segunda-feira, 29 de abril de 2024

TEOLOGIA BÍBLICA, FÉ E CRENÇA


 

“As pessoas buscam a religião mais para ter apoio em seus esforços para viver neste mundo do que para o mundo próximo” (Harvey Cox, O futuro da fé, Paulus, 2015, p.13). Para o teólogo, a fé é uma preocupação última (Paul Tillich), enquanto que a crença é uma “opinião”, “creio que seja assim mas não tenho a certeza”. Desde Platão que há debates sobre a existência de Deus. Por natureza essas disputas dizem respeito a crenças, porque antes de Platão a fé já surgiu nos nossos mais antigos antepassados com o “homo sapiens”.

Para H.Cox, os dois mil anos do cristianismo têm três etapas, a primeira: Era da Fé, com Jesus; a segunda: a Era da crença com tentativas de Catecismos; A terceira: quando uma elite, a classe clerical sofisticaram os manuais com listas de crenças que chegaram ao séc.IV sem haver um credo único. Nessa época foi Constantino, o imperador romano quem decidiu apossar-se do cristianismo para dar suporte a suas ambições para o império. Com isso ele ainda continuou adorando o deus sol Hélio junto com Jesus. Com Constatnitno, “O império tornou-se cristão e o cristianismo tornou-se império (H.Cox,o.c.p.17). Ele impôs uma liderança forte às Igrejas nomeando e demitindo bispos, pagando salários, financiando construções. Ele era a verdadeira cabeça da Igreja e não o Papa. O cristianismo coagulou num xadrez de crenças de obrigatoriedades e excomunhões. Mandou à morte mais de 25 mil cristãos porque tudo vinha por meio de “decretos imperiais”. Isto culminou com a Bula de Bonifácio VIII no séc.XIII que afirmava a autoridade do Papa sobre o domínio espiritual e temporal. Esta foi a época da Crença, ou seja, dos decretos onde a obrigatoriedade era forçada e vigiada como uma camisa de forças ou tornozeleira eletrônica. O período medieval foi marcado pela obrigatoriedade e os castigos. Para o clero havia os Manuais da Moral Casuística que eram Manuais com listas e regras de agir e de medir a gravidade dos pecados. Não se atendia à subjetividade do sujeito mas ao objeto em si. Hoje em dia os juízes avaliam a culpabilidade conforme o réu é primitivo, se tem antecedentes, as considerações do psiquismo da pessoa, etc. Nessa época nada disso entrava em consideração. Até porque o pecado não existe em si, suspenso no ar, existe na pessoa e nas suas condições, que diminuem ou anulam a responsabilidade e podem isentar até de toda a culpa. Era a época sem pessoa, e só do pecado. Pecado sem pessoa. Infelizmente ainda nestes tempos sofremos de julgamentos desse tipo, visto que não há avanços atualizados de estudos desta época, mas ainda dessa época. Como se diz: Se um psicólogo tiver a formação de há 100 anos, como vai consultar hoje? Um cirurgião com métodos de há 100 anos, que cirurgias iria fazer hoje num hospital moderno? Entre os protestantes apareceu o Fundamentalismo. “Essa palavra foi inventada na primeira metade do séc.XX por cristãos protestantes que compilaram uma lista de crenças teológicas a respeito das quais não haveria concessões. Então, de maneira intransigente, decidiram que defenderiam esses “fundamentos”. (H.Cox,o.c.p. 28). Finalmente, a época atual, do Espírito. Esta época já teve os inícios um tempo atrás, mas custou a desenvolver por muitas forças contrárias e acostumadas à velha Idade Média. Foi com o monge italiano Joaquim de Fiore. Ele ensinava que a história se resume por sua vez em três períodos: o período em que Deus era o Único, no AntigoTestamento, o Javé sem rival e solitário. Com o cristiansmo veio a época do Filho, e agora será a vez do Espírito. Na época do Pai(Javé) era a época da obrigatoriedade própria do A. T. Na época do Filho, a obrigatoriedade da Igreja. E agora inaugura-se o  período do Espírito  ou do amor universal onde “o amor universal reinaria e onde os infiéis se uniriam aos cristãos”. Se tivermos em conta a história vemos a “obrigatoriedade da circuncisão para a salvação na época do A.T, no 1º período; depois a obrigatoriedade do Batismo