Os messianismos na historia da Igreja
Há
um messianismo cristão que perpassa transversalmente a história do cristianismo
até o concílio Vaticano II. Este messianismo cristão é a continuação do
messianismo de Israel. Em que consistia? O conjunto de crenças relativas à
vinda de um Messias enviado por Deus, para ressuscitar a glória do povo de Israel
sobre as nações e exercer a vingança, onde todas as nações da terra estariam
debaixo do mando dos reis de Israel mandados por Deus. Era portanto um
messianismo nacionalista e teocrático. Não discutimos aqui a ideia e atuação
concreta de Jesus a respeito. Partimos num salto da historia e veremos as
figuras históricas muito diversas que o cristianismo assumiu no correr dos
séculos: a época do milenarismo, a época da cristandade, a
época do secularismo e a época da terceirização.
A
época do milenarismo abrange os três primeiros séculos, justamente a
época em que se firmou a literatura cristã da Bíblia. Era a época onde reinava
a crença numa volta de Cristo para breve, e conjugava a esperança
messiânica de Israel numa ambição universalista. Apesar da ingenuidade das
representações, este milenarismo reapareceu várias vezes durante os três
primeiros séculos da Igreja nascente.
No
início do século IV este milenarismo ficou reforçado com a conversão de Constantino,
o primeiro imperador cristão, que inaugurava a segunda época, a época da
cristandade, ou cesaropapismo. Esta expressão veio depois de Constantino
mas traz os nomes de Cézar e de Papa juntos num só, quando os
Cézares eram os imperadores de Roma, e o Papa bispo de Roma. Aí cabia
perfeitamente o sonho do messianismo como realizado: um único imperador
e um único Deus (teocracia). Aqui se realizava e se casava o sonho do
profetismo bíblico e do messianismo cristão. O imperador convertido introduz a
lei de Cristo como lei da nova sociedade política; o cristianismo sendo
promovido como religião do Estado, tudo como acontecia em Israel, até
que quando falhou permaneceu como sonho, e o sonho acontecia agora. E
assim a Igreja vinha embalada nesta áurea, que teve o seu ponto mais alto nos
séculos XI e XV com o Papa Gregório VII até os Papas de Avinhão.
O
resultado deste casamento entre a Igreja e os reis gerou a época que se chamou da
cristandade, quando todo mundo era cristão e era obrigado a ser cristão, na
lei e na marra, com excomunhões da Igreja e as armas do Estado. Era a chamada
“verdade obrigatória”: ou aceita ou morre. Daí vieram os crimes contra a pessoa
humana, os seus direitos religiosos e civis, contra a liberdade de consciência,
e os crimes de condenação à prisão, à fogueira e à morte. A religião que
pregava a vida praticava a morte porque era a religião contaminada com a
ditadura do imperialismo. Este imperialismo religioso e civil recebeu um
respaldo com santo Agostinho com o seu livro a “Cidade de Deus” onde fazia um
juízo pessimista sobre a história profana como história de perdição. Filosofia
esta que ainda reina hoje na cabeça de muitos eclesiásticos, padres, clero,
cristãos de reza e leigos tradicionalistas de fachada. Não seria isso que
estava na cabeça dos pastores que fizeram o gabinete paralelo no MEC,
junto com os milh$ões que desviavam do Ministério da Educação, no
comando do ministro da Educação “terrivelmente evangélico” Milton Ribeiro?
Essa
etapa da cristandade chegou até à Revolução Francesa quando o mundo se
deu conta e se libertou da tutela dos reis ligados com a Igreja. Desde o séc.18 o mundo se deu conta que a
Igreja e o Estado não poderiam morar no mesmo palácio. E também se deu conta
que Deus não fala pela boca dos reis como se arrogavam esse direito para
ludibriar o povo, nem fala só pelas Escrituras, mas pelos pobres sofridos e
esquecidos da sociedade. E fala também pelos homens das leis, e pela sabedoria
dos sábios e cientistas das ciências humanas, sociais e antropológicas e
culturais. Tempos atrás se pensava que Deus governava em pessoa, mas é mais certo
o seguinte: Deus terceirizou o mando do mundo aos homens, e não é mais o
mando de Deus direto como metaforicamente a Bíblia falava: “Deus mandou a ’Salomão
construir o templo e deu aquelas medidas”, e “Deus falou com Samuel” etc.
