segunda-feira, 9 de outubro de 2023

A Igreja, mãe ou madrasta? Uma cena em 5 atos.


 

O Reino dos céus, no imaginário dos judeus não é o céu. Nem para Jesus e nem para os apóstolos, mas era o Reino que com Jesus estava pra começar. “Não é agora que vais restaurar o Reino de Israel” (At.1,6). Era o que estava também na cabeça de Pedro e dos Doze apóstolos: “Quem é o maior no Reino dos céus” (Mt.18,1); “para sentarmos no teu Reino, um à tua direita e outro à tua esquerda” (Mt.20,21). Vamos apresentar uma cena em 5 Atos: 1º Ato. Jesus terá segurado uma criança e terá dito: “quem receber em meu nome uma criança como esta é a mim que recebe”(Mt18,5) E: “Se não vos tornardes como crianças não entrareis no Reino dos céus”(18,4). Comparemos com outra afirmação de Jesus: “Tudo o que fizerdes a um destes pequeninos foi a mim que o fazeis” (Mt.25,40). Vale dizer estas afirmações são paralelas. Receber uma criança equivale a receber o “menor”. Então compreendemos que “criança” significa o “menor”, o “sem valor”. Fazer-se como criança é se colocar no lugar do menor para fazer parte do Reino dos céus. Isto então é o contrário do que pretendiam os Doze discípulos quando queriam um Reino de grandeza e onde há ministros, chefões, coronéis, e donos de terras onde eles seriam os primeiros. Significa tornar-se pequeno, fazer-se igual aos outros, companheiro e amigo. Porque o orgulho se julga o maior. E o dinheiro é o que faz o orgulho.

2º Ato: “Não desprezeis nenhum destes pequeninos porque eu vos digo que os seus Anjos veem sem cessar a face do meu Pai que está nos céus”(Mt.18,10). Pergunto, e os outros Anjos não veem sem cessar a face de Deus? O que significa? Vejamos: No Talmude (o Catecismo dos Judeus) se dizia que cegos, coxos, mulheres, mudos, doidos e crianças não podiam entrar na Sinagoga porque os Anjos deles tinham vergonha deles e tapavam a cara para não olhar nem para Deus nem para eles. Daí se revertia a situação e se afirma que sim, os Anjos deles não tapam a cara e não têm vergonha deles. É deles o lugar na Sinagoga, no Templo e nos Reino dos céus.

3º Ato: Aplicando aos nossos dias: quem está sendo excluído das igrejas, da Oração, do convívio religioso e social, e do novo Povo de Deus? Não são os pobres, os negros, certas mulheres, os afro-brasileiros, e o povo LBGTQ+?

4º Ato: “Os seus Anjos nos céus veem sem cessar a face do meu Pai que está nos céus” (Mt.18,11) Há um fundo histórico, sócio-cultural e religioso nesta afirmação, como vimos no  Talmude dos Judeus. Nesta parte do evangelho todos esses tipos de pessoas, doidos, cegos, surdos, mulheres, mudos, ficavam todos excluídos da sciedade e incluídos na classe mais baixa que são as crianças. Então, em oposição a esse repúdio e desprezo, aqui o evangelho garante que sim, que essas pessoas sem status e sem estatuto social não só vão poder entrar na Sinagoga e no templo, mas que os Anjos não se envergonham deles e nem fecham os olhos, e assim veem constantemente a face do Pai que está nos céus. E por isso mesmo são os preferidos de Deus numa ironia que os Anjos “não fecham os olhos” para não enxergar Deus nem tais pessoas.

5º Ato: O homem das 100 ovelhas: “Que vos parece, continuou Jesus, se um homem tem 100 ovelhas e uma delas se perde, não deixará as 99 nas montanhas para procurar aquela que se perdeu? Se ele a encontrar ficará mais feliz com ela do que com as 99 que não se perderam”(v.13). A pergunta: quem é a ovelha que se “perdeu”? Justamente esses tipos de pessoas que eram excluídas da Sinagoga. Aí quem se perdeu significa “que vocês jogaram fora, marginalizaram e excluíram do reino de Deus e do Templo. A afirmação é a mesma: por isso são os preferidos de Deus, mais do que os “frequentadores do Templo, e da Sinagoga, com vaidades e preconceitos”. Aqueles que se “perderam” são aqueles que vocês jogaram fora. Infelizmente, com o andar do tempo desviou-se o sentido destas parábolas para um espiritualismo vazio muito individualista, tomando a “criança” no seu sentido biológico, e o “pecador” como a “ovelha perdida”, enquanto que não tem nada a ver com isso: o pecador é quem excluiu e afastou a ovelha. É evidente que, historicamente, à Igreja interessava este sentido “individualista” do espiritualismo “individual” em vez de olhar a realidade da exclusão e de tantas participações por conta de tantos preconceitos. São estas as “ovelhas perdidas”, i.é, expulsas, que é preciso ir atrás e dialogar sobre os motivos do afastamento e da marginalização, e do desprezo e do abandono. Antigamente a Sinagoga era madrasta.     Em vez de acolher excluía. A Igreja de Cristo tem tido épocas de madrasta em vez de mãe. Eu acho que agora está na hora de ser mãe e não mais madrasta como antigamente, que era madrasta. Denunciando esta situação de madrasta, veja a declaração de SONIA GOMES, nos trabalhos que estão decorrendo no Sínodo: “É preciso ter o coração fraterno para o encontro com as mulheres que choram pelo caminho da crucificação diária, pois encontramos muitas mulheres que não tem acesso à Eucaristia, ao Batismo e catequese para os seus filhos, por conta de estruturas ainda duras, moralistas, que não conseguem sentir compaixão”, advertiu. Sônia é presidente do CNL, Conselho Nacional de Leigos do Brasil.

Conclusão. Fizemos pietismo apequenado do termo “criança” e da “ovelha perdida”. Sem avaliar o real sentido e a real lição histórica e teológica que está nestas palavras.

P.Casimiro João    smbn

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