segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Só Cristo salva, ou é Deus quem salva? “só por Cristo” ou “também sem Cristo”? O pluralismo de direito das religiões.


 

Tem gente que “fechou” com Cristo e que declara que “só Cristo salva”. Porém, 80%por cento da humanidade está consciente que “só Deus salva”. Eles sabem que só Deus salva “por Cristo”, ou quem sabe, também “sem Cristo”. Iremos colocar a nossa reflexão hoje neste campo, e, como prometi no tema anterior, focar hoje a atenção sobre a teologia do pluralismo de direito das religiões, uma vez que já falei no pluralismo de fato.

Partimos do dado que “a verdade cristã é um permanente futuro e depende das questões novas levantadas pela evolução do homem e do mundo, e a Igreja permanece sempre aberta para um futuro inédito”. (Claude Geffé, Pentecostes e Babel, p.142). Galileu Galilei disse que a verdade não vem da autoridade mas da história.

“A teologia clássica apelou para uma concepção de tal modo absolutista da verdade objetiva, que não imaginava poder reconhecer verdades diferentes sem comprometer, no mesmo instante, sua pretensão à verdade. Teimava em considerá-las como verdades degradadas, ou preparações longínquas da única verdade de excelência e de integração”(o.c.p.143). “A essência da verdade é ser partilhada, porque é  uma parte de Deus”, disse o místico alemão Frei Rosenzwueg.

Aristóteles definia a verdade metafísica como adequação da inteligência com a realidade. A teologia tem a verdade bíblica como manifestação ou antecipação da plenitude da verdade divina e do sentido da história que está sempre em devir e em evolução e por isso com dimensões ainda por desdobrar no seu radar. A oposição de uma afirmação verdadeira é uma afirmação falsa, mas o oposto de uma verdade profunda pode ser uma outra verdade profunda, disse o físico Niels Bohr. Por isso constatamos que a verdade já é plural no interior do cristianismo e que ela contém seus próprios princípios  de relativização (o.c.p.139).

A questão da “Única religião” nos convida a instaurar, na teologia cristã, uma nova relação com a verdade. Num primeiro tempo essa constatação de uma pluralidade de verdades religiosas é vivida como uma experiência que põe em questão o conforto de nossas certezas cristãs. E nos leva a nos questionar sobre o tradicional jargão de “religião verdadeira”. Num segundo tempo, a experiência do pluralismo religioso nos convida de preferência, a encontrar o sentido original da verdade cristã, que é de ordem diferente da ordem da verdade mais comumente admitida na nossa teologia escolar.(o.c.p.139). Como falámos, já a verdade cada vez mais aparece no nosso radar como plural no interior do cristianismo, e que ela contém seus próprios princípios de relativização.

Na 1.a Carta aos Coríntios Paulo enxerga uma luz no fundo do túnel para esta teologia quando diz: “Hoje vemos como por  um espelho, confusamente. Hoje conheço e em parte sou conhecido...Por ora subsistem a fé, a esperança e o amor – as três. Porém, a maior delas é o amor”(1Cor.13,13). Vale dizer, o amor vale mais do que a fé. A fé se traduz em teologias, e “em verdades” parceladas. Só o amor é total. Deus não cabe nas parcelas da fé, só cabe no total da caridade. A fé pode dividir, só o amor une.

Os primeiros Padres da Igreja reservavam para as filosofias dos grandes filósofos gregos o privilégio de serem “sementes do Verbo”. Os Padres conciliares do Concilio Vaticano II expandiram as “sementes do Verbo” para todas as religiões.(Decr. Ad gentes, c.2,n.11). Isso nos leva a não confundir a universalidade do mistério de Cristo com a universalidade do cristianismo, o que significa dizer que encarnação de Cristo é mais universal do que o cristianismo histórico e concreto. Isto nos leva ao fundamento teológico da teologia cristã das religiões: “O Logos é o princípio da automanifestação de Deus tanto no universo como na história. E a “carne” não designa uma substância material mas a existência histórica do homem”, como afirma Paul Tillich, na sua Systematic Theology (o.c.p.96). E Paul Tillich vai buscar este fundamento na 2.a Carta aos Corintiios:”Porque é Deus que em Cristo reconciliava consigo o mundo, não levando mais em conta os pecados dos homens” (2Cor.5,19).

