sábado, 22 de abril de 2023

FÉ E DÚVIDA, FÉ HERDADA E FÉ REFLETIDA.


 O teólogo Karl Rahner fala da fé refletida e da fé irrefletida ou herdada. Define a fé refletida a fé onde entra a ciência bíblica, as ciências humanas, como a cosmologia, a antropologia, a filosofia e a sociologia. E define a fé irrefletida como a fé baseada em heranças, em mitologias, e dados sem fundamento, e tradições míticas. (Curso fundamental da fé,p.340ss).

Para dizer a verdade, a fé começou sendo herdada entre as primeiras heranças da humanidade. A Deus ninguém o viu mas todo mundo o sente como o ar que respiramos. Desde que os humanos se sentiram senhores de se segurar em pé, e de sua fala e de seu pensamento, deram-se conta que tinham a maior riqueza dentro de si, o seu pensamento e a sua consciência: Porque é que eu acendo fogo e antes não havua fogo? Porque é que eu estou no mundo? Aí começaram a fazer uma filosofia e uma teologia. Desde eles mesmos começaram a pensar em Deus. Era uma teologia “ascendente”. Sem bases científicas, só na observação.

Observaram que é verdade o princípio de S.Tomás que “só se chega a Deus pelos sentidos”. E daí o mesmo partiu para as Cinco vias das provas escolásticas da existência de Deus: o motor imóvel, a causalidade, a contingência, os graus de perfeição e o governo do mundo. E assim o homem primitivo começou filosofando, embora se diga que Séneca e Platão foram os pais da filosofia. E dessa filosofia da razão inicial partiram para uma teologia inicial do movimento e das causas e efeitos fisicos para chegar até Deus. Desde os primórdios constatamos o outro princípio de S.Tomás, que “a fé começa pela razão, porque ela une todos nós” (S.Tomás,, Suma contra os gentios). E o terceiro princípio do mesmo Tomás sobre a colaboração entre a fé e a razão: “a colaboração entre a fé e a razão é recíproca”. Os nossos ancestrais iam partindo da observação das coisas para dar respostas às suas perguntas. E daí veio o 4º princípio de S.Tomás: “A verdade não está apenas no intelecto, mas principalmente nas coisas”. Deste ensinamento dos homens primitivos iam nascer as lições para os seus descendentes; estava-se formando uma riqueza cultural e uma herança de fé, de pensamento e da razão. E assim vem o 5º princípio de S.Tomás: “A razão humana conserva um vestígio de semelhança com Deus”. Junto com este aparece o 6º princípio da fé em S.Tomás: “O verdadeiro é conversível com o ente; ora o ente está fora da inteligência; logo o verdadeiro está fora da inteligência, ou seja, nas próprias coisas”. Tem mais um 7º princípio da caminhada da fé em S.Tomás, respeitar os caminhos: “A fé tem os seus caminhos e a razão tem os seus caminhos”. Esta conclusão tomista serve para afirmar o não controle entre fé e razão (Cf. Marques, José da Cruz Lopes: As verdades da razão e as verdades da fé em T. de Aquino,  De Filosofia vol.9,n.18,2018).

Até agora tratamos do progresso do conhecimento pela razão e de quebra os inícios da fé dos nossos primitivos ancestrais. E observemos que a razão é uma procura e a fé é outra procura. E ambas trabalham juntas e entrelaçadas como duas pernas juntas. E porque o ser humano é uno na sua essência. A razão e a fé não o separam mas o unem. Crianças e dementes não têm a razão e também não têm a fé. A razão tem dúvidas, por isso pergunta; a fé tem dúvidas e por isso pergunta. Também afirma S.Tomás que a fé não existe sem a dúvida. “Não existe uma fé que não seja acompanhada pela disposição da dúvida” (Summa Teologiae, qst.I,tr.it- Umberto Galimberti, “Rastros do Sagrado”, p.333) A fé trata dos porquês, “porque é que é? a ciência trata de “como é que é?” Assim:

