Nos evangelhos é frequente encontrar a
expressão “homen com a mão direita seca”. E ainda mais: “Em dia de sábado”. “Um
homem se encontrava na Sinagoga com a mão direita seca”(Lc.6,6-11). Na
Literatura brasileira, o escritor Graciliano Ramos, em “Vidas Secas” usa
a mesma metáfora para falar do sofrimento do povo do sertão nordestino, usando
como título de um dos seus melhores romances a expressão ‘VIDAS SECAS”. Aí as
pessoas secavam de fome, sede, e maus tratos por causa da política e da exploração
dos coronéis da terra. Na Sinagoga secavam por causa da religião. Com a
diferença, em Graciliano Ramos as vidas estavam mesmo secas e mirradas enquanto
que aqui no evangelho a mão ressequida é uma metáfora para significar o
sofrimento e a humilhação de toda a pessoa. A mão não estava seca, quem estava
seca era toda a pessoa. Na verdade o evangelho não é geográfico e nem histórico
mas é teológico. Estes recursos literários já nos foram indicados pela
encíclica do Papa Pio XII em 1943. E porque era a “mão direita”? Porque entre
os Judeus o hebraico é escrito da direita para a esquerda. O lado direito tinha
precedência sobre o esquerdo. A mão direita representa o atributo de bondade; a
esquerda representa a severidade. Quando aí se diz que o homem tinha a “mão
direita seca” é a maneira de denunciar que a Sinagoga tirava a vida às pessoas,
mirrando-as e secando a fonte da vida que são as mãos para trabalhar. Quando
você está com medo o sinal vem logo nas mãos. As mãos ficam sem ação e trêmulas.
O tremor começa nas mãos.
Vem outra cena descrevendo também na
Sinagoga “uma mulher encurvada porque o demônio a amarrou por 18 anos”
(Lc.13,16). E porquê na Sinagoga? Em ambos os casos a causa é atribuída à
religião da Sinagoga, que em vez de produzir vida produzia a morte dos seus
frequentadores. E tem o detalhe dos 18 anos. Porquê? Porque na numerologia
hebraica o número 18 significa o tempo que a pessoa tem para desenvolver as
suas possibilidades. Tirando-lhe este tempo, a pessoa fica “encurvada”, isto é,
diminuída e sem vida para viver. ´Tiraram lhe o tempo dos anos que a pessoa
pode fazer uma boa gestão da sua vida e prosperar. Dizendo que satanás tinha
aprisionado essa senhora por 18 anos significava que tinha-lhe tirado todas as
chances de se realizar e de prosperar, tinham destruído essa mulher. Por outro
lado, ali o satanás significava o espírito hipócrita da Sinagoga, pois era a
sinagoga que atrapalhava e destruía as pessoas impedindo-as na sua felicidade.
Por meio de uma obediência de escravidão às ordens e tradições humanas, e não
de Deus. (Mc.7,1-13) “Vós abandonais o
mandamento de Deus para seguir as tradições humanas”... O que encurva e
ressequia as pessoas eram cargas pesadas que obrigavam a encurvar-se diante dos
homens. Uma situação fisiológica criada com o abuso do trabalho físico é
utilizada nesta parábola do evangelho de Lucas para significar a humilhação do povo que não
tinha condições de se tratar. Inclusive a Sinagoga não colaborava para aliviar
os fardos, mas os aumentava. Do seguinte jeito: O sábado era o único dia livre
para cuidarem da saúde, e ir procurar um médico ou algum curandeiro. Mas o que
a Sinagoga dizia? “Não, no sábado não é pra ninguém se tratar porque não podem
caminhar mais de um quilômetro, mil passos; se caminharem mais incorrem
em pecado”. Conclusão do fato: Quem chegava no sábado doente não podia procurar
saúde porque era proibido. Ficavam mais doentes, e se vinham encurvados,
ficavam mais encurvados; Quem vinha com as mãos ressequidas ou doentes, ficavam
mais ressequidos. Se vinham deprimidos, ficavam mais deprimidos. Dessa maneira
o sábado tornava-se meio de tortura e doença, enquanto que tinha sido criado
como dia de libertação e de melhora das pessoas e famílias. Por conta de um
fanatismo redondo, a Sinagoga caiu no absurdo de dar menos valor às pessoas do
que a um animal. Diante dessa situação vem a pregação atribuída a Jesus: “Hipócritas! Cada um de vós não solta do
curral o boi ou o jumento para dar-lhe de beber mesmo que seja em dia de
sábado? Esta filha de Abraão, que satanás amarrou durante 18 anos não deveria
ser libertada dessa prisão em dia de sábado?(Lc.13,16). Leia bem, em vez de satanás, vamos ler “vocês”, que
amarram assim as pessoas? E lhe tiraram os 18 anos da chance de ser feliz e de
realizar a sua vida? O evangelho não é geográfico e nem histórico, ele usa essas
metáforas de linguagem, assim como o Graciliano Ramos usando a mesma metáfora
de “vidas secas”. O Graciliano Ramos escreveu para denunciar a péssima situação
social do século passado (1950), e este evangelho nesta narrativa que afinal é
uma parábola quis denunciar a péssima situação religiosa da Sinagoga, e quem,
sabe, também das nossas igrejas. Aqui pode haver duas tendências: uma puxa para
o individualismo religioso alienante; outra puxa para a crítica e análise
social da sociedade e da religião da Sinagoga. E esta é que estava presente no
texto deste evangelho. Não tem nada a ver com espiritualismo individualista alienado
e alienante.
Conclusão.
Remeto aqui para o pensamento da Encíclica de Pio XII “Divino Aflante Spiritu”
de 1943, sobre a interpretação da Escritura: “A regra suprema para uma interpretação correta dos textos bíblicos
consiste em encontrar e definir o que o autor quis dizer, e estar atento aos
gêneros de discurso ou de escrita que ele utilizou”. (Divino Aflante Spiritu,
1943).
P.Casimiro João smbn
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