domingo, 31 de outubro de 2021

O esplendor de Salomão como uma construção ideológica da redação final da Bíblia, nas descobertas arqueológicas da atualidade – A verdadeira história de Israel, eis a Questão.


 População de Israel Norte: originária de assentamentos de povos nómades, a maioria pastoris, no séc. XIII a.C. Os primeiros povos sedentários da região se chamaram Israel. Porquê? Porque o deus dos locais donde vinham (Urit, Mesopotâmia), era “El”. E também o primeiro deus deles era o mesmo El, que depois deu Elohim. Tanto é assim que muitos nomes pessoais terminavam em “el”: Abediel, Adriel, Ariel, Azrael, Ezequiel, Gamaliel, Hazael, Kalel, Miguel, Otoniel, Rafael, Salatiel, Samuel....

Habitantes: No séc.XIII a região do Israel Norte tinha cerca de 45.000 habitantes, e Judá, no sul 15.000. Já no séc. VIII o Norte tinha 350.000 e o sul (Judá) 115.000 almas. Porquê assim? No Norte, tinha densa população e os reis eram poderosos. O Sul, Judá, tinha pouca população e poucos lugarejos. O reino de Israel Norte era considerado e reconhecido como potência internacional, enquanto que Judá era desconhecido, não era ainda um reino. Israel dominava em Judá nessa época.

E como se deu a inversão, que Judá e Jerusalém se impuseram sobre o Israel Norte E como surgiram os mitos dos reinados de Davi e Salomão? É aí o nó da questão que as últimas descobertas e escavações arqueológicas demonstram até à evidência, por conta de escavações metodicamente levadas a efeito nos últimos 50 anos por empresas e arqueólogos. Entre eles, um dos mais famosos o arqueólogo israelense Israel Finkelstein, professor da Universidade de Tel Aviv, que citaremos neste Blogue, no livro ”O Reino Esquecido, Arqueologia e História de Israel Norte”, Paulus, 2015).

Foi assim: Judá atingiu o seu apogeu no séc.VIII a.C., com o rei Josias (640-609), e Israel no séc. IX, com Amri, Acab, e Joroboão II. Teve um colapso com a derrota contra o rei Hazael de Damasco, mas reergueu-se logo anos depois, com Joás. A Bíblia retrata negativamente o Reino do Norte como sendo de Baal mas as descobertas e escavações modernas conferiram que essa afirmação é falsa, e faz parte da construção ideológica de Judá, 200 anos depois. Primeiramente, nenhuma construção de Salomão foi encontrada em Jerusalém, como o famoso Templo. Pelo contrário,  achados arqueológicos de grandes construções foram achados na Samaria, e em Meguido no Reino de Israel Norte. Porém a Bíblia desvia os locais e autores das construções, atribuindo-as a Salomão, em Judá, no Sul, por motivos que veremos em seguida.

Em Jerusalém não há vestígios de construções que a Bíblia atribui a Salomão. Nem uma pedra dessa estrutura foi encontrada, apesar de mais de um século de busca por conexões entre o texto bíblico e as evidências do local de escavações. Essas construções contadas pela Bíblia, afinal de contas são da época da dinastia omrida, dos reis do Norte: Amri, Acab e Jeroboão II, no Norte e não em Jerusalém, Sul. O motivo foi a ideologia dos escritores do Sul que quiseram passar uma borracha na historia do Israel Norte.

O templo de Jerusalém só na época de Josias é que começou a funcionar depois da construção subsidiada com o dinheiro da Assíria quando tomou a Samaria, para com isso manter o domínio sobre Judá que prometeu boa convivência e vassalagem de tributos  a Nabucopalasser e Nabucodonosor II da Assíria.

Essa, tradicionalmente, seria a época do Primeiro Templo (1020a.C.). No entanto, como foi dito, nem uma pedra dessa estrutura foi encontrada nas escavações de Jerusalém. A Bíblia descreve Salomão como o sábio, o rico, o dono de mais mil concubinas. Mas não há nenhuma evidência arqueológica sobre Salomão. Isto deixa claro aos arqueólogos se o segundo rei de Israel, Salomão, era real ou se parecia mais com outros governadores lendários da história como Arthur da Grã-Bretanha ou Rómulo fundador de Roma.

Foi nesta época que teve início a maior atividade literária, que antes constava só de ensaios. Foi assim que a literatura deuteronomista feita no Sul reescreveu a história bíblica segundo a sua ótica ideológica. Foi dessa maneira que aproveitando-se do declínio do Israel Norte tomada por Sargão II e Nabucopalassar. Foi assim que trocou os dados da história, forjando a ideologia do império de Salomão que  hoje em dia é vista como uma construção ideológica, uma lenda. Isto é, tudo o que tinha sido o esplendor de Israel Norte com o esplendor dos reis omridas dois séculos antes, o Deuteronômio colocou aí os nomes de Salomão e Davi. Pura ideologia. E o objetivo era porque Judá gozava de paz, uma vez que não fazia competição com nenhum rei no entorno, enquanto Israel e Damasco, no Norte, eram considerados os dois reinos mais fortes na região, e por isso tinham sido calados pela Assíria. Digamos, Jerusalém era cachorro invisível em comparação com Israel.

E assim continuou até que os assírios resolveram também abocanhar Judá e Jerusalém, quando Judá quis trair a confiança da Assíria, aliando-se secretamente com o rei Necau do Egito.  Como tinha sido o fim de Israel Norte em 722 assim foi o fim de Judá Sul em 586 quase 200 anos mais tarde.

Falámos no inicio do período da escrita. Ele começou na Samaria, Norte. Inscrições hebraicas aparecem pela primeira vez em Hazor e Betsã em 883 em Israel Norte, enquanto que no Sul só no século seguinte. O primeiro Livro do Antigo Testamento foi escrito aí, Israel Norte, e não foi Abraão, mas o livro de Jacó, o primeiro livro, e o Êxdo-deserto (o.c.p.170-171).