- A fé trata do porquê existe o universo? A ciência trata de como é feito o universo?  - A fé trata do porquê existe o ser humano? A ciência trata de como fazer o ser humano mais perfeito?  - A fé trata o porquê existe a morte e o que vem depois da morte? A ciência trata de como humanizar  a morte e viver mais? É por isso que a fé nunca termina, pois tem sempre mais porquês. E a ciência também, porque existe sempre outro como? Como fazer? Como agir? Na verdade, raciocinar é mais difícil do que crer” (Umberto Galimberti, “Rastros do Sagrado, p.331)

Neste linha de ideias já começamos a pensar no que falámos no início: sobre a fé refletida e a fé não refletida. Crer só de ouvir e não questionar é como ser um disco para gravar. Ou, no dizer de Paulo Freire, um ensino bancário, que seria como colocar dinheiro no banco para ficar parado. Questionar a fé não é duvidar de Deus mas procurar Deus que sempre fica além de nossas respostas. “Quando um jovem questiona a fé está encontrando razões para crer” (Alistar McGrath).

Dissemos atrás que a razão humana conserva um vestígio de semelhança com Deus. E foi aí que os primeiros ancestrais começaram a imaginar essa semelhança. Como? Nas imagens que fizeram e pelas quais consideravam essa semelhança. E da imagem do ser humano imaginaram a imagem de deus: O ser humano não existe sozinho, então deus também não é sozinho; o ser humano tem família? Deus também tem família. Todos os povos pensavam e representavam, e os judeus também. O ser humano se irrita? Deus também. O ser humano tem filhos? Deus também. O ser humano tem esposa? Deus também. Os judeus também tinham isso: a “rainha dos céus” ou “Astharte” como esposa do deus Javé. (Cf. John Bright, História de Israel, p.375 ss). O ser humano perdoa? Deus também. O ser humano é guerreiro? Deus também é guerreiro. O ser humano tem sua “casa”? Deus também.

Esta foi a primeira religião e fé dos nossos ancestrais. E como não viam Deus, fizeram-no à imagem e semelhança do ser humano, homem e mulher. A Bíblia diz que “Deus fez o homem à sua imagem e semelhança”, mas na prática eles é que fizeram Deus à imagem e semelhança do homem, igual os outros povos. Saibamos que os Judeus só “fecharam ”com um só Deus” no sec.III antes de Cristo depois do exílio da Babilônia quando já não tinham mais os reis, que ficaram todos presos ou mortos no Exílio, e então ficaram com Javé como único deus e rei porque antes adoravam os mesmos deuses que os reis adoravam. (J.Brigth o.c.p.510 ss),

Chegamos ao ponto da Bíblia falar e escrever sobre Deus após outros primeiros livros e poemas de outros povos sobre Deus, como o Enuma Elish e o Gilgamesh. A Bíblia e esses outros escritos botaram por escrito o que já vinha no pensamento e nas narrativas orais. H.Kung afirma o seguinte “os teólogos, que profissionalmente estão empenhados na verdade da fé, não possuem de antemão esta verdade, nem dela dispõem de forma definitiva” (O princípio de todas as coisas, Vozes, 2007,p.62). E de quebra a Igreja também não possui de antemão esta verdade nem dela dispõe de forma definitiva. A Igreja, como o ser humano, e como o teólogo, vive perguntando. Tem os Concílios, tem os Sínodos e tem os teólogos para os porquês. E não adianta dizer que está tudo na Bíblia. Já a Pontifícia Comissão Bíblica falou nisso afirmando: “O fundamentalismo insiste de uma maneira indevida sobre textos bíblicos com grande estreiteza de visão pois ele considera conforme à realidade uma cosmologia já ultrapassada, só porque encontra-se expressa na Bíblia” (Pont.Com. Bibl.1994) Na verdade, na Bíblia ficaram escritas as respostas antigas e os “porquês” antigos. Agora a ciência dá respostas totalmente diferentes daquelas iniciais, a que chamamos de mitos e lendas. Imagine que nós agora íamos responder como é feita a bomba atômica? Sabemos o porquê, mas não sabemos como? Além disso, há coisas que na época da Bíblia não existiam e ninguém imaginava, como a engenharia genética. A Bíblia não fala e nem podia falar. Por exemplo os processos da fertilização in vitro, quando um casal resolve com esse processo. Na verdade, teologias mudaram de perspectiva e de configuração, como a salvação universal que foi debatida no conc. vaticano II. Antes já tinha-se debatido sobre a salvação ou não das crianças sem batismo. E sobre a necessidade irrenunciável do batismo para a salvação? Porquê? Porque certas sentenças bíblicas como aquela “sem batismo não há salvação” e “fora da Igreja não há salvação”, “quem não crer será condenado” ganharam outra interpretação teológica, uma vez que as interpretações antigas dependiam do histórico judaico, que era a herança do exclusivismo dos Judeus pensando que sé eles é que eram salvos, e quem fosse circundado. Ou seja: como os judeus pensavam que eram a única religião do mundo, também os primeiros cristãos pensavam que eram a única religião do mundo. Foi portanto um fim de prazo das prateleiras dessas sentenças bíblicas.

