segunda-feira, 26 de junho de 2023

A consciência da humanidade evolui e com ela evolui a religião.


 Apresento dois casos: os direitos humanos e o fim da escravatura. Dois casos flagrantes da evolução da consciência da humanidade e que empurraram a religião também para evoluir. A muito custo, porque no início a Igreja condenou os direitos humanos pela caneta de Pio IX e de Pio X. Pio X condenou o modernismo e o Iluminismo como “o compêndio de todas as heresias” em 1907, e elaborou o “Juramento antimodernista” obrigatório para todos os padres, bispos e catequistas, finalmente abolido em 1967 pelo Papa Paulo VI.  A filosofia do Iluminismo é que deu origem à declaração dos direitos humanos e com eles a liberdade de consciência e  de religião. Não foi também a Igreja nem as Igrejas que acabaram com a escravatura mas a consciência humana. E a Igreja teve que absorver estes dois avanços mesmo entre lágrimas.

Por outro lado esta consciência humana de que tratamos tem outras consequências. Historicamente, todas as religiões tinham a obsessão de que eram a melhor religião e todos deveriam segui-la pra se salvar. A Igreja católica herdou do Antigo Testamento a mesma exigência, ”Se não receberem a circuncisão, como manda a lei de Moisés, não podereis ser salvos”(At.15,1). E como o batismo substituiu a circuncisão, todos teriam que se batizar para ser salvos. Porém, a consciência humana evoluiu e com ela evoluiu também a religião porque as duas andam juntas. (Cf. concílio vaticano II, decreto L.G. n.16).

Devemos ter presente o seguinte: A Bíblia falou a língua do seu tempo. Apresentemos mais um episódio quando da escolha dos Doze apóstolos, Jesus terá dado os seguintes poderes: “eu os mando para expulsarem os espíritos maus e para curar todo tipo de doença e enfermidade” (Mt.10,1). A letra nos diz que ele os fez médicos, enfermeiros, cirurgiões. Mas nenhum deles foi médico, enfermeiro ou cirurgião. Qual então o significado? Vamos à linguagem da época: Na catequese dos judeus, eles ensinavam que quando Deus criou os homens reservou a 6ªfeira para criar os demônios. Porém, chegou a tarde e não deu mais tempo para criar um corpo para cada um deles e criou só o espirito porque no sábado não podia mais trabalhar. Vendo-se assim, ficaram com raiva dos homens e resolveram atacá-los, cada um entrando no corpo dos homens e levando consigo uma doença. É por isso é que, lendo os evangelhos, notamos que os “espíritos maus” andam sempre acompanhados com as doenças, “expulsem os espíritos maus e curem as doenças”. (Cf. Gonzaga, Prado, “Espíritos e demônios”) Cfwww.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br 7/2/21).

Uma outra consequência da mesma consciência humana foi a chamada revolução sexual. Sabemos que a cultura sexual é um componente essencial e digamos central de todas as culturas, e anda intimamente ligada com a religião. A religião é uma criação humana e uma parte da cultura. “Os seres humanos criaram sistemas simbólicos com a intenção de entrar em contato com a divindade ou de criar uma convivência com ela. No sistema atual há pelo menos 95% por cento de construção cultural em que se depositaram as heranças de muitas culturas, e há 5% que procede de Jesus Cristo” (Paulo C.de Andrade em SOTER, p.8). Veja também nosso Blog www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br 16/6/23 onde falámos na data que foi adotada para a celebração do Natal, adotada do dia da comemoração do deus Mitra Sol Invicto.

Um dos símbolos mais altos tem sido o corpo humano. “Além do seu valor para produzir efeitos materiais o corpo humano vem carregado de sentidos simbólicos. Ele serve para expressar disposições religiosas, adoração, penitência, petição, pedido de perdão, expiação, por meio de palavras, olhares, movimentos do corpo, da cabeça, das mãos, dos pés, pelas posições do corpo. O valor simbólico do corpo é tal que o corpo pode ser violentado por meio de mutilações, circuncisão, incisão, castração, jejuns, privação de movimentos, de comida, flagelações e autoflagelações. Isto nos diz que o corpo está instrumentalizado, e tal instrumentalização varia com as várias religiões.