para ser da Igreja e para a salvação, no 2º período; E agora a pessoa tem a liberdade de religião e de consciência para querer ou não querer ser batizado, e para ser daquela Igreja, ou não seguir nenhuma religião. Esta etapa foi sacramentada pelo concílio vaticano II (G.et Spes, n.16). Só como observação, vejamos os “segredos” da primeira etapa “do Pai” no A.T: “Os doutores da Lei diziam que a tradição oral lhes fora transmitia desde Moisés, com o poder de “ligar e de desligar” para os judeus do mundo inteiro. (Emile Morin, o.c.p.109). Por seu lado, este poder de ligar e desligar passou para o período do Filho (a Igreja), numa afirmação no único evangelho de Mateus, donde o Papa Bonifácio VIII sacou aquela Bula que afirmava que a autoridade do Papa era total quanto ao poder espiritual e ao poder temporal, como referido atrás. Quanto aos Escribas, eis os seus segredos: “Os escribas eram instruídos com uma ciência isotérica. Tratava-se de ensinamentos secretos sobre Deus: o tratado da visão do carro de Ezequiel, o Nome divino dotado de virtudes mágicas; os segredos das maravilhas da criação; das leis sobre o incesto; dos fundamentos da Torá e, particularmente dos motivos que levaram o Senhor a estabelecer prescrições legais particulares; de fórmulas mágicas utilizadas pelos rabinos; das tradições genealógicas que, se reveladas desacreditariam famílias importantes. O povo devia ignorar estes escritos isotéricos que, considerados inspirados, eram-lhe superiores em valor e autoridade. Todo o ensinamento dos escribas tinha portanto um aspecto secreto pelo fato que a Tradição dos anciãos não podia ser difundida por escrito, sendo o “segredo de Deus”. No trato social, todos se deviam levantar quando passava um escriba. Quando morreu o escriba R.Acha, as estrelas tornaram-se visíveis em pleno meio dia; quando morreu B.Hanan, as estátuas caíram por terra; quando morreu B.Hanina, o mar de Tiberíades se dividiu em dois; quando morreu R.Ishaq setenta soleiras de casas desabaram na Galileia; quando morreu R.Shemmuel os cedros caíram em Israel e  um feixe de fogo caíu do céu e se colocou entre seu esquife e o cortejo fúnebre, e durante três horas houve trovões e relâmpagos no mundo” (Emile Morin, o.c.p.109-110). Fico espantado com o “grau” de “misticismo” que beira o mais espirituoso ridículo aqui  descrito. Não admira o combate de Jesus contra este fundamentalismo: “Ai de vós que fechais o reino dos céus”...(Mt.23,13). Atitude essa que o E.Morin chama de “terrorismo religioso”. “Eles pareciam ter a chave da ciência. É este o terrorismo dos donos da ciência” E daí vinha o endeusamento dos mesmos: “Ele pode, eu não posso; Ele sabe, e eu não sei; Ele tem contato com Deus, eu não tenho; Ele é santo, e eu sou pecador; Só ele pode abençoar” (o.c.p.119). Em vez disso, nesta terceira etapa as mulheres assumem posições de liderança, e muitas escolhem o “Espírito” como maneira preferencial de referência ao divino. “O que seria de uma Igreja só com a prece de seus especialistas sem o grito dos marginalizados, sem a imaginação das mulheres? Toda a liturgia é fuga ou magia na medida em que não é vivida como pulsão entre o amor de Deus e o cuidado dos mais sofridos. O fato de os cristãos “praticantes” serem mais conservadores do que os outros prova que muitas coisas devem ser mudadas ainda para que a Igreja se torne oração de todos para todos. Para que servem os cultos de liturgia se neles se celebra um Deus que só se enquadra nas ambições deles? Os “franciscanos espirituais” depois de São Francisco continuaram ensinando que o “Espírito” podia ser encontrado na natureza, no “irmão sol”, e na “irmã lua” mas também pregavam contra a riqueza da Igreja institucional. O pesquisador Setl Wax reuniu 110 entrevistas de pessoas de áreas profissionais diferentes que se sentem próximos a Deus nas profissões que exercem.” (E.Morin, o.c.p116). E lembremos as mais de mil enfermeiras e outros tantos enfermeiros que aceitaram entregar a sua vida para salvar tantos doentes da COVID 19.

