sábado, 26 de dezembro de 2020

O Natal e Maria de Nazaré: A alma morava no céu e caiu no corpo, como será a viagem de volta ao paraíso?


 Para entendermos este problema temos que retroceder dois mil anos atrás, e nos colocar no pensamento desse mundo que era também o mundo dos inícios do cristianismo.

Veja bem, no pensamento dessa época, Deus estava longe do mundo e não tem nenhuma influência sobre a vida espiritual das pessoas. A ideia era que a alma morava no céu e caiu no corpo, um dia ela teria que retornar ao paraíso. Quando a alma conquista o conhecimento, ela inicía o processo de viagem ao céu.

A cada ser humano restava o desafio de tornar-se um ser espiritual. Como? Abstendo-se da vida sexual ou de cair nos prazeres do corpo para enfrentar essa viagem. Essa viagem era perigosa, pois no trajeto entre a terra e o céu vivem os anjos decaídos, os anjos maus, prontos para tomar a alma. A alma, então, tinha de ser sábia para enfrentá-los. A sua única arma seria a pureza virginal que lhe garantiria a natureza divina.

Por outro lado, defender a virgindade era também sinal de que o corpo não tinha valor. Nesse desprezo pelo corpo, os cristãos receberam influência do pensamento dualista que pregava a separação entre alma e corpo, trevas e luz, vida e morte, Deus e mundo. Assim, tudo o que se dizia pertencer ao mundo era desprezado, pois o mundo era considerado uma armadilha dos poderes do mal. Considerando que já pela mulher tinha entrado o mal no mundo (Eclo. 25,24)

A Igreja dos primeiros tempos participava desta concepção. Basta olhar o calendário: Santas do calendário romano, 85 por cento são “virgens” ou “virgem e mártir”. Além destas e dos mártires, tem monges e bispos. Pouco mais. O primeiro casal que foi canonizado foram os pais de Santa Teresinha.

Para continuar entendendo o conceito de “virgindade” temos que continuar a história, e o mito greco-romano da deusa Vesta, deusa de Roma, e suas sacerdotisas, as virgens Vestais.

A deusa Vesta (em grego Héstia) era filha do Cronos, um deus dos Titãs. Mas foi devorada pelo pai. Porém, conseguiu ser salva pelo deus Zeus, irmão do pai; Quando se viu salva pediu ao tio-irmão que nunca lhe fosse permitido tirar a virgindade para não gerar mais guerras entre os outros deuses para conquistá-la.

Zeus atendeu o seu pedido e para isso reservou um lugar para ela no centro das cidades como forma de agradecimento. Por isso ela era servida por sacerdotisas virgens, as Vestais, que no centro da cidade de Roma tinha o seu templo sempre com fogo aceso como garante da Paz de Roma. Se o fogo apagasse aconteciam castigos para Roma, fomes, pestes ou guerras. E se a guerra  falhava  a culpa não era dos generais mas das Vestais.

O templo de Vesta ficava no centro de Roma. As Vestais eram encarregadas de manter no centro do templo o fogo aceso de dia e de noite como garantia da paz romana “Pax Romana”.

Nas sociedades arcaicas, o sacerdócio feminino era considerado essencial, porque se preservavam da atividade sexual, como modelos de paz numa sociedade violenta. E porque a atividade sexual era considerada uma das “portas de entrada” da violência na sociedade.

E como é que os primeiros cristãos  trataram a vida da Virgem Mãe de Deus com estes conceitos na cabeça? Será que não tiveram influência? Quando Maria foi para casa de José, cinco jovens virgens a acompanharam, que deveriam permanecer com ela na casa de José. Esses virgens a chamavam de “rainha das virgens”.

Quando José soube da gravidez de Maria, as outras virgens contaram-lhe que tinham vigiado Maria. Somente anjos conversavam com ela. “Se queres que te confessemos nossa suspeita, nenhum outro a tornou grávida senão o anjo do Senhor”.

Outra tradição diz que o escriba de Anás, numa visita que fez à casa de José percebeu a gravidez de Maria e  os denunciou ao tribunal do templo. Maria e José foram submetidos ao teste da “água da prova do Senhor”. Conforme o costume judaico, eles deviam beber essa água preparada com ervas amargas e dar sete voltas em torno do altar (Nm.5,12). Os culpados receberiam de Deus um sinal no rosto. A inocência de ambos foi comprovada.

Então Maria foi conduzida a sua casa com grande exultação e júbilo acompanhada por uma multidão de virgens.

No trânsito de Maria para o céu como foi? “No seu velório, virgens prepararam o seu corpo e seguiram o cortejo. João, aquele que recebeu o encargo de cuidar dela, levava a palma da virgindade de Maria, porque também se conservara virgem”.

Esses e tantos outros elementos nos mostram como as comunidades discutiam a questão da virgindade mariana, e como alguns elementos passaram para os evangelhos canônicos. Por outro lado, essa obsessão pela virgindade era também sinal de que o corpo não tinha valor. Os primeiros cristãos foram influenciados pela negatividade da matéria, segundo a qual Deus não criou a matéria e o mundo, e de nada se interessava com ele; o “demiurgo”, o deus intermediário entre o mundo e Deus é que foi o criador do mundo e da matéria, que é chamado nos evangelhos como o “príncipe deste mundo” (Jo.14,30 e Jo.16,10).

Assim, tudo o que se dizia pertencer ao “mundo” era desprezado e considerado uma armadilha dos poderes do mal. Deus está longe do mundo e não tem muita influência sobre a vida espiritual das pessoas. A cada ser humano restava o desafio de tornar-se um ser espiritual de verdade, abstendo-se da vida sexual e do contato com a matéria do corpo. A alma morava no céu e caiu no corpo, um dia ela teria que retornar ao paraiso. Quando a alma conquistasse o conhecimento, ela iniciaria o processo de viagem ao paraíso.

Esta era uma viagem perigosa porque tinha que enfrentar os anjos maus nesse trajeto onde eles estavam prontos para tomar a alma. A alma teria que ser sábia para enfrentá-los. A única segurança da alma seria a pureza virginal, que lhe garantiria a natureza divina, como acima dito.

A tradição revela que Maria teve medo de encontrar-se com esses anjos maus quando saísse de seu corpo, por isso pediu a proteção dos apóstolos na custódia de seu corpo.

Como vemos há nestas tradições uma cultura baseada em mitos trabalhados por aquelas gerações de pagãos e cristãos. E de uma maneira ou outra  influenciaram os escritos dos evangelhos.

Como diz o historiador dos inícios do Cristianismo Frei Jacir de Freitas “muitas crenças de nossa devoção popular mariana provêm dos evangelhos apócrifos” (As origens apócrifas do cristianismo, 122).