Este ambiente simbólico dominava as religiões dos povos antigos, entre os quais o povo de Israel. Somas enormes de dinheiro eram reservadas para enaltecer e manter sacerdotes, suas vestes, suas cerimônias, seus templos, seus guardas e seus funcionários. Inclusive tiravam alimento da boca dos pais idosos para entregar ao templo e aos sacerdotes. (Mc.7,11). Com a vinda do Novo Testamento, e das exigências de Cristo revertendo a direção do cuidado para atender a subsistência da pessoa humana põe-se o problema: Vale mais o sacrifício ou a misericórdia? Dar de comer ao faminto, dar de beber ao sedento, dar saúde aos doentes, defender os humilhados...A qual destes conceitos é preciso atender, ou continuar colocando a atenção no simbolismo platônico e narcisista corpóreo? E deu-se uma reviravolta nos últimos 60 anos: Nas culturas antigas o corpo servia para expressar valores religiosos; na nossa época, agora, serve para expressar mais valores econômicos. Naquela época o corpo do sacerdote, da freira ou do bispo se exaltava como se celestial fosse, bastava tocar para obter bênção; agora olha-se o corpo nu e faminto do morador de rua e do escravizado das fazendas, enquanto se sabe que o corpo antes “sagrado” do padre, bispo ou freira também são apanhados em estupros. Não é que antes não existissem, só que pelo respeito sagrado e “misticismo” se ocultavam. Não procederão daí tantas ocultações das dioceses e até de Roma a respeito de tantos abusos sexuais que explodiram no nosso tempo?

Isto nos leva a falar da revolução da sexualidade atual ou vinda nos últimos 100 anos. O que antes era tabu, agora fica claro; o que antes era sagrado dessacralizou-se. E se declara mais sagrado o corpo faminto e o corpo trabalhador. De resto, tudo é sagrado, e tudo não é. Na cultura moderna está nas mãos do ser humano a vida nascitura, como escalar ou frear os nascimentos com a ajuda dos anticoncepcionais. Por outro lado, e como consequência o corpo perdeu o misticismo transformado em tabu, e de um conceito que ele era um senhor tornou-se em escravo. Num conceito mais humano, somos senhores do nosso corpo; antes, o corpo era mau, porque resultado do conceito de uma matéria má, da filosofia dos estóicos e gnósticos e maniqueus. Enquanto o corpo desunia, agora o treino e a educação psíquica e psicológica une os dois elementos, corpo e alma, matéria e espírito, espiritual e material. Foi daí que nasceu então a moderna evolução sexual, em três etapas. A primeira etapa na época de 1870-1940, chamada a revolução dos “artistas” que tiveram a intuição de enfrentar o radicalismo, fazendo aflorar o incontido desejo de felicidade, e descobrindo a espontaneidade lúdica da sexualidade, onde se destacaram os escritores Oscar Wide e Andre Gide. A segunda etapa, da “elite intelectual”, de 1918-1950, com os pensadores Simone de Beauvoir e Sartre, na corrente das transformações culturais depois das duas guerras mundiais. Esta segunda etapa desenvolveu o suporte teórico das ciências humanas da Psicologia do profundo no livro “Revolução sexual” de Reich em 1976. A terceira etapa, a “revolução das massas” encontrou fundamentação para se libertar da vida dupla que formava a moral da Idade Media, e encontrava o fundamento para se libertar de uma moral dupla farisaica. Essa vida dupla ficou caracterizada e caricaturada no bordão: “Aceite-se, mas não se cumpra” que implicitamente fazia toda a moral Cf. Antônio Moser, em Corporeidade e Teologia, p.152-153.

Conclusão. Reafirmamos que a consciência da humanidade evoluiu, e empurra a religião para evoluir também. Ou a religião evolui ou fica fora do tempo, como sal estragado sem serventia para ninguém. Na verdade, religião que não evolui perde o trem e não faz nenhum proveito à humanidade. Imagine que a Igreja continuasse a se opor aos direitos humanos, à liberdade de consciência e de religião, como fez há 100 anos? Vejamos como também a consciência humana evoluiu no que respeita à seguinte afirmação bíblica: “Deus castiga aqueles que o odeiam e dá-lhes imediatamente o castigo merecido” (Dt.7,10). Não fora o consciência humana evoluir e ainda estaríamos no estágio inicial da humanidade, quando eram “os deuses” que mandavam o trovão, os raios, as tempestades, a chuva, as doenças. E quando as estrelas estavam suspensas no céu, e a terra era plana, a terra dos terraplanistas... De um conceito de medo passou-se para um conceito de domínio. Daí que quando antes o corpo era dominado pelos castigos, agora a atenção voltou-se para o treino da mente e da vontade e da consciência. Enquanto no castigo ficava ausente a mente e a vontade psíquica, agora entra o ser humano integral, a mente envolvendo o corpo físico  produzindo uma unidade.