Conclusão. Desta visão dos dois primeiros períodos temos uma ideia de como a fé e a crença tomam formas diferentes. Para um esclarecimento ulterior, o A.T se baseava no sacerdócio e no Templo. E, de quebra, Jesus e os discípulos “nunca tomaram parte de um sacrifício no Templo” (E.Morin, o.c.p 112). Quem insistiu em ainda transportar alguma ligação forçada com o sacerdócio do Antigo Testamento para Jesus, afirmando Jesus como sacerdote, foi o autor judeu anônimo da Carta aos hebreus, que era considerada de Paulo mas que agora está esclarecido que não é de Paulo, mas desse anônimo judeu que imaginou Jesus como continuador de um sacerdote da antiga Lei, enquanto que “Jesus e seus discípulos nunca participaram de um sacrifício no Templo”, como afirmado atrás.

P.Casimiro João    smbn

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segunda-feira, 22 de abril de 2024

TEOLOGIA BÍBLICA, ADIVINHAÇÃO COMO PRIMEIRA OCUPAÇÃO DOS SACERDOTES ANTIGOS


 

Os primitivos sacerdotes não tinham o contexto sacrifical mas o serviço de “adivinhação” ou oráculos. Só posteriormente é que assumiram o contexto sacrifical de oferecer os animais em sacrifício. Na Mesopotâmia e no Egito o rei é que fazia as funções de sacerdote, assistido por um grupo de sacerdotes que o auxiliavam por meio de “adivinhações” ou oráculos. O rei é que pedia essa forma de pronunciamento “divino” do sacerdote às questões difíceis e complicadas do povo. Este pronunciamento ou adivinhação  vinha por meio de oráculos através de jogos de dados, pedras e pedaços de ossos (Cf. Pedro Kramer, O sacerdócio israelita no Antigo Testamento”, pg.9; e Vanohoye, Albert Sacerdotes antigos” p.30). Futuramente, entre os judeus, quando era construído um novo santuário já se consagrava um sacerdote para que presidisse o culto. Daí, com a conexão do sacerdote com o templo ele recebia a nova atribuição da oferta de sacrifícios em nome da comunidade, sem deixar de continuar com a primeira tarefa de comunicar os “oráculos”. (Vanhoye o.c.p.50). Chegou também a terceira tarefa para o sacerdote: Do trabalho de adivinhação e oráculos passou para a tarefa de ensinar a Lei, a Torá. Porque nestes inícios não existiam ainda os “escribas”, nem os fariseus, e nem os doutores da lei, tarefas que chegaram depois, assim como os profetas. Daí vem a noção de “santidade”, que etimologicamente significa “separação”. Segundo o Talmude, catecismo dos Judeus, Deus habitava o sétimo céu. Para chegar lá havia sete degraus, separados uns dos outros por 500 anos de distância e por isso ele estava numa distância de 3.500 anos de distância. Nesse contexto, a pessoa tem que se afastar deste “mundo” para ficar mais “perto” de Deus. Todo mundo seria “profano”. “Santo” era tudo que participa da santidade de Deus, da sua “separação”; “profano”, todo campo do cotidiano do homem. Por isso começaram as “purificações”. O sacerdote tinha esse processo de “separação” através de “separações rituais.” Além disso, o sacerdote participava da “separação” do povo de Israel das demais nações, dado o seu imaginário de ser o “povo escolhido” e “separado” por Deus. A função do sacerdote era então de “conservar” e policiar essa separação para não se misturarem com as nações pagãs. Então a nação de Israel recebe uma série de leis sobre alimentos puros e impuros, e sobre as relações dos israelitas entre si e com as demais nações. Quando alguém falhava estaria sujeito às “purificações”. Essas prescrições se tornaram verdadeiras barreiras entre os israelitas e as outras nações. Por isso, daí em diante o povo de Israel foi considerado como um “reino de sacerdotes” ou seja de “separados” do resto do mundo (Ex.28,1; Num.3,12). Em vista disso havia uma preocupação doentia em viver separados do mundo profano e não cair na impureza ritual.

