domingo, 27 de fevereiro de 2022

“Minha mãe era uma alta sacerdotisa, meu pai eu não conheci. Ela me colocou num cesto de junco, e com betume selou a minha cobertura e me jogou no rio”. Será outro Moisés grego?(Literatura grega, Heródoto).(Textos bíblicos e gregos 3)


 

Ao lermos isto estaremos pensando em Moisés. Mas é uma narrativa grega bem semelhante às da Bíblia. Vejamos : “Minha mãe era uma alta sacerdotisa, meu pai eu não conheci. Os irmãos de meu pai amavam as colinas. Minha mãe era alta sacerdotisa, me concebeu; em segredo ela me deu à luz. Ela me colocou num cesto de junco, e com betume selou a minha cobertura. Ela me jogou no rio, que se elevou sobre mim. O rio me sustentou e me levou para Akki, o tirador da água. Akki, o tirador da água nomeou-me como seu jardineiro. Enquanto eu era jardineiro, Ishar me concedeu o seu amor, e por quatro anos eu exerci o reinado” (A lenda da Sargão e Akkad; Ph.Wajdenbaum, Os argonautas do deserto p.186). Há outra versão desta narrativa: Atena é uma irmã do bebê que ajudou na restituição do seu irmão bebê para que sua verdadeira mãe pudesse alimentá-lo. (Diodoro, Biblioteca, o.c.p.186). Quem lê estas narrativas não pode deixar de pensar que se trata de Moisés. Seria um “Moisés” grego?

2. As filhas de Jetro e Moisés: Há uma narrativa semelhante nos gregos sobre as filhas de Jetro, sogro de Moisés, Êx.2,16-21. Vejamos:”Os habitantes de Pélagos estavam estabelecidos sobre o Himeto e, partindo daquele lugar, estavam fazendo esta injustiça: as filhas dos atenienses iam constantemente buscar água ao poço, e sempre que elas iam eram atacadas pelos pastores. (Heródoto, vi,134). Hésperes gerou uma filha chamada Hésperis, que ele deu em casamento ao seu irmão Atlas; e Atlas gerou com ela 7 filhas, as sete atlântidas. Posto que essas atlântidas se sobressaíam em beleza, Busíris, o rei dos egípcios foi pego com o desejo de ter as donzelas em seu poder; e, como consequência, ele despachou piratas pelo mar com ordens para se apoderarem das meninas e entregá-las em suas mãos. Nesse meio tempo os piratas se apoderaram delas enquanto brincavam no jardim e as levaram. Héracles encontrou os piratas quando estavam tomando uma refeição e, ao saber pelas donzelas o que tinha acontecido matou os piratas e as trouxe de volta para o seu pai Atlas; e Atlas ficou tão agradecido que, em reconhecimento ele não somente lhe deu com alegria o que ele pretendia mas o instruiu sobre o conhecimento da astrologia”.(Diodoro da Sicília, Bibloteca, IV,27; o.c.p.187). Comparemos agora com o Êxodo:

As sete filhas de Jetro vieram tirar água e encheram os cochos para dar água ao rebanho do pai. Mas alguns pastores vieram e as expulsaram dali. Moisés se levantou e veio em defesa delas e deu de beber ao rebanho. Quando elas voltaram ao seu pai, ele lhes disse: como é que voltaram tão cedo hoje? Elas disseram: um egípcio nos ajudou contra os pastores; ele tirou água para nós e deu de beber ao rebanho. Ele disse às filhas: onde está ele? Porque deixastes o homem? Convidai-o para partir o pão. Moisés concordou em ficar com o homem, que lhe deu sua filha Séfora em casamento”(Êx.2,16-21).