Alguns fugitivos do Israel Norte, quando foi tomada por Nabucodonosor, conseguiram escapar para Judá, no Sul e levaram consigo esses escritos, que depois foram transformados pela ideologia do Sul. Não há evidências claras da estadia de Israel no Egito nem em fontes e documentos egípcios, nem na arqueologia. (o.c.p.176-177). O máximo que se pode conceder é a base de uma tradição que se originou a partir de uma expulsão de uns trabalhadores do Delta do Nilo. Não há indicação de opressão egípcia como um todo. O único rei egípcio da época da fundação do Israel Norte é Shanshoq I  que reinou mais de 40 anos, na época dos assentamentos das tribos do Norte, que tinha um governador em Gaza, cidade da qual dependia Siquém e a região de Canaã, regiões que vieram a formar o Israel Norte. As tradições de um êxodo devem ter tido, além da experiência da expulsão do Delta do Nilo ainda mais outro objetivo que foi para celebrar a saída do exílio da Babilônia. (o.c.p.178).

Para a caminhada do Êxodo, como está escrita, os redatores do Sul não poderiam ter tido conhecimento da geografia do deserto do Norte. Seu trabalho era estritamente literário com o objetivo de atender às circunstâncias e teologias de seu tempo. (Cf.Hoffmann, 1989). A tradição da caminhada do Êxodo é, portanto, uma narrativa multicamada. Ela primeiro foi transmitida oralmente e posteriormente colocada por escrito no Norte. Daí foi levada para o reino do Sul, acumulou níveis, cresceu em volume e detalhes, e foi transformada e redigida uma e outra vez em Judá e Yehud ao longo de um período de muitos séculos em função de mudanças políticas e realidades históricas. (o.c.p.181-183).

É aqui que entra a questão dos nomes, de novo, do deus El (Elohim), deus do Norte, e Javé, o deus do Sul (Judá). Como se deu isso? Na época das migrações para Judá, junto com os israelitas do Norte, um clan de moabitas que controlavam as minas de ferro e cobre do Sinai, chamados “ferreiros” dos quais fazia parte como sacerdote o sogro de Moisés, eles migraram também para Judá, e tinham o deus Javé como seu patrimônio. Quando os escribas do Sul refizeram as tradições, incorporam e adotaram o nome de JAVÉ a fim de adotarem a nova divindade, servindo assim como mais um marco determinante de suplantar a influência do Norte, para legitimarem os esquecimentos das tradições do Norte, até porque associavam as tradições do deus El com Baal, como sendo filho do mesmo deus El. Deste jeito nasceram as narrativas da sarça ardente como o início da nova “tradição” do Êxodo.

Que El era um deus de Israel Norte, vem de que o nome de Israel vem do deus El. Primeiramente era Isra-Yahu, mas foi adotando o nome de El para ficar: Isra-El. (Cf. blog www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br 04/03/2018). O deus El seria o pai de Baal dos povos ugaríticos que eram os antepassados de Isra-Yahu, em Ugarit, cidade-estado de Canaã. E tinham El-Shadday, o deus das montanhas; e El-Olam, o deus eterno. O livro de Gênesis corrobora isto quando fala em Jacó, no Norte oferecendo sacrifício ao seu deus El: “Aí (em Siquém) fez um altar, que denominou El, o deus de Israel”(Gn.33,20). Por outro lado, sobre o deus Javé das minas do Sinai foram encontradas três inscrições nesse local “Yhwh dos Yahu”, que os arqueólogos interpretam Javé deus dos Yahu.

Recapitulando:

Temos na cabeça que Davi conquistou Jerusalém em 1.000 a.C. e depois sucedido por Salomão e daí por diante. Porém, as últimas descobertas e escavações arqueológicas têm mudado a visão que é a seguinte: 1- A formação de Estado do Israel Norte não tem nada a ver com Salomão nos anos 1.200-1.000, mas com a dinastia Omrida (Amri, Acab e Jeoboão II (884-831). 2- Como se formou o Israel bíblico: No séc.VIII deu-se a queda definitiva do reino de Israel Norte, e houve uma migração em massa de grupos israelitas do Norte para Judá e Jerusalém: gente vinda da Samaria, de Betel etc. Judá tinha um terço de habitantes, e ficou crescida. Jerusalém que tinha 1.000 habitantes ficou com cerca de 15.000 almas. Judá transformou-se em Reino neste momento, tendo passado do domínio de Israel Norte para o domínio assírio. A Assíria tinha aniquilado Israel Norte porque era perigoso, mas Judá não oferecia perigo nenhum. Foi com esta vinda de Israel Norte para Judá que se formou o Novo Estado de Israel bíblico conjunto ficando daí em diante o nome oficial de Estado de Israel abrangendo o Sul e o Norte.

A escrita tomou agora seu grande momento. E foi reformulada e reformada toda a história de Israel, sob a ótica dos escribas do Sul, que ficaram para sempre na literatura deuteronômica. O grande objetivo foi promover os “reis davídicos” como os únicos governantes legítimos, e o Templo de Jerusalém, que de um quase nada foi construído por Dário e os sucessores de Nabucodonosor para a ideologia de unificação do seu reinado. O que levou pouco tempo, só até 586 por conta da traição do rei Sedecias que tinha ocultamente se aliado com o Egito.

O autor de Êxodo incorporou as tradições do Norte mas as sujeitou aos seus principais objetivos ideológicos. Por isso foi necessário a imaginação épica da construção do império salomônico para dar todo o respaldo aos seus objetivos. Por isso é uma história não bem contada na Bíblia, pois é ideologicamente distorcida, a fim de servir aos interesses de Judá num momento em que o reino de Israel Norte não existia mais. Isto até que chegasse o momento em que Judá deixou também de não existir mais. (586 a.C.).