Já deu para dar uma resposta ao nosso título desta matéria que preocupava demais as primeiras gerações de nossos antepassados, os primeiros cristãos, e procuravam encontrar respostas:  A ALMA MORAVA NO CÉU E CAIU NO CORPO; COMO SERÁ A VIAGEM DE VOLTA AO PARAISO ?

P.Casimiro

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sábado, 19 de dezembro de 2020

A Teologia da Libertação e o Regime da Ditadura Militar no Brasil.


 

Dizia um slogan da Teologia da Libertação: “Devemos defender os Pobres”. Diz um slogan dos Governos: “Devemos defender-nos dos Pobres”.

Como assim? As Nações, no geral, são fábricas de pobreza para uma metade da sociedade, enquanto aumentam a riqueza para outra metade. As classes esquecidas são frutos da fábrica da pobreza. E aqui há uma progressão geométrica: quanto mais aumenta a fábrica que produz os ricos mais aumenta a fábrica que produz a pobreza.

Os mandatários do governo vêm da fábrica que produz a riqueza. E eles já têm a receita em rótulos para se defender da classe da pobreza: são “agitadores” e “desordeiros”. Se ficam quietinhos no seu silêncio escondido não perturbam a “ordem” dos ricos. Se vão para a rua protestar, o governo bota a policia, os cavalos e as bombas. Eles vão dizer que são pobres, que as panelas estão vazias, que os filhos não têm escolas. Aí o governo já tem o seu aparato de repressão para se defender deles.

Afinal, o governo também tem outra maneira para se defender dos ricos. Qual é? Aumentar o dinheiro para eles, projetos e salários. Ele faz como aquela madame do Rio de Janeiro que dizia: “eu gosto muito dos pobrezinhos, a última vez que eu vi um, foi junto do bueiro, e eu dei-lhe um empurrãozinho para cair no buraco”.

Na história da Igreja praticamente também tem acontecido coisa semelhante: Tem teologias que se declaram pela defesa do pobre. E tem teologias que se declaram para se defender dos Pobres, acontecendo assim como com os governos. Esta última agrada aos Governos. Enquanto que a teologia que defende os pobres é tachada de “comunista”.

Nosso Senhor Jesus Cristo iniciou a vida pública assumindo o programa do profeta Isaias: “O Espirito do Senhor está sobre mim, ele me enviou para dar a Boa Nova aos Pobres, para proclamar a libertação dos oprimidos e a liberdade aos prisioneiros”(Is.61,1-4 e Lc.4,18-20),

A Boa noticia ela não é neutra, ela é boa para uns, e ruim para os outros. Se ela é boa para os pobres, se torna ruim para os poderosos. É contraditória. João Batista e Jesus Cristo começaram com essa Boa Nova. Os poderes da nação e da religião procuraram logo se defender deles. Não traziam boas noticias para eles.

Essas palavras do profeta Isaias, e a vida de João e de Cristo são o princípio da Teologia da Libertação: Defender o pobre. Quando a Igreja começou imitando e copiando os métodos do Império após o Edito de Constantino (313), começou em larga escala a se defender dos Pobres e fazendo alianças com os centros de poder e de riqueza. E a teologia foi seguindo por esse caminho. Porque tem aquele adágio em latim: “agere sequitur esse”, i.é, o agir segue o ser e o pensar.

Passando pela Idade Média, onde as associações de libertação dos oprimidos, com raras exceções eram perseguidas e excluídas, como os valdenses, e por pouco os franciscanos, chegamos a uma época que após o Concilio Vaticano II surgiu a Teologia da Libertação. Porém, antes da teologia da libertação tinham chegado outros movimentos da libertação do espirito humano, que culminaram na Declaração Universal dos Direitos Humanos se tornando o fulcro central a Revolução Francesa (1788) com os 3 pilares “Liberdade, Fraternidade, Igualdade”.

Todo o século 19 foi testemunha do surgimento de movimentos todos nascidos desses pilares de Liberdade, fraternidade, Igualdade. Como consequência, a teologia da libertação foi também um despertar para a Igreja.

Porém, estando em andamento, o Estado brasileiro passou a persegui-la quando justamente institucionalizou a repressão às liberdades civis no ano de 1964 com a Ditadura Militar. O mundo estava no ambiente da Guerra Fria, Estados Unidos versus Rússia. E com o medo do Comunismo.

O Brasil vivia um ambiente de euforia com a construção da nova Capital, Brasilia. O presidente João Goulart tentou uma politica de diminuir as desigualdades sociais no país. E propunha algumas medidas muito sérias: A Reforma agrária, educacional, fiscal e urbana. Antes dele, Jânio Quadros tinha aberto o país às relações diplomáticas e comerciais com todas as Nações do mundo.

Isto começou a não agradar a muitos Grupos econômicos que tinham os seus monopólios. E sobretudo desagradou aos Estados Unidos que não permitiam que alguma nação se relacionasse com seus inimigos políticos, sobretudo a Rússia.

Por outro lado, Jânio Quadros fez o primeiro Embaixador negro do Brasil, fez o Parque Nacional do Xingú e concedeu muitos direitos aos Índios e combateu a corrupção.

Este processo foi barrado diretamente, digamos logo, pela política dos Estados Unidos, que enviaram recados e dinheiro aos governos e aos Militares brasileiros para parar com isso. E conseguiram. Os Estados Unidos começaram a treinar agentes de tortura e repressão para mandar para o Brasil.

Assim os Estados Unidos e as classes altas prepararam o caminho para que os Militares dessem o golpe militar e implantar a Ditadura Militar em 31 de Março de 1964. Houve quase um milhão de mortos e desaparecidos civis, além de genocídio de milhares de Índios. Inclusive mandando aviões para espalhar veneno na Amazônia. Os torturadores recebiam cartas com dólares todos os meses, dos Estados Unidos.

Como os Estados Unidos tinham medo da Rússia, espalharam esse mesmo medo por toda a América do Sul, e para eles, tudo que não fosse dos Estados Unidos era comunista. Então o comunismo virou bicho-papão para eles puderem perseguir, prender e matar. Esse bicho papão ainda hoje está na cabeça de muitos militares brasileiros.

A teologia da libertação foi sufocada na Ditadura, e teve muitos mártires, a maioria da Ordem dos Pegadores ou Dominicanos: Entre eles Frei Beto, que sobreviveu depois de passar 4 anos nas cadeias e nos porões, sem janelas e sem banheiro, e conseguiu escapar da morte, Frei Fernando, Frei Ivo, Padre Augusto, Frei Georgio, Frei Mauricio e Frei Tito Alencar, que foi pego assessorando o 30.º Congresso nacional da União Nacional dos Estudantes (UNE), e sucumbiu ao martirio. Nessa perseguição à UNE foram presos mais de 700 estudantes, e assassinados os dois líderes universitários Alexandre Vannucchi Lemos e Honestino Guimarães.

