Às Às vezes nós vamos atrás do que no
evangelho não tem importância e é de algum comentarista que pôde ter
acrescentado ao texto do primitivo evangelho. E isso dava ibope. Ou por não
concordar com o que vinha escrito atrás ou colocando um seu comentário às vezes
até fora do contexto. Botamos aqui um aparte histórico de como isso acontecia.
Em primeiro lugar, os evangelhos tiveram início com a narrativa da Paixão. E a
primeira narrativa apareceu 40 anos d.C. no pequeno evangelho de Marcos. Mateus
e Lucas tiveram conhecimento dele e depois cada um fez algumas mudanças e
aumentos nos seus respectivos escritos que foram chamados de evangelho de
Mateus e de Lucas, pelos anos 80 e 95 respectivamente. De João nem se fala
porque foi escrito pelos anos 100 ou 105 d.C. E aí devemos tomar consciência do seguinte: nenhum dos evangelistas foi
testemunha ocular dos acontecimentos da Paixão, como eles mesmos atestam quando
dizem que depois da prisão de Jesus “todos
o abandonaram e fugiram” (Mc. 14,50; Mt.26,56 ). E então deixaram Jesus
sozinho e entregue à própria sorte. Em segundo lugar, como não havia
testemunhas presenciais nem entre os apóstolos e nem entre os redatores, a
curiosidade dos primeiros convertidos levava a se dirigirem aos mais velhos
para captar “ditos”, frases e acontecimentos da pessoa de Jesus para
reconstituir o “Jesus histórico” da maneira que fosse possível, o que foi
acontecendo. Até que, depois das recordações da Paixão surgiu outra coleção ou
livrinho que foi chamado de “Ditos de Jesus”. E ambos começaram a circular.
Esses “ditos” e acontecimentos eram aumentados depois por comentaristas e novos
redatores. E tudo isso sendo grampeado em épocas sucessivas. Este processo foi
avançando até o século IV. Aí a Igreja, já mais organizada levantou a voz e
veio a proibição de fazer mais aumentos e acrescentos no que já estava escrito.
Esse trabalho ganhou o nome de “Lista” ou “Cânon” na linguagem da época. Isso
deu-se no concílio de Hippona (África) no ano de 393 por iniciativa do São
Cipriano. Na verdade “na época em que a fé cristã entrou no mundo, esse ‘mundo’
era mágico, ou seja, davam mais valor ao misticismo, como sonhos, sinais e milagres,
onde tudo era milagre”(Dreher, Martin, “A Igreja no império romano” 2013, p.103).
E, como vimos, foi muito difícil reconstituir a figura do “Jesus histórico”.
Tornou-se mais fácil delinear então a figura do “Jesus da fé”, que tem feito o
grande imaginário de toda a teologia, catecismos, e vivência das Igrejas e do
povo cristão. Além disso, ainda que os evangelhos apócrifos ficaram fora do
Cânon do séc.IV, contudo muitas páginas deles, difusas e aleatórias ainda
ficaram nos evangelhos, sobretudo nas narrativas da Infância e da ressurreição.
Uma terceira observação: Dissemos que as narrativas da Paixão não foram
presenciadas por testemunhas oculares. Então como foi? Fácil assim: os
redatores foram buscar narrativas do Antigo Testamento que falavam do poema do “Servo”
de Isaías, cap. 50 sgs. E ai usaram o processo “copia-cola” aplicando-o a
Jesus. E foi isto que deu mais ibope do que os fatos históricos anteriores. Um
exemplo mais: No cap.14 de Lucas vem que um rei preparou o casamento do seu
filho, porém os convidados faltaram ao convite. Foi quando o rei mandou os
empregados introduzir na sala do banquete cegos, aleijados, povo da rua para encher
a sala do banquete” (Lc. 14,15-24). Em Lucas e Marcos condensam assim. Porém em
Mateus foi inserido um comentário de um pregador ou algum catequista que
certamente podia não concordar com aquela multidão no banquete, e então,
segundo os estudiosos, fez a sua colocação aumentando o seguinte: “Quando o rei entrou para ver os convidados
observou ai um homem que não estava usando trajes de festa e perguntou-lhe ‘amigo,
como entraste aqui sem o traje de festa?’ Então o rei disse aos que serviam: amarrai
os pés e as mãos desse homem e jogai-o fora, na escuridão! Aí haverá choro e
ranger de dentes. Porque muitos são os chamados e poucos os escolhidos”
(Mt.22,11-14). A gente pergunta: afinal, quem é que estava com traje de
festa, se todos estavam sem traje de festa, pois os empregados “se espalharam
pelos caminhos e encruzilhadas e reuniram todos quantos encontraram, maus e
bons, de modo que a sala do banquete ficou lotada”? (Mt.22,10). E ainda: o
comentarista trocou os pés pelas mãos: afinal foram poucos os convidados e
muitos os escolhidos, ao contrário do que ele disse, tanto que encheram a sala.