Judá foi sempre governada por Israel Norte. Exceto na derrota de Ocosias e Jorão, vencidos provisoriamente por Hazael de Damasco, mas logo recuperando-se com Joás. Não há vestígios históricos conclusivos de culto nessa época. Somente em Meguido  apareceram poucos sinais de culto. O que há a respeito, na Bíblia sobre os altares de Betel é uma ficção polêmica do deuteronômio sendo portanto uma construção não histórica representando preocupações religiosas deuteronômicas sobre o culto idolátrico de Betel na época de Jeroboão (o.c.p.98).

A primeira capital do Norte foi Tersa. Os supostos 40 anos do reinado de Salomão e Davi são simbólicos assim como a colocação da ordem dos três primeiros monarcas feita por um redator posterior(o.c.p.72).

Sobre Saul: “por falta de evidências históricas a própria história de Saul fica duvidosa e pouco confiável dado que o redator do Deuteronômio colocou as terras de Benjamim, que são no Norte, colocou-as no Sul, entre outras anomalias. (o.c.p.68).

Sobre o Livro dos Juizes: “As narrativas dos Juízes deverão ser vistas, antes de tudo, como construções deuteronômicas que utilizam mitos, contos, e tradições etiológicas a fim de transmitir a teologia e ideologia territorial dos autores da monarquia.(o.c.p. 41).

Conclusão. Neste resumo resumido podemos ver a distorção que o reino do Sul fez sobre o reino do Norte e os seus reis. O Norte foi tomado pela Assíria porque esse é que lhe interessava; Judá (Sul) não constava no mapa, e eram lugarejos só pequenos, inclusive Jerusalém, como dissemos.

A ideologia política da História deuteronomista na Bíblia representa uma realidade posterior à queda do Reino do Norte. Nessa ideologia a história do Reino do Norte quase não existe, e é só no negativo e pejorativo. O objetivo agora é exaltar o templo e a dinastia de Jerusalém. O Reino do Norte é visto como ilegítimo. Do lado da erudição bíblica, é evidente hoje que a ideia bíblica de uma grande monarquia unida (Davi e Salomão)é uma construção literária que representa  uma ideologia territorial, conceitos monárquicos e ideia teológica da monarquia tardia dos autores judaítas.

Do lado da arqueologia fica evidente, entre outras razões, graças ao estudo de radiocarbono que os monumentos tradicionalmente atribuídos a Salomão fazem parte da lenda. Eles foram construídos pelos reis de Israel Norte, os Omridas, Amri e sucessores.(o.c.p.24-26). Amri foi o fundador da mais célebre dinastia do Norte, o rei pelo qual Israel é conhecida nos registros assírios. Salomão não aparece em nenhum registro. Entre outros reis do Norte, depois dos Omridas, destacou-se Jeroboão II, que não tem nada a ver com Salomão. Foi ele quem governou o reino do Norte por 40 anos.

Como vimos, em população e em relevância, Judá era desconhecida dos reis do entorno, desde que Sheshonq, do Egito deu certa autonomia a essas cidades-estado do Norte, e que posteriormente formaram o Estado de Israel Norte, que depois foi se aliando em alianças sucessivas com Assírios e egípcios.

Nesse primeiro momento Judá não era ainda reconhecido como Estado, mas dependia do Estado de Israel Norte. Foi devido a isso que a ideologia posterior de Judá colocou os dois primeiros reis, Jeroboão I (do Norte) e Roboão I (de Judá) como filhos de Salomão, para daí construir um Salomão fabuloso, começando por dois chefes supostamente remanescentes das antigas tribos, Saul e Davi.

A história bíblica é muito intrincada. Este pequeno resumo possa servir para nos alertar sobre as nossas seguranças e nos levar a desconfiar de nossas certezas.

P. Casimiro João        smbn

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domingo, 24 de outubro de 2021

Quem crer e for batizado será salvo; quem não crer será condenado” (Mc. 16,16). Uma reflexão.


 

Antes de Santo Agostinho não havia a teoria do pecado original, e as crianças que morriam sem o batismo iam pro Céu; Santo Agostinho botou elas pra fora do Céu. E agora?

Agora a Igreja  bota de novo as crianças sem batismo pro Céu. É por isso que a Igreja agora não obriga mais a ser batizado pouco depois de nascer como antes. Uai, podia dizer o mineiro, então os protestantes têm razão em não batizar crianças. Têm e não têm. Porquê? Porque se um adulto morrer sem ser batizado também vai pro céu.

Então para quê Jesus mandou batizar? Primeiro, era para aceitar a ele publicamente e aceitar fazer parte da Igreja que estava começando, com os compromissos consequentes, como ser irmãos na partilha e fazer uma sociedade igual. “Os cristãos tinham tudo em comum, dividiam seus bens com alegria: Deus espera que os dons de cada um se repartam com amor no dia a dia” (Cf. Atos, 2,42).

Segundo, o batismo não é para a outra vida mas para esta vida, é um compromisso escrito de fazer o bem aceitando Jesus e a sua Igreja. E fazer o bem não se faz na outra vida é nesta, e a Igreja é só para esta vida.

Por isso o  chinês o japonês e o asiático e outros que seguem sua consciência de fazer o bem e não prejudicam ninguém também o céu é deles. “Virão muitos do oriente e do ocidente  se assentar à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus” (Mt.8,4). “Ide às encruzilhadas dos caminhos e chamai para a festa  todos quantos encontrardes” (Mt. 22, 1-14).

Dá para voltarmos ao início do nosso tema para vermos o histórico da nossa questão. Santo Agostinho viveu no séc.V da nossa era, e converteu-se e foi batizado aos 40 anos de idade. Antes ele seguia uma filosofia chamada maniqueísmo. Esse filosofia dizia que tudo era matéria, não tinha espírito. O impulso sexual produzia a miséria das pessoas porque era coisa da matéria. Então a criança nascia do impulso sexual, estava condenada se não fosse batizada.

