A socióloga Andréa Loyola afirma que o
“casamento pertencia à organização na qual a sexualidade reprodutiva estava
reservada para as esposas, e o sexo não reprodutivo numa equação em que se
colocavam de um lado a procriação e, do outro lado, o desejo e o erotismo”
(Andréa Loyola, “Saúde e medicina, a revolução do séc.XX, 2003. Por outro lado
São Paulo considerava o matrimônio recurso contra as tentações: “É melhor casar-se
do que abrasar-se” (1Cor.7,9). Temos ainda o tradicional domínio do homem do
qual resultam a dependência financeira da mulher e sua aceitação dos “deveres
conjugais” em que constava o serviço sexual.
O casamento começou a ser considerado
sacramento no séc. XII. Antes era só um acontecimento familiar. A Igreja não
participava dele. Vejamos então um pouco do histórico do matrimônio e da moral
sexual. Até o séc.XII os pais dos noivos e outros parentes acompanhavam os
noivos ao quarto, despiam-nos e o pai do noivo abençoava os dois. Depois
retiravam-se e deixavam-nos sós enquanto todos iam para um banquete.(Vainfas,
1986, p.30). A segunda etapa foi quando a bênção que o pai do noivo fazia
passou para o padre a pedido do pai do noivo. Nessa ocasião a celebração começou
a ser transferida da casa dos noivos para a igreja, diante da porta da igreja.
E foi quando a Igreja contou os sete sacramentos, incluindo de quebra o
matrimônio. Apesar de necessário, o sexo no matrimônio continuava como pecado
para muitos sacerdotes e moralistas. Isto até pelo séc.XV em diante. E deveria
restringir-se à reprodução, que não estava livre do estigma do pecado, e nada
de desejos eróticos. O Papa Gregório Magno falou na sua época: “é quase
impossível sair puro do abraço conjugal” ( Flandrin, 1985, p.136). Depois do
séc XVI e XVII foi tirado o rótulo de pecado, contanto que servisse só
para reprodução. E daí vem a “dívida matrimonial” nessa data pela qual
nenhum dos dois podia recusar-se a pagar a dívida do sexo. Estamos pois vendo o
ciclo de mudanças e etapas sobre a moral sexual. Mais à frente, o pedido
do marido devia ser sempre exigido, porém se a mulher se recusasse, o “confessor”
para resolver a questão diante dos dois.
Desde o séc.XII, então, ficou como “um
ritual sagrado” na alçada da Igreja, assim como a vida íntima do casal, e virou
um tempo de total opressão e “tortura” para o casal onde o “confessor” tinha
que esquadrinhar todos os recantos escondidos do casal, seus atos e suas
intenções. O contato demasiadamente erótico era condenado pela Igreja. A
exigência da procriação era sempre a
preocupação principal. Nesse ambiente começaram a ser condenados
todos os atos que não servissem para a procriação, como a masturbação, a sodomia
e onanismo. As confissões tornaram-se “torturas” onde os padres
massacravam com todo tipo de perguntas os casais. (Cf. Flandrin, A vida sexual
dos casados na sociedade antiga).
Depois deste histórico, estamos mais
por dentro a este respeito. Do nada, o casamento virou sacramento, e a Igreja
se apoderou dele e estabeleceu normas e “sacralidade”. E como do nada, surgiu
também uma doutrina sobre outros assuntos como a masturbação, que só começou a
ser questionada nessa hora tomando carona no dado questionável do prazer
erótico só permitido para a procriação, seguindo a trilha do Antigo Testamento
que decretava justamente o sexo com a única finalidade de “multiplicação”, pois
no Israel antigo ter muitos filhos e filhas significava ser abençoado por Deus,
além do trabalho da terra que aumentava: “Casai-vos e gerai muitos filhos e
filhas, escolhei esposas para vossos filhos e dai vossas filhas em casamento a
fim de que tenham muitos filhos e filhas”(Jer.29,6); “Lameque viveu 777 anos e
teve muitos filhos e filhas( Gn 4,17).
Guiamo-nos agora pelo célebre Moralista
Marciano Vidal no II volume de “Moral de Atitudes”, 2ªed.1980. Iremos tratar os
seguintes itens: Inadequação entre o que se prega e o que se vive; a formulação
oficial sobre a gravidade da masturbação; Época de uma obsessão coletiva
pelo tema da masturbação; Gravidade da masturbação; Inconsciente
aversão ao sexo; O decálogo e a moral sexual.
