“Colocar o foco da vida cristã na
crença e não na fé é simplesmente um equívoco. Fomos induzidos a isso por
muitos séculos por teólogos que ensinavam que a fé consiste em crer
diligentemente nos artigos ditados em alguns credos incontáveis que eles
teceram” (Harvey Cox, O futuro da fé, pag.32). Todas as religiões e culturas
são respostas ao mesmo mistério fundamental, mas cada uma responde a ele de sua
maneira (o.c.p.38). Para os cientistas, a fé é o “mistério” Não se extasiar com
isso é como ser velas apagadas (Einstein). Os seres humanos podem ser definidos
como criaturas que perguntam ou criaturas teimosas que não conseguem parar de
perguntar”porquê”?; e depois perguntam porque
perguntam “porquê?” (o.c.p.43).
Os humanos são os únicos que enterravam
os seus mortos. Em algum momento da evolução, nossos antepassados perceberam
que um dia morreriam, e isso aprofundou o mistério. Por mais avançados que
fossem os outros animais, só os humanos marcavam os lugares onde colocavam os
restos de seus mortos, de inicio apenas com uma pequena pilha de pedras. Eles
já estavam tentando extrair sentido do mistério, e era isso que os distinguia
dos outros animais. A percepção da própria mortalidade levanta a questão do
sentido da vida, e isso acabou dando origem à filosofia, à religião
e à cultura. Não se encher dessa admiração seria regredir a um estado
pré-humano. Esmoreceríamos até virar velas apagadas. Poderíamos dizer, é melhor
parar de perguntar. Mas porque ninguém pára? Aqui surge a religião na evolução
da humanidade. Os mitos da criação, como o épico de Gilgamesh, a história da
criação dos astecas, os primeiros capítulos do Gênesis não foram primariamente
compostos para responder às perguntas sobre “como” e “quando”.
Eles são perguntas e não respostas. Surge a pergunta se Jesus tinha fé. Temos
que distinguir entre a fé em Jesus e a fé de Jesus. A fé de Jesus não era a fé
ou não, da existência de Deus, porque essa fé já nasce com todo ser humano, mas
a fé de Jesus é que nos interessa, e qual era? Era sobre recuos e perdas que
pareciam às vezes malograr a vinda do Reino de Deus; as dificuldades não eram
então de ordem intelectual, mas sobre os percalços da atividade e da sua vinda.
As histórias da ressurreição significam que a vida de Jesus e o projeto que
buscava não pereceram na crucificação mas continuaram na vida daqueles que continuaram o que ele começou (Cf.H.Cox o.c.p.75).
Vem
a propósito falar de crenças. Falamos em tentativas de encurralar a fé dentro
de Kits. A esses kits ou pacotes podemos chamá-los de crenças, a que já
nos referimos no blog anterior. Os primeiros desses pacotes de crenças nos
inicios do cristianismo se basearam na suposta “autoridade apostólica”. E ela
começou com uma aventura de Clemente de Roma. Pela história a gente sabe que
entre Roma e Corinto existia uma animosidade sobre a atividade de São Paulo.
Então numa ocasião foram eleitos elementos mais novos nas comunidades de
Corinto, coisa que os mais idosos não aceitavam para não perder o “status” do
mando. E Clemente de Roma antes de ser Papa mandou uma mensagem que, segundo o
costume dos exércitos romanos, a razão é sempre dos mais velhos. Foi nisso que ele se inspirou para enviar essa mensagem. A “autoridade
apostólica” portanto não vem do primitivo cristianismo, mas é um sofisma
adventício posterior” (H.Koester e James Robinson, grandes historiadores da
Igreja. (Cf. o.c.p.125). O problema era continuar o “status quo”. Este foi um
dos pacotes iniciais que se fizeram crença. Nessa hora as prerrogativas do
bispo de Roma não estavam ainda definidas. Igualmente aconteceram coisas
curiosas nesta época. E um outro pacote
aconteceu: O mesmo Clemente de Roma teria forjado uma carta como tendo sido a
ele direcionada por Pedro para ele ocupar o cargo de sucessor de Pedro. O nome
de Clemente também aparece na lista das “Falsas Decretais”, aparecidas no séc.VIII. Mas
tem mais: Como Clemente, Santo Irineu entrou noutra briga sobre quantos evangelhos seriam admitidos no
cânon do Novo Testamento. Irineu, que era bispo de Lião, impôs que fossem quatro,
pelos seguintes motivos: porque foram quatro os quatro rostos da visão de
Ezequiel: um rosto de homem; um rosto de leão; uma cabeça de águia, e uma
cabeça de touro. E ganhou a disputa. (Cf. o.c.p.128). Aumentou o pacote de
crenças. Outra coisa curiosa foi que “em algum momento do séc.III apareceu um
documento chamado “Didascália apostolorum”. Divulgou-se que teria sido escrito
pelos apóstolos, o que hoje os estudiosos declaram que foi uma grande armação.