Ao falar de corpo e corporeidade, só nos resta tomar consciência, bem ao gosto platônico, de que somos artesãos de nós mesmos. E como afirma Galeano a este respeito: “A Igreja diz, o corpo é uma culpa; a ciência diz, o corpo é uma máquina; a publicidade diz, o corpo é um negócio; o corpo diz, eu sou uma festa” (Galeano, em “As palavras andantes”, p.134).

P.Casimiro João    smbn     www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

 

  

segunda-feira, 19 de junho de 2023

O evangelho não é geográfico, não é histórico, é teológico.


 

É uma tese aceita e propugnada hoje pelos estudiosos bíblicos que o evangelho não é geográfico, e não é histórico, mas teológico. Vejamos um exemplo no seguinte episódio do evangelho de Lucas: “Aconteceu que caminhando para Jerusalém, Jesus passava entre a Samaria e a Galileia. Quando estava para entrar num povoado, 10 leprosos vieram ao seu encontro” (Lc.17,11-12). Na sequência, foram curados mas só um deles voltou para agradecer, “e este era samaritano” (Lc.17,16).

Aqui não devemos ter em conta: primeiro, se  ele era um samaritano ou não; segundo, se os leprosos eram dez ou vinte. O que interessa é a lição moral a tirar: que era preciso ir levar o evangelho aos samaritanos. Porquê? Porque na época em que estava sendo escrito o evangelho as comunidades discutiam se podiam ir aos samaritanos ou não. Isto fundamentava-se na ordem que Jesus teria dado aos discípulos quando os mandou ir de dois em dois “anunciar o reino de Deus”. E lhes deu esta ordem: “Não entrem nas cidades dos samaritanos”(Mt.10,5 e Lc.10,1-13). Com o andar dos tempos, pelo ano 70 já depois de Jesus, punha-se o problema se deviam ou não admitir os samaritanos nas comunidades incipientes. Os historiadores contam que Jesus em vida não pisou em terras dos samaritanos.

Em segundo lugar, vem destacado o exemplo do único leproso que agradeceu, “que era samaritano”. Elogio proposital para incentivar que eles, os samaritanos eram gente boa, sim, de tal maneira que aquele samaritano “venceu na fé e na gratidão “os próprios judeus” que não eram samaritanos. Dá para entender tranquilamente a finalidade teológica do caso.

Aliás, há nos evangelhos casos semelhantes somente para adular também os romanos, e chamá-los ao evangelho e às comunidades, da seguinte maneira: Que a fé do centurião romano ultrapassou também a fé de Israel, quando foi curado um servo do centurião romano. “Em verdade eu vos digo que nem mesmo em Israel encontrei tamanha fé”(Lc.7,9). É então outro caso paralelo a este, digamos, outra parábola igual essa. E porque era preciso adular os romanos dessa maneira? Os estudiosos dizem que o objetivo era agradá-los para que eles não perseguissem as comunidades, e para que eles também viessem a fazer parte das comunidades incipientes, uma vez que todos são chamados à salvação, samaritanos e romanos.