Frei Tito: Os militares mataram-no se divertindo atirando o corpo dele para dar com a cabeça contra as paredes da cela por dias seguidos. Queimavam o seu corpo com pontas de fogo diariamente, mormente na boca dizendo que “era para tomar a hóstia”. Com isso o governo americano conseguiu a obediência dos Militares brasileiros, e enfraquecer a Teologia da Libertação.

Na verdade, Frei Beto tem a seguinte afirmação: “Todos nós cristãos somos discípulos de um prisioneiro politico, Jesus, preso, torturado e condenado à morte por dois poderes, politico e religioso”. 

Alguns setores da Igreja acusam a teologia da libertação de usar métodos do marxismo. Ora os métodos não têm religião. Estão querendo "botar água no feijão da Santa Ceia". Como diz Marcella Reid, "eu estou falando de evangelho, e eles estão desconversando de métodos" ou de papo furado, ou  de água no feijão da Santa Ceia", querendo lavar as mãos como Pilatos e jogar a água no feijão.

Alguns bispos fizeram raras visitas a alguns Freis presos nas masmorras. Dois deles, depois foram cardeais. Um deles, cujo nome omito aqui, numa visita de meia hora, viu prisioneiros torturados e sangrados, mas os miliares lhes disseram na gozação que “tinham caído de uma escada”.  E as palavras que falou para os Freis foram: “Ah, vocês são todos envolvidos com os terroristas, não é?” Dali a algum tempo foi nomeado cardial, e em Roma numa missa falou infelizmente que “no Brasil não tem tortura”.

Um outro, Dom Lucas, agora já falecido, viu o Frei Tito torturado e sangrando e os Freis pediram-lhe para fazer um depoimento. Ele se recusou dizendo que “não quero prejudicar minha amizade com os meus amigos militares”. Será que eles tinham a teologia de defender os Pobres, ou a teologia de se defender dos Pobres, igual os governos? Ou não foi o caso de "lavar as mãos também"?

Eu disse atrás que tudo que não fosse dos Estados Unidos era “comunista”. Então o comunismo virou bicho-papão para eles puderem perseguir, prender e matar. Aqui em Chapadinha na época de 1980 não se podia falar em “Comunidades”, porque era “comunismo”. Tinha um delegado que  dizia que as comunidades eram “células comunistas”, e eram para tirar as terras dos fazendeiros.

Os primeiros dirigentes das comunidades católicas ou comunidades eclesiais de base foram presos. E os sacerdotes difamados nos jornais como comunistas. Várias ocasiões foram intimados perante o juiz da cidade, ameaçados de prisão e expulsão.

Esse bicho papão de usar o “comunismo” para barrar tudo que é direitos das classes pobres ainda hoje está na cabeça de muitos militares e governantes com formação militar. O pobre quando reclama é “comunista” e é fim de papo. Vai levar tempo para higienizar a cabeça de tantos que foram infetados com esse vírus da época da Ditadura militar, e desse veneno que foi deixado no Brasil pelos Estados Unidos da América do Norte.

Obs: Veja a lista de Teólogos da Libertação do Brasil e do estranjeiro: Andrés Torres Queiruga, Jean Luis Segundo, Gustavo Gutierrez, Carlos Filipe Ximemes, João Batista Libanio, Jon Sobrino, Camilo Torres, Carlos Mesters, José Comblin, Jorge Pixley, Clodovis Boff, Leonardo Boff, Domingos Barbé, Elza Tamez, Marcella Althan-Reid, Enrico Dussel, Marcelo Barros, Milton Shwants, Pablo Richard, Erwin Krautler, Frei Beto, Pedro Casaldaliga, Hélder Câmara, Hugo Assmann, Paulo Evaristo Arns, Roselvo Sagues, Ruben Alves, Ignacio Ellacuria e Samuel Ruiz.

P.Casimiro     smbn

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sábado, 12 de dezembro de 2020

Quando foram descobertas as primeiras vacinas do mundo – A CIÊNCIA E A FÉ.


 A primeira vacina do mundo foi descoberta na Inglaterra há 273 anos para a varíola, que já tinha matado mais de 400 mil pessoas. O inventor foi o médico dr.Edward Jenner  em 1747. Ele reparou que as pessoas que viviam de gado não tinham tanto a epidemia. E quando ordenhavam as vacas ficavam mais imunizadas. Então lembrou de tirar o pus das mãos de pessoas que ordenhavam o gado, injetou nos doentes da varíola e começaram curando. Foi esse o inicio das vacinas. “Vacina” vem da palavra vaca (em latim) justo por conta disso;  o leite da ordenha com o pus de alguma pessoa que ordenhava.  Em 1800 foi oficialmente aprovada na Inglaterra a primeira vacina do mundo. De lá até agora vivemos sob a proteção das vacinas.

Agora aconteceu a pandemia do COVID 19. Há muita gente dizendo que só tem fé em Deus. Já pensamos que todos nós vivemos das vacinas?  Não basta ter fé em Deus e não tomar as vacinas, senão vai morrer. Seria como ter fé em Deus e não se alimentar, vai morrer. Estamos aguardando as vacinas contra a COVID 19. Agora aconteceu a pandemia do COVID 19. Há muita gente dizendo que só tem fé em Deus. Já pensamos que todos nós vivemos das vacinas? 

Os cientistas dizem que o vírus veio para ficar, e essa vacina fará parte do KIT das vacinas pro futuro para todo o mundo. Enquanto a vacina não chega, temos um meio provisório de proteção que é a máscara.

 Não é difícil de constatar. Todos vamos no médico e no hospital e nas vacinas. Porquê? Porque temos fé na ciência. Todos vamos na missa e nos cultos e nos sacramentos, porque temos fé em Deus. Isto é viver da fé: fé em Deus e fé na ciência. O mesmo Deus que fez a fé fez a ciência. Já tradicionalmente os homens e as mulheres rezadeiras e os curandeiros misturavam a eficácia das plantas e as rezas a Deus. Vamos fazer uma reflexão sobre a fé em Deus e a fé na Ciência.

Pela fé em Deus, sabemos que ele fala, não ao modo humano mas ao modo de Deus, e embora coisas que eu não entendo, não ouço, não vejo, mas acredito. Pela fé na Bíblia, acredito ser uma manifestação de Deus. Pela fé na ciência eu dou crédito à ciência porque a ciência foi feita por Deus. O mesmo Deus que fez a fé fez a ciência.