Conclusão. Do dito podemos concluir aduzindo alguns perigos para a fé. 1. A “repetição conforta porque se apoia numa suposta imutabilidade da verdade. E na medida em que uma verdade afirmada no momento é a verdade que alguém já está acostumado a ouvir aí cria-se uma falsa certeza de ser-se e sentir-se senhor e dono da verdade”(Rubens Alves, Religião e repressão, Loyola,138). 2. Segundo perigo, a “verdade que prevalece não é necessariamente a verdade, mas aquela que as instituições dominantes impõem”(Michel Faucault, Metafísica do poder, Ed.Graal, 2007, p.12).

Contra estes perigos a “crítica dos ateus pode ajudar-nos a romper os esquemas em que tantas vezes encadeamos e deformamos a ideia de Deus” (Queiroga, André Torres, Creio em Deus pai, 2005, p.21).

P. Casimiro João   smbn

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sábado, 15 de abril de 2023

O “Meu Senhor e meu Deus”, de Tomé, e as intenções políticas nos evangelhos.


 Falemos sobre Tomé e sua famosa declaração de fé em “meu Senhor e meu Deus” (Jo.20,28). Santo Inácio na Carta aos cristãos de Esmirna, no séc. II, explicava que “Pedro e os seus companheiros apalparam Jesus e viram que não era um fantasma. E imediatamente eles o tocaram e creram. E que Pedro tocou as marcas nas mãos, que Tomé tocou a ferida, e que André olhou para as pegadas de Jesus” (Epist. Apostolorum, 11-12). Raymund Brown diz sobre o episódio de Tomé que alguém podia dirigir-se a Jesus com a mesma linguagem que Israel se dirigia a Javé, "Meu Senhor e meu Deus" como rezavam  nos Salmos 32, 24 e 95.  E que “se cumpria assim a vontade do Pai: ‘Que todos honrem o Filho como honram o Pai’. (“O Evangelho de João vol 2, p.1514). E acrescenta que “todas estas afirmações eram incluídas na liturgia que estava sendo desenvolvida na época. Devido a isso nos diz ainda o autor citado: “O apóstolo Tomé foi escolhido para representar a incredulidade de todos os apóstolos nas suas dúvidas e demoras em crer: “Ó gente sem inteligência, como sois lentos em crer em tudo que anunciaram os profetas”(Lc.24,25). E isto baseado em afirmações anteriores de Tomé, como quando da simbologia da ressurreição de Lázaro, em que os apóstolos se opuseram à ida de Jesus para o tumulo de Lázaro, e Tomé rematando daquele jeito: ‘vamos também nós e morramos com ele” (Jo.11,16).(Cf. R.Brown, o.c.p.1531).