A Igreja foi aceitando essa teoria, e mesmo já na época, Agostinho encontrou-se com o filósofo cristão sério, Pelágio, e viu que não concordava com ele. Os teólogos da Idade Média respondiam com aquela história de “Trancoso”, do Limbo, para onde botavam as crianças que morriam sem o batismo, uma vez que não iam nem pro céu, nem para o inferno e nem para o purgatório.  Nos anos de agora isso passou, virou lenda.

Por isso de novo a pergunta: Antes de Agostinho não havia o pecado original; as crianças que morriam sem o batismo iam para o céu; Santo Agostinho botou elas para fora do céu. E agora? Agora a Igreja bota elas de novo para o céu.

Então agora a pergunta formulada: AS CRIANÇAS SEM BATISMO SE SALVAM?

Em continuação, vamos dar seguimento à segunda parte, os motivos que levam hoje a afirmar que as Crianças que morrem sem batismo não se podem condenar, estão salvas. Antes de tudo vamos dar uma olhada às razões que levavam à obrigação do batismo.

1. Razões antropológico-bíblicas primitivas:

1). As razões da Igreja da Idade Média para a não salvação das Crianças sem o batismo baseavam-se na primitiva antropologia da fabricação do homem com o barro (teoria Criacionista). Agora atende-se à teoria evolucionista, na qual o Adão e a Eva são os nossos Ancestrais desde 500 mil anos atrás, em evolução progressiva até chegar, por uma Sinapse do Córtex cervical à formação da consciência .

2). Devido a isto, acrescenta-se a teoria do polimorfismo genético pela qual em muitos casais primevos aconteceu esta evolução (teoria do poliformismo).

3). Não há como dizer que o homem na sua evolução até ao Homo sapiens e Neandertal não tivesse morrido, antes numa consciência em evolução, e depois já em plena consciência.

4). Não há portanto como dizer que antes o homem era imortal e que só teria morrido por causa do pecado.

5). Por fim, o ser humano foi evoluindo tanto na sua Consciência como na sua evolução física e biológica, e da formação do seu Genoma genético.

6). Atribuindo à história bíblica o gênero mitico e lendário primitivo, do jeito primitivo de forjar uma explicação para o inexplicável sem a Ciência de hoje, temos que a Criança nasce sem pecado, como é afirmado na teoria evolucionista, hoje aceita oficialmente pela Igreja.

2. Razões filosóficas e antropológicas

Vamos ao ponto fulcral de Agostinho. Ele dizia que o pecado original vinha da relação sexual, que é matéria. E porque a matéria era má, todo o sexo era mau. Agostinho seguiu a filosofia dos Maniqueus, fundada por Mani (250 d.C.) que tinham a matéria como má aproveitando-se das ideias de Platão (450 a.C.). Segundo eles, o demiurgo era o intermediário de Deus na criação, responsável pelo mal que não podia ser atribuído ao Criador Supremo, que não tinha nenhum envolvimento com o mundo e com a matéria. Seriam então dois deuses, o demiurgo e o deus supremo.

Como a criança nasce da matéria pela relação sexual, ela vinha condenada pelo “pecado de origem” dos pais. E foi nessa linguagem que o fruto da relação começou a ser chamado de pecado original por Santo Agostinho, devido à filosofia maniqueista dualista e gnóstica da condenação da matéria.

Como vimos atrás, a esta filosofia dualista maniqueísta juntava-se a primitiva antropologia da criação pelo barro, dum único casal humano na descrição do mito da Criação. Tiradas estas bases, pode se ver a nuvem em que Santo Agostinho trabalhava. Como dito antes, não sendo consistente essa teologia, os pensadores da Idade Média quiseram resolver o problema com a estória do Limbo, que também não deu certo. Este pessimismo maniqueu vai na contramão da apreciação positiva do Gênesis: "E Deus viu que tudo era bom" (Gn.1,19).

3. Razões históricas.

1ª etapa – A tese bíblica do Antigo Testamento era a certeza que o Israel bíblico estava destinado a ser o dono do mundo. E todo mundo seria circuncidado para ser do reino. Os apóstolos tinham isso na cabeça e o mostraram no episódio da Ascensão: “Senhor, é agora que vais restaurar o reino de Israel”? (At. 1,6).

2ªetapa: Isso não foi possível, e chegou novo dono do mundo, o império romano, que dominou a Palestina e todo mundo ocidental. Até o séc. VI-VII. Mas também o império romano foi embora com os seus sonhos imperiais de seis anos. No séc.VI o império romano se dividiu e ruíu.

Mas ainda a Igreja e  o império trabalharam unidos uns séculos. E como no Judaísmo todo mundo tinha que se circuncidar, na religião do império todo mundo tinha que se batizar. Foi por esse tempo que estavam sendo feitas as últimas edições dos evangelhos sinóticos. E apareceram vários acrescentos, entre os mais importantes o acrescento feito ao evangelho de Marcos na última metade do último capítulo: ”Quem crer e for batizado será salvo; quem não crer será condenado” (Mc. 16,16).

3ª etapa: - Com o fim do império romano dividido, chegou a Igreja católica. A Igreja herdou as vestimentas, os poderes e os brazões da nobreza. O império romano se foi embora mas esses costumes ficaram na Igreja. Os bispos eram os príncipes, o Papa era o Rei dos reis.

  etapa: Como no Judaísmo todo mundo teria que se circuncidar, na Igreja todo mundo tinha que se batizar, senão ia se condenar como falámos na 2ª etapa.

5ª etapa: Nos povos das Colônias, no séc. XVI em diante, todos  eram obrigados a se batizar, escravos e crianças para ter os direitos de cidadão do império colonizador, e quem sabe, para irem também pro céu.

Esta é uma breve resenha antropológico-filosófica, pré-cristã e histórica das andanças em que têm andado os caminhos teológicos do Batismo.