Também começou a época da autonomia da sociedade e independência do poder
político em relação ao poder religioso. Chegou a Declaração Universal dos
Direitos Humanos e surgiu a sociedade civil como sociedade laica, democrática e
pluralista. Não é mais uma religião de Estado porque o Estado é composto por
gente de todas as religiões, e de nenhuma em particular.
Como
dissemos todas as leis são feitas pelo voto. Voto de escolher o Papa e voto das
eleições democráticas das Nações. Há corrupção? Há, dos dois lados. Vem à
lembrança que na Igreja um candidato a Papa oferecia uma mula carregada de ouro
para ser eleito Papa (Alexandre VI). E nos governos existe uma mula carregada com um “Orçamento Secreto” e
um Centrão de bilh$ões. E Para definir o dogma da “infalibilidade”
um Papa deu propinas e fazia ameaços, tal como hoje entre eles nos governos. E
por aí adiante. Tanto é santa a historia da Igreja como a profana, mas cada uma
na sua área são terceirizadas. E Deus deve dar rizadas. Deus terceiriza.
Em
terceiro lugar, a época da secularização que teve início com a Revolução
Francesa, com a qual foi tirado o poder absoluto dos reis e imperadores, e
questionado também o autoritarismo do poder religioso. Desde então começou o
esforço pelas democracias, segundo as quais o pode emana do povo ou do
voto popular. A secularização resume-se na separação dos poderes, o
civil e o religioso, de onde vem o chamado Estado Laico.
Finalmente,
como consequência, a época da terceirização. Enquanto que, segundo a
mentalidade bíblica, tudo era feito por Deus em pessoa desde o relâmpago às
chuvas para as lavouras, até às doenças e ao governo dos povos, na
última época reflete-se sobre a terceirização. Deus terceiriza a
governança das nações, a cura das doenças, a invenção das vacinas, assim como
terceiriza a fabricação dos filhos e o numero que cada casal se propõe. No que
se refere ao governo das nações, à constituição das leis e seu cumprimento tudo
é feito pelo voto e pela maioria. Passou o tempo em que o poder do rei se
incluía à intervenção “direta de Deus”.
É significativa aquela afirmação
do evangelho de João “Na casa de meu Pai há muitas moradas, e eu vou preparar
um lugar para vocês”(Jo.14,2).
Na verdade neste mundo Deus bem queria que cada um tivesse sua morada, mas como
ele terceirizou, acontece que os que detêm o poder e o dinheiro se
abastecem de mansões e campos e deixam os outros sem nada, porém na ”Casa do
Pai” não vai ter terceirização e todos vão ganhar.
Conclusão. Tivemos a reflexão de que a Igreja não tem o
monopólio da salvação. Em virtude de desígnio de Deus, o Reino de Deus vem
também nas outras tradições religiosas da humanidade. Desde o Vaticano II a
passagem do eurocentrismo coincidiu com a chegada da era pós-colonial e da
globalização de modo que, pela primeira vez na história do cristianismo a inculturação
em nome da universalidade do Evangelho não coincidiu mais com a influência da
cultura ocidental. Até porque, como vimos, a pretensão universalista do
cristianismo não se verifica historicamente, pelos lugares reduzidos que
conquistou, e deixou de conquistar mais quando lhe faltou o braço das armas e
dos poderes coloniais. Com o Vaticano II começa um terceiro período no qual a
Igreja do Ocidente se tornou minoritária. Basta lembrar que na Ásia o cristianismo
não passa de 3% por cento em toda a população. O futuro do cristianismo está
principalmente na América Latina e África. Quase se pode dizer que a Igreja
hoje se tornou Igreja do Terceiro Mundo, com raízes europeias e ocidentais.
Isto coincide com o fim da era colonial e do imperialismo cultural. Pela
primeira vez, depois do séc,18, o Concilio inaugurou uma atitude de respeito e
de estima perante as religiões não cristãs”(Claude Geffré, o.c.p.348).
P.Casimiro
João
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