Em segundo lugar saltamos agora para o episódio de Madalena quando avisou Simão Pedro e outro discípulo, ”aquele que Jesus amava” que o tumulo estava vazio. “Corriam juntos mas o outro discípulo correu mais depressa e chegou primeiro ao túmulo, mas não entrou. Chegou então Simão Pedro e entrou; entrou também o outro discípulo que tinha chegado primeiro, viu e acreditou.” (Jo.20,4-9). Porque é que era preciso que Pedro entrasse primeiro? Significa que Pedro devia ser o primeiro por ser o chefe dos Doze: dar vez à autoridade de Pedro. E por outro lado o “discípulo amado correu primeiro” era para dizer que ele tinha mais amor e mais fé. Isto significa a polêmica tradicional que havia entre a comunidade joanina e petrina. Aliás, como já vimos noutro blog, o “discípulo amado” é uma construção dos escritos de João para significar o contraste entre as comunidades de Pedro e de João. Se as comunidades de Pedro eram da autoridade, as João da fé e do amor. Daí o símbolo criado do “discípulo amado” que não era o apóstolo mas um símbolo. (Cf. Richard Baukcham, “As testemunhas oculares”, p.350 ss).

Esta polêmica criada pelo segundo ou terceiro século, aliás tem continuado na Igreja, e deu origem aos problemas com as Igrejas Orientais ortodoxas no séc.VIII e no séc. XVI com Lutero. E não só, dentro da Igreja católica continua nos problemas entre autoridade versus estudo da fé; magistério pontifício versus magistério teológico; autoridade dos Papas versus autoridade dos estudiosos. Um exemplo recente está em que no Conc.Vaticano II ficaram problemas muito sérios para ser resolvidos sobre a Família e tudo que se reportava aos novos métodos de reprodução. Porém, o Papa Paulo VI não teve paciência de esperar, e em 1968 publicou a encíclica “Humanae Vitae”, condenando laqueaduras e métodos anticoncepcionais. Afinal não se tem dado atenção aos seus conteúdos, e dizem os estudiosos que foi a encíclica menos obedecida no séc. XX. “Foi o caso em que na história da Igreja no séc.20 a grande maioria do povo e do clero recusava obediência ao Papa em uma questão realmente importante” (H.Kung, A Igreja tem salvação?” p.178).

Passemos agora para outros itens mais resumidos para poupar espaço: Nicodemos e José de Arimetéia; O véu do Templo; o episódio da orelha cortada; O jovem nú; e a declaração do centurião romano junto da cruz. Estudiosos dizem que Nicodemos e José de Arimatéia são figuras simbólicas dos cristãos judeus ocultos dos primeiros tempos tentando se converter às comunidades mas com medo dos judeus para aparecer publicamente. (Richard Baukcham, o.c.p.245). O véu do Templo que “rasgou de alto a baixo” significa o velho Testamento que dava lugar ao novo, assim como pedras e rochas se abriram e “mortos” ressuscitaram são elementos da escatologia de sinais imaginados que iriam aparecer no final dos tempos.(Mt.27,51). O episódio da “orelha cortada” só é atribuído pelo evangelho de João ao Pedro para recordarmos um sinal ainda das polêmicas mencionadas atrás, visto que nos outros três evangelhos sinóticos nenhum deles fala em Pedro, mas “alguém dos circunstantes”, confira Mc. 14,47; Mt. 26,47; Lc.22,47). Esse “alguém dos circunstantes” poderia muito bem ser um inimigo do sumo sacerdote com raiva de algum servo dele. O jovem que “correu nu” e largou o lençol (Mc.15,51) está sendo interpretado como uma figura dos discípulos, pois “todos o abandonaram e fugiram” na hora da prisão. “Então todos os discípulos o abandonaram e fugiram” (Mt.16,56). (Cf. Chad Myers, “O evangelho de Mateus”p.438). Finalmente a declaração do centurião “verdadeiramente este homem era justo”(Lc.23,47) ou “era filho de Deus”(Mc. 15,39) seria outra afirmação para adular os romanos e atribuir mais culpa aos judeus por não reconhecer Jesus. “Pilatos e Roma são praticamente absolvidos” na análise de Eugene Boring “Introdução ao Novo Testamento, vol. 2 p.1088.