Com a abertura da Igreja à teologia do pluralismo teológico e ao pluralismo das religiões, e com as novas teorias antropomórficas, foi possível olhar e compreender as razões históricas, e afirmar corajosamente a salvação. Passando do antigo aporema: “Fora da Igreja não há salvação(Cipriano, 258), para o novo aporema: “Fora da Igreja há muita salvação” como vem desde o Concílio Vaticano II.

Na verdade, muitas hipóteses se têm levantado, como aquela do “batismo de desejo”, outras vezes se tem falado na “igreja visível e na igreja invisível”, daqueles que não pertencem visivivelmente à Igreja de Cristo. Tem se falado dos que “com culpa ou sem culpa” se salvam. Mas a Lumen Gentium (Vaticano II) afirmou “Quem se salva, salva-se por Cristo e em sua Igreja: pertença a ela visível ou invisívelmente”  (LG.16). Daqui a conclusão: As crianças se salvam porque são sem culpa e pertencem à Igreja invisivelmente.

E o Catecismo da Igreja Católica: “Aqueles que não receberam o evangelho estão relacionados com o Povo de Deus de várias maneiras” (CIC), 838-839.

RESUMO: 1)-A Igreja seguiu o Antigo Testamento, todo mundo tinha que ser circuncidado para a salvação; 2)- Herdou a ideologia do império romano: ser os donos do mundo; 3)- Acabou o império romano, ficou a Igreja dona do mundo; 4)- “Quem não crer” foi um acréscimo desta época para batizar todo mundo na marra; 5)- As Colônias foram grande exemplo (batizar para pertencer aos impérios) e “para salvar a alma” – batizar à força; 6)- O Para era o rei dos reis e o dono do mundo; 7)- As vestimentas, poderes e insígnias continuaram sendo como no império; 8)- Era uma teocracia e regime monárquico; 9)- “Ide por  todo mundo” foi interpolação desses séculos III e IV e seguiu a mesma ideologia; 10)- Direitos Humanos e liberdade de consciência: A Igreja foi a última em aceitar perante o mundo a liberdade de consciência, e em assinar o estatuto da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 10 de dezembro de 1948.

P.Casimiro João     smbn

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domingo, 17 de outubro de 2021

“Vende tudo o que tens, dá aos pobres, e terás um tesouro no céu”(Mt.19,21). Argumento bíblico e econômico de uma proposta igualitária.


 Em primeiro lugar, o homem em questão foi provocado a fazer um ato de justiça. Porquê? Pelo argumento bíblico do ano jubilar. “O ano do jubileu, sete períodos de sete anos somando 49 anos. Esse ano será santo. É um tempo de se proclamar a liberdade através da terra para todos os que se tornaram escravos por causa de dívidas, e em que serão canceladas todas as dívidas públicas ou privadas. É um ano em que todas as propriedades familiares tornarão aos seus proprietários originais ou aos seus herdeiros; Devem respeitar o vosso Des e nunca praticar a opressão”(Lev.25,9-10.17).

Vale dizer, o ano do jubileu era uma instituição para equilibrar a justiça que tinha sido descumprida nos sete vezes sete anos em que os ricos donos de terras foram extorquindo as pequenas propriedades e até a casa dos pobres que tiveram de entrega-las à força por não ter com que pagar as suas dívidas. Desde aí, o pobre ficava sem a possibilidade de produzir a sua comida diária. E o rico aumentando a sua riqueza diária com o acúmulo de terras que extorquia dos pobres.

Passados os sete anos, quantos bens de produção o rico proprietário ajuntava, e de quantos bens de produção o pobre se privava? Isto é, a riqueza de um aumentando, e a pobreza do outro aumentando também. Daí podemos dizer que a riqueza do rico fabricava a pobreza do pobre. Vinha o ano jubilar para dar um certo equilíbrio. O que era do pobre retornava para ele. Mas quantas porcentagens a mais que tinha colocado na mão do rico, além das contas que lhe devia, durante os 49 anos? E com quantos mais bens o rico proprietário tinha-se locupletado durantes os 49  anos? Acontece um porém: é que a lei do ano jubilar ninguém a cumpria, segundo os estudiosos (Jhon Bright, (História de Israel,316).

Não custa então tirar uma ilação de que esse senhor “muito rico” estava sendo provocado a fazer um ato de justiça: devolvendo alguma coisa das contas que tinha aumentado em tantos anos com as terras de pobres. E em outros casos surgia a escravidão. Em quantos casos, em vez de ficar com as terras que não tinha, o dono rico ficava dom o pobre como escravo. (Lv.25,40). Escravidão que foi aceita na Bíblia, e no povo judeu, como nos tempos infinitos do cristianismo até os séculos da Idade Moderna. A qual foi ainda sacralizada pelo malfadado fundamentalismo religioso dos cristãos da América do Norte, com o falso argumento de que Cristo estaria chegando e com ele o fim das coisas, e não se podia mexer com os pobres e escravos porque estávamos no fim. Achavam que tinham por seu lado as Cartas de Paulo onde ele declarava :”Quando for dado o sinal, à voz do arcanjo e ao som da trombeta de Deus, o mesmo Senhor descerá do céu...e seremos arrebatados juntamente com eles sobre as nuvens ao encontro do Senhor.”(1 Tes.1).

O evangelho de Mateus encerrou a cena do seguinte modo:”O homem foi embora cheio de tristeza porque era “muito rico” (Mt.19,22). Vale dizer, o homem não aceitou o desafio do equilíbrio. Os estudiosos traduzem o ”jovem ricopor “homem ambicioso ou ganancioso, igual `aqueles que se compraziam em aumentar suas posses defraudando os pobres arranjando maneiras de ficar com as posses deles. (Cf. B.Malina e R. Rohrbangh, p.115).