3. Vejamos mais sobre Moisés e a sarça do deserto: “Um pastor que tomava conta dos seus rebanhos em uma montanha encontrou uma divindade e dela recebeu uma inspiração divina e um cajado. As deidades ensinaram a Hesíodo gloriosas canções enquanto ele estava pastoreando os seus rebanhos. Então me deram uma vara, um galho de louro resistente, uma coisa maravilhosa, e sopraram dentro de mim uma voz divina para celebrar as coisas que serão e as coisas que outrora foram; e me ordenaram cantar sobre a raça dos deuses bem-aventurados que são eternamente, mas delas mesmas cantar sempre em primeiro e por último” (Hesíodo, Teogonia,24-35;o.c.p 188). Vejamos agora o mesmo episódio no Êxodo:

“Moisés estava pastoreando o rebanho do seu sogro Jetro(sacerdote de Madiã). Levou as ovelhas além do deserto e chegou ao Horeb, a montanha de Deus. O anjo de Javé lhe apareceu numa chama de fogo no meio de uma sarça. Javé viu Moisés que se aproximava para olhar. E do meio da sarça Deus o chamou: Moisés, Moisés! Moisés respondeu, aqui estou. Deus disse: Não te aproximes porque o lugar onde estás é um lugar sagrado”(Êx.3,1-5).

Comparemos as semelhanças de ambas as narrativas: 1. As deidades deram ao pastor uma inspiração divina e um cajado; O anjo de Javé apareceu no meio do fogo a Moisés, que tinha um cajado; 2. Lá as deidades sopraram dentro de mim uma voz divina, disse o pastor; Deus chamou Moisés :Moisés, Moisés”....3. Lá um pastor tomava conta dos rebanhos; Moisés também tomava conta dos rebanhos; 4. As deidades deram ao pastor uma vara; Moisés também tinha a vara de Deus; 5. Lá tudo se passava numa montanha; No Êxodo também tudo se passa numa montanha.

 4-  Falamos agora sobre o Êxodo. O Êxodo não dá o nome do faraó, da época, porque foram muitos os faraós. Porém na literatura grega  tem uma história semelhante e dá o nome do faraó Quéops. Vejamos: “Ora, até o rei Rampsinito todas as boas leis estavam no Egito, e o Egito prosperava grandemente. Mas depois dele, Quéops se tornou o seu rei e os levou a todos os tipos de maldade; pois primeiro ele fechou todos os santuários, e impediu-os de sacrificar e, depois, ordenou que todos os egípcios trabalhassem para ele. A alguns foi mandado que das minas de pedra na montanha da Arábia, eles deveriam arrastar pedras até o Nilo. Eles trabalhavam em grupos de dez miríades de seres humanos, e cada destacamento de três em três meses. E a população exausta deviam passar dez anos nesta tarefa arrastando as pedras para construir a pirâmide. Os dez anos se foram tanto naquela mesma estrada até nos edifícios subterrâneos que ele havia construído como lugares de sepultura para si. No caso da própria pirâmide de 20 anos se passaram na construção dela. (Heródoto II,124; o.c.p.184). Semelhanças na história do Êxodo:

20 anos para a construção, 10 mil homens; e turnos de 3 em 3 meses; 10 mil homens em 1Reis, 5,27;  turnos de 3 em 3 meses;(em 1Rs.52); E o tempo gasto foi de 20 anos (1Rs.9,10), tudo como na narrativa grega.

Outro paralelo ou coisa estranha: o Êxodo diz que Israel se tornou escravo de um rei estrangeiro (Êxodo 2,23), e ao mesmo tempo afirma que os egípcios se transformaram em escravos do próprio faraó, no mando de José. Por outro lado diz que Israel tornou-se também escravo do próprio rei, Salomão (1 Rs,9,15), e que Salomão usou o seu povo para trabalhos forçados tornando-o escravo” (1 Rs 5,27 e 9,15).  Desta confusão resulta que a Bíblia mistura as narrativas de Herodoto.

Conclusão: Já vimos como Salomão e Davi são figuras lendárias (cf BLOG www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br 07/04.21), o que por aqui se torna também evidente. E também vemos como eram comuns o compartilhar das histórias e narrativas e lendas entre os povos vizinhos. No próximo blog veremos mais exemplos sobre Moisés e o Êxodo.

P.Casimiro João    smbn

 

 

 

domingo, 20 de fevereiro de 2022

Textos gregos e bíblicos. Jacó X Isaú,(Gn.25,21-23): Os gêmeos que lutavam no ventre da mãe.


 

Isaque orou ao Senhor por sua esposa porque ela era estéril; e o Senhor atendeu sua oração, e Rebeca, sua mulher, concebeu. As crianças lutavam dentro dela e ela disse: Se é para ser assim, por que eu vivo? Então ela foi consultar o Senhor. E o Senhor lhe disse: Duas nações estão no teu ventre e dois povos nascidos de ti serão divididos; um será mais forte do que o outro, e o mais velho servirá ao mais novo”(Gn.25,21-23).