Que o evangelho não é geográfico e nem histórico podemos ver por mais exemplos: Até hoje em dia não se sabe o ano do nascimento de Jesus, o dia de Natal. E porquê? Porque foi escolhido o dia 25 de dezembro? Por um motivo teológico, seguinte: Para os romanos e pagãos o dia 25 de dezembro era o dia do sol, o deus Mitra dos romanos e dos povos conquistados por Roma. O dia 25 de dezembro era uma das maiores festas do império romano: o dia do deus Mitra, o Sol invicto que unia romanos e povos conquistados na mesma crença. O nome Mitra remonta à divindade indo-iraniana do zoroastrismo que significa luz, sol, misericórdia, amizade, amor. Essa divindade com “mil ouvidos”, com “dez mil olhos” foi adotada pelos romanos. O Sol invicto tornou-se a primeira divindade dos romanos em 270 d.C. quando o imperador Aureliano fez do deus Sol a primeira divindade do império. Foi por isso que no ano de 354 o Papa Júlio I aproveitou essa ocasião para celebrar no dia 25 de dezembro o dia do nascimento de Cristo ou dia de NATAL, pois até ali não havia nenhuma celebração do Natal. Foi assim transferido o deus-Sol para o outro novo Sol, luz do Mundo, Jesus Cristo, com o objetivo de cristianizar as celebrações realizadas nessa época do ano. O primeiro documento escrito que estabelece o Natal em 25 de dezembro foi do Papa Júlio I no ano de 354 d.C. E, de quebra, hoje os estudos histórico-científicos revelam que o nascimento de Jesus aconteceu seis anos antes do que até aqui se supunha, portanto no ano 6 a.C. (antes de Cristo).

A propósito: se tinha anjos, se não tinha; se tinha reis, se não tinha, não são dados históricos, mas teológicos.

Conclusão A este respeito, sobre a nossa colocação, o autor M.Eugene Boring afirma: O evangelho de Lucas divide-se em três seções: primeiro, a seção do Antigo Testamento, iniciando com os esquemas do Antigo Testamento, (Lc.1-4); segunda seção, o tempo de Jesus, (Lc.4-24); terceira seção, o tempo da Igreja, (Lc.cap.24, continuando com os Atos dos Apóstolos). (Cf. M.Eugene Boring – Introdução ao Novo Testamento vol.II, 1054).

P.Casimiro João      smbn

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segunda-feira, 12 de junho de 2023

Templo versus as Tendas, Amazônia versus pobreza, e a linguagem figurada.


 

Desde já argumentamos que o Templo representa o império, por exemplo de Davi, de Constantino, da Idade Média, e dos colonizadores. E as tendas significam a Amazônia, as fábricas e os seus trabalhadores, os campos e os agricultores, os escravos e os escravizadores, os quilombos e as senzalas. Já tivemos ocasião de nos reportarmos a isto no tema: O Messias de Pedro e o Messias de São Francisco www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br 10/04/22.

Tentarei dar uma resposta a uma pergunta  enigmática que o evangelho de Marcos coloca na boca de Jesus: “Como é que o próprio Davi chamando o Messias de Senhor poderá então ser seu filho?” (Mc.12, 37). A resposta vem do ambiente e do local onde Jesus se encontrava, o Templo. O ambiente era a polêmica em três questões entre Jesus e os ouvintes perigosos: a parábola dos vinhateiros assassinos, o tributo a César, e a mulher que serviu de cobaia aos sete irmãos sem deixar filhos. E de supetão vem a questão quase sem nexo que vamos procurá-lo, da seguinte maneira, como segue. As classes reinantes apoiavam-se no Templo para a volta de um Messias que restabelecesse o império de Davi com o poder simbolizado pelo Templo. E proclamavam e reivindicavam a volta do filho ou rebento de Davi como o Messias esperado para restabelecer o antigo poder de Davi. Volta Davi com o teu Messias! E na sequência cobravam que Jesus se manifestasse dessa maneira caso fosse ele o tal Messias. “Se tu és o Messias diga-nos abertamente” (Jo.10,22). Implicitamente este tipo de Messias enchia a cabeça e o imaginário de todo mundo. E em primeiro lugar, dos próprios discípulos, como manifestou Pedro afirmando que o Messias não podia ser um homem fraco que pudesse passar por algum sofrimento “Mc.32-33.

Ao lado desta ideologia de domínio imperialista havia outra que não se baseava na instituição do Templo, mas na Aliança original do deserto, num Messias como Moisés caminhando com o povo e no meio do povo, sem Templo e seu reis. Esta ala achava que a monarquia é que tinha afundado o povo de Israel tornando-o escravo das nações vizinhas. E não só, esta ala mantinha a teoria de que Davi tinha sido usurpador, e nem era um rei legítimo, haja vista que não tinha sido ungido, pelo contrário usurpou o trono de Saúl vendendo-se aos Filisteus para vencer Saúl e subir ao trono. (Cf.Chad Meyers, Evangelho de Marcos, p 93-95 e 296).