A fé em Deus vem desde o berço da humanidade. Com a humanidade nasceu o “numinoso”, aquilo de mistério que ultrapassa o que é humano. E isso de “numinoso” desde o  início teve nomes  e designações conforme as capacidades metafísicas e discursivas e filosóficas dos vários grupos humanos. Variam, portanto, os nomes de Deus, como de regiões e culturas tem o mundo. E, quem sabe, cada grupo fabricou o seu deus à sua imagem e semelhança.

Os hebreus disseram na Bíblia que Deus fez o homem “à sua imagem e semelhança”, mas na prática eles é que fizeram Deus à sua imagem e semelhança: com sentimentos de vingança, como um guerreiro militar, como um imperador, e também como um deus de amor, porque os homens têm vingança, guerra, mando e poder e  amor. E tudo isso os judeus, como os outros povos, colocaram em Deus. E tinham: o deus da guerra, do amor, da fertilidade, o deus dos campos e o deus da cidade. Mas Deus foi sempre um mistério.

A isto é que chamamos o “numinoso” ou o “mistério” e só se pode imaginar “às apalpadelas” como diz São Paulo “(tudo isto para que procurem a Deus e se esforcem por encontrá-lo como que às apalpadelas, pois na verdade ele não está longe de cada um de nós” (At.17,27) e nunca sendo tocado, mas acreditado e temido, mais temido do que amado. Então nós temos fé em Deus e na ciência, e nos sinais dele, por exemplo a Bíblia, para nós cristãos, o Corão para os Árabes, o Veda para os hindús, e  os livros dos budistas e dos japoneses.

Fé na ciência: Além da fé em Deus e no mistério universal, os humanos de espírito lúcido temos também fé na Ciência. A fé na ciência é dar crédito ao resultado da ciência. Como na matemática que é a base das Ciências exatas. Chamam-se exatas porque dão sempre resultados certos e comprováveis como dois e dois são quatro. As outras ciências são as chamadas ciências humanas. A religião, se fosse ciência, não seria ciência exata, porque é um esforço de andar procurando encontrar a Deus “às apalpadelas” (At.17,27).

As ciências humanas como a filosofia, antropologia etc, não são ciências exatas porque que não se fundamentam em dados comprovados como a matemática, onde 2 mais 2 são sempre 4. No entanto além destes dados corriqueiros de todo dia, nas ciências exatas há dados de milhões de algarismos e equações e dados de química e física e astronomia que são acessíveis só aos grandes estudiosos e especialistas. A fé na Ciência refere-se a estes dados astronômicos e inacessíveis aos leigos, e também à biologia, como a engenharia genética.

Então, a mesma fé que eu tenho em Deus, eu tenho também na Ciência, porquê? Porque Deus fez a fé e a Ciência. Essas leis da ciência vieram desde o princípio do mundo. Por isso é alienante pensar que só acredito em Deus mas não na ciência. É sinal de um espírito alienado.

Falei que a matemática se apoia em dados exatos. Quando os cientistas jogam um satélite nos ares eles sabem de antemão quantas voltas vai girar em volta da Terra, e quantos dias levará para chegar à Lua ou a Marte. Andam  Sondas agora neste momento no espaço que daqui a 20 anos chegarão a bilhões de quilômetros para investigar as galáxias. Eles sabem que daqui a 20 anos chegarão ao ponto definido. Porquê? Porque se baseiam em leis da ciência exata.

Por isso é alienante pensar que só acredito em Deus mas não na ciência. É sinal de um espírito alienado. Use a fé e a ciência e terá vida longa.

Obs: famosos que morreram de varíola antes da descoberta da vacina: A rainha MARIA II, da Inglaterra; o rei Luiz XV, da França; o imperador Pedro II, da Rússia; o presidente Abraham Lincoln, dos Estados Unidos da América do Norte; e Shunzh, imperador da China.

P.Casimiro     smbn

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domingo, 6 de dezembro de 2020

A ação conjunta e desencontrada de São Pedro, São Mateus e São Marcos para a redação dos evangelhos, e o evangelho apócrifo de Tomé

O evangelho de Mateus coloca a figura de Pedro em destaque como liderança, porém o evangelho de Marcos enfoca a característica de seguir Jesus como Messias. E só Mateus traz a famosa investidura de Pedro como a pedra da igreja e a entrega das chaves, omitidas pelos evangelhos de Marcos, Lucas e João.

Quando Jesus perguntou: “Quem dizem os homens que eu sou” (Mt.16,13), a resposta de Pedro em Marcos é “Tu és o Messias” (Mc.8,29);  Em Lucas é: “Tu és o Cristo de Deus” (Lc.9,18), enquanto que em Mateus é: Tu és o Cristo, o filho de Deus vivo” (Mt. 16,16).   Respondeu Jesus:“Feliz és tu, Simão filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isso mas o meu Pai que está nos céus. E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja; e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt.16,16-20). Em Marcos, Lucas e João não tem esta resposta de Jesus.

E isto de só Mateus trazer ele sozinho esse texto é significativo, uma vez que Marcos é anterior, e é a fonte tanto de Mateus como de Lucas, de onde eles, os dois, compartilharam os seus evangelhos. Mas então  porquê só Mateus acrescentou tudo isso e chama a sua comunidade de “igreja”? As comunidades de Marcos, Mateus e João não eram também “igrejas”?  Claro que sim, mas ele foi o único a destacar essa comunidade no universo das outras comunidades como sendo a evangelizada por Pedro, em oposição às outras igrejas fundadas e evangelizadas por Paulo. Eles achavam Paulo mais avançado, e dando mais destaque à graça do que a lei, e ao Espirito do mais do que à liderança.

Temos de perguntar mais: qual o real motivo destas diferenças? Além do objetivo de destacar a figura de Pedro, dizem os estudiosos da Crítica das Formas: “As tradições foram não apenas adaptadas mas, em muitos casos, criadas para o uso que as igrejas cristãs as destinavam na pregação ou no ensinamento. O processo de transmissão era bastante criativo.” Isto quer dizer que os redatores iniciais dos evangelhos se sentiam bastante livres para “formularem as tradições de Jesus para o propósito bem diferente de testemunhar a presença atual de Jesus em suas comunidades.” (Richard Bauckham, Jesus e as testemunhas oculares, 310).

Além de as comunidades de São Mateus acharem São Paulo mais avançado, eles se consideravam mais na linha da messianidade e da escatologia, isto é, afirmando que Jesus era o descendente de Davi, e que ia trazer a vitória final e o julgamento dos últimos dias em breve tempo, na linha da escatologia do Antigo Testamento.