Comparemos com texto paralelo da literatura grega: “Linceu reinou sobre Argos após Danao, e gerou um filho, Abas; e Abas teve dois filhos gêmeos, Acrísio e Petrus. Estes dois brigavam um com o outro enquanto ainda estavam no útero e, quando estavam adultos travaram uma guerra pelo reino. E Acrísio ganhou o domínio e expulsou Petrus de Argos”.(Apolodoro, Biblioteca, 2,2,1). Temos aí dois itens, dois gêmeos que lutam no ventre da mãe, história igual na literatura grega e na bíblica, e também ambos significavam dois reinos e duas nações.

Desdobramentos e casamentos: Um dia Jacó fugiu da raiva do irmão Isaque, porque lhe tinha roubado a bênção da progenitura, e foi ao encontro do seu tio Labão, para casar-se com Raquel, a filha mais nova do tio. Porém Labão enganou-o, e em vez da filha mais nova lhe apresentou a mais velha que era Lia. E assim foi obrigado a casar com as duas. (Gn.cap.29). O mesmo episódio vem na literatura grega, vejamos:

“Eis que Téspio era rei de Téspia, e o herói Hércules foi até ele para ir à caça e capturar o leão. O rei, que não tinha filhos homens o entreteve por cinquenta dias e, em cada noite lhe levava uma das suas filhas para dormir com ele, para lhe darem netos, filhos de Hércules. Então Hércules, não obstante pensasse que sua companheira na cama fosse sempre a mesma, teve relações com todas elas. E tendo apanhado o leão, vestiu-se de sua pele e usou o escalpo como um capacete, para testemunhar que tinha apanhado o leão” (Apolodoro. Bib.2,4,10; o.c.p.160).

Notamos aqui a mesma manobra que fez Jacó, vestindo a pele da caça para simular que era o peludo irmão Isaque. E por outro lado, Jacó também enganou o seu tio Labão, pois tinha prometido trabalhar sete anos no pastoreio dos rebanhos para conquistar a filha dele. Então arranjou uma maneira de saber quais os gados que produziam mais crias, e assim separava-os para ele, e deixava os mais fracos para o tio (Cf.Gn.30,37-43). Isso também vem nos textos gregos desta maneira:

“Mercúrio deu a Autólico o dom de ser um ladrão tão habilidoso que não podia ser pego, tornando-se capaz de transformar seja o que tivesse roubado em alguma outra forma, do branco para o preto ou do preto para  o branco; de um animal sem chifres para um animal chifrudo e vice versa. Como ele continuava a roubar frequentemente rebanhos de Sísifo e não podia ser pego, Sísifo ficou convencido que ele estava roubando, pois o número de Autólico estava aumentando, enquanto o seu estava diminuindo. Para pegá-lo, Sísifo colocou uma marca nos cascos do seu gado. Quando Autólico roubou em sua maneira habitual, Sísifo foi até ele e identificou o gado que havia roubado por meio dos seus cascos e os  levou embora” (Higino, Fábula 201; o.c.p.161). Nestas narrativas paralelas, no roubo com seu tio Labão Jacó também usava umas listas para identificar os animais mais fortes quando se cruzavam para ficar com eles (Gn.30,10).

Outo paralelo: a escada de Jacó, também vem na literatura grega. Jacó teve uma visão de uma escada que da terra subia até o céu, na qual mensageiros subiam e desciam (Gn.28, 10-17). Cena semelhante na literatura grega, em Platão, vejamos: “Her, filho de Armênio disse que quando a sua alma deixou o corpo fez uma viagem e viu, de um lado, as almas que partiam para a abertura do céu e outras para a abertura da terra quando a sentença era dada sobre elas; e nas outras duas aberturas outras almas, algumas subindo do pó da terra, algumas descendo” (Platão, Rep.614b-d; Ph.Wajdenbaum, os argonautas do deserto,p.169).

