segunda-feira, 25 de setembro de 2023

UM HOMEM COM A MÃO DIREITA SECA APARECE NA SINAGOGA


 

Nos evangelhos é frequente encontrar a expressão “homen com a mão direita seca”. E ainda mais: “Em dia de sábado”. “Um homem se encontrava na Sinagoga com a mão direita seca”(Lc.6,6-11). Na Literatura brasileira, o escritor Graciliano Ramos, em “Vidas Secas” usa a mesma metáfora para falar do sofrimento do povo do sertão nordestino, usando como título de um dos seus melhores romances a expressão ‘VIDAS SECAS”. Aí as pessoas secavam de fome, sede, e maus tratos por causa da política e da exploração dos coronéis da terra. Na Sinagoga secavam por causa da religião. Com a diferença, em Graciliano Ramos as vidas estavam mesmo secas e mirradas enquanto que aqui no evangelho a mão ressequida é uma metáfora para significar o sofrimento e a humilhação de toda a pessoa. A mão não estava seca, quem estava seca era toda a pessoa. Na verdade o evangelho não é geográfico e nem histórico mas é teológico. Estes recursos literários já nos foram indicados pela encíclica do Papa Pio XII em 1943. E porque era a “mão direita”? Porque entre os Judeus o hebraico é escrito da direita para a esquerda. O lado direito tinha precedência sobre o esquerdo. A mão direita representa o atributo de bondade; a esquerda representa a severidade. Quando aí se diz que o homem tinha a “mão direita seca” é a maneira de denunciar que a Sinagoga tirava a vida às pessoas, mirrando-as e secando a fonte da vida que são as mãos para trabalhar. Quando você está com medo o sinal vem logo nas mãos. As mãos ficam sem ação e trêmulas. O tremor começa nas mãos.

Vem outra cena descrevendo também na Sinagoga “uma mulher encurvada porque o demônio a amarrou por 18 anos” (Lc.13,16). E porquê na Sinagoga? Em ambos os casos a causa é atribuída à religião da Sinagoga, que em vez de produzir vida produzia a morte dos seus frequentadores. E tem o detalhe dos 18 anos. Porquê? Porque na numerologia hebraica o número 18 significa o tempo que a pessoa tem para desenvolver as suas possibilidades. Tirando-lhe este tempo, a pessoa fica “encurvada”, isto é, diminuída e sem vida para viver. ´Tiraram lhe o tempo dos anos que a pessoa pode fazer uma boa gestão da sua vida e prosperar. Dizendo que satanás tinha aprisionado essa senhora por 18 anos significava que tinha-lhe tirado todas as chances de se realizar e de prosperar, tinham destruído essa mulher. Por outro lado, ali o satanás significava o espírito hipócrita da Sinagoga, pois era a sinagoga que atrapalhava e destruía as pessoas impedindo-as na sua felicidade. Por meio de uma obediência de escravidão às ordens e tradições humanas, e não de Deus. (Mc.7,1-13) “Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir as tradições humanas”... O que encurva e ressequia as pessoas eram cargas pesadas que obrigavam a encurvar-se diante dos homens. Uma situação fisiológica criada com o abuso do trabalho físico é utilizada nesta parábola do evangelho de Lucas para significar a humilhação do povo que não tinha condições de se tratar. Inclusive a Sinagoga não colaborava para aliviar os fardos, mas os aumentava. Do seguinte jeito: O sábado era o único dia livre para cuidarem da saúde, e ir procurar um médico ou algum curandeiro. Mas o que a Sinagoga dizia? “Não, no sábado não é pra ninguém se tratar porque não podem caminhar mais de um quilômetro, mil passos; se caminharem mais incorrem em pecado”. Conclusão do fato: Quem chegava no sábado doente não podia procurar saúde porque era proibido. Ficavam mais doentes, e se vinham encurvados, ficavam mais encurvados; Quem vinha com as mãos ressequidas ou doentes, ficavam mais ressequidos. Se vinham deprimidos, ficavam mais deprimidos. Dessa maneira o sábado tornava-se meio de tortura e doença, enquanto que tinha sido criado como dia de libertação e de melhora das pessoas e famílias. Por conta de um fanatismo redondo, a Sinagoga caiu no absurdo de dar menos valor às pessoas do que a um animal. Diante dessa situação vem a pregação atribuída a Jesus: “Hipócritas! Cada um de vós não solta do curral o boi ou o jumento para dar-lhe de beber mesmo que seja em dia de sábado? Esta filha de Abraão, que satanás amarrou durante 18 anos não deveria ser libertada dessa prisão em dia de sábado?(Lc.13,16). Leia bem, em  vez de satanás, vamos ler “vocês”, que amarram assim as pessoas? E lhe tiraram os 18 anos da chance de ser feliz e de realizar a sua vida? O evangelho não é geográfico e nem histórico, ele usa essas metáforas de linguagem, assim como o Graciliano Ramos usando a mesma metáfora de “vidas secas”. O Graciliano Ramos escreveu para denunciar a péssima situação social do século passado (1950), e este evangelho nesta narrativa que afinal é uma parábola quis denunciar a péssima situação religiosa da Sinagoga, e quem, sabe, também das nossas igrejas. Aqui pode haver duas tendências: uma puxa para o individualismo religioso alienante; outra puxa para a crítica e análise social da sociedade e da religião da Sinagoga. E esta é que estava presente no texto deste evangelho. Não tem nada a ver com espiritualismo individualista alienado e alienante.

