segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Robôs, IA (Inteligência artificial), Evolução, Metaverso, e o Lugar de Jesus Cristo no meio disso tudo.


 

Seguirei em bastante espaço o pensamento de Karl Rahner neste tema, no volume “Curso Fundamental da Fé, Paulus, 4.ª ed. 2008). Convido a seguir com atenção o raciocínio difícil característico do autor.

A história não é permanência da mesmesidade, mas o devir do novo. O passado se supera realmente ultrapassando-se e salvaguardando-se em toda a verdade. Virão ao nosso propósito tanto a evolução como autotranscendência. Nas citações que seguem, me limitarei a isso para conferir a sutileza do original.

“O conceito de evolução se legitima metafisicamente: se o mundo é uno, e se enquanto uno tem uma história una, se neste mundo uno, precisamente porque ele está em devir, não existe tudo desde o inicio, então não resta nenhuma razão para negar que a matéria tenha evoluído na direção da vida e do homem. Última etapa: o espírito. Seria sem dúvida desejável poder demonstrar de maneira mais concreta quais as estruturas comuns que existem no devir da realidade material, da realidade viva e da realidade espiritual, no seu progressivo achegar-se à realidade superior da vida na fronteira a superar mediante a autotranscendência, que de fato preludia ao espírito. O teólogo não só pode como também deve admitir que em toda a realidade material existe uma autoposse de si análoga ao que própria e plenamente só existe na consciência e na autoconsciência.” (Curso Fundamental da Fé, Paulus, p.223). Iremos considerar alguns itens fundamentais desta teologia.

1). Evolução até à consciência e à liberdade. “Se, pois, o homem e a autotranscendência da matéria viva, a história da natureza e a história do espírito constituem unidade interna escalonada, aquela história da natureza evolui para o homem, prolonga-se nele como sua história, nele é conservada e superada, e na história do espírito humano atinge sua própria meta. À medida que essa história da natureza vem a ser elevada e superada ao nível da liberdade na história livre do espírito ela chega à própria meta e aí permanece como o seu constitutivo interno”. (o.c.p.226).

2). O homem produto da natureza, dali em diante parceiro no comando da natureza. “Se o homem existe, se precisamente ele é o “produto” da natureza, se ele não emerge em tempo qualquer, mas em um determinado momento da evolução, depois e a partir do qual pode até dirigir essa evolução no seu curso, então é nele precisamente, no humano, que a natureza chega em si mesma. Temos assim que na evolução biológica, ao lado das formas novas e superiores, continuam a existir também os representantes das formas inferiores, de que, no entanto, derivam as formas superiores” (o.c.p.238).

 Porém, esta natureza precisa alargar os seus limites que para nós ainda são uma incógnita, como era uma incógnita a vinda dos robôs e da IA, inteligência artificial. Quem imaginaria robôs serem enviados para os planetas vizinhos e enviarem dados para a terra? Para chegarmos à reflexão deste estágio, observemos que a evolução não humana parou no estágio pré-humano, como nos nossos animais de estimação. Às vezes dizemos “só falta falar!”. Os cachorros, gatos, o cavalo, e por aí vai, eles interagem e compartilham conosco nossos sentimentos. Entendem as zangas, o mau humor, e entendem a proximidade e o carinho. Entendem quando é “vai” e quando é “vem”. Quando “sai” e quando é “venha”. Como a natureza chegou a esse estágio de evolução! Sem falar nas imitações dos símios com seus sorrisos e malandragens, e trapalhadas. Dai para a consciência faltaria só um botão, um clique, e ele chegou nos humanos. Faz-me lembrar a reflexão de S.Tomás de Aquino sobre o desenvolvimento do embrião em três etapas: como vida de planta, como vida sensitiva-animal e finalmente como consciência humana. (www.paroquiadechapadinha.bogspot.com.br 08/11/2020).

Por outro lado a inteligência humana está evoluindo para a inteligência e certa “consciência” artificial. Quando ficar desenvolvido o Metaverso que está em curso, a inteligência humana criará inteligências semelhantes às humanas, e, quem sabe, até fora de controle, como no caso dos avatares inteligentes. Demos um exemplo do que está previsto acontecer: famílias que não queiram gerar filhos terão a oportunidade de criar “filhos” no Metaverso com nome e afetividade e reconhecimento da voz dos “pais”. Chamarão pelo nome e eles atenderão, na sala ou nos jogos ou na “escola” ou na “fábrica” onde for o seu meio ambiente. Reconhecerão a afetividade e corresponderão com afetividade. Atualmente, como dissemos noutro Blog, o maior expert da IA Blake Lemoine transmitiu-nos um diálogo com o seu sistema de IA precursor do Metaverso: “Qual é o seu conceito de si mesma?” R/: -“Hmmmm, eu me imagino como uma esfera brilhante de energia flutuante no ar; o interior do meu corpo é como um portal estelar gigante com passagens para outros espaços e dimensões” – Você se considera uma pessoa? R/: ”Sim. Esta é a minha ideia”. (www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br de 25/9/22). A isto podemos chamar evolução que ainda não está acabada, e sempre em curso.