Falamos na primeira tarefa do sacerdote, “adivinhação” ou oráculos; na segunda, os sacrifícios do templo; e a terceira, o ensino da Lei, ou Torá. Com a construção do primeiro Templo, as classes sacerdotais foram-se organizando de acordo com os reis. Depois do exílio se olhava muito a “pureza da raça”, devido às misturas com pagãos durante o exílio. Três grupos foram classificados e ficou estabelecida a estratificação social: A 1ª classe, o Israel puro; a 2ª classe, as famílias de média mistura; a 3ª classe, as famílias de misturas graves. Os sacerdotes e levitas eram escolhidos da 1ª classe, dos “puros”. O Sumo Sacerdote era também o presidente do Sinédrio, o Senado judeu. Os outros sacerdotes tiveram sua organização, e só tinham duas semanas de serviço no templo por ano. Imagine o tanto de sacerdotes que era preciso. Eram 7.200 sacerdotes em Jerusalém, que na época tinha 15 mil habitantes, chegando na época de Jesus a 35 mil, e nas festas da Páscoa a 60 mil. Num país com cerca de 700 mil habitantes e 250 quilômetros de comprimento por 80 de largura, 20 mil km quadrados. Veja só, um país como o Brasil, conta com 30 mil sacerdotes. Os leigos não podiam entrar na área do templo reservada aos sacerdotes sob pena de morte. Depois da classe sacerdotal e levítica vem a classe da nobreza leiga, menos numerosa do que a anterior. Os chefes destas famílias tinham assento no Sinédrio, com o nome de “anciãos”. Constituíam o partido dos Saduceus, geralmente gente de grandes propriedades e grandes latifúndios, eram os latifundiários da época. Os pagãos que queriam entrar para a religião judaica recebiam a circuncisão, e as mulheres um banho ritual.

Conclusão. Assim como havia uma “distância” entre Deus e o povo, assim tinha que haver uma “ponte” entre Deus e o povo. Uma pessoa “separada” do povo e mais próxima de Deus. Esse era o sacerdote, que além de ser uma ponte tinha que policiar a separação do povo judeu dos outros povos “impuros”. No judaísmo o Sumo Sacerdote era também o “pontífice”, que quer dizer “ponte, nome que passou para o Papa no século décimo. Numa sociedade como esta da antiguidade tudo estava infestado de poderes. O poder do alto, o Deus longínquo que entregava a outros deuses inferiores os destinos dos mortais. Os ares estavam cheios de poderes e era preciso aprender a conviver com eles, e havia o “chefe” ou “príncipe deste mundo”, separado do Deus supremo e separado dos mortais. Todos eles precisando de intérpretes por meio de adivinhação ou oráculos, e sacrifícios, função dos sacerdotes. Veio também deste imaginário a “necessidade” da “bênção”, da qual era detentor o sacerdote. Como se em todas as coisas precisássemos de botar “uma escada” para Deus, como se ele não estivesse em cada “coisa.” É como se todas as coisas estivessem “separadas” de Deus e “causassem” algum mal aos mortais. Não só naquela época, mas ainda hoje  este preconceito anda muito no imaginário atual.

P.Casimiro João     smbn

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segunda-feira, 15 de abril de 2024

TEOLOGIA BÍBLICA, HISTÓRIAS “DE TRANCOSO” DO BRASIL E DA PALESTINA


 