Conclusão. Intenções politicas nos primeiros escritos dos evangelhos? Sem dúvida. Vamos ao significado de “polis”, “politica”, a arte de viver, e conviver na cidade. E como cultivando essa arte de conviver e sobreviver não poderia faltar, ela não faltou nos evangelhos. Faz-me lembrar que o cientista Galileu Galilei (1564-1642), no quebra braço com a Igreja ele disse ao Papa que  sua teoria era “falsa” só para se livrar da morte pela fogueira após oito anos de prisão, enquanto que o seu colega Giordano Bruno (1548-1600) foi condenado à fogueira, porque não usou a “política” da cidade, de Galileu Galilei.

P.Casimiro João     smbn

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sábado, 8 de abril de 2023

A Páscoa e o sopro do Universo.


 

Diz a lenda, aliás o poema, a Odisseia de Homero que o navegador Ulisses, para não se deixar seduzir pelo canto das sereias se fez amarrar a um mastro do navio depois de tapar os ouvidos dos seus homens.  Porém, Orfeu superou esse canto com uma música mais bela, e por isso as sereias, despojadas do seu poder, se lançaram no mar e se transformaram em recifes. Santo Agostinho disse um dia que “dois trompetes soam de modo diferente mas um mesmo Espirito sopra dentro deles”. O mesmo ar, a mesma música ressoou dentro dos trompetes dos ouvidos e do coração de Ulisses e de Orfeu, mas a reação foi diferente. Ulisses esboçou uma reação que foi se amarrar para não se deixar apaixonar, já Orfeu esboçou a reação de superar o canto das sereias, cantou melhor e as derrotou. 

 

Aqui temos exemplo de resiliência e de superação em relação aos sons que ressoam nos nossos ouvidos e às imagens que grudam nos nossos olhos. Certamente que Orfeu poderia ter-nos deixado este poema encantador: ’’A música é a graça do universo, o presente que as esferas do universo oferecem aos homens. Eu não vejo que a harmonia das esferas se deva unicamente à coordenação que existe entre elas como pensava Aristóteles, mas creio que decorra sobretudo do som que dimana do seu movimento. Trata-se do movimento que harmoniza a nossa alma com os pontos invisíveis do universo e com muitos mundos distantes. E aqui chegamos a precisar melhor o conceito de “harmonia”, que não está tanto na combinação dos sons mas na correspondência entre a emissão da sonoridade cósmica e a percepção da alma humana. Certamente que este lugar não é descritível, como não é descritível a música, que quando está escrita não soa, e quando soa não é visível. Entre o sinal preto da nota e o papel branco sobre o qual ela está impressa existe aquela distância que eu chamo de infinito. O universo se foi construindo com ritmos e harmonia e as esferas em seus giros produzem música” (cf.htt:// Pitágoras a e música das esferas).

 

É o infinito que a música preenche e a alma sente. Foi esse infinito que preencheu a alma de Orfeu e superou o finito da distância das Sereias.

 

Falamos agora da ressurreição e da superação da morte. Alguns se amarram nas tábuas do caixão e pensam que nunca mais delas sairão. Outros cantam o hino da claridade da Páscoa, e seus voos sobem tão lindo e tão alto como Jesus. “Não me segure, que ainda tenho que subir para o Pai” (Jo,20,17).

 

Mais curta que a distância entre o cadáver e o sepulcro é a distância entre a fé e o amor da Madalena e de todas as Madalenas. FELIZ PÁSCOA.

P.Casimiro João    smbn

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sábado, 1 de abril de 2023

Domingo de Ramos e o início dos evangelhos.


 

Os primeiros escritos dos evangelhos eram a narração da paixão. Estes escritos, que certamente têm algo a ver com a fonte “Quelle” fizeram pela primeira vez a catequese coligida que fez a raiz e o broto do evangelho de Marcos, ou ‘São Marcos’. Daí a cópia passou a fazer parte da outra comunidade onde se desenvolveram as catequeses do evangelho chamado de Mateus e de Lucas. Mas sempre as origens da vida de Jesus onde o carro chefe era a paixão, morte e ressurreição.