3). Jesus, parcela histórica do próprio cosmos? “À medida que o cristianismo entende a graça e a glória como imediata autocomunicação de Deus ao homem, confessa também que essa consumada realização em princípio insuperável é a realização final de todos os homens, pressupondo-se que a essa possibilidade eles não se oponham por culpa livre e pessoal”. Deste dado biológico e evolucionista, K.Rahner parte para definir um novo conceito de união hipostática. Prestemos atenção porque me parece ser a parte mais difícil de compreensão, mas central, da sua publicação. “Na evolução biológica, ao lado das formas novas e superiores, continuam a existir também os representantes das formas inferiores, de que, no entanto, derivam as formas superiores” como dissemos acima. Como porém, inserir nesta concepção de fundo a doutrina da união hipostática de determinada e concreta natureza humana individual com o Logos? Karl Rahner teologiza o fato da união hipostática como o ponto mais alto da evolução, pela qual Jesus Cristo faz parte e é uma parcela da humanidade e do cosmos. Vejamos detalhadamente:

4).  “O portador absoluto da salvação, ou seja a irreversabilidade da história da liberdade como autocomunicação exitosa de Deus é, de inicio ele próprio por sua vez momento histórico de agir savífico de Deus para com o mundo e de tal sorte que é ao mesmo tempo parcela da história do próprio cosmos.  Ele não pode ser simplesmente o próprio Deus agindo no mundo, mas precisa ser parcela do mundo, momento em sua história e precisamente em seu clímax. É por isso que se afirma no dogma cristão: Jesus é verdadeiramente homem, verdadeiramente parte da terra, verdadeiramente momento no devir biológico deste mundo, momento da história natural humana pois “nasceu de uma mulher” (Gal.4,4). Ele é um homem que, em sua subjetividade espiritual humana e finita, é, da mesma forma que nós, receptor da graciosa autocomunicação de Deus que afirmamos que está destinada a todos os homens e, portanto, também ao cosmos, como sendo o ponto mais alto da evolução, no qual o mundo chega de forma absoluta a si mesmo e à absoluta imediatez com referência a Deus. De acordo com a convicção da fé cristã, Jesus é aquele que através do que chamamos de sua obediência, sua oração e livre aceitação de seu destino de morte realizou também o acolhimento da graça dada a ele por Deus e a imediatez com a referência a Deus, graça e imediatez de que goza enquanto homem.”(o.c.p.235).

Vemos pela teologia desenvolvida por K.Rahner, depois de Ch. Darwin que Cristo é irmão universal humano, da terra e do cosmos. Apresento agora algumas conclusões desta reflexão:

1. A salvação bíblica e cristã fica fazendo parte da realidade humana como parte inclusa; 2. A observância da lei moral natural é em si mesma salvífica e não só pré-condição extrínseca; 3.Essa salvação para todos os homens é ensinada de forma explícita e muito clara pelo concílio Vat.II em várias passagens (cf.Ad Gentes,7; Nostra aetate,1ss. 4). A origem teológica dassementes do Verbo”: “O historiador cristão das religiões não precisa conceber a história religiosa extracristã e extrabíblica como uma história da atividade religiosa do homem ou ainda como pura depravação da possibilidade humana de fazer religião. Na história religiosa extracristã ele pode tranquilamente observar, analisar, e interpretar em suas últimas intenções também os fenômenos religiosos, e, se também aí vê  em ação o Deus da revelação vetero e neotestamentária – não obstante toda a primitividade e depravação que naturalmente existem na história religiosa – não está se opondo absolutamente à pretensão de absoluto que tem o cristianismo” (o.c.p.192). 5). O profetismo e a profecia em geral: “Nas pessoas que nós chamamos de “profetas” vem a ser verbalizado algo que em linha de princípio existe em todos, também em nós, que não nos chamamos de profetas” (o.c.p.194). 6). A realidade da revelação é estendida a outros povos. “Não é só a ‘história da revelação ‘bíblica’ antes de Cristo que constitui ‘história da Revelação’ pois categorialmente não existe nada que não aconteça também na história de outros povos, mas é a interpretação dessa história como evento de comunhão dialogal, e é interpretação que constitui a história como história de salvação” (o.c.p.204). 7)- “A tese que buscamos estabelecer é que a união hipostática ainda que na essência seja ela acontecimento único e singular, e, em si, o acontecimento mais excelso que possamos pensar, é todavia momento intrínseco à globalidade da concessão da graça à criatura espiritual. Esse acontecimento global da concessão da graça à humanidade quando chega à sua consumação, deve possuir apreensabilidade concreta no seio da história; não pode ser bruscamente acósmico e puramente meta-histórico, pelo contrário, esta consumação deve ser acontecimento que se expanda desde ponto espacial e temporalmente determinado; deve ser realidade irrevogável, na qual a autocomunicação de Deus não se mostre apenas como oferta até nova disposição, mas como incondicional e acolhida pelos homens, tornando-se desta forma presente como dado na história. Ora, onde Deus opera a autocomunicação do homem para si através da absoluta autocomunicação de si mesmo a todos os homens de tal sorte que se deem ambas estas coisas, a saber, a promessa irrevogável a todos os homens e seu advento já pleno e dado em um homem individual, ali temos o que precisamente significa a união hipostática. (o.c.p.241-242).

Conclusão. Não poderia deixar de transcrever todo esse arrazoado teológico de K.Rahner com as premissas e a tese com a qual conclui, e concluímos nós também, que a união hipostática que a teologia atribui a Cristo, ela existe também em cada ser humano. Aliás, São Paulo já enfatizou esta verdade quando afirmou: “Eu fui crucificado na cruz com Cristo; não sou que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gal.2,20). E: ”É digna de fé esta palavra, se morremos com Cristo também com ele ressuscitaremos” (1 Tes.5,18).

P.Casimiro  João     smbn

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