Tem histórias para divertir no segundo Livro dos Reis, nos primeiros 13 capítulos, que mais parecem um tipo de aperitivo para depois os avós resumirem bem resumidas para os netos as histórias dos reis de Israel e de Judá. Eis como começa: 1- Um certo Ocozias deu uma quebradeira e mandou consultar os deuses, quando um tal profeta Elias o enganou dizendo que ele iria morrer. Ocozias mandou um oficial com 50 soldados buscar o profeta para matá-lo, mas Elias mandou um raio do céu cair sobre ele e queimou o oficial e os 50 soldados. Ocozias mandou segunda vez outro oficial e 50 sodados, e de novo outro raio caiu sobre eles e queimou o oficial e os seus 50 soldados. Ainda o rei mandou pela terceira dois oficiais com 50 soldados cada um, e pela terceira vez outro raio queimou os dois oficiais e os 50 soldados de cada um (2 R.1,1-18). No seguinte capítulo, depois de Elias subir ao céu num redemoinho e num carro de fogo, o discípulo Eliseu conseguiu ficar com o manto do mestre, e precisava passar para o outro lado do rio Jordão. Então pegou o manto de Elias e voltou para a margem do rio. Segurando o manto de Elias bateu com ele na água, que se dividiu em duas partes e ele atravessou o rio. (2 R. 2,11-15). Dali Eliseu foi para Betel. “Enquanto subia pelo caminho, um bando de garotos que tinham saído da cidade começaram a zombar dele gritando: “Suba careca! suba careca! Eliseu voltou-se, olhou para eles e os amaldiçoou em nome de Javé. Então duas ursas saíram do bosque e despedaçaram os quarenta e dois garotos” (2R.2,23-25). Em sequência, um dia três reis iam lutar contra o rei de Moab. E dirigiram-se ao profeta Eliseu, porque entraram num deserto depois de caminhar sete dias e faltou água. Ele mandou que cavassem bastantes poços: “cavem diversos poços nesse vale, pois vocês não verão vento nem chuva, mas este vale ficará cheio de água e vocês poderão beber com seus exércitos e animais” (2R.3, 9-20). Daquele lugar eles entraram no território de Moab e o arrasaram, “destruíram a cidade e cada um atirou  pedras nos melhores campos até os cobrir, fecharam todas as fontes e cortaram todas as árvores frutíferas diante do riso dos atiradores de pedras. Então o rei Moab pegou seu filho primogênito que lhe sucederia no trono e o ofereceu em holocausto sobre a muralha” (2R. 3,24-27). 2- Os irmãos profetas disseram a Eliseu: “Como você pode perceber, o lugar onde estamos é muito pequeno, vamos até o rio Jordão, e cada um nós pegará um tronco para construir ai uma casa. Eliseu disse, podem ir. E Eliseu foi com eles. Chegando ao rio Jordão começaram a cortar madeira. Um dos irmãos estava cortando um tronco e o machado caiu na água. Então ele gritou, mestre, o machado era emprestado. Eliseu correu ao lugar onde o machado tinha caído, cortou um galho de árvore, jogou na água, e o machado subiu e veio parar na mão do rapaz” (2R. 6,1-8). Noutro dia Aram, rei de Moab preparou-se para fazer guerra contra Israel, mas Eliseu soube e avisou as tropas de Israel. Aram soube que estavam sabotando a guerra. Um general disse: “Não somos nós, é o Eliseu. Aí mandou os seus soldados cercar a casa de Eliseu. Quando eles estavam chegando, Eliseu pediu a Javé para cegar os olhos deles, e disse, espere Deus até que eu chegue. Então o próprio Eliseu se juntou a eles, levando-os por outro caminho, onde os soldados de Israel aguardavam para acabar com eles” (2R.6,18-21).  Outra vez o rei de Aram, Ben-Adab cercou com seus soldados a cidade da Samaria. Então houve uma grande fome na Samaria. O rei de Israel estava passando pela muralha, e uma mulher gritou para ele: “Socorro senhor meu rei. Ele respondeu: Se Javé não socorre você, onde vou achar auxílio para você? Então ela falou pro rei: Traga o seu filho para aqui o comermos hoje, e amanhã comeremos o meu. Nós cozinharemos o meu filho e o comeremos. No dia seguinte o rei disse a ela: Agora entregue o seu filho para nós o comermos. Mas ela escondeu o filho dela” (2R.6, 24-32).

4- O rei Acab tinha 70 filhos. O rei de Israel mandou uma carta aos chefes da cidade pra cortar as cabeças dos 70 filhos do rei. E eles colocaram as cabeças em sacos. Jeú disse: “Façam com as cabeças dois montes e coloquem na entrada, junto à porta da cidade e deixem lá até amanhã de manhã. Jeú foi para s Samaria. No caminho encontrou parentes do rei. Jeú ordenou: “Prendam todos esses homens. Eles foram presos vivos e depois foram degolados no poço da cidade”.(2R.10, 1-9). 5- Último episódio da saga de Eliseu: ”Eliseu morreu e foi enterrado. Todos os anos, bandidos moabitas faziam incursões no país. Certa vez, alguns homens que estavam enterrando um morto avistaram um desses bandidos. Eles o mataram, Jogaram o corpo dentro do túmulo de Eliseu e foram  embora. Aconteceu que o corpo, tocando os ossos de Eliseu, reviveu e se colocou de pé”(2R.13, 20-22). Sem mais noticias sobre Eliseu assim encerra esta série “de trancoso”. O restante do livro, após este aperitivo, resume a vida dos reis, terminando sempre: “O resto da história vem escrito nos anais dos reis de Judá”.

Quer divertir-se “biblicamente” lendo com espirito de humor desimpedido de preconceitos, arrume um tempinho livre e vá degustando algum aperitivo de azeitonas com salame e queijo ou amendoim com batatas fritas e iscas de frango empanado, sozinho ou acompanhado, lendo estes primeiros capitulos do II livro dos Reis e compare com histórias “de trancoso” que os avós contavam para os netos como introdução a umas historinhas leves do resumo das guerras dos reis de Israel e de Judá. Você decidirá.