É significativo que nesta narrativa da “escada de Jacó” e da “escada de Platão” aparece o mesmo nome de “Her”: Nesse tempo Judá se separou de seus irmãos e foi viver na casa de um homem de Odalam chamado Hira. Judá viu aí a filha de um cananeu, ele a tomou e viveu com ela. A mulher concebeu e deu à luz um filho a quem chamou “Her” (Gn.38,3). Em Platão: “Her”, filho de Armênio disse que quando a sua alma deixou o corpo, fez uma viagem...”(Platão, Rep. 614 b-d).

Outro paralelo sobre o sonho de José (do Egito):  Em Gênesis, José interpretou o sonho do faraó, das 7 vacas gordas, e das 7 vacas magras (Gn. 44,1-7). Vejamos o sonho paralelo na Odisseia, da literatura grega: “Ouça então um sonho que eu tive e interpreta-o para mim, se puderes. Tenho vinte gansos nos arredores de casa que comem mistura no cocho e dos quais sou extremamente apreciador. Eu sonhei que uma grande águia veio descendo de uma montanha e cravou o seu bico curvo no pescoço de cada um deles até que matou a todos. Nesse instante ela voou para o céu. Por isso chorei no meu quarto até que todas as donzelas se reuniram em volta de mim. Então a águia voltou e empoleirando-se em uma viga falou-me com voz humana e me disse para deixar de chorar: Tende ânimo, me disse ela, ‘filha de Icário, isso não é  um sonho mas uma visão de um presságio que certamente acontecerá. Os gansos são os pretendentes e eu já não sou mais uma águia mas o teu próprio marido que estou de volta par ti e que levarei esses pretendentes a  um fim vergonhoso”. Nisso acordei e quando olhei para fora vi meus gansos no cocho comendo sua mistura como de costume. Esse sonho, senhora, respondeu Ulisses, não pode admitir mais de uma interpretação, pois o próprio Ulisses não lhe disse como ele deverá ser realizado? A morte dos pretendentes está anunciada e nem um único deles escapará“(Odis.XIX,535-65;o.c.pç172-173). A semelhança é acentuada haja vista que ambos os sonhadores veem animais saindo de um rio ou comendo em um cocho e que são mortos por outro animal. O sonho do faraó é interpretado como representando os catorze anos seguintes, sete dos quais seriam bons; e outros sete seriam ruins. No sonho de Penépole os 20 gansos correspondem aos seus 20 pretendentes.

Nesta narrativa e nas páginas seguintes há todo um paralelismo entre a figura de Ulisses o grego e José, o judeu-egipcio que Ph.Wajdenbaum explora com sutileza (o.c.p.173-180). Inclusive um detalhe bem pitoresco do copo escondido na bagagem. Conferindo: José enganava seus irmãos ao esconder um copo precioso na bagagem de Benjamim, quando estavam se despedindo, mas então foram presos, e Benjamim foi acusado de ter roubado o como sagrado. (Gn.44.1-13).

Vejamos na Odisseia o mesmo roubo do mesmo copo: “Esopo tinha chegado de Delfos e zombou das pessoas, que não trabalhavam...Os delfinenses ficaram bravos e esconderam um copo sagrado na sua bagagem. Esopo partiu para a viagem, mas os delfinenses o pegaram, descobrindo o copo sagrado e o acusaram de sacrilégio e de roubo” (Plutarco, Moralia,556, o.c.p.179-180).

Em blogues seguintes veremos mais paralelos, inclusive sobre o Faraó, Êxodo e Moisés. Aguarde.

P.Casimiro João       smbn

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domingo, 13 de fevereiro de 2022

O Gênesis segundo Platão, o Pai da Filosofia.


 

Falei noutro blog que somos uma parte do Antigo Testamento, de cristão primitivo, de sumérios e de gregos e helenistas. Há muitos lugares paralelos da Bíblia dos inícios com a filosofia grega, que comprovam a influência dos mitos gregos nos escritos bíblicos.