Conclusão. Remeto aqui para o pensamento da Encíclica de Pio XII “Divino Aflante Spiritu” de 1943, sobre a interpretação da Escritura: “A regra suprema para uma interpretação correta dos textos bíblicos consiste em encontrar e definir o que o autor quis dizer, e estar atento aos gêneros de discurso ou de escrita que ele utilizou”. (Divino Aflante Spiritu, 1943).

P.Casimiro João    smbn

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segunda-feira, 18 de setembro de 2023

O juramento de Hipócrates e as serpentes da Bíblia.


 

Nas Farmácias de todo mundo se olha o sinal de uma árvore com uma serpente enrolada. Não há dúvida: ali é uma Farmácia. Esse ícone vem de longa data, de escritos antigos antes da Bíblia, do poema épico “Os argonautas do deserto” do Apolônio de Rodes. Conta esse mito que os argonautas eram picados por cobras venenosas. O rei, Lico, invocou o deus Apolo, deus da saúde. Apolo respondeu que iria mandar o filho dele Esculápio enrolado numa planta feito uma serpente. “Preste muita atenção, disse Apolo, e não tenham medo, e distingam-no bem das outras serpentes. O rei Lico juntou o seu povo, e prestaram culto a Esculápio, filho de Apolo, e as serpentes sumiram, e os doentes ficaram curados. Hipócrates, discípulo de Esculápio continuou com o ofício de médico dos argonautas com o mandato de Esculápio. Este conto que circulava na época dos Judeus foi copiado no Livro dos Números, da Bíblia (Nm.21.4-9) quando esse Livro foi escrito, para destacar os perigos do deserto, e para encorajar os judeus depois da travessia do mar vermelho. O estudioso Phelipe Wajdenbaum fala claro nessa cópia, tão paralela com a narração do Livro dos Números (Wajdenbaum, Argonautas do Deserto, p.197). Esse mito na verdade originou o ícone das Farmácias de todo mundo, e originou também o Juramento dos Médicos, chamado de Juramento de Hipócrates.

Ah, mas você pode reclamar: no evangelho vem escrito: “Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado para que todos que nele crerem tenham a vida eterna”(Jo.3,14). Sim, mas também o evangelho fala na Arca de Noé, na Torre de Babel e na Criação do Éden, e na jumenta de Balaão, no entanto, a Igreja já falou que os primeiros Onze Capítulos da Bíblia que trazem estas histórias também são derivados dos mitos antigos do poema de Gilgamesh. Não só, o mesmo autor citado fala ainda que mais contos dos Argonautas foram também transportados e adaptados para a Bíblia como: Abrão e Sara; A água que brotou do rochedo; Elias e o carro de fogo; Eliseu e o seu machado “que dividiu o rio Jordão em duas partes”(o.c.p.186-322).

Conclusão. À guisa de conclusão repare bem nas afirmações da narrativa bíblica sobre as serpentes: ”Javé mandou contra o povo serpentes venenosas que os picaram, e muita gente morreu”(Nm.21,8). Pensemos se era possível Deus mandar serpentes para “matar o povo”? Linguagem que não adéqua com Deus. Deus não manda serpentes, e não mata. Nós divinizamos muito a Bíblia, aliás tudo no mundo é divino, mas a Bíblia não é mais que as outras coisas. Precisamos colocar a Bíblia dentro do contexto universal dos Livros da humanidade.