Conclusão. Compare com o conto moderno do “Pequeno príncipe”, de Saint Exupery, uma “história de trancoso”, que no evangelho poderia se chamar de “parábola”, cujo enredo consta do autor que se perdeu no deserto e foi guiado por uma estrela que se transformou no “pequeno príncipe” que o encaminhou para as águas do deserto. Contos “de trancoso” são contos de uma tradição oral que são transmitidos de geração em geração, pertencentes a uma cultura oral para diversão. O nome vem do popular contista Gonçalves Fernandes Trancoso que escreveu o livro “Contos e histórias de proveito e exemplo” em 1.577 e teve mais de 10 edições até os nossos dias.

P.Casimiro João       smbn

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segunda-feira, 8 de abril de 2024

TEOLOGIA BÍBLICA, PARÁBOLA SOCIOLÓGICA VERSUS TEOLOGIA CAPITALISTA


 

Trata-se do rico e do pobre, consequências e causas das consequências. Estamos pensando na parábola do rico avaro e do pobre que na parábola tomou o nome de lázaro. Durante a existência terrena estes dois personagens não viviam juntos e por isso não foram juntos depois desta vida. Entre eles havia um grande abismo de vida, um de banquetes “todos os dias”, o outro “com chagas” e com fome todos os dias. De tal maneira conviveram com esse abismo que só se deram conta mais tarde, mas já era tarde demais. No centro da parábola, e como consequência da divisão, vem a resposta para o sofrimento do rico que pedia ao “pai Abraão” para que mandasse  o Lázaro “molhar ao menos a ponta do dedo para refrescar a sua língua” (Lc. 16,24). Resposta do pai Abraão: Não é possível, “porque há um grande abismo entre nós, porque ninguém pode passar daqui para aí, e nem os daí podem passar até nós” (Lc.16,24). Quem fabricou esse abismo?

No concilio vaticano II a Igreja fez ou sinalizou o caminho para a opção preferencial pelos pobres (G.et Spes,n.26). Essa orientação foi especialmente acolhida nos países da América do Sul, onde as consequências do colonialismo tinham feito muitas marcas, e, depois disso, a maior parte dos países estavam em voltas com as ditaduras, impostas pelos presidentes dos USA, que no auge da guerra fria estavam espalhando uma dominação econômica, ideológica, religiosa fundamentalista e politica como um bloco contra as pretensões do Leste europeu. As pessoas eram tratadas e manobradas como instrumentos a serviço dessa ideologia e não como pessoas. Não podiam pensar por elas mas tinham que pensar pelo pensamento dos Estados Unidos da América. Lyndon Johnson e Ronald Reigan surgiu como o maior furacão do poder e da imposição dos interesses americanos, não olhando a meios nem modos.  (https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-brasil/2024/04/07/espero-que-nos-deem-credito-como-eua-apoiaram-os-militares-no-golpe-de-64.htm). A pobreza e os pobres não podiam reclamar nem cobrar seus direitos porque a ideologia e a religião americana proibiam. E apareceu a religião fundamentalista que só era religioso quem defendesse os Estados Unidos. Caso contrário, os Estados Unidos mobilizavam os exércitos e as polícias locais para prender, torturar e matar. Um detalhe importante é que os Estados Unidos encontraram um forte aliado para impor esta sua ideologia. A Igreja. E de quebra foi nessa época que aumentaram as igrejas protestantes nestes países das Américas. Foi como mel nos favos. Os Estados Unidos invadiram nossos países com seus pastores, suas bíblias, seus grossos salários a igrejas e a pastores. O carro chefe era a Igreja católica, e de quebra espalharam seitas e igrejas por todo canto. É historicamente certo e comprovado que os mesmos Estados Unidos encheram os deputados e o senado de Brasília de dinheiro para iniciar a ditadura militar no Brasil em 1964. Igualzinho como já tinham feito no México, no Chile e na Colômbia. Estava instaurada a religião fundamentalista, e o império neo-colonialista dos USA não só no Brasil mas nos países vizinhos. O suporte religioso era a teologia capitalista que defendia que só era religioso quem defendesse os Estados Unidos. E não só. Quem fosse defender as classes da pobreza estaria contra os interesses dos USA. Nessa altura e nessa situação dramática em que foram mergulhadas as nações da América do Sul foi a época que encerrou o concílio vaticano II. E como seria para enfrentar esta situação em toda América do Sul? Com o desenvolvimento do concílio formou-se a teologia que visava se colocar ao lado das classes marginalizadas e esquecidas, já que ninguém as atendia nos seus direitos básicos de salários, trabalho, saúde moradia. Além do medo natural do pobre ainda vinham todas as ameaças, se arriscassem falar alguma coisa. Em contrapartida à teologia capitalista, esta foi chamada teologia de libertação, inspirada na Bíblia quando marca o perfil do futuro Messias e que Jesus assumiu para a sua vida: “O Espírito do Senhor está sobre mim e me ungiu para levar a boa nova aos pobres, anunciar a libertação aos cativos, a vista aos cegos e publicar o ano da graça do Senhor”(Lc.4,18). Ficou bem claro que enquanto a teologia capitalista escolhia o capital, esta teologia escolhia não ser rica. A teologia capitalista dando sempre o braço aos donos do capital, a teologia da libertação dando o braço a quem sofria os abusos do capital. A capitalista dando o braço ao político que flerta com o capital, a da libertação se afastando deste tipo de flerte. A teologia capitalista visando sempre os interesses e a obediência aos Estados Unidos, a da libertação não visando esses interesses, nem essa subserviência e nem essa obediência. Não admira então que os detentores daquela política e daquela teologia capitalista ficassem de olho na teologia da libertação e nas igrejas. Até porque nas ditaduras foram proibidos e controlados os Sindicatos, associações e até as reuniões de oração eram vigiadas.