Vejamos como Platão(séc.V a.C.) descreve a Criação, ainda antes da Bíblia. Aí temos paralelos com o Gênesis, como os seguintes: “Deus alegrou-se quando criou o ser humano”: “No início havia 4 rios que irrigavam a terra, o Aqueronte, o Lirifligetonte, o Estinge, e o  Cócito” (Platão,Fedon (113 a-c; Phillippe Wajdenbaum, Os Argonautas, 121). Em Gênesis conta que havia também 4 rios: o Pisom, o Gion,  o Tigre e o Eufrates. (Gn.2,10-14). Continuando:

O homem e a esposa deixarão os pais e a casa, e irão morar como numa colônia” (Platão, Leis, 77 6 a-b). “Um deus menor, Prometteu, roubou o fogo, e foi punido” (id. em Protágoras,(321 b-c; o.c.p.125), igual como Eva que roubou a maçã, e “queriam ser como deuses”, e também foi punida.(Gn.3,6). Como no Gênesis, as maldades das cidades levaram a um dilúvio (Platão, em Górgias 523,34-a).

Em Platão, a primeira mulher foi formada de água e terra, e foi cheia de dons da parte dos deuses (o.c.p.126). “E havia um jardim com uma árvore sagrada guardada por um dragão, que produzia maças douradas que foram roubadas”(id. em Argonautas II, 1397-1405); o.c.p.127).

Vejamos como foi a criação do homem em Platão:  Deus criou 3 gêneros: os machos duplicados, as fêmeas duplicadas, e um gênero com ambos os sexos, os andróginos. Vendo o orgulho dos humanos, Zeus disse: ‘Creio ter um plano que rebaixará o orgulho deles e melhorará os seus modos: os homens deverão continuar a existir e eu os cortarei em dois e então eles serão diminuídos em força e crescerão em número; isso terá vantagem de torná-los mais úteis para nós. Eles deverão andar eretos sobre duas pernas e, se continuarem insolentes e não ficarem quietos, eu os dividirei novamente e eles pularão numa perna só’. Ele  disse e cortou os homens em dois, como uma fruta que é cortada em duas. E conforme os cortava um após o outro, ele encarregava Apolo de virar a face e a metade do pescoço para que o homem pudesse contemplar a parte seccionada de  si mesmo: ele então aprenderia uma lição de humildade” (id. em Simpósio, 190 c-e; o.c.p.122).

Assim, os homens duplicados que foram cortados ao meio se tornaram casais homossexuais masculinos, as mulheres duplicadas foram divididas em casais homossexuais femininos, enquanto que os andróginos divididos pela metade deram origem a casais heterossexuais. Esses seres humanos cortados ao meio começaram a desejar as suas outras metades, a fim de que a reprodução pudesse acontecer. (o.c.p.122).

Quando na Bíblia se fala que Deus tirou a costela de Adão para formar a mulher (Gn.2,21) igual praticamente dizer que cortou o homem ao meio, na expressão de Platão, até porque a palavra “costela” do Gênesis é “tsela”em grego que tanto significa costela como “lado” da pessoa humana. (o.c.p.122).

Vemos também a semelhança da tentativa de subir ao céu, como na torre de Babel (Gn.11,3) “quando  deus Zeus achou que os seres humanos eram muito poderosos e uma vez tentaram subir ao céu empilhando montanhas”. ( Platão,o.c.p.123).

Quanto à criação do universo e astros vejamos a descrição de Platão”: Deus acendeu um fogo, o que chamou de Sol, na segunda dessas órbitas, a começar da terra, o qual pode fornecer luz para todo o céu. E os animais, tantos quanto a natureza tencionou. Assim sendo, e por essa razão foram criados a noite e o dia, sendo o período de uma rotação mais inteligente. E o mês é completado quando a lua tiver concluído a sua órbita e alcançar o sol; e o ano, quando o sol tiver completado a sua própria órbita” (id. em Timeu,39 b-c; o.c.p.119).

Em seguida, passando para Abraão, em Platão encontramos o deus grego Zeus que ainda antes de Abraão recusou sacrificios humanos, igualmente como Abraão, e enviou um carneiro de ouro para substituir Frixo, filho de Nefele (id. em Biblioteca 1,7,9; o.c.p.129) Confira Gênesis 22,13 ss.

Não só, mas há outro mito no Gênesis em que deuses caíram na terra e se uniram com as mulheres mais belas e geraram os gigantes(Gn.6,14). Este mito também foi copiado da Teogonia de Hesíodo, que narra que as “mulheres mortais deram à luz heróis como Jasão, Aquiles e Héracles por meio da sua união com deuses. (Hesíodo, Os Trabalhos e os dias, 156; o.c.p.130).