Hoje em dia no domingo de Ramos é apresentado ao povo cristão o evangelho, ou a Paixão segundo Mateus, cap.27, 11-54.   Impressiona-nos a seguinte temática, como um refrão repetido, ou a tecla fundamental da música: Quando Pilatos perguntou ao povo se era pra soltar Jesus ou Barrabás, qual dos dois quereis que eu solte? A multidão gritou: Barrabás. “Que farei com Jesus, que chamam de Cristo?” –“Que seja crucificado”; “Mas que mal fez ele?” –“Eles porém gritaram com mais força: seja crucificado”. Pilatos lavou as mãos e disse: “então esse problema é vosso”.

São três as vezes em que Pilatos se mostrou como inocente da morte de Jesus. E as culpas todas atribuídas aos Judeus. Além daquele detalhe hilárico da mulher de Pilatos pedindo que “não se envolvesse com esse justo”. Porquê isto? Todos os estudiosos recentes dão o seguinte motivo sobre a maneira de inocentar Pilatos sobre a morte de Jesus: Os evangelistas não queriam impressionar os romanos, mas adulá-los. Tiveram todo cuidado para não atribuir as culpas a Pilatos, mas aos Judeus e às autoridades dos judeus. Justamente, porque em causa estavam as primeiras comunidades que estavam se formando entre os romanos no meio dos quais viviam como povo colonizado e não independente. E por outro lado a admiração é maior por quanto os historiadores sabem que Pilatos era um terrivel assassino e governador tirano e cruel com histórico de muitos massacres em cima da população judaica como quando mandou massacrar centenas de sacerdotes no templo quando protestaram contra a imagem de Cesar Augusto que tinha colocado no Templo. A estratégia era portanto adular e agradar os romanos. E como estes originários escritos da paixão foram o broto original que deram sequência ao resto dos evangelhos, aí se criou o quadro e o formato para outras narrativas seguintes da vida de Jesus. Vimos aqui em outros blogs o exemplo das curas do servo do centurião romano apresentado com tanta fé, que Jesus “não tinha encontrado tanta fé em Israel” (Mt.8,10). Não só, mas logo aquela afirmação ainda na hora da morte de Jesus quando também outro centurião teria exclamado: “verdadeiramente ele era filho de Deus” (Mt.27,54). Estratégias grandes para apelar à conversão dos cidadãos romanos para não perseguirem  os cristãos e para entrarem para as comunidades que estavam começando. Sempre inocentando os romanos e suas autoridades e culpando os judeus e suas autoridades.

Não podemos deixar de lado aspectos derivantes da história do Antigo Testamento que foram colocados nas cenas da Paixão. Vou-me reportar apenas aos elementos da escatologia judaica tradicional, em que “houve uma grande escuridão sobre toda a terra”; “A terra tremeu e as pedras se partiram; os túmulos se abriram, e os corpos dos santos falecidos ressuscitaram, saindo dos túmulos depois da ressurreição de Jesus e apareceram na Cidade Santa e foram vistos por muitas pessoas” (Mt.27,51-34). Estas afirmações são da escatologia antiga judaica sobre o que os antigos imaginavam que ia acontecer no fim dos tempos (Cf. Joel, 2, 10.31 e Is.26,19 e 13,10). Isto não foi verdade, são só imaginações antigas. E até porque o Novo Testamento tinha esta proposta que o fim dos tempos antigos tinha chegado, e começavam os novos tempos, o tempo da restauração e redenção com a morte de Cristo, o que notamos noutro sinal, que “a cortina do Templo se rasgou de alto abaixo em duas partes”(Mt.27,51).

Conclusão. Chamamos aqui as palavras de Pio XII quando escreveu: “A regra suprema para uma interpretação correta dos textos bíblicos consiste em encontrar e definir o que o autor quis dizer e estar atento aos gêneros do discurso ou de escrita que ele utiliza” (Encíclica Div. Aflante Spiritu,1943). Boa Semana Santa.

P.Casimiro João   smbn                

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