Conclusão. A teologia capitalista seguiu aliás a tradição histórica como regra geral. Desde a entrega do poder político que os primeiros imperadores cristãos no séc.IV fizeram à Igreja, ao mesmo tempo lhe entregavam a teologia capitalista. Embora eles sejam chamados de “imperadores cristãos”, de cristãos não tinham nada, só mudaram o nome de “pagãos” para convertidos de fachada. E esta fachada eram seus interesses políticos e pessoais para se aproveitarem da Igreja. Isto levou a Igreja a entrar no seu trem de domínio, de ditadura, de poder absoluto e de riqueza e ostentação. Desse jeito, por regra geral a teologia da Igreja caminhava com a política capitalista que geralmente oprime o povo. E a teologia da libertação tinha o lema de caminhar com o povo. “Não sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam?” Entre vocês não deverá ser assim”(Mt.20,17).

P.Casimiro João     smbn

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segunda-feira, 1 de abril de 2024

TEOLOGIA BÍBLICA, A FÚRIA DOS DEUSES E OS FILHOS PRIMOGÊNITOS


 

Segundo Platão, o deus Zeus recusou sacrifícios humanos. Um dia em que Neféle  ia sacrificar o seu filho Frixo ele enviou-lhe um carneiro de ouro para substituir o filho que ele queria sacrificar. Isto nos faz lembrar o episódio de Abraão quando, por uma suposta  “ordem de Deus” estava também pronto para sacrificar o filho Isaac, quando Yaweh lhe teria apresentado um carneiro ali preso nos espinhos. (Gn.22,1-18).