A reposta de Jesus, portanto está implícita na recusa, e pelos vistos, rechaçando a primeira ideologia, dos dirigentes judaicos e as suas pretensões, e seguia a via da segunda ideologia do Messias do Sinai. Os reis tinham abandonado o Deus do Sinai e introduzido na monarquia toda a espécie de deuses e ídolos da nações vizinhas com quem faziam alianças, deixando para trás a Aliança do Sinai.

Como resultado, a decepção e a ruina. Estas duas ideologias estão estampadas hoje, senão vejamos: O Messias de Pedro e o Messias de São Francisco; o Messias da Idade Média e os Messias dos Pobres; o Messias do império e o Messias dos povos; o Messias dos colonizadores e o Messias dos colonizados, das senzalas e dos quilombos; o símbolo do poder do Templo do Edir Macedo e o outro símbolo das tendas do deserto, da Amazônia, dos trabalhadores das fábricas, das favelas e dos campos.

Conclusão. A resposta não respondida da cena do evangelho em questão dependia do tipo de Messias que esperavam. Uns, do tipo do rei Davi, guerreiro e vencedor de todo mundo para sujeitar todos os povos ao seu domínio. Outros, do tipo de Moisés que caminhava no meio do povo e com o povo, rechaçando o rei usurpador que tinha sido Davi. O Messias imaginado não poderia ser o tal filho de Davi que eles pensavam. Marcos coloca para suas comunidades a resposta de Jesus onde conclui: “Portanto, o próprio Davi chama o Messias de Senhor; como é que ele pode, então ser seu filho?” (Mc.12,37). Pela resposta concluímos que a opção de Jesus não seguia a ala do Messias dos poderosos e do seu Templo mas da Aliança do Sinai, o Messias das tendas dos pobres e de Moisés.

P.Casimiro João    smbn

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segunda-feira, 5 de junho de 2023

Não é um ato mágico comer o pão e o vinho da eucaristia mas aceitar a pessoa de Jesus.


 

“Como o primeiro redentor fez descer o maná, como se afirma “eu farei chover para vós pão do céu Ex.16,4, assim o segundo redentor fará descer maná”, dizia um Midrash Rabbá sobre o Êxodo. E a catequese dos rabinos explicava: “Esse maná está preparado  para os justos na era que virá; todo aquele que crê é digno e come dele” (R. Brown, Comentário do evangelho de João vol I p.502). E nós constatamos como o tema “crer” aparece tanto no capítulo seis do evangelho de João. Esta era uma expectativa escatológica do que era esperado para o futuro. E em documentos da época é encontrada a seguinte expectativa: “Os que temem a Deus herdarão a verdadeira vida eterna, sobre o pão do céu estrelado” (o.c.p.502). E noutro lugar: “Vinde, comei do meu alimento e bebei do vinho que eu misturei” (Prov.9,3).

Devido a essa expectativa que estava na cabeça de todo judeu, os judeus impõem um desafio a Jesus de produzir um sinal que seria esse maná ou seu equivalente. Até porque Eliseu também tinha distribuído 20 pães de cevada para 100 pessoas. (2R.4,42). Também existe aí um paralelo com o novo êxodo ou saída da Babilônia, sobre o qual Isaías falou que “haveria abundância de comida até sobrar” (Is. 49,9). Os estudiosos afirmam que o evangelho não é geográfico e nem histórico, é teológico. As narrativas falam em 5000 pessoas; se considerarmos que Jerusalém na época de Jesus tinha 20.000 habitantes, como é possível num pequeno rincão do interior juntar “5000 homens, e as 5 mil mulheres, e quantas crianças? “Wilkens pensa que o ponto de vista do evangelista é kerigmático e não histórico" (o.c.p.510).