Foi assim que essa afirmação única do evangelho de Mateussobre esta pedra construirei a minha igreja”(Mt.16,18) que eles aplicaram à sua comunidade particular, passou para toda a Igreja.

Já Marcos e Lucas não tinham esses problemas no seu entorno. Na verdade os evangelhos de Mateus e de Lucas não compartilharam essa afirmação da “pedra da igreja” e “das chaves”. No evangelho de João também não há nada a respeito.

Vale dar uma olhada agora para o que refere o evangelho de Tomé, que é da mesma data de Marcos, sobre o mesmo assunto: “Jesus perguntou a eles: A quem vocês pensam que eu me assemelho? Pedro respondeu: Tu és como um anjo justo. Mateus respondeu: Tu és como um sábio filósofo.” E disse também Tomé: “ Mestre, minha boca é completamente incapaz de dizer a quem te assemelhas.” Jesus lhe respondeu: “ Não sou eu teu mestre, pois bebeste, te tornaste ébrio da fonte borbulhante que eu cavei”? (Dito 13 de Tomé). Isto porque o evangelho de Tomé não tinha interesse algum na Bíblia hebraica ou na expectativa messiânica hebraica” (Richard Bauckham, 303).

Na verdade, houve cinco etapas na redação dos evangelhos: 1. memórias sem ordem e sem cronologia, 2. recontagens 3. reformulações, 4. expansões,  e 5. trabalho editorial dos redatores (evangelistas).  Até que ponto a tradição foi conservada ou criativa e, portanto, em que medida o conteúdo dos evangelhos preservou fidedignamente o que Jesus, de fato, disse e fez, é questão sobre a qual os estudiosos divergem largamente.

Vamos analisar outras narrativas agora: 1º a transfiguração: A cena da transfiguração de Marcos (Mc.9.2-10) foi compartilhada por Lucas e por Mateus. Nesta cena, a figura de Pedro incorpora e envolve os leitores. A proposta de Pedro a Jesus, é a mesma que qualquer leitor seria levado a dizer “ Mestre, é bom estarmos aqui; façamos três tendas, uma ti, outra para Moisés, e outra para Elias” (Mc.17,5). Esta é a habilidade e intencionalidade dos escritos do evangelho de Marcos: envolver o leitor, colocá-lo ali na presença.

Aqui seria necessário enfocar o gênero literário “teofania”, manifestação divina ao jeito das teofanias  do Antigo Testamento com o objetivo de impactar o leitor no ensino a ser transmitido, como assim em outros episódios onde o escritor põe Deus “falando” no meio do fogo, da tempestade, das nuvens e relâmpagos e dos trovões.

A sonolência na hora da Agonia: Aqui Pedro e os outros decepcionaram Jesus ao adormecerem no Getsêmani. A função narrativa desta sonolência é possibilitar ao leitor  compreender e simpatizar com a incapacidade dos discípulos de permanecer acordados. O episódio é um apelo à nossa identificação com eles, outro jeito de habilidade do evangelista.

3 - As negações de Pedro: Também o episódio das negações de Pedro foi compartilhado por Mateus e Lucas. É constrangedor que Pedro tivesse por três vezes negado Cristo (Mc 14.66-72). Mas assim como nos episódios já mencionados, também a negação é um apelo que provoca e envolve o leitor de Marcos.

Também o leitor contemporâneo de Marcos tinha ocasião de sacar daí algumas lições: Assim como o “mais corajoso dos apóstolos” negou o Cristo e se recuperou, não seria um apelo para que muitos que teriam negado a sua fé pudessem também voltar para ela e para a conversão? Eis a questão.

Antes de terminar gostaria de enfocar uma conclusão que alguns teólogos protestantes tiram da existência das várias teologias e enfoques teológicos nos evangelhos. Por exemplo Kaselmann diz que isso não funda a unidade da Igreja mas a “diversidade das confissões”.

A esta questão responde Leonardo Boff que não se deve olhar a uma parte mas ao todo dos textos neotestamentários, validando a aporia de que o todo vale mais do que a parte. ”A unidade da Igreja é uma realidade teológica fundada na audiência e obediência do único evangelho de Jesus Cristo que está para além dos textos evangélicos. Aqui não decide a história mas a fé”. (Leonardo Boff,A Igreja, Carisma e poder”, 135).

Tivemos ocasião de ver o ambiente em que os evangelhos foram pensados e escritos.  Mateus e Lucas beberam na fonte de Marcos, que é o 1º evangelho. E apesar de ser o primeiro, a palavra “igreja” e chaves não aparece em Marcos e nem em Lucas, e vimos a variante do evangelho de Tomé.

Voltemos de novo ao título da matéria que é a ação conjunta e desencontrada de São Pedro, São Mateus e São Marcos para a redação dos evangelhos, e o evangelho apócrifo de Tomé

P.Casimiro    smbn

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sábado, 28 de novembro de 2020

A Branquitude da Europa e dos USA versus Teologia da Libertação ou do 3º Mundo


 O Papa São João XXIII quando anunciou o Concílio Vaticano II disse: “A Igreja é, e quer ser a Igreja de todos e principalmente a Igreja dos pobres. Porém os bispos, por conta de atender às condições da Europa que vivia nos inícios de uma teologia do progresso e da consagração do profano, esqueceram bastante esse problema”(Gustavo Gutierrez).

Aquela recomendação do Papa João falou mais alto no pós-concílio nos bispos da América Latina, e com um representante como Dom Hélder Câmara, que promoveu várias reuniões com os bispos do Brasil nos intervalos das Sessões. E foi dessas reuniões que surgiu a CNBB da qual o Dom Helder foi o fundador, como sendo a primeira Conferência mundial dos bispos de uma nação. E entre as figuras que estiveram presentes como teólogos no Concílio foi o teólogo peruano Gustavo Gutierrez, o pai da Teologia da Libertação.

Gustavo, quando em 1965 foi pároco na cidade de Lima, capital do Peru, num bairro pobre, tinha a seguinte preocupação na sua cabeça: “como dizer ao pobre que Deus o ama”? E daí começou distinguindo dois tipos de pobreza: primeiro, a pobreza real de cada dia; a segunda, a falta de consciência e de compromisso daqueles que dizem “deixa pra lá, entrega tudo pra Deus, e cruzam os braços como se nada estivesse nas mãos deles.

Em 1969 veio para o Brasil, e aqui teve ocasião de aprender muito com o episcopado brasileiro, onde já se estava fundando a CNBB com o compromisso pelos empobrecidos. E ele viu que aqui já se falava nisso, os pobres não são pobres, mas empobrecidos. Isto é, se você é roubado de tudo que tem, você fica empobrecido. Você não nasceu pobre, é empobrecido, quer dizer roubado.