Veja bem, esse movimento do fundamentalismo de que falei é que foi o fermento para a rejeição em massa da teologia da Libertação, que a partir daí influenciou o Vaticano e respingou na América Latina. E foi uma bandeira do Presidente Ronald Reigan dos Estados Unidos da época para implantar o Regime da ditadura militar no Brasil em 1964 distribuindo dólares aos generais, senadores e deputados para implementarem a ditadura e treinado os torturadores na América do Norte. (Cf.A teologia da Libertação e o regime da ditadura miliar no Brasil, BLOG www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br /20200).

Depois deste argumento bíblico, podemos ver o argumento econômico do crescimento do rico e do declínio do pobre. É só ver como vive o assalariado, o operário, e o homem da agricultura familiar. Estes vivem e gastam diariamente o que ganham diariamente. E o agricultor gasta suas colheitas diárias em cada dia. O homem de salário não multiplica; o que recebe gasta. O agricultor não multiplica, o que colhe gasta. E vivem só comprando porque nada têm para vender, mas só comprar. O proprietário rico vive só de vender e aumentando em cada dia, semana e mês. Quantos mais compram, mais ele vende e mais lucra. Resultado, este aumenta, os outros ou ficam no que estão ou diminuem. E se vem a inflação, só cai em cima dos pobres, porque os proprietários e comerciantes e Firmas aumentam os preços. Porém o salário não aumenta. Então a inflação favorece sempre quem vende e prejudica sempre quem compra.  No caso do homem rico, ele se beneficiava por dois motivos: pela produção das suas propriedades, e pela venda nos seus comércios.

Não nos admira então o encerramento da cena com a advertência de como a ganância é frequentemente grande obstáculo para pertencer ao reino dos céus. Como entrar “pelo buraco de uma agulha”(Mt.19,24). Ao que responde o evangelho com o ditado popular da época que “para os homens é impossível, mas para Deus tudo é possível”(Jer.32,17). Claro que nem para Deus seria possível alguém entrar num buraco de agulha, mas o imaginário popular até isso inventa.

Conclusão. O reino de Deus que Jesus anunciou é um reino onde “Deus manda”. E onde Deus manda não tem ganhadores nem perdedores, mas onde todos são ganhadores. É como numa família, todo mundo aumenta o lucro da casa, e todos crescem no gasto e no consumo. Por isso aqui adéqua o conselho “se queres ser perfeito, partilha tudo que é teu porque tudo é de todos, e terás o tesouro que é a tua família, o teu reino, que é o reino de teu pai, onde tu és um filho.”

P.Casimiro João    smbn

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domingo, 10 de outubro de 2021

A barca que afundava, e Pedro que afundava, (Mt.14,22-34): A construção teológica e eclesiológica do evangelho de Mateus, que pegou na Igreja até hoje.


 

“Pedro desceu da barca e começou a andar sobre a água. Mas quando sentiu o vento ficou com medo, e começando a afundar, gritou: ‘Senhor, salva-me’. Jesus logo estendeu a mão e segurou Pedro. Assim que subiram na barca o vento se acalmou. Os que estavam na barca disseram ‘verdadeiramente, tu és o filho de Deus” (Mt.14,29-33).

Esta cena só vem descrita no evangelho de Mateus. Comparemos com outra cena que só vem também no evangelho de Mateus: “E vós quem dizeis que eu sou? Simão Pedro respondeu: ’Tu és o Cristo, o filho de Deus vivo’...Eu te declaro que sobre  esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. (Mt.16,15-18).

O primeiro episódio é paralelo ao segundo: ‘verdadeiramente, tu és o Filho de Deus (’14,33); ‘Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo’ (16,18). Nos dois episódios se fala em igreja, porque no primeiro a barca é a igreja. E ambos os episódios têm a confissão, no primeiro proferida por todos os discípulos:“ verdadeiramente tu és o filho de Deus”, no segundo proferida só por Pedro, ’Tu és o Cristo, o filho de Deus vivo’.

No primeiro tem a barca, “assim que subiram na barca, o vento se acalmou”. No segundo tem expressamente a igreja, “em ti edificarei a minha igreja”. No primeiro episódio Jesus salvou a barca das ondas; no segundo salva a igreja dos ataques  do inferno. No primeiro tem a correção de Jesus a Pedro: “homem fraco na fé, porque duvidaste” (14,31). No segundo também, “não sejas satanás, não sejas para mim um escândalo, teus pensamentos não são de Deus, mas dos homens” (16,23).

Como dito acima, são construções únicas e paralelas do evangelho de Mateus, para surtir o mesmo efeito. Qual efeito? O seguinte: para construir o alicerce da proeminência das comunidades que cultuavam Pedro como tendo sido fundadas por ele e conservando a memória dele, no caso a igreja de Antioquia. Nas mesmas cenas, o evangelho de Marcos, que foi seguido por Mateus, como sua fonte, depois de falar na travessia do mar, parou aí, e não diz nada sobre Pedro, nem a caminhada no mar, nem que afundou, nem a falta de fé e nem a confissão “tu és o filho de Deus”, (cf Mc.6,45ss.) Lucas e João nada trazem a respeito. E na cena das “chaves”, Marcos só refere as parcas palavras de Pedro ‘Tu és o Cristo’, e nada mais. A mesma coisa Lucas, (cf.Lc.18,20). João nada fala em nenhum lugar.

O pormenor, a redação de Marcos, que não fala de tempestade, nem ondas, nem ventania: “Vendo-os se fatigarem em remar, foi ter com eles pela quarta vigília da noite, andando por cima do mar”.(Mc.6,46). Enquanto que em Mateus a cena se avoluma: “Entretanto, já a boa distância da margem, a barca era agitada pelas ondas; quando os discípulos o perceberam caminhando sobre as águas ficaram com muito medo, soltando gritos de terror. E redobrando a violência do vento, Pedro teve medo e, começando a afundar, gritou ‘Senhor salva-me’ (Mt.14,30). Como dissemos, não é difícil perceber a intenção do autor no paralelismo das duas cenas do mesmo Mateus,14,29-23 e 16,15-18.