O pão da vida, histórico da interpretação: Além do que dissemos atrás, o maná era interpretado em alguns círculos judaicos como significando a palavra ou instrução divina. Alguns Padres da Igreja primitiva, como Clemente de Alexandria, Origenes, e Eusébio não interpretavam em termos eucarísticos. Para  Agostinho, se referia à imolação de Cristo para a salvação dos homens. No que concerne ao período patrístico, Crisóstomo, Gregório de Nissa, Cirilo de Alexandria e Cirilo de Jerusalém deram preferência à teoria eucarística. Já os Reformadores não aceitaram a interpretação eucarística, assim como o grande teólogo católico Caetano. O Concílio de Trento, após longas discussões não tomou posição, muito menos favoreceu os husitas que usavam Jo.6,53 para exigir a comunhão sob as “duas espécies”. (o.c. p.510-511). Uma parte dos estudiosos de hoje admitem que a última parte do capitulo seis da “multiplicação” é uma adição posterior, e a primeira parte é um tema sapiencial, isto é, uma clara referência ao simbolismo sapiencial do pão. O paralelo mais próximo do pão é o tema da água viva no cap. IV, e o tema da água também é simbólico. Esta constatação deriva do pano de fundo do Antigo Testamento onde a palavra e a sabedoria divinas são apresentadas como simbolismo de alimento ou pães. À guisa de exemplo citemos esta passagem : “Vinde, comei do meu pão, bebei do vinho que eu mesmo misturei” (Prv.9,5). Em Siraque, falando da Sabedoria e o que ela faz pelos que temem a Deus: “Ela o alimentará com o pão do entendimento  e lhe dará a água da erudição para beber” (Eclo.15,3). O pano de fundo toma realce na imagem de um banquete messiânico com Javé ou com seu Messias (Is. 65,11-13) onde são descritas as alegrias dos dias messiânicos no santo monte de Jacó.

Procuremos adequar mais ainda a nossa reflexão, haja vista que o capitulo seis de João no original não apresentava nenhuma referência à eucaristia. Esta e outras referências foram acrescentadas depois, ou seja, os versículos 51-58, a fim de dar aceitação ao evangelho de João e ser admitido no cânon do Novo Testamento. Na verdade, por não trazer elementos sacramentais, tanto eucarísticos como batismais, este evangelho corria o risco de ficar como um dos evangelhos apócrifos. Concluimos o que fica dito com a seguinte citação: “Já vimos que a conexão que João estabelece entre o discurso sobre o pão da vida e a multiplicação pode bem representar uma construção literária. De igual modo, devemos assumir que no próprio discurso as ressonâncias eucarísticas são mais provavelmente o produto de interpretações cristãs. Nos versículos seguintes Jesus deixa claro que não está falando do pão natural, e sim do ensino: “Em verdade eu lhes digo, aquele que acredita em mim tem a vida eterna” Jo,47; E: “o espirito é que vivifica, a carne de nada serve, as palavras que eu lhes tenho falado são espirito e vida”(Jo.6.63). (E.Boring o.c.p.514). E mais uma vez a referência do Eclesiástico: “Ela, a Sabedoria alimentará o homem com o pão da inteligência e o saciará com a água da sabedoria”. (Eclo.15,13).

Intérpretes veem no uso da palavra “carne” um termo com significado mais abrangente se reportando à encarnação, o que supõe intenções anti-docéticas, haja vista que essas teorias negavam a humanidade de Cristo. Alguns autores sugerem que a “consistente ênfase sobre o beber o sangue é dirigido contra um circulo cristão gnóstico judaico que se opunha ao uso do cálice na prática eucarística por causa do medo profundamente radical de sangue. Contudo o IV evangelho não vai ao outro extremo de atribuir poder mágico nem equipara o sacramento cristão com os mistérios pagãos onde afirmavam que comiam as carnes dos deuses; mas, em contrapartida, insiste mais na necessidade de crer ou aceitar a pessoa de Jesus”. (Cf.o.c.p.536).

Conclusão. Não é um ato mágico “comer o pão e o vinho da eucaristia mas aceitar a pessoa de Jesus”. Vimos as palavras e as intenções do A.T. que expressavam a escatologia futura onde era assegurada a refeição messiânica aos crentes. E afinal das contas, o capítulo da multiplicação transmite a fé nessa escatologia que se realizava em Jesus, onde o maná era plasticamente explicado como alimento da palavra e salvação. “Ter a vida eterna e estar em íntima comunhão com Jesus é uma questão de o cristão permanecer em Jesus e a permanência de Jesus no cristão.

P.Casimiro João      smbn

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