Porém, nas teologias do Vaticano os Cardeais não estavam nem aí com essa situação. Foi nessa época de 1984 a 2004 que a teologia do Padre Gustavo Gutierrez ficou sob suspeita e investigação. Foi também que essa suspeita caiu também em Leonardo Boff. 

É digno de nota que nessa época saiu, de Roma, uma Carta para o presidente dos Estados Unidos da América do Norte, Ronald Reigan, em 1984, para que proibisse na América Latina a Teologia da Libertação. Pela história, esse presidente R.Reigan foi o maior imperialista que iniciou os maiores abusos contra a América Latina.

Com a criação da “Nova Ordem Mundial” ele tornou-se o cacique mundial ao qual a Europa e Américas ficariam sujeitas, na época da queda do Muro de Berlim (1989). E claro, como a política encontra muitas vezes um aliado forte na ideia religiosa, promoveu o Instituto nacional da Religião para ser o tentáculo de dominar o mundo pela sua “mística” de viés cristão ao seu jeito. Aproveitando-se também do surgimento do Fundamentalismo protestante que prosperava nos Estados Unidos desde 1920.

Um dos pilares do Fundamentalismo protestante era a ideia fixa do retorno de Cristo que estaria próximo, e por isso seria inútil tirar os pobres da sua situação de pobreza e miséria e exploração. Foi assim que Ronald Reigan junto com  o Fundamentalismo religioso americano promoveram uma guerra declarada contra a Teologia da Libertação com as bênçãos do Vaticano.

Porém, de outra forma teria agido Roma se olhasse para estas palavras de São João Crisóstomo quando diz: “é um cisma separar o sacramento do altar do sacramento do irmão, e dissociar o sacramento da Eucaristia do sacramento do pobre”. (In José Tolentino de Mendonça, “O Elogio da sede”,138).

Assim como para os questionamentos de Dom Hélder Câmara: “O que fizemos com a mensagem de Cristo? De que maneira a multidão dos pobres, dos exilados, dos marginalizados, dos sem-casa, dos sem-terra, dos sem-nada pode acreditar que o Criador é Pai que os ama, se nós que nos dizemos cristãos, continuamos a deixar o prato deles vazio”? (id).

Porém, em 2016 novos ventos sopraram no Vaticano. Nesse ano de 2016 o teólogo Gustavo Gutierrez, do Peru, Jon Sobrino da Espanha, e Leonardo Boff do Brasil foram recebidos pelo Papa Francisco em Roma para a sua reabilitação teológica, pois os seus livros tinham sido proibidos pelo Papa anterior e pelo Card.Ratzinger quando Prefeito da Congregação da Doutrina Cristã.

Após aterrissar em Roma, ao ser recebido pelo Papa, Leonardo Boff perguntou direto ao Papa Francisco: “Santo Padre, mas o outro ainda está vivo, ele não aceita”. “ - Sim, mas o Papa agora sou eu”, respondeu o Papa Francisco. Dá para ouvir as palavras do Roger Cipó, filósofo e fotógrafo brasileiro: “A branquitude decide quando nos ouve ou não”.

Na entrevista a Leonardo Boff, o jornalista Joachim Frank em 25/10/2016 perguntou-lhe se a encíclica do Papa “Laudato Si” tinha a colaboração do teólogo Boff. Boff respondeu: Sim, ele me solicitou material para a Encíclica, e recomendou: “Não mande a papelada para a Cúria senão os funcionários interceptam e eu não receberei; mande para o embaixador da Argentina, assim eu vou receber”.

Esses são os ventos novos da Igreja que mesmo assim ainda atrapalhados por estruturas pesadas do passado. De novo vale ouvir a afirmação do Roger Cipó: “A branquitude decide quando nos ouve ou não”.

E parece até que a “a branquitude” da Europa estava sentindo saudades da Inquisição, e da colaboração com os Impérios,  como no caso da Carta para o presidente dos Estados Unidos da América do Norte.

Obs. Para a Entrevista do jornalista Joachim Frank veja a Fonte: www.ihu.unisinos.br

P.Casimiro    smbn

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sábado, 21 de novembro de 2020

A primeira comunhão e um banco de alimentos. “O que fizerem ao mais pequeno dos meus irmãos foi a mim que o fizeram” (Mt.25,40).


 Hoje vamos ver um exemplo de quando a senhora Sara Milles, fez a sua primeira comunhão e de repente teve a ideia de começar com um banco de alimentos: “O que fizerem ao mais pequeno dos meus irmãos  foi a mim que o fizeram” (Mt.25,40)

A distribuição de marmitas e pratos aos moradores de rua pelos franciscanos da cidade de São Paulo é uma extensão da mesma Ceia do Senhor. Assim como o Padre Júlio Lancellotti vem fazendo há muitos anos, intensificando agora em tempos de pandemia, na sua Paróquia de São Miguel, na arquidiocese de São Paulo.

Não serão estes que estão cumprindo aquilo de São Mateus “O que  fizeram ao mais pequeno dos meus irmãos foi a mim que o fizeram”? (Mt.25,40). E ainda: “Vão pelas esquinas das ruas e convidem todos que encontrarem, e tragam todos pro meu banquete”? (Mt.22,9).

No ano de 2010 a senhora Sara Milles entrava numa igreja pela primeira vez. Não sabendo nada de igreja, mas chegando na hora da comunhão aproximou-se e recebeu a comunhão. Voltou mais duas ocasiões, e então pensou: “eu que tenho tudo em casa de comidas abundantes, e este povo aqui comendo um pãozinho tão pouco. É possível? E pensou em organizar um banco de alimentos para os moradores de rua.

Com autorização do pároco fez as primeiras distribuições de comida no espaço da igreja, após as missas, convidou os membros da igreja para a distribuição, e logo na segunda fase já os próprios moradores de rua prepararam e distribuíram as refeições na praça da igreja. Em pouco tempo duzentos e cinquenta passaram a vir a cada vez. Sem saber muito de igreja, mas começou a praticar a solidariedade. Hoje o movimento chama-se Sopa Sara Milles.

No caso da senhora Milles, um fundamentalista seria tentado a proibir-lhe a comunhão, pois tinha chegado atrasada. Mas na verdade ela foi introduzida logo no centro do reino de Deus que é não admitir ser feliz sozinha. Ela entendeu que ser feliz sozinha não dava certo. E de repente entrou na dinâmica do Reino de Deus, que é experimentar ser feliz junto com os outros.

“A expressão ‘reino de Deus’ é uma das mais mal utilizadas e mal compreendidas da Bíblia. Por vezes se pensa que para lá talvez você vá quando morrer quando a história deste mundo acabar, ou algo que é inteiramente interior. Enquanto que é algo que acontece neste mundo e para este mundo. (Harvey Cox, 62 “O futuro da fé ” Paulus, 2015).