P.Casimiro João    smbn

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segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Ir na boca de um peixe e tirar uma moeda.


 

“Lança o anzol e abre a boca do primeiro peixe que tu pescares, ali tu encontrarás uma moeda; pega então essa moeda e vai pagar o imposto”(Mt.17,27).

Aqui é colocado um tremendo desafio com duas faces, verso e reverso. O primeiro era a consideração de que o imperador de Roma era o senhor das terras, peixes e mares, e tudo que se encontrasse nas águas e nos mares lhe pertencia. Mas aqui há um desafio: Jesus vinha mostrar que o senhor dos mares não era o imperador, mas Jesus. Este poder era representado na moeda que o peixe trazia na boca. Então essa é uma parábola, um ensino. Sobre os peixes e o imperador se dizia até que quando o imperador ia passear nas praias dos mares os peixes iam lamber lhe as mãos, e também que certo pescador conseguiu apanhar um enorme peixe e o apresentou a ele, porque o peixe tinha mostrado que queria ser pego para ver o imperador.

O imposto que antes era para o Templo de Jerusalém agora ía para os templos de Roma e humilhava muito os judeus. Ele lembrava-lhes a vitória de Roma sobre eles desde a revolta que resultou na total destruição de Jerusalém e do Templo no ano 70 d.C. Com isto o imposto agora definia os Judeus como uma raça derrotada e castigada na sua nacionalidade que tinha sido aniquilada. No entanto, nesta parábola e catequese que se seguiu à destruição do Templo, se enfoca o tema escatológico que acompanha sempre o povo judeu, que de derrota em derrota sempre o povo judeu tentavam levantar a cabeça  pensando e anunciando as vitórias futuras onde o Deus Javé  iria mostrar o seu poder pelos seus enviados, e agora pelo seu servo Jesus Cristo, destinado a ser o senhor das terras, dos peixes e dos mares e não mais o imperador.

Esta parábola tem um fundo muito característico sócio-político. Os imperadores romanos eram os donos e senhores dos mares, terras e águas de todas as nações conquistadas, e portanto da Palestina. Todo peixe pescado era patrimônio do imperador e tinha um imposto próprio além do imposto do ofício do pescador. Esta é a primeira consideração. A segunda consideração é a seguinte. Nesta parte trata-se do imposto para o Templo, por isso é dito, “vosso Mestre não paga o imposto do Templo?” (Mt.17,24). Antes de 70 d.C. os judeus pagavam o imposto para sustentar o templo de Jerusalém. Com a queda de Jerusalém e do templo no ano 70 Roma estabeleceu uma tesouraria imperial para arrecadar e desviar o imposto para o templo do Júpiter no Capitólio de Roma. Portanto aquilo que devia servir para o culto de Javé foi para o culto dos deuses pagãos dos romanos. Daí a pergunta e as dúvidas se Jesus devia pagar imposto ou não.

Conclusão. Vimos em outras páginas que os evangelistas falam muitas vezes que Jesus “só falava em parábolas”. E vimos também que os próprios evangelistas também eles mesmos contavam parábolas. E não só, botavam o nome de Jesus e lhe atribuiam as parábolas. Este é um exemplo por demais claro desta estratégia de que estamos falando. Esta é uma cena numa situação em que  já não há Templo porque já não havia cidade nem Templo. Era esta época exata em que estavam sendo confeccionados os evangelhos e suas catequeses e postos por escrito.

P.Casimiro João   smbn

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segunda-feira, 4 de setembro de 2023

REFLEXÕES SOBRE O FUTURO


 

Depois da morte de Jesus os autores cristãos expressaram os fundamentos da espiritualidade cristã, e esses fundamentos permanecem constantes, enquanto a cultura, a visão de mundo e nossas imagens de Deus já mudaram 190 graus. Por exemplo, a cozinha, o lugar de trabalho, o jardim, o Centro comunitário, o quarto de dormir, bem como a igreja paroquial e o tabernáculo, estão repletos da presença de Deus.