Há ainda um paralelo de Caim com outro “Caim” de um discípulo de Platão, Tucídedes só que em vez de Caim é Alcméon, que, em vez de matar o irmão matou a mãe e, como Caim, andou errando e andarilho pelo mundo. Tucídedes II, 102; o.c.p.172).

Conclusão. Os segredos da Bíblia ainda estão sendo desvendados e suas fontes são cada vez mais conhecidas. Dissemos que somos uma parte de Antigo Testamento, de cristão primitivo, de sumérios e de gregos. Tivemos ocasião de conferir algumas coisas do Gênesis com a literatura grega. Vimos paralelos na Criação, nos astros, em Abraão, nos deuses e nos heróis, em Caim, na torre de Babel, e no dilúvio.

Hoje em dia todos os autores concordam que o Dilúvio teve parceria com o dilúvio escrito no Gilgameshe dos sumérios. Porém, há agora autores que afirmam que as influências sumérias passaram para a Bíblia pelo filtro da literatura grega, como acabamos de descrever. Desse jeito o que todo mundo já aceitava, que o dilúvio é cópia do Gilgameshe sumério, agora estes autores afirmam expressamente que ele passou também pelo filtro dos gregos.

P.Casimiro João      smbn

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domingo, 6 de fevereiro de 2022

A Bíblia maior do Mundo


 

O mundo tem hoje oito bilhões de habitantes. Somos pouco mais de um bilhão de católicos e cerca de um bilhão de protestantes, perfazendo dois bilhões de cristãos no meio dos outros oito bilhões.

A Bíblia lida por esses outros bilhões de pessoas deve ser maior do que a nossa Bíblia. Estou me referindo aos 06 bilhões de habitantes do planeta que seguem suas  bíblias, seus livros ou até livro nenhum. Eles são esse tanto de gente, enquanto nós somos 2 bilhões, entre católicos e protestantes. Aliás, já é proverbial aquela frase de Santo Agostinho quando disse que “Deus fez dois livros, a Natureza e a Bíblia”.

Vejamos algumas estatísticas:  há cerca de 1 bilhão no hinduísmo; 1 bilhão no budismo; 1bilhão e 300 milhões nas  religiões tradicionais da Oceania e Polinésia e África;  1 bilhão as religiões do mundo árabe; Religiões da Indonésia e Papuásia 500 milhões; Xintoismo, Mazdeismo no Japão na Ásia e na Pérsia 600 milhões; Gnósticos e ateus,600 milhões.

Na verdade, antes de toda a escrita humana, a humanidade pré-histórica de há mais de 300 mil anos lia essa Bíblia da Natureza, feita de astros, estrelas, montanhas, arco-íris, chuvas e bom tempo. Como ainda os Índios atuais adivinham o canto das aves, os comportamentos dos animais e a reprodução dos peixes. E após os diversos sinais de os homens se entenderem com a natureza, começaram se entendendo também uns com os outros com a fala. E dando mais um passo quiseram deixar para a posteridade os seus pensamentos e suas preocupações e suas vitórias gravadas em alguma coisa como tijolos, cerâmica, e logo depois até em tábuas, até chegar aos pergaminhos e papiros, antes do papel. E começaram com  a escrita cuneiforme, já na época dos sumérios, a primeira escrita que foi detectada, de há 9 mil anos. Eram escritos de contratos, de comércio entre nações e reis. E por último, como o engenho humano não tem limites, começaram pondo nesta escrita o que pensavam de Deus, do amor, e por aí adiante. Junto com a escrita cuneiforme fizeram também pinturas rupestres.