Veja a conexão do Pai Nosso: “Venha o vosso reino” “O pão de cada dia tenhamos hoje” (Mt.6,9).

E as célebres palavras do programa de Jesus: “O Espirito do Senhor me enviou para pregar o evangelho aos pobres, libertar os presos, curar os cegos, e dar a libertação aos oprimidos” (Lc. 4,11). Ora, na outra vida não há pobres, nem presos, nem cegos, e nem oprimidos. E nem precisa o pão de cada dia. Onde precisamos  então “o pão de cada dia” ?

Também havia um grande banquete preparado para os convidados. Porém, cada um foi pro seu interesse pessoal: Um foi para os seus bois, outro para sua fazenda, outro pra sua família (Lc.14,18-20). Aqui cada um quis ser feliz sozinho, não com os outros. Escolher ser feliz sozinho não é o reino de Deus: mas escolher ser feliz om os outros é o reino de Deus.

Há uma poesia no Antigo Testamento  do profeta Isaias sobre o reino de Deus, que eles chamavam também de Shalom e que está escrita assim, descrevendo como será a Nova Jerusalém:  “Nela não se tornará a ouvir o choro com lamentação. Já não haverá ali crianças que vivam apenas alguns dias, nem velho que não complete sua idade. Os homens construirão  casas e as habitarão. Plantarão vinhas e comerão os seus frutos. Já não construirão para que outro habite a sua casa. Não plantarão para que outro coma o fruto” (Is. 65,19-22).

Poesia, mas essa Nova Jerusalém dos sonhos é aqui, porque na outra vida não tem videiras para plantar, nem casas para construir, e isto é tremenda denúncia sobre quem não tem uma casa e só vive construindo para os outros, e só plantando para os outros comerem.  

Esta denúncia em poesia evoca uma imagem muito diferente daquela Nova Jerusalém que vemos em desenhos de revistas mostrando anjos espalmados em túnicas sem caimento, e empoleirados nas nuvens e tocando harpas.

Estamos em tempos da pandemia. O que aconteceu com alguns poucos que desviaram o muito dinheiro para a saúde pública? Não é que quiseram arriscar ser felizes sozinhos? Será que isso é o reino de Deus? O que acontece quando eu quero ser feliz sozinho?

A teologia da libertação na América latina tinha este slogan: “Quando chega para todos, chega também para mim; quando chega só para mim não chega para todos”. E o Padre Lencellotti diz: “Desde criança aprendi que o pouco que a gente tem é uma fortuna para quem nada tem”.

P. Casimiro    smbn

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sábado, 14 de novembro de 2020

O Fundamentalismo bíblico-religioso: onde e como nasceu e quais os objetivos.

 


O fundamentalismo nasceu nos Estados Unidos da América do Norte no ano de 1920, com quatro objetivos principais. Primeiro, em oposição aos progressos dos métodos históricos dos estudos bíblicos que se incrementaram no século XIX e XX. Segundo em oposição às teorias segundo as quais algumas Cartas não eram de São Paulo das Quatorze atribuídas a ele.

O terceiro objetivo era a ênfase e o destaque à Segunda vinda iminente de Cristo a iniciar-se com Pragas, Fomes e com uma violência e degradação das  condições do mundo.

O quarto objetivo  foi a ideia de que era inútil qualquer esforço e preocupação social, uma vez que ninguém podia fazer nada para melhorar o mundo e nem impedir que os Pobres morressem, e assim condenavam a teologia da libertação.

Financiados por Empresários conservadores publicaram milhões de Panfletos e distribuíram por pastores, empresários, classes políticas e por todos os setores das igrejas protestantes americanas. Eles oficializaram o nome de Fundamentalismo em 1920 na Revistas “Baptist Standard” onde conclamavam todos os “corajosos” que defendiam esses princípios focais, e oficializaram o nome de fundamentalismo como sua bandeira (H.Cox, 197).

Este nome fundamentalismo migrou facilmente para outros continentes e religiões que o adotaram, como o Islão e judaísmo, que o adotaram, e formaram também as suas fileiras de fundamentalistas. Os fundamentalistas americanos se consideravam o “Bote salva-vidas” dos tempos atuais, e também se consideravam os “guerreiros fundamentalistas”.

Até hoje, no séc.XXI, fazem seleções de palavras e frases extraídas da Bíblia fora do seu contexto e as empregam numa batalha atual. É assim que também os próprios tradicionalistas católicos gastam pouca energia criticando os protestantes, antes sua apaixonada crítica vai contra a atual liderança da Igreja, às vezes incluindo o Papa.

Sociologicamente falando, todo movimento novo tem suas origens e causas em acontecimentos novos. O Iluminismo, o Liberalismo, o Racionalismo, os Novos métodos científicos e históricos aplicados em todos os campos literários donde não escaparam as investigações bíblicas, foram o rastilho que deu origem à explosão do fundamentalismo bíblico-religioso.  Mas, como diz o ditado, “quem vive do passado é museu”.

Durante as últimas décadas do séc. 19, sobretudo nos Estados Unidos “seguir a Bíblia” passou a ser uma espécie de teste decisivo para ver se alguém era ou não “cristão de verdade”. Para os fundamentalistas, seguir Bíblia significava seguir a letra e não o espírito, e ficavam confusos quando ouviam por exemplo que Moisés não escreveu o Pentateuco, e que Deus não precisava se abaixar para, como oleiro, amassar barro e soprar para formar os homens. Considerando então os avanços da época é compreensível que algumas pessoas sentissem a sua fé abalada, saindo daquela bitola.

Por coincidência, as mesmas mudanças da sociedade foram também sentidas na Igreja católica na Europa. E como o protestantismo tremeu com o perigo em relação à Bíblia, o catolicismo tremeu com o perigo em relação à Igreja como um todo. Nesta virada histórica, a Igreja temia o perigo de não ser mais a única instituição doutrinária que determinava as regras e normas que conduziam a sociedade e a vida dos homens.

 A Revolução Francesa em 1789 tanto se fez sentir  nos Estados Unidos como na Europa, com os seus três pilares “Igualdade, Fraternidade, Liberdade” que foram a base para a DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS no dia 10 de dezembro de 1948, que deram origem à também moderna ordem política da SEPARAÇÃO DE IGREJA E ESTADO na maior parte das Nações.

Ainda bem que Pio IX encontrou um meio de se livrar de tantos apuros, convocando o Concílio Vat.I em 1870 onde ele torceu para a definição da infalibilidade pontifícia.