Os seres humanos estão agora atingindo a maioridade. Na verdade, como crianças até agora que imaginavam que na casa delas não tinha mais ninguém, só elas mesmo, e os pais para cuidar delas, agora nós estamos escutando rumores, sons, e vozes de outros “seres humanos” na outra “rua” de outras galáxias, e outros planetas. Que mudança, que surpresa: até agora pensando que éramos os únicos, o centro de tudo e de toda a criação. E mais? E se formas de vida em outros planetas existirem? O Filho de Deus teria que “descer” para redimi-las como “baixou” aqui na terra? Olha o desafio que a ciência vai trazer à nossa fé tão limitada e à nossa atual visão de mundo e de salvação. Como a Igreja tem se acostumado a pretender ”controlar” a ciência, e botar sempre sua opinião que tantas vezes são belos pitacos, será que vai querer também pretender “controlar” vida e independência de existências estelares? Ainda quero viver pra ver.

E aí tem lugar para falar sobre o que se entende por revelação. Será que a revelação não foi a expressão captada da expressão divina em determinados lugares, em determinadas culturas, com determinados padrões de pensamento e visões de mundo? A ideia de uma divindade estabelecida no céu que falasse só a determinado grupo de pessoas está passando de época. Esse desafio tem dado a possibilidade de melhor diálogo com outras religiões. Essa limitação de “exclusividade” de possuir e de ouvir Deus” está evoluindo. Imaginemos como, e o que estará para acontecer nos próximos vinte, cinquenta e 100 anos. Isso de “nós termos Deus do nosso lado, nós termos a verdade e vocês não têm, não irá acontecer mais. Percebemos que não podemos contar mais com a ideia de Deus só em nossas limitadas visões e mundo.

E ainda, como ficará a nossa percepção, no caso, quando ainda rezamos que somos “os degredados filhos de Eva”, segundo a bitola bem antiga, como é que eles poderão ser? Ou como seriam? Também “filhos de Eva”? Tenho a certeza que não, porque Eva não chegou até lá. No caso, para quem está longe da evolução da espécie humana, terá uma boa ocasião para aceitá-la. E eles, não sendo filhos de Eva, como serão as coisas sobre o pecado original? Será que os bispos da Santa Igreja irão ficar preocupados?

Ainda teremos que nos libertar de coisas como os dualismos: céu-terra; alma-corpo; espírito-carne; cabeça-coração; sagrado-profano; católico-protestante; cristão-pagão; divino-humano. Deus não está mais presente em um do que no outro. Se existirem seres como nós nos espaços estelares Deus estará tanto neles como em nós. E aí nós teríamos ocasião de uma nova reflexão e uma teologia sobre a salvação, e nos desligar bastante da limitação da nossa teologia relativa só ao nosso quintal desta pequena casa que é a terra, um pequeno grão de areia nos espaços infinitos. Temos que ir nos acostumando a pensar que formas de vida conscientes, pensantes certamente existem e podem se desenvolver em outro lugar. O nosso modelo de redenção limitou o pensamento cristão aqui, empacotando-o neste pequeno espaço. Agora nos damos conta de que não podemos conter a realidade de Deus em nossas limitadas visões do mundo, como num contentor. Temos que libertar nossa imagem de Deus da camisa de força em que foi formulada. Deus é Deus de mais de 400 bilhões de galáxias. Diz o autor M.Morwood que “o Papa não tem mais a presença de Deus do que o caminhoneiro ou a enfermeira”. Deus está tanto na cozinha como na catedral. “Em mim Deus fala, move-se, dança, compõe música ou escreve poesia, faz amor e cria vida, ri da imperfeição de tudo e chora por ela.” (O Cristão da amanhã, o.c.p.101). Na verdade, fomos criados na ideia de que a “divindade é uma realidade que existe somente “no céu”, e que a realidade que chamamos “Deus” existe em outro lugar. Enquanto que, como vimos na matéria anterior ela existe e pensa nas moléculas, nas articulações dos átomos e nos algoritmos, nos trabalhos dos laboratórios e nos trabalhos diários de nossas cozinhas e nas inteligências que distribuem nossas redes elétricas e de gás, e no trânsito emaranhado das ruas e avenidas das grandes cidades.

Conclusão. Ninguém nem nenhuma religião consegue capturar Deus nos seus contentores e controlar sua posse e sua presença, ou, quem sabe, levá-lo para onde “ainda não está”. Embora pareça o óbvio mas tem sido a tentação de muita gente e das várias religiões. Temos coisificado Deus, e tentamos sempre mais maneiras de coisificá-lo. Será que algum cientista ou religioso metido a cientista, ou cientista metido a religioso um dia pretenderá “levar Deus nas suas naves espaciais para lá, pensando que ele lá não está?

P.Casimiro João     smbn

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