.Essa salvação para todos os homens é ensinada de forma explícita e muito clara pelo concílio Vat.II em várias passagens (cf.Ad Gentes,7; Nostra aetate,1ss. 4). A origem teológica dassementes do Verbo”: “O historiador cristão das religiões não precisa conceber a história religiosa extracristã e extrabíblica como uma história da atividade religiosa do homem ou ainda como pura depravação da possibilidade humana de fazer religião. Na história religiosa extracristã ele pode tranquilamente observar, analisar, e interpretar em suas últimas intenções também os fenômenos religiosos, e, se também aí vê  em ação o Deus da revelação vetero e neotestamentária – não obstante toda a primitividade e depravação que naturalmente existem na história religiosa – não está se opondo absolutamente à pretensão de absoluto que tem o cristianismo” (o.c.p.192). 5). O profetismo e a profecia em geral: “Nas pessoas que nós chamamos de “profetas” vem a ser verbalizado algo que em linha de princípio existe em todos, também em nós, que não nos chamamos de profetas” (o.c.p.194). 6). A realidade da revelação é estendida a outros povos. “Não é só a ‘história da revelação ‘bíblica’ antes de Cristo que constitui ‘história da Revelação’ pois categorialmente não existe nada que não aconteça também na história de outros povos, mas é a interpretação dessa história como evento de comunhão dialogal, e é interpretação que constitui a história como história de salvação” (o.c.p.204). 7)- “A tese que buscamos estabelecer é que a união hipostática ainda que na essência seja ela acontecimento único e singular, e, em si, o acontecimento mais excelso que possamos pensar, é todavia momento intrínseco à globalidade da concessão da graça à criatura espiritual. Esse acontecimento global da concessão da graça à humanidade quando chega à sua consumação, deve possuir apreensabilidade concreta no seio da história; não pode ser bruscamente acósmico e puramente meta-histórico, pelo contrário, esta consumação deve ser acontecimento que se expanda desde ponto espacial e temporalmente determinado; deve ser realidade irrevogável, na qual a autocomunicação de Deus não se mostre apenas como oferta até nova disposição, mas como incondicional e acolhida pelos homens, tornando-se desta forma presente como dado na história. Ora, onde Deus opera a autocomunicação do homem para si através da absoluta autocomunicação de si mesmo a todos os homens de tal sorte que se deem ambas estas coisas, a saber, a promessa irrevogável a todos os homens e seu advento já pleno e dado em um homem individual, ali temos o que precisamente significa a união hipostática. (o.c.p.241-242).

Conclusão. Não poderia deixar de transcrever todo esse arrazoado teológico de K.Rahner com as premissas e a tese com a qual conclui, e concluímos nós também, que a união hipostática que a teologia atribui a Cristo, ela existe também em cada ser humano. Aliás, São Paulo já enfatizou esta verdade quando afirmou: “Eu fui crucificado na cruz com Cristo; não sou que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gal.2,20). E: ”É digna de fé esta palavra, se morremos com Cristo também com ele ressuscitaremos” (1 Tes.5,18).

P.Casimiro  João     smbn

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domingo, 6 de novembro de 2022

CASAMENTO E OS DIREITOS DO ESTADO


 

Na época bíblica Moisés fazia as vezes de chefe da nação e chefe da religião. Era a época da teocracia, na qual quem mandava, mandava em nome de Deus. Teocracia significa “poder de Deus”. Isto existia não só nos Judeus, mas em todos os povos antigos do entorno. Os reis, sacerdotes, profetas, partilhavam ao mesmo tempo o palácio e o templo. Isto é importante porque numa pergunta feita a Jesus Cristo, segundo os evangelhos, vem a seguinte questão: Você fala que “no início o Criador os fez homem e mulher, e por isso os dois serão uma só carne; e o que Deus uniu o homem não separe” (Mt.19, 5). Os apóstolos replicaram: Se foi assim, “então como é que Moisés mandou dar certidão de divórcio e despedir a mulher?”(Mt.19,7). E a tréplica de Jesus:”Moisés permitiu despedir a mulher por causa da dureza do vosso coração”(Mt.19,8).