        As primeiras bíblias que foram escritas sobre Deus foram os sumérios que as escreveram, e os sumério-babilônicos. Depois, ao mesmo tempo que os gregos escreviam as suas filosofias, os hebreus escreveram a sua bíblia. Nessa época os povos viviam em mistura, continuamente guerreavam e todos copiavam uns dos outros. Os sumérios fizeram a sua bíblia há 6 mil anos; os chineses fizeram a sua bíblia há 5 mil anos, e os Indus há 4 mil anos, e os hebreus há cerca de 450 anos ou até mais recente; e os japoneses há 2 mil anos. Neste panorama nós ficamos num mapa muito reduzido. Na verdade a nossa Bíblia veio por último e foi beber muitas coisas nas bíblias anteriores, haja vista que o monoteísmo já vinha de longa data, por exemplo da filosofia de Sócrates, o pai da Filosofia, e foi morto pelos atenienses justamente por conta disso. Platão, discípulo dele livrou-se da morte por estratégia para continuar vivendo. Antes deles já um dos faraós do Egito, Akinaton,(1.200a.C.) tinha decretado o monoteísmo no seu reinado. Sem falar na doutrina mazdeista dos persas e iraquianos de Zoroastro que também eram monoteistas. (Cf. Wajdenbaum  o.c.p.110).  Um outro exemplo bizarro é que no Canto XIX da Ilíada de Homero, Aquiles conversou com seus cavalos num oráculo semelhante à burra de Balaão da nossa Bíblia (Num.21,21).

Um sistema comum de todos por milênios era o sistema chamado do magisterdixismo. O que significa: o que era “verdade”, era verdade porque o mestre disse, daí a palavra “magisterdixismo”, o mestre disse e pronto. E como a maior insistência e mandamento era a obediência, ninguém podia desobedecer, seria rebeldia e impiedade. E por conta disso ninguém podia fazer perguntas ou questionar. Os judeus chamavam a isto de “rebanho”, o povo era um rebanho mandado. Na Igreja era muito vigiado o rebanho. E quando alguma “ovelha” ousava pensar ou “questionar” era “excomungada”, podia até sofrer morte. Excomungado quer dizer “fora do rebanho. Os pais tinham poder de morte e de  vida sobre os filhos e podiam matá-los em caso de desobediência Os governos tinham poder de morte e de vida e podiam matar o cidadão. Isto passou para a Igreja, que chegou a usar o poder de morte com a fogueira e prisões, não só a igreja católica mas também a reformada (protestantes).

Assim chegámos ao século XVII e XVIII, em que as ciências e o ensino e o aprendizado foi todo remexido e questionado. E a maior contribuição veio da filosofia da “Dúvida”: A teoria do filósofo Renê Descartes com o  seu LIVRO “O Discurso sobre o Método”(1637), e Princípios da Filosofia. Daí surgiu o Iluminismo que colocava a cabeça para pensar, em vez de só “concordar” e dizer “amém”. E, claro, como os polos se contrapõem, como antes, de nada se duvidava, agora o Iluminismo começava duvidando de tudo a priori. No entanto essa teoria, quando as águas se aquietaram, é que trouxe as novas teorias modernas das pesquisas sobre livros antigos; escavações arqueológicas, e pesquisas científicas e astronômicas, o que deu origem a uma nova cosmologia, antropologia, crítica bíblica, ciências da arqueologia; chegou a psicologia com Freud e Jung, e a psicopatologia e psicofisiologia e psicanálise, e por último a parapsicologia.

Com estas ciências em mão, chegou também a Revolução francesa em 1789 contra o poder absoluto dos reis. E como consequência veio a liberdade de consciência e a liberdade de religião. E finalmente este progresso fermentou toda a sociedade ocidental da Europa e chegou-se à célebre “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, assinada por praticamente todos os países do mundo; e, na marra e a muito custo também, pela Igreja que junto com os USA foram os dois últimos a assinar, em 1945. Digamos que assim surgiu esta Bíblia mundial universal que, em teoria e em tese é seguida pelos 06 bilhões de humanos e os 2 bilhões de humanos cristãos católicos e protestantes.

Conclusão. Nós somos “três quartos” do Antigo Testamento e uma quarta parte do Novo Testamento. Ou por outra, o cristão que nós somos, somos três quartos de judeu, um quarto de cristão primitivo, e uma mistura de sumérios, de gregos, de europeus, de africanos e brasileiros. Vale ainda lembrar o célebre dito do arcebispo Dormund Tutu, da África do Sul num Congresso internacional das Igrejas em Porto Alegre em 1984: “Deus não é cristão”, explicando que Deus e a salvação tanto está nessas outras bíblias internacionais como na Bíblia dos cristãos. Assim podemos dizer que Deus não é cristão, nem é judeu: é chinês, africano, japonês, asiático, e de todas as nações.

Que isto é bonito é; mas que é complicado é; e mais complicado do que bonito.

P.Casimiro João    smbn

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