Para a construção desta teologia o evangelho de Mateus foi buscar o messianismo da Bíblia hebraica: “Porei sobre os seus ombros as chaves da casa se Davi; quando ele abre, ninguém fechará; quando ele fechar, ninguém pode abrir”(Is.22,22). Cf.blog www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br 30/5/21. Busquemos paralelos na teologia e teofania do Antigo Testamento. Sobre Jesus e o mar, ventos etc devemos vê-los à luz das grandes maravilhas provenientes do Antigo Testamento, que o evangelista de Mateus foi buscar para o seu episódio. Neste caso, o salvamento prodigioso dos discípulos foi interpretado nos parâmetros do Antigo Testamento. Na transmissão dos dois episódios foram introduzidos elementos provenientes do Antigo Testamento onde Deus é Aquele que caminha sobre as elevações do mar. “Ele sozinho estende o céu e caminha sobre as ondas do mar”(Jó 9,8). “Ele pisa no mar com seus cavalos”(Hab.3,15);  “Desafiou a tempestade e houve uma brisa e silenciaram-se as ondas” (Sl.107,9).

Além disso, como dito atrás noutras páginas, as primeiras igrejas de João, como de Lucas e Paulo torciam mais pela liderança do Espírito do que pelas instituições. Mateus, ao contrário, torcia pelas instituições. As estruturas do Antigo Testamento foram seguidas pelas comunidades do evangelho de Mateus, que tinham a tradição de Pedro. Tanto assim que os textos referentes a Pedro e às “chaves”, e “o caminhar sobre o mar para subir para a “barca” (leia-se igreja) só se vêm no evangelho de Mateus unicamente. (Cf. BLOG www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br 5/9/2021). Particularmente no respeitante a João já fizemos notar o contraste deliberado entre Pedro e o “discípulo amado”, pois o “discípulo amado” era o herói das igrejas joaninas, enquanto que Pedro era o herói das igrejas mateanas, (Cf. BLOG www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br de 8/8/21).

Até porque na sua tradição, a escola joanina não dava importância à estrutura e às instituições que a Igreja começava a formular nas suas fileiras, mas a importância que dava era para a presença e a função do Espírito. Ao passo que nas igrejas mateanas se dava toda a importância à instituição. E isto porque as  igrejas mateanas seguiam à risca a tradição vetero-testamentária. Aliás vemos isso declarado na festa litúrgica de São Pedro e São Paulo: “Pedro, o primeiro a proclamar a fé, fundou a Igreja primitiva sobre a herança de Israel” (Missal Romano).Cf. GLOG www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br de 5/9/21). E a Igreja católica adotou este formato, até porque lhe convinha, pois ela se propôs também a herdar os costumes e quadros institucionais do império romano, e também as roupagens litúrgicas.

Conclusão. Apesar de Marcos ser a fonte e o primeiro evangelho, mais perto das fontes, os dois evangelhos que entraram no formato histórico e teológico da Igreja foram o evangelho de Mateus e de João. O de Mateus pelas razões apresentadas. O de João pela suposição que este João era o “apóstolo” filho de Zebedeu e “discípulo amado” e que afinal das contas se constatou que eles não são o mesmo João mas duas pessoas diferentes. Vimos em páginas anteriores que o “discípulo amado” foi uma construção teológica e eclesiológica de João para dar mais valia ao “ser discípulo” do que “apóstolo”. E por isso mesmo, na continuação da sua tese, colocou a figura do “discípulo amado” junto à cruz para ser recebido pela Mãe de Jesus. “Quando Jesus viu sua mãe e perto dela o discípulo que amava, disse à sua mãe: Mulher, eis aí teu filho”(Jo.19,26).

Podemos responder: é porque os apóstolos não ficaram ao pé da cruz. Certo, mas, segundo as pesquisas dos estudiosos, nem os apóstolos, nem João, e nem o “discípulo amado” estavam ao pé da cruz, mas foi colocado lá para compor esta teologia e eclesiologia da escola joanina.(Cf. R.Brown o.c.p.87). Na verdade só o evangelho de João traz esta cena e nenhum outro. Todos os outros evangelhos falam só nas mulheres e até dão nomes. E Lucas termina assim: ”Os amigos de Jesus, como também as mulheres que o haviam acompanhado desde a Galileia, conservavam-se a certa distância”(Lc23,49). Por sua vez os outros evangelhos dizem: “todos o abandonaram e fugiram” (Mc.14,40 e Mt.26,56), apenas Lucas diz que Pedro o seguia de longe (Lc,22,54). 

P.Casimiro João     smbn

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domingo, 3 de outubro de 2021

Gêneros literários na Bíblia, ou os Formatos etiológicos de doutrinação “e se transfigurou diante deles”.(Mc.9,2-10)


 

Gêneros literários são formas ou formatos de colocar uma ideia ou uma história. Podemos catalogar os principais: gênero apocalíptico, gênero épico, gênero profecia, gênero evangelho, gênero romance ou novela, gênero teofania e gênero ou formato vocacional.

1. gênero apocalítico: Ao autores punham sua espiritualidade ou sua teologia em formato de sonhos para expressar suas teses ou teologias. Quase sempre utilizando elementos cósmicos e nomes de animais para dar o tom de mistério. E mais, com os nomes e figuras de animais ocultavam os nomes dos inimigos políticos de que falavam. Outras vezes o gênero apocalíptico vai buscar coisas do Antigo Testamento também do mesmo gênero em formato de sonhos ou visões para acabar de tecer a sua história ou narrativa etiológica.

2. gênero épico: Os autores punham suas narrativas exageradas e inventadas e “sonhadas”, e “aumentadas” em forma ou formato de histórias como sendo verdadeiras, mas que nunca aconteceram daquele jeito, para enaltecer a sua nação ou um seu herói.