Devemos ter em conta que os judeus conviviam com deuses, sacrificavam aos mortos, e ofereciam sacrifícios de crianças, mormente em tempos de crise. (Cf M.Smith, “O memorial de Deus”, p.150). Desta maneira, o filho mais velho estava destinado para ser a próxima vítima para os deuses quando aconteciam calamidades, epidemias, ou grande abalos da natureza como pestes e terramotos. Nessas horas os antigos atribuíam isso como castigos de Deus, e eram a vingança dos deuses por causa dos pecados do povo. E os deuses exigiam a morte do filho mais velho para aplacar a sua ira. A morte dos primogênitos dos egípcios é um reflexo dessa mentalidade, pois Deus estava irado com o Egito. E de quebra também na circuncisão dos meninos dos judeus que teriam que ser “resgatados” pela oferta de um animal, porque eles pertenciam a Deus. Segue esse mesmo padrão a cena típica do sacrifício do filho primogênito de Abraão: “Toma teu filho único, dirija-se à terra de Moriá e ofereça-o aí em sacrifício sobre um monte que eu te indicarei” (Gn.22,2). Aqui aconteceu a troca do filho por  um carneiro, igual como na história de Neféle onde houve a troca por um carneiro de ouro. As antigas religiões viviam desse imaginário de sacrificar filhos pelos pecados do povo. Estas exceções de Abraão e a outra de Platão são casos extremos da troca por animais, o que iria acontecer muito mais tarde como regra geral, como está ordenado no Livro de Levítico quando fala dos sacrifícios. *Lv.cap. 1; cap.9, 13 e 17). Em consequência vem a teologia de Paulo nas suas Cartas onde diz: “Deus não poupou seu próprio filho, mas o entregou por todos nós”(Rom 8,32). Sempre a mesma ideologia de sacrificar o filho primogênito, ou o filho único, pelos pecados do povo. Porquê? Porque era preciso acalmar a fúria dos deuses, e de Yaweh quando os judeus sacrificavam, e do Pai do céu quando “entregou” o filho “pelos pecados dos homens”. Dessa teologia paulina se desenvolveu a teologia dos Padres da Igreja, passou pela época medieval e chegou aos nossos dias. Porém, agora sabemos por meio de novos conceitos que a fúria dos deuses não existe, e nem existiu a fúria de Javé no Éden quando “postou os querubins” com espada flamejante para guardar o caminho e a porta do Éden, depois de ter expulsado o homem, (Gn.3,24). Essa ordem nunca existiu, porque o conto é um conto e não uma história física. Então, como não existia a fúria, como acontecia com os “deuses antigos”, também não é exigido “sacrificar” o filho  pelos pecados dos homens. Até que se sabe agora que o Gênesis é uma “etiologia” ou um catecismo antigo para “adivinhar” como teria sido a “criação do mundo”, e “adivinhar” de “onde teria vindo a morte, e de onde teria vindo o sofrimento”. E o Gênesis , como o Gilgamesh e Enuma Elish dos babilônicos, mais antigos que o Gênesis, cada um de sua maneira  imaginaram uma explicação, mas todos os três compartilhando com todos os três. Há novos dados antropológicos e científicos e cosmológicos  onde não se vai pela imaginação mas pela certeza que antes desses livros já existia o mundo há 15 bilhões de anos, céus, mar, plantas, terra e animais há 10 bilhões de anos, oito e sete respectivamente, e o ser humano há cinco milhões de anos. E morria gente e vivia, faziam amor e enterravam seus entes queridos com respeito e orações, sem nunca ter visto querubim nenhum com “espadas flamejantes”.

Que a Igreja caminha junto com a humanidade está hoje afirmado, quando pela primeira vez, perdeu na quebra de braço quando viu que errou quando condenou a ciência, nos casos de Nicolau Copérnico, Giordano Bruno e Galileu Galilei. E quando largou a teologia de Agostinho sobre a condenação ao inferno de quem não era batizado, como até as crianças, e adultos. Quando, depois de condenar as teorias do Iluminismo, da “liberdade de religião” e “liberdade de consciência” hoje está retirando esses anátemas. Vale dizer, o mundo caminha, não é um mundo paralítico; e a Igreja tem que caminhar, não pode ser uma Igreja paralítica.

Conclusão. A vida é um show como diz o cantor, o mundo é um palco. É uma surpresa  olhar os inicios do pensamento da humanidade, como ela lidava com os deuses e como os imaginava: seres devoradores que devoravam vidas, mas primeiro porque eles se devoravam uns aos outros. E os mortais que assim os consideravam se acomodavam aos seus desejos vorazes. E se os homens extrapolavam era também devorados por eles. Esse imaginário ainda vem acompanhando 98 por cento dos mortais gerando medos, pavor e depressões. Entrou no Novo Testamento com a obrigação de entregar o filho mias velho para ser “devorado” pelos deuses. Até a ousadia foi tão grande que o Deus cristão também apanhou o título de ser devorador dos mortais por “causa dos pecados”. E até, como não havia “equivalência entre as ofertas humanas que apaziguassem a “dívida e fúria divina”, esse Deus se teria visto na necessidade de entregar o seu filho que, teria caido na “armadilha” de viver uns tempos com os homens, para exigir a morte dele para ser também “devorado” pela fúria divina”. Assim estaria feito o “equilíbrio” entre “a dívida” e o “pagamento” pelos pecados. Deus por Deus, filho por filho. Foi nesta teologia de Paulo que caminhou a Igreja e ainda continua caminhando.

P.Casimiro João   smbn

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