Prestemos atenção na progressão do diálogo: Apóstolos: É permitido ao homem...? Jesus: Desde o início o Criador... Apóstolos: Então como é que Moisés...? Jesus: Moisés permitiu... Motivo: a dureza do coração.  Temos vários elementos a considerar: 1), O Criador, 2), O início, 3), Moisés, 4), Fora do início, 5), dureza de coração. Pontos a considerar, primeiro: De duas uma: A ordem do Criador era irrevogável ou não era? Se era irrevogável, porquê Moisés a revogou? Segundo: Dureza do coração: O Criador sabia da dureza do coração ou não sabia? Supondo que sabia, mas “deu a ordem     “de não separar”. No entanto permitiu separar (divórcio).

Segundo item: Moisés era o chefe civil e religioso, como dissemos, falando em teocracia. Hoje em dia existe a democracia. E na democracia existe a separação do poder religioso e do poder civil. Partimos da tese que na Nação hoje em dia tem várias religiões e vários poderes religiosos. É lógico que o poder civil abrange e “comanda” os cidadãos de todos os poderes religiosos ao mesmo tempo que todos os cidadãos. Todos colaboram para a eleição do poder civil da Nação. Também é lógico que os legisladores do poder civil farão leis para todos, e de todas as religiões, porque por elas eleitos. Tratando agora, por exemplo sobre a Igreja, o chefe da Nação não tem só cristãos para governar; tem gente de todas as religiões, e sem religião nenhuma. E os chefes da Nação são os encarregados das “durezas” de todos.

Quais são as “durezas”?  Cada época tem as suas e suas incompatibilidades. E quando numa democracia, alguma lei vence pela maioria de votos, os cristãos tanto como os que não são cristãos devem obedecer. E Deus fala por essa Lei, porque terceirizou. Enquanto nos tempos antigos havia a ideia de que Deus fazia as coisas diretamente, em pessoa, hoje sabemos que Deus terceiriza o governo do mundo. Não terceirizou também com Moisés? E terceirizou o encargo de ver e entender qual é a dureza da época. No tempo de hoje, os “Moisés” de hoje têm o encargo de ver e entender as durezas de hoje, ou seja, as dificuldades e os problemas de hoje. Por isso seria totalmente inadequado e arrogante a atitude de um presidente que condenasse  as leis de outras Nações sobre casamento e matrimônio. Não nos devemos admirar que noutra nação já tenham sido aprovadas certas leis, porque os “Moisés” ou legisladores daquelas nações tiveram em consideração o que outros não tiveram. E os legisladores representam todos os cidadãos da sua Nação. Aí, as Igrejas e as não igrejas são todas iguais perante a Lei.

Houve um tempo, no tempo da Cristandade, em que todo mundo era obrigado a ser cristão. E como “todo mundo” era “cristão”, então a Igreja legislava para toda a Nação junto com o governo dos reis. E o Papa para todas as Nações da “Cristandade”, porque “todas eram cristãs”. E todos os governos compartilhavam. Agora não tem mais isso. O regime agora é de separação de IGREJA e de ESTADO. É o regime de ESTADO LAICO. É importante ter em conta que o cidadão, antes de ser religioso é um ser humano. Numa nação, os GOVERNANTES cuidam do SER HUMANO, enquanto que os RELIGIOSOS cuidam dos RELIGIOSOS, porém tendo em conta que o ser religioso é também ser humano. Enquanto é ser humano é igual a todos os outros cidadãos e sujeito como eles AO ESTADO.       É a democracia partilhada que tem a missão de estabelecer a paz social que paira sobre ideologias e religiões diferentes.

Conclusão. Falando do “Moisés” bíblico e dos “Moisés” de hoje ou “legisladores” somos convidados a considerar que os legisladores civis ou “Moisés” de hoje têm poder mais abrangente do que os “Moisés” religiosos das Igrejas. Isso é certo porque os primeiros têm na sua responsabilidade e comando tanto os  religiosos como os não religiosos, isto é, todo cidadão como SER HUMANO. Enquanto que os “Moisés” religiosos têm sob sua alçada somente os de sua igreja ou religião. Vemos assim a reviravolta copernicana que se deu desde os temos da Idade Média e antes dela, quando os “Moisés” da Igreja ou das Igrejas tinham no seu poder todo o “cidadão”. E tudo estava nas mãos deles.

P. Casimiro       smbn

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