Então, repetindo o nosso início: às vezes vamos atrás do que no evangelho não
tem importância e é de algum que talvez não sabia o que dizia. Porque dá “ibope”.
Quantos pregadores devem ter feito sermões empolgados com este homem castigado
porque não tinha o “traje”, atribuindo ao pecado, afinal tudo fora do contexto.
Aliás isso dá belamente para um sermão burguês e para auditórios de burgueses.
E dá “ibope”. Mas não dá ibope aquela lição moral de incluir gente de rua, trabalhadores,
doentes, aleijados, no banquete, e, o que falta ainda, gente que faz questão de
escolher seu gênero e suas opções sexuais. Isso não ia dar ibope, pelo contrário,
ia dar “exclusão”, do jeito dos fariseus. Falamos que os pregadores tradicionais
enfatizam o “traje de festa” para falar do pecado. Na verdade a Igreja sempre gostou de falar de pecado. Os protestantes
dão ibope com o demônio, a Igreja católica dá ibope com o pecado, talvez mais
do que com a misericórdia. Só para terminar, outro “ibope” com o pecado: o da “ovelha
perdida”, equiparada ao “pecador”. Vejamos o contexto no evangelho de Mateus: “Guardai-vos de menosprezar um destes
pequeninos porque eu vos digo que os
seus anjos no céu contemplam sem cessar a face do meu Pai que está no céu. Que
vos parece? Um homem possui cem ovelhas, uma deles se perde; Não deixa ele as
99 nas montanhas para ir buscar aquela que se perdeu? E se a encontrar sente
mais alegria do que pelas noventa e nove? (Mt.18,10-14).
Aqui dá ibope duas vezes, falar
de “criança” e da “ovelha perdida” referindo-se ao “pecador”, enquanto aqui não
tem essa conotação. Já dissemos em páginas anteriores que esses “pequeninos”
eram as pessoas expulsas das sinagogas, pois no catecismo dos Judeus (o
Talmude), os Anjos se envergonhavam dessa gente incluindo as crianças. E de “ovelha
perdida” não tem a ver com o “pecador” mas com essas pessoas expulsas das
sinagogas. Como diz o versículo quando falou dos “pequeninos”: que vos parece, um homem possui cem ovelhas,
e uma delas se perdeu”, essa que faz parte dos “pequeninos” e que é preciso
ser acolhida de volta. “O que fizerdes ao
mais pequenino dos meus irmãos é a mim o
fizestes” (Mt.25,40). Também naquele
outro contexto que diz “Deixai vir a mim
as crianças e não as impeçam porque o reino dos céus é para aqueles que se lhes
assemelham”(Mt.19,14). Quem são aqueles que se lhes assemelham? Os “pequeninos” e os
“desprezados”. “Jesus demonstrou sua preocupação pelos pequenos usando um dos termos
mais desprezados da época que era a palavra “criança”, e insistiu que seus
discípulos recebessem os mais humildes” (Elsie Gilbert, “Biblia e Criança”).
Estes humildes eram expulsos das Sinagogas. Resultado: a “ovelha perdida” nunca
foi o “pecador” mas as pessoas desprezadas e expulsas dos ambientes sociais e
religiosos, como hoje das nossas igrejas e convivências. E o evangelho em
questão termina assim: “Quando encontrar essa pessoa pequena e expulsa (essa “ovelha
expulsa” haverá mais alegria no céu do que pelos 99 acomodados que se julgam os
donos da religião, da fé e da igreja” que se julgam justos como o fariseu no “templo”
(Lc.18,9-14).
Conclusão. Este senhor que terá feito esse comentário ele queria
falar certamente que o homem excluído tinha “pecado”, falando do “traje”. Sim, a Igreja sempre teve tendência de
insistir no pecado. Os protestantes no demônio. Outro “ibope”. E dá-se outro “ibope”
na “ovelha perdida”, equiparada ao “pecador”. Nem vemos que isso vem no contexto
dos pobres expulsos da Sinagoga, entre eles as crianças. Então comparemos com o
outro paralelo “tudo que fizerem ao mais pequenino dos meus irmãos foi a mim
que o fizeram” (Mt. 25, 40). Já pensou no outro “ibope” que tem dado aquilo de que “a
mulher foi tirada da costela do homem”? Dizendo que não foi tirada da cabeça nem dos pés
para que não fosse dominada pelo homem.” Quanto ibope tem dado essa anedota
tirada do “mito” da Criação, de Gn.2,22).
P.Casimiro João smbn www.paroquiadechapadinha.bogspot.com.br