domingo, 8 de novembro de 2020

Reflexões sobre aborto e não aborto


 

A vida e as instituições são feitas à base de mitos, e tabus. Vou dar alguns exemplos a respeito.

 O primeiro exemplo que me vem à mente são os Estados Pontifícios, baseados numa falsa assinatura atribuída ao imperador Constantino (272-337), que hoje se descobriu ser um mito.

Na verdade, um tal Cristóforus secretário do Papa Estêvão I redigiu essa suposta “Doação” de Constantino ao Papa no ano de 750 d.C. a qual hoje é conhecida como “a fraude mais bem sucedida da história” (André Chevitaresse, historiador da UFRJ). 

Estávamos no ano 750 d.C. e ele  colocou a data de 315 d.C. Fez Isso para passar a ideia de segurar aquela posse perante os povos bárbaros que invadiram a Itália. A motivação da doação: que o imperador tinha sido curado de uma lepra por uma bênção do Papa.

Quem desmascarou essa falsa assinatura, e também que o imperador nunca teve essa lepra,  foi o historiador e filólogo italiano Frei Lorenzo Valla em 1439, no Livro intitulado: DE FALSO CREDITA ET EMENTITA CONSTANTINI DONATIONE DECLAMATIO, contra a DOAÇÃO de Constantino.  

Como consequência, o rei Vitor Emanuel II, em 1870 anexou os Estados Pontifícios à União da Itália. Com isso, o Papa ficou só com a cidade-Estado do Vaticano, pelo Tratado de Latrão, feito com o Papa Pio XI, no ano de 1929.

O segundo outro mito ou farsa bem sucedida é a lenda de Santiago de Compostela na Espanha. Esta lenda teve inicio com um eremita de nome Pelágio, no ano de 813, num suposto sonho em que teria visto umas luzes noturnas e um túmulo de mármore com os ossos de São Tiago. 

Logo o rei Alfonso II declarou que eram genuínos e nomeou Santiago protetor da Espanha. Foi o rastilho que faltava para as lutas contra os muçulmanos que estavam invadindo a Península ibérica. Era o grito de Santiago que vencia os inimigos.

Em 1640 o Papa Alexandre VII quis declarar que era lenda e mito essa história, mas o rei ameaçou de cortar os altos dízimos de ouro que mandava para o Papado, e ele então desistiu.

Em 3º lugar, nem é preciso falar do mito bíblico da criação do homem pelo barro, como narrado em Gn.2,7.

Porém, agora recentemente, no ano de 1809-1882 surgiu a figura de Charles Darwin que trouxe a teoria da evolução, com novas luzes para a formação das espécies incluindo aí o surgimento da consciência, com a célula geradora do córtex cerebral. 

A consciência terá surgido como uma força primária entre alguns répteis, e aves e mamíferos como uma primeira fase. Na segunda fase surgiu em alguns primatas e no homo sapiens a consciência com dois novos tipos de memória. Daí chegou-se à ponte entre o DNA e  a mente, no final do milênio 2000. 

Vem daí a novidade dos algoritmos que dão sempre certo nas condições certas. A teoria darwiniana é um algoritmo, não é um acaso, como dizem os cientistas atuais. Os Softwares são algoritmos, assim também como o bolo confeitado.

Para S.Tomás de Aquino (1225-1274), o desenvolvimento do embrião se baseia na teoria do Hilemorfismo, em três fases: Na 1ª fase o embrião só tem vida vegetativa ao modo de planta; Na 2ª fase ganha uma vida vegetativa-sensitiva ao modo de animal. E na 3ª fase ganha a forma humana de consciência.

Os cientistas e biólogos Jaques Menod e Y.Jacob afirmam não haver vida humana até o 5º ou 6º mês de gestação, quando se forma o sistema nervoso central. Estas proposições são muito paralelas com a tese do Hilemorfismo de Tomás de Aquino, como atrás referido. E também adéqua com Darwin e T. de Chardin sobre a célula embrionária do córtex e do sistema neuropsíquico.

O historiador Hurts afirma que nos princípios da Igreja, faltas como adivinhação, suborno e roubo tinham penas maiores do que a interrupção da gravidez. E a moralidade desta não derivava do aborto em si mesmo, mas pela intenção de encobertar um adultério ou fornicação. Simplesmente isso. Nos primeiros estágios não era considerado um homicídio. 

Até ao séc.18 e 19 não existiu proibição em matéria de aborto. Em 1713 a Congregação da Santa Inquisição ou do Santo Ofício  que deu origem à Congregação da Doutrina da Fé, perguntada sobre o batismo dos fetos abortados, respondeu: “Se existe uma base para pensar que o feto é animado por uma alma, pode e deve se batizar; No entanto se não existe tal certeza não deve se batizar sob nenhuma circunstância” (Hurst J.; Muraro R.M p.7-40- 1992).

O cientista e teólogo do séc.20, o Jesuíta Teilhard de Chardin disse: a formação do embrião não depende da ideia antropomórfica de colocar Deus como oleiro soprando uma alma, mas no desenvolvimento da consciência, isto é que origina o ser humano, e ocorre na formação do córtex cerebral” (Cross F.L Livingstone – The Oxford Dictionary of the  Christian Church, 1997).

Duas observações: 1º Os cientistas sabem que 75% dos zigotos são expelidos na fecundação natural. E as mesmas quantidade ocorrem na fecundação in vitro. Porquê se considera lícito realizar experiências com embriões desenvolvidos in vitro sem que se tenha o sentimento de estar manipulando seres humanos?

2º Na Encíclica Humanae Vitae, Paulo VI, em 1968 proibia os anticoncepcionais, porém, de lá até aqui ninguém parou de usar. Porque virou tabu falar de aborto aqui entre nós? Será que a Europa toda está errada, e só nós estamos certos? Aqui, numa nação onde mais se mata? 

Ainda bem que o Papa Francisco, nesta mesma linha de ideias, estendeu para todos os sacerdotes, pela BULA DO ANO DA MISERICÓRDIA, “Misericordia et misera” de 21/11/2016 o poder de perdoar todos os pecados de aborto, igual todos os outros pecados. Entenda-se, foi como que a descriminalização do aborto a nível de Igreja.

P.Casimiro João   smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

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