3. gênero profecia: Os autores punham em forma ou formato de afirmações ou revelações como vindas de Deus em pessoa “Deus falou,” “Deus disse,  Escutem a voz de Deus”, “Deus falou com Moisés”.. Estas expressões existem 2.200 vezes na Bíblia. Aliás, já antes dessas falas, o rei de Moab também escreveu a respeito do seu deus: “Ele me disse: vai, e toma as cidades de Nebo de Israel”. Eu fui de noite e lutei até a tarde, e as tomei”(José Ademar Kaefer,”A Bíblia, a Arqueologia”, Estela de Mesa) p.74). Aliás, como diz o mesmo autor, “a profecia é um fenômeno universal e existiu praticamente em todas as formas ou organizações religiosas conhecidas do mundo antigo” o.c.p.85). Geralmente o profeta estava a serviço do rei e da corte e tinha a função de conselheiro do rei, que o considerava como “vidente”. “Seus profetas adivinham por dinheiro” (Miq.3,9). A maior parte dos profetas bíblicos estavam também na corte ao serviço do rei, inclusivamente o profeta Isaías.

Profecias e textos execratórios eram tipos de previsões escritas contra os inimigos. Existem estelas e óstracos que confirmam que as profecias tinham-se realizado na derrota dos inimigos. O principal profeta conhecido é o egípcio Neferti, do ano 3.000 a.C. antes de toda a história bíblica, estamos ainda na Idade do Bronze. (Cf. BLOG www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br 21/2/21)

Além do gênero profecia que os judeus imitavam das culturas do seu entorno, também se inspiraram e copiaram o gênero salmos dessas mesmas culturas mormente do Egito, assim como copiaram também o tipo Provérbios, inclusive no livro dos Provérbios vêm alguns desses antigos (Cf.Prov.cap.30).

O gênero profético atribui uma esperança ou utopia popular a um plano divino de certo herói de tempos passados em uma sobrevivência no futuro como sendo preparada por Deus. Exemplo de como em Portugal havia o sonho da volta do rei Sebastião, morto na África, mas que havia de voltar numa manhã de nevoeiro...Na Bíblia, o exemplo do sucessor do rei Davi. Essa ideia exprime a nostalgia coletiva de que voltassem os tempos áureos do esplendor de uma nação, simbolizados no herói principal da sua época.

Outras vezes o gênero profético se inspirava nas pitonisas helênicas que faziam seus oráculos de “adivinhação”, sempre com o objetivo de dar suporte às expectativas dos clientes. É famoso o culto da pitonisa do templo de Apolo em Delfos, desde o séc. VIII antes de Cristo. Os oráculos eram ocasionados por vapores que subiam da ruptura sísmica das rochas onde o Templo estava construído; a pitonisa emitia uns sons sem sentido, mas considerados profecias pelos sacerdotes para fins lucrativos.

4.-gênero evangelho: Coloca na boca de Jesus afirmações e discursos para descrever casos concretos e locais vividos pelas comunidades para dar autoridade como históricas, e assim solucionar os problemas e casos vividos pelas igrejas locais. Semelhantes a este gênero é o gênero Epístolas e Atos.  Epístolas e Atos também se inspiram em relatos e listas de atos maravilhosos de heróis antigos que faziam parte do imaginárío popuplar. Exemplos de relatos de curas, milagres de andar em cima do mar, curas à distância, aparecimento e desaparecimento físico, e se encontrar em vários lugares, ou bilocação, como também se sair bem de tremores de terra, derribar até fortificações como Sansão, e escapar de mordeduras de cobras venenosas, como Apolinário de Tiana; ressuscitar mortos e expulsar demônios, e afastar epidemias(Apolinário de Tiana e Bem Hanina).  Alguns nomes desses heróis: Hanina bem Dosa, judeu; Imbotep, o egípcio; Hipócrates, grego; Apolônio de Tiana; Roni e Banuz, e Eliázar, judeu.

5. gênero teofania: Mais precisamente uma parte do gênero épico, onde os autores colocavam Deus se mostrando em seu poder com nuvens, trovões, relâmpagos, e fogo, como no caso de Moises no deserto, Êx.cap.3, e do Pentecostes, At.cap.2; nuvens como no Tabor assim como vozes, no Tabor e no batismo de Jesus, Moisés no Sinai, e na sarça ardente. Na verdade, nas antiguidades o deus supremo era o deus da tempestade. Justamente por isso a religião judaica que trazia parcelas das culturas antigas tinha que colocar o Deus-Javé falando em cima de nuvens, trovões, relâmpagos e tempestades, como no Sinai (Êx. Cap,20). Cf. BLOG www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br 21/2/21).

6. Tem ainda o gênero ou formato vocacional que mostra a fala de Deus no chamado para uma vocação, como Samuel, Isaias, Jeremias, João Batista e toda a cena dos pais para o nascimento, até ao nascimento de Jesus com a vocação da Virgem Maria.

7. E tem o gênero em formato “romance” (novela), que são casos extraordinários para criar impacto, admiração e o “poder” de Deus, como Jonas no ventre da baleia (Jn.cap.3), Daniel na “cova dos leões” Sansão e Dalila, e Cãntico dos cânticos.

8. Tem ainda o jogo de números, que para os antigos judeus tinha uma linguagem, como os números 3, 4, 6, 7  10 e 12.   Três, sete e doze são da perfeição. Dez e seis, da imperfeição; quatro, os 4 pontos cardeais, o mundo todo implicado.

Conclusão. “O método histórico-crítico é o método indispensável para o estudo científico do sentido dos textos bíblicos. Como a Sagrada Escritura enquanto palavra de Deus em linguagem humana foi composta por autores humanos em todas as suas partes e todas as suas fontes, sua compreensão não só admite como legítima, mas pede a utilização deste método” (DECLARAÇÃO DA PONTIFÍCA COMISSÃO BÍBLICA, aprovada pelo Papa São João Paulo II em 1993 e publicada em 1994).

P.Casimiro João

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