1. Cada vez se nota mais uma confusão
na cabeça do cristão: “A moral das Igrejas cristãs, oficialmente vigente, é
contestada e esquecida na maior parte dos estratos da sociedade atual,
contestação e esquecimento que se referem tanto a aspectos concretos,
como à totalidade da apresentação. O principal motivo é a forma de apresentar
as normas do comportamento sexual. Não tem correspondido para nenhuma renovação
no significado da sexualidade uma reapresentação coerente e adequada na
formulação das normas sexuais. Esta lacuna ou este ‘hiato’ entre ‘significado’
da sexualidade e ‘normas sexuais’ está criando sérios conflitos na vida moral
dos fiéis e está contribuindo para a falta de credibilidade do ‘ethos’ cristão
na sociedade atual” (o.c.p.427). Um dos problemas, quem sabe, na mente do
autor, é a arcaica apresentação do sexo como só para reprodução. Outros itens
apresentados pelo autor: o “modo
autoritário” na apresentação e justificação das normas que pressupõe a
aceitação de um dirigismo moral ou uma moral de obediência; O modo ‘fechado’ na
formulação das opções, não levando em conta a nova situação da sociedade aberta
e pluralista; O modo ‘abstrato’ na dedução das normas a partir de alguns
princípios previamente aceitos e não questionados; O modo ‘absoluto’ de fixar
normas com caráter universal e com validade universal; O modo preferentemente
‘proibitivo’ na apresentação das exigências da sexualidade” (o.c.p.428).
2. Em segundo lugar, houve uma época na
Igreja de “obsessão coletiva” pelo tema da masturbação nos séculos 18 e
19. Entre os autores que para isso contribuíram são citados Gerson, Bekkers
e Tissot, que criaram esse ambiente obsessivo que perdurou até os dias de
hoje. Tais autores mantinham-se num reducionismo biológico e numa dimensão
puramente biológica da sexualidade, não considerando o processo natural humano
e as etapas da evolução cognoscitiva e psicológica. Não podemos deixar de frisar
que certas normas seriam resultantes de experiências negativas e traumas
desses e tantos outros autores que chegaram a encher livros, expondo ali seus
imaginários negativos. Essas experiências e traumas psicológicos são notados
pelos autores modernos, como já acontecidos na vida de São Jerônimo e de Santo
Agostinho que deixaram suas marcas nos seus tratados. De fato, o substrato de
sua formação moral eram as teorias do maniqueísmo e do estoicismo onde se
proclamava que a matéria era má e separada de Deus.
3. Uma inconsciente aversão ao sexual
pelo fato de muitos moralistas não terem acesso aos atos sexuais e não executar
certos comportamentos sexuais: “Se nos fosse permitido levar ainda muito mais longe
a interrogação, perguntaríamos: não haveria no rigorismo moral sexual um
colorido, inconsciente, suponhamos, de desejo de opressão das classes mais
pobres da sociedade, as quais seriam frustradas em algo que tinham a seu
alcance? De fato, as classes mais elevadas sempre tiveram uma moral mais
laxa, socialmente falando; de fato, também toda revolução social vem
acompanhada de “uma reivindicação sexual. Estas perguntas referem-se mais do
que a uma moral cristã ensinada nos manuais, refere-se à regulação
sócio-cutural do comportamento sexual em uma sociedade, que, por outra parte,
chama-se de cristã” (o.c.p.422).
Esta crítica fina de Marciano Vidal
corresponde ou tem o seu paralelo na moral do aborto, uma vez que toda a
crítica vai nessa linha de penalizar as classes mais pobres da sociedade, uma
vez que as classes ricas sempre encontram todos os meios de praticar seus
abortos. Aliás, de quebra, uma observação sobre a restrição da comunhão : nas
visitas papais não existe, e todo político é o primeiro da fila para a comunhão
das mãos do Papa.
Muitos de nós católicos fazemos uma ideia demasiado elevada
sobre os Santos, como se tudo neles fosse intocável. Até que ultimamente o Papa
Francisco disse claramente que “os santos, por serem santos, nem tudo neles
está certo” (Catequese do 18 de maio 2018), se referindo aos seus ditos e
escritos, como por exemplo a teoria colocada por Agostinho que as crianças sem
batismo não iam para o céu... E muitos santos sofriam de doenças psicológicas,
e patologias, que por serem santos lhes foram atribuídas como virtudes:
“aversão ao sexo”, “às mulheres”, doenças parapsicológicas que se manifestavam
em feridas como os “estigmas”, ou chagas etc. O Papa João Paulo II disse no
evento da canonização do Padre Pio que “os santos são santos não pelos
estigmas, mas apesar deles”. Sirva-nos isto para termos presente que muitas sentenças
de moral foram simplesmente sentenças e opiniões de santos que foram
tomadas universalmente.
4. O decálogo e a moral sexual.
Já é do nosso conhecimento que Códigos antigos influenciaram o Código do Sinai.