Concluindo, vemos que para novos eventos tem que haver novos enfrentamentos. Será que as Igrejas iriam virar sempre museu se segurando simplesmente no passado sem se abrir para o presente? As Igrejas protestantes encontraram-se com novos apuros que as surpreenderam, e a Igreja católica com os mesmos apuros que também a surpreenderam. E as reações foram em parte semelhantes, será que foram as melhores? O tempo ainda não foi suficiente para um resultado completo, e por isso vale a máxima: “ o tempo o dirá”.

P.Casimiro    smbn

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domingo, 8 de novembro de 2020

Reflexões sobre aborto e não aborto


 

A vida e as instituições são feitas à base de mitos, e tabus. Vou dar alguns exemplos a respeito.

 O primeiro exemplo que me vem à mente são os Estados Pontifícios, baseados numa falsa assinatura atribuída ao imperador Constantino (272-337), que hoje se descobriu ser um mito.

Na verdade, um tal Cristóforus secretário do Papa Estêvão I redigiu essa suposta “Doação” de Constantino ao Papa no ano de 750 d.C. a qual hoje é conhecida como “a fraude mais bem sucedida da história” (André Chevitaresse, historiador da UFRJ). 

Estávamos no ano 750 d.C. e ele  colocou a data de 315 d.C. Fez Isso para passar a ideia de segurar aquela posse perante os povos bárbaros que invadiram a Itália. A motivação da doação: que o imperador tinha sido curado de uma lepra por uma bênção do Papa.

Quem desmascarou essa falsa assinatura, e também que o imperador nunca teve essa lepra,  foi o historiador e filólogo italiano Frei Lorenzo Valla em 1439, no Livro intitulado: DE FALSO CREDITA ET EMENTITA CONSTANTINI DONATIONE DECLAMATIO, contra a DOAÇÃO de Constantino.  

Como consequência, o rei Vitor Emanuel II, em 1870 anexou os Estados Pontifícios à União da Itália. Com isso, o Papa ficou só com a cidade-Estado do Vaticano, pelo Tratado de Latrão, feito com o Papa Pio XI, no ano de 1929.

O segundo outro mito ou farsa bem sucedida é a lenda de Santiago de Compostela na Espanha. Esta lenda teve inicio com um eremita de nome Pelágio, no ano de 813, num suposto sonho em que teria visto umas luzes noturnas e um túmulo de mármore com os ossos de São Tiago. 

Logo o rei Alfonso II declarou que eram genuínos e nomeou Santiago protetor da Espanha. Foi o rastilho que faltava para as lutas contra os muçulmanos que estavam invadindo a Península ibérica. Era o grito de Santiago que vencia os inimigos.

Em 1640 o Papa Alexandre VII quis declarar que era lenda e mito essa história, mas o rei ameaçou de cortar os altos dízimos de ouro que mandava para o Papado, e ele então desistiu.

Em 3º lugar, nem é preciso falar do mito bíblico da criação do homem pelo barro, como narrado em Gn.2,7.

Porém, agora recentemente, no ano de 1809-1882 surgiu a figura de Charles Darwin que trouxe a teoria da evolução, com novas luzes para a formação das espécies incluindo aí o surgimento da consciência, com a célula geradora do córtex cerebral. 

A consciência terá surgido como uma força primária entre alguns répteis, e aves e mamíferos como uma primeira fase. Na segunda fase surgiu em alguns primatas e no homo sapiens a consciência com dois novos tipos de memória. Daí chegou-se à ponte entre o DNA e  a mente, no final do milênio 2000. 

Vem daí a novidade dos algoritmos que dão sempre certo nas condições certas. A teoria darwiniana é um algoritmo, não é um acaso, como dizem os cientistas atuais. Os Softwares são algoritmos, assim também como o bolo confeitado.

Para S.Tomás de Aquino (1225-1274), o desenvolvimento do embrião se baseia na teoria do Hilemorfismo, em três fases: Na 1ª fase o embrião só tem vida vegetativa ao modo de planta; Na 2ª fase ganha uma vida vegetativa-sensitiva ao modo de animal. E na 3ª fase ganha a forma humana de consciência.

Os cientistas e biólogos Jaques Menod e Y.Jacob afirmam não haver vida humana até o 5º ou 6º mês de gestação, quando se forma o sistema nervoso central. Estas proposições são muito paralelas com a tese do Hilemorfismo de Tomás de Aquino, como atrás referido. E também adéqua com Darwin e T. de Chardin sobre a célula embrionária do córtex e do sistema neuropsíquico.

O historiador Hurts afirma que nos princípios da Igreja, faltas como adivinhação, suborno e roubo tinham penas maiores do que a interrupção da gravidez. E a moralidade desta não derivava do aborto em si mesmo, mas pela intenção de encobertar um adultério ou fornicação. Simplesmente isso. Nos primeiros estágios não era considerado um homicídio. 

Até ao séc.18 e 19 não existiu proibição em matéria de aborto. Em 1713 a Congregação da Santa Inquisição ou do Santo Ofício  que deu origem à Congregação da Doutrina da Fé, perguntada sobre o batismo dos fetos abortados, respondeu: “Se existe uma base para pensar que o feto é animado por uma alma, pode e deve se batizar; No entanto se não existe tal certeza não deve se batizar sob nenhuma circunstância” (Hurst J.; Muraro R.M p.7-40- 1992).

O cientista e teólogo do séc.20, o Jesuíta Teilhard de Chardin disse: a formação do embrião não depende da ideia antropomórfica de colocar Deus como oleiro soprando uma alma, mas no desenvolvimento da consciência, isto é que origina o ser humano, e ocorre na formação do córtex cerebral” (Cross F.L Livingstone – The Oxford Dictionary of the  Christian Church, 1997).

Duas observações: 1º Os cientistas sabem que 75% dos zigotos são expelidos na fecundação natural. E as mesmas quantidade ocorrem na fecundação in vitro. Porquê se considera lícito realizar experiências com embriões desenvolvidos in vitro sem que se tenha o sentimento de estar manipulando seres humanos?

2º Na Encíclica Humanae Vitae, Paulo VI, em 1968 proibia os anticoncepcionais, porém, de lá até aqui ninguém parou de usar. Porque virou tabu falar de aborto aqui entre nós? Será que a Europa toda está errada, e só nós estamos certos? Aqui, numa nação onde mais se mata? 

Ainda bem que o Papa Francisco, nesta mesma linha de ideias, estendeu para todos os sacerdotes, pela BULA DO ANO DA MISERICÓRDIA, “Misericordia et misera” de 21/11/2016 o poder de perdoar todos os pecados de aborto, igual todos os outros pecados. Entenda-se, foi como que a descriminalização do aborto a nível de Igreja.

P.Casimiro João   smbn

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