Até se dá um poder quase semidivino aos bispos, até que eles teriam recebido de
Deus, como reis, o poder sobre a vida e a morte (Compenhausen,p.240),
o.c.p.132. Isto estaria bem distante de Jesus lavando os pés de seus discípulos.
Na verdade, depois de Diocleciano, o mesmo imperador Constantino ficou conectado com a estrutura do Império Romano de modo
autocrático, com Constantino reivindicando para si a mesma relação próxima com
o Deus cristão que Diocleciano tinha com Júpiter. (Williams, 1997,p.206). O
mesmo Constantino combinou com o bispo Nicolau de Nicomédia, o ritual com a simbologia e com tudo que rodeava a
monarquia e deveria enfatizar a sua origem divina. Ele só foi batizado na hora
da morte. E concedeu a mesma autoridade e as mesmas insígnias aos bispos como
tinham os sacerdotes de Júpiter. Estas lendas tiveram fácil entrada no
cristianismo, o que podemos chamar de crenças. Por último, vejamos outra lenda que
ficou famosa na Igreja. O imperador Constantino um dia contou que viu no céu
uma longa lança com uma barra transversal, e nela escritas as palavras “com
este sinal, conquiste”, quando estava em guerra contra seu irmão Maxêncio, para
suceder no trono de Diocleciano. Daí se formou a lenda visionária para
"loucos ouvirem”. Constantino continuou adorando tanto TIQUE, a deusa da
sorte, quanto HÉLIO, deus do Sol, e nunca foi batizado, só o batizaram na hora
da morte. E as outras religiões continuaram ao mesmo tempo que a de Jesus”
(o.c.p138). A “conversão” dele foi estratégia para ser o novo gurú do Deus do
cristianismo, como Diocleciano tinha sido o sacerdote máximo e guru do deus
Júpiter do império romano. Tanto assim que foi ele que convocou o primeiro
concílio da Igreja, e não os bispos, em 325, o concílio de Niceia, no seu
próprio palácio de Niceia, rodeado de soldados com lanças brilhantes onde, no meio deles se atribuía a si mesmo o poder como “sumo
sacerdote e administrador” da Igreja (o.c.p. 140-144). Resta-nos dizer que as
“visões” dele não passam de “contos de trancoso” e foram motivações políticas
para se apoderar dos poderes da Igreja e unir o império que com Diocleciano
estava se esfacelando. Entraram e fazem parte de mais um pacote das crenças
primitivas. Essa visão será semelhante àquela visão do “fundamentalismo
americano” quando em 1920 um tal pastor Dwight Moody imaginou ter visto o
Senhor Jesus lhe revelando: “Moody,
simplesmente leve o máximo de gente que conseguir para esse ‘bote salva-vidas”.
(o.c.p. 198). E, como Constantino financiou a Igreja de Roma, agora o
governo americano financiava esse fundamentalismo, que se espalhou por toda a
América Latina, e que servia tanto para os pastores evangélicos como para a ideologia dos governos da extrema
direita que incrustou nos governos de Trump nos Estados Unidos, dos
Malafaia-Bolso do Brasil e dos Milei da Argentina como dos Pinochet do Chile. Esses
fenômenos hoje são chamados “pareidolia”, isto é, a ação psicológica de
“enxergar imagens fabricadas pela mente como imagens nas nuvens do céu, ou na
lua “a cabra misteriosa”; ou a “cara de urso” em Marte ou a forma de gato do robô
Perseverance, ou “as aranhas em Marte”.
Conclusão. Todo este pacote de crenças deu
origem à tão desastrada política da “cruz e a espada” que acompanhou a Igreja
em toda Idade Média e mormente nos descobrimentos onde acompanhou os impérios
coloniais e deu também origem ao malfadado “padroado”, convênio dos reis com o
Papa, e como na “Inquisição”. Desde o seu palácio de Niceia ele, o visionário
Constantino deixou para a Igreja a marca de imperadora. Para as diversas
colonizações dos países colonizados a triste pompa da Igreja como imperadora e
os povos como colonizados. Desde o concílio vaticano I houve coisas que foram
aprovadas na marra e com ameaças e “compra de votos”. Se usarmos um bom filtro,
na nossa fé, muitas coisas aparecerão como crenças e não como fé. Exemplo,
Joana d’Arch foi condenada como herege em 1431 e no séc. XX declarada como
santa. (o.c.p.197). E isto é o menos, pois há muito pela frente de coisas
escondidas, como já fizemos referência neste blog sobre a “armação” dos Estados
do Vaticano. (Cf.www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br) de 8/11/20).
P.Casimiro
João smbn
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