E noutro Blog referimos como o sogro de Moisés, sacerdote dos Madianitas
teria transferido para ele, Moisés, muita coisa desses códigos dos madianitas,
com essa cultura e configuração sexual.(www.paroquiadechapadinha.bogspot.com.br
de 21/3/21). Devido a isso, prestemos atenção às seguintes afirmações de
M.Vidal: “Não resta dúvida que as formulações sócio-culturais em questão foram
superadas ou estão em contradição com a plenitude neotestamentária. Além disso,
por mais que se queira esticar o horizonte do decálogo, não poderá abarcar todo
o amplo campo de uma moral sexual cristã para o momento presente. Os estudos
exegético-teológicos sobre o decálogo manifestam claramente estas limitações
dos preceitos relacionados com a moral sexual. Julgamos, pois, como
incompleta e inadequada uma exposição moral da sexualidade a partir das
formulações do decálogo. Tanto de uma perspectiva teológica como de um ângulo
pastoral aparece a exigência de ir retirando as fórmulas veterotestamentárias
para uma expressão adequada da moral sexual cristã”. (o.c.p.411).
Sobre o centro da questão que é o fator
principal orientador da prática permitida do sexo seria a “reprodução” o livro
de um autor que se direciona principalmente aos jovens tem a seguinte
observação: se isso fosse válido, o que dizer do sexo dos casais após a
menopausa e dos casais idosos e dos estéreis? (Ademildo Gomes, Catequese
cristã, p.101). Cf. também Alírio Pedrini, Jovens em renovação, p.98-99). O
mesmo autor diz: “Paulo é o único autor de Novo Testamento que fala de uma
orientação homossexual. Mas não podemos atribuir nem a Paulo nem aos demais
hagiógrafos uma compreensão da homossexualidade análoga à nossa, pois careciam
das categorias sociológicas, culturais e psicológicas que hoje temos. Portanto ninguém
está afastado de Deus pelo simples fato de ser homossexual, assim como ninguém
tem lugar garantido no “banquete da salvação” pelo simples fato de ser
heterosuxual” (o.c.p.113). E citando o mestre Moser termina: “Ser
homossexual ou heterossexual é adjetivo, a pessoa é substantivo. É sobre o substantivo que devemos concentrar
especial atenção”.
5. Temos a ocasião de apresentar ainda
a afirmação de Marcelo Vidal: “Não existe nenhuma prova definitiva da Sagrada
Escritura e do magistério da Igreja para que nos vejamos obrigados a admitir a
doutrina da não parvidade de matéria na luxúria diretamente voluntária. As
poucas declarações do magistério a esse respeito podem ser enquadradas na linha
do simples “prudencial”. (o.c.p.420). E o grande B.Haring conclui assim por sua
vez: “Em vista a uma maior informação da tradição global da Igreja e da
psicologia atual, os autores mais representativos da teologia moral são de
parecer que em matéria de sexto mandamento ou de castidade existe a parvidade
de matéria. Não devemos colocar diferenças entre moral sexual, a justiça e
outros mandamentos e virtudes”. (DETM, 1014, cf. Eduardo Azpitarte, Matrimônio,
pg.153). E para os bíblicos, o mesmo B.Haring, no referente à masturbação
afirma: “Na Escritura não se apresenta nenhum texto seguro referente à conduta
da masturbação” (cf.A.Plé, B.Haring). “Na Escritura não se apresenta nenhuma
condenação direta e expressa dessa
prática determinada.”(E. Azpitarte, o.c p.182).
Conclusão.
O que tivemos ocasião de ver é que temos de falar sobre atualização.
Todas as ciências estão sujeitas a uma atualização e as pessoas a uma reciclagem
do seu saber. Imaginemos que um médico hoje em dia fosse atender com a medicina
da Idade Média. A teologia se atualizou, nasceu o estudo da antropologia, da
cosmologia, da psicologia, da pedagogia, das ciências humanas e sociais que
todas influem no crescimento e no comportamento do ser humano. As pessoas se
atualizam nessas várias áreas, é preciso também uma atualização nos conceitos
da moral e da moral sexual que é influenciada por todos esses ramos dessas
ciências que caminham juntas com o ser humano.
Daí segue-se
1)- A educação afetivo-sexual deve considerar a totalidade da pessoa, portanto,
a integração dos elementos biológicos, sociais e espirituais; 2)- Devemos
insistir na importância da liberdade em vez do medo, na luz oferecida pela
ética cristã, na responsabilidade, e na promoção da autonomia; 3)- Rever a
ideia ou denúncia contra um moralismo tradicional, infantilizante e acrítico,
marcado pela obrigatoriedade externa e fria, onde a lei era mais importante que
os sentimentos, o prazer, a alegria e o amor; 4)- Assumir uma linguagem nova e
mais adequada no tema da sexualidade para que as informações sejam acolhidas de
uma forma benéfica e positiva; 5)- Devemos estar atentos à psicologia do mundo
atual, o qual está habituado a só ouvir os “não” da parte de Igreja e dos
mandamentos; 6)- A nossa voz não deverá limitar-se a dizer “o que pode” e “o
que não pode“, “o que deve” ou “o que não deve”, o mundo em que vivemos reclama por reflexão, e por
esclarecer os porquês das coisas. (Cf
Ademildo, o.c.p.73-77).
P.Casimiro João smbn
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