Por outro lado, C.Ducquoc afirma esta realidade por outras palavras na publicação “Dieu different“, Paris 1978: “Deus não torna absoluta uma particularidade: ele declara, ao contrário, que nenhuma particularidade histórica é absoluta e que, em virtude desse relatividade, Deus pode ser encontrado na nossa história”(o.c.p.99).

Daí que os teólogos afirmam que há uma “revelação geral” imanente à história religiosa da humanidade, a qual também Karl Rahner chama “revelação transcendental” de combinado com a revelação “categorial” da revelação bíblica. Tudo isto de acordo com o Concílio Vaticano II que admite a presença universal do Logos que “ilumina todo homem que vem a este mundo”(Jo.1,9) e adequando com João Paulo II em Assis, que “toda a oração autêntica é inspirada por Deus. Aliás, já os Atos dos Apóstolos logo sinalizaram isso mesmo quando falam que o “Espirito fala em todas as línguas”(Cf.At.2,4).

Esta ordem que estamos seguindo nos leva ao paradoxo da relação entre o concreto e o Absoluto que se encontra presente na revelação bíblica e nas revelação global das religiões. Qual é o paradoxo, e suas consequências? O paradoxo é que cada religião é um dado concreto e histórico mas pretende legitimamente possuir a revelação global do Absoluto. Isto é, concreto versus Absoluto. E devido a isso, a teologia das religiões coloca a seguinte tese, dos inconciliáveis: o paradoxo da revelação perfeita deriva do fato de que ela deve conciliar, em si mesma, o duplo aspecto da realização concreta, e ao mesmo tempo o protesto ou afirmação que faz irrupção e provoca o abalo. (o.c.p.101). Isto é, toda a revelação, e também o cristianismo, traz no seu bojo a certeza que alcança Deus, mas que é muito mais o que deixa de alcançar. E, como consequência, deve abrir os braços para as outras revelações.

Enquanto que cada religião é uma via concreta de salvação, enquanto histórica e particular, ao mesmo tempo se afirma e se nega a si mesma. Por outra perspectiva, atendendo à própria essência, por exemplo do cristianismo, é óbvio que esta essência não foi realizada ou atingida totalmente em nenhum época em nenhuma das realizações históricas. Por isso o slogan de “santa e pecadora” , e assim todos os humanos. Porquê? Porque em todos os tempos houve experiências fragmentárias da fé e práticas fragmentárias do amor. Por isso toda a religião está sob o julgamento do incondicional.

A consequência prática desta tese é colocada assim: a missão da Igreja não será tanto a de converter os membros de outras das outras religiões a esta religião particular, que é o cristianismo, mas a de convertê-los a incondicionalidade da revelação final, que é o Reino de Deus, e o apelo ao humano “autêntico”, tal como é reconhecido pela consciência humana universal, como está reconhecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1945.

Vimos que o kairós do acontecimento de Cristo é extensivo e coextensivo a todos os momentos e a todos os humanos da história. Por isso o paradoxo de Cristo como “Universal concreto” bate tanto com o cristianismo como com as outras revelações históricas. E pode nos ajudar a superar toda e qualquer forma de imperialismo cristão. Na verdade, “não só as outras religiões recusam o caráter absoluto do cristianismo, como também não aceitam reconhecer a mediação absoluta de Cristo para a salvação de todos os homens e de todas as mulheres. Todos eles sabem que Deus é maior de que Cristo,o Pai é maior do que eu”(Jo.14,28). E sabem que o Espírito fala também a linguagem deles: “Naqueles dias ficaram todos cheios do Espirito Santo e começaram a falar em outras línguas”(At.2,4).

Conclusão. Procurámos refletir sobre a pergunta inicial: “Só Cristo salva”, ou é Deus quem salva “só por Cristo” ou “também sem Cristo”? É preciso no entanto enfocar aqui que “sem Cristo” não significa uma ausência ontológica, mas de consciência, na teologia cristã do pluralismo. Com efeito, o Cristo como Verbo e como encarnação cósmica em toda a natureza humana que participa do Espírito do Absoluto não está ausente das revelações particulares a que nos referimos. E também está em jogo a teologia do “acabamento” que ainda respinga do Concílio Vaticano II, se referindo à revelação cristã, e que, como vimos, também está sendo entendida mas não absolutizada na teologia do pluralismo. Porque, como dissemos, as outras revelações são inacabadas e a cristã também não é absoluta. Como diz Paulo Freire, “onde há vida há inacabamento” (Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia, p.50).

P.Casimiro João     smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

 

 

 

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