“As pessoas buscam a religião mais para
ter apoio em seus esforços para viver neste mundo do que para o mundo próximo”
(Harvey Cox, O futuro da fé, Paulus, 2015, p.13). Para o teólogo, a fé é uma
preocupação última (Paul Tillich), enquanto que a crença é uma “opinião”,
“creio que seja assim mas não tenho a certeza”. Desde Platão que há debates
sobre a existência de Deus. Por natureza essas disputas dizem respeito a
crenças, porque antes de Platão a fé já surgiu nos nossos mais antigos
antepassados com o “homo sapiens”.
Para H.Cox, os dois mil anos do
cristianismo têm três etapas, a primeira: Era da Fé, com Jesus; a segunda: a
Era da crença com tentativas de Catecismos; A terceira: quando uma elite, a classe clerical sofisticaram
os manuais com listas de crenças que chegaram ao séc.IV sem haver um credo
único. Nessa época foi Constantino, o imperador romano quem decidiu apossar-se
do cristianismo para dar suporte a suas ambições para o império. Com isso ele
ainda continuou adorando o deus sol Hélio junto com Jesus. Com Constatnitno, “O império tornou-se
cristão e o cristianismo tornou-se império (H.Cox,o.c.p.17). Ele impôs uma
liderança forte às Igrejas nomeando e demitindo bispos, pagando salários,
financiando construções. Ele era a verdadeira cabeça da Igreja e não o Papa. O
cristianismo coagulou num xadrez de crenças de obrigatoriedades e excomunhões.
Mandou à morte mais de 25 mil cristãos porque tudo vinha por meio de “decretos
imperiais”. Isto culminou com a Bula de Bonifácio VIII no séc.XIII que afirmava
a autoridade do Papa sobre o domínio espiritual e temporal. Esta foi a época da
Crença, ou seja, dos decretos onde a obrigatoriedade era forçada e vigiada como
uma camisa de forças ou tornozeleira eletrônica. O período medieval foi marcado
pela obrigatoriedade e os castigos. Para o clero havia os Manuais da Moral
Casuística que eram Manuais com listas e regras de agir e de medir a gravidade
dos pecados. Não se atendia à subjetividade do sujeito mas ao objeto em si.
Hoje em dia os juízes avaliam a culpabilidade conforme o réu é primitivo, se
tem antecedentes, as considerações do psiquismo da pessoa, etc. Nessa época
nada disso entrava em consideração. Até porque o pecado não existe em si,
suspenso no ar, existe na pessoa e nas suas condições, que diminuem ou anulam a
responsabilidade e podem isentar até de toda a culpa. Era a época sem pessoa, e
só do pecado. Pecado sem pessoa. Infelizmente ainda nestes tempos sofremos de
julgamentos desse tipo, visto que não há avanços atualizados de estudos desta
época, mas ainda dessa época. Como se diz: Se um psicólogo tiver a formação de
há 100 anos, como vai consultar hoje? Um cirurgião com métodos de há 100 anos,
que cirurgias iria fazer hoje num hospital moderno? Entre os protestantes
apareceu o Fundamentalismo. “Essa palavra foi inventada na primeira metade do
séc.XX por cristãos protestantes que compilaram uma lista de crenças
teológicas a respeito das quais não haveria concessões. Então, de maneira
intransigente, decidiram que defenderiam esses “fundamentos”. (H.Cox,o.c.p.
28). Finalmente, a época atual, do Espírito. Esta época já teve os inícios um
tempo atrás, mas custou a desenvolver por muitas forças contrárias e
acostumadas à velha Idade Média. Foi com o monge italiano Joaquim de Fiore. Ele
ensinava que a história se resume por sua vez em três períodos: o período em
que Deus era o Único, no AntigoTestamento, o Javé sem rival e solitário. Com o
cristiansmo veio a época do Filho, e agora será a vez do Espírito. Na época do
Pai(Javé) era a época da obrigatoriedade própria do A. T. Na época do Filho, a
obrigatoriedade da Igreja. E agora inaugura-se o período do Espírito ou do amor universal onde “o amor universal reinaria
e onde os infiéis se uniriam aos cristãos”. Se tivermos em conta a história
vemos a “obrigatoriedade da circuncisão para a salvação na época do A.T, no 1º
período; depois a obrigatoriedade do Batismo para ser da Igreja e para a
salvação, no 2º período; E agora a pessoa tem a liberdade de religião e de
consciência para querer ou não querer ser batizado, e para ser daquela Igreja,
ou não seguir nenhuma religião. Esta etapa foi sacramentada pelo concílio
vaticano II (G.et Spes, n.16). Só como observação, vejamos os “segredos” da
primeira etapa “do Pai” no A.T: “Os doutores da Lei diziam que a tradição oral
lhes fora transmitia desde Moisés, com o poder de “ligar e de desligar” para os
judeus do mundo inteiro. (Emile Morin, o.c.p.109). Por seu lado, este poder de
ligar e desligar passou para o período do Filho (a Igreja), numa afirmação no
único evangelho de Mateus, donde o Papa Bonifácio VIII sacou aquela Bula que
afirmava que a autoridade do Papa era total quanto ao poder espiritual e ao
poder temporal, como referido atrás. Quanto aos Escribas, eis os seus segredos:
“Os escribas eram instruídos com uma
ciência isotérica. Tratava-se de ensinamentos secretos sobre Deus: o tratado da
visão do carro de Ezequiel, o Nome divino dotado de virtudes mágicas; os segredos
das maravilhas da criação; das leis sobre o incesto; dos fundamentos da Torá e,
particularmente dos motivos que levaram o Senhor a estabelecer prescrições
legais particulares; de fórmulas mágicas utilizadas pelos rabinos; das
tradições genealógicas que, se reveladas desacreditariam famílias importantes.
O povo devia ignorar estes escritos isotéricos que, considerados inspirados,
eram-lhe superiores em valor e autoridade. Todo o ensinamento dos escribas
tinha portanto um aspecto secreto pelo fato que a Tradição dos anciãos não
podia ser difundida por escrito, sendo o “segredo de Deus”. No trato social,
todos se deviam levantar quando passava um escriba. Quando morreu o escriba R.Acha,
as estrelas tornaram-se visíveis em pleno meio dia; quando morreu B.Hanan, as estátuas
caíram por terra; quando morreu B.Hanina, o mar de Tiberíades se dividiu em
dois; quando morreu R.Ishaq setenta soleiras de casas desabaram na Galileia; quando
morreu R.Shemmuel os cedros caíram em Israel e um feixe de fogo caíu do céu e se colocou
entre seu esquife e o cortejo fúnebre, e durante três horas houve trovões e
relâmpagos no mundo” (Emile Morin, o.c.p.109-110). Fico espantado com o
“grau” de “misticismo” que beira o mais espirituoso ridículo aqui descrito. Não admira o combate de Jesus
contra este fundamentalismo: “Ai de vós
que fechais o reino dos céus”...(Mt.23,13). Atitude essa que o E.Morin
chama de “terrorismo religioso”. “Eles pareciam ter a chave da ciência. É este
o terrorismo dos donos da ciência” E daí vinha o endeusamento dos mesmos: “Ele
pode, eu não posso; Ele sabe, e eu não sei; Ele tem contato com Deus, eu não tenho;
Ele é santo, e eu sou pecador; Só ele pode abençoar” (o.c.p.119). Em vez disso,
nesta terceira etapa as mulheres assumem posições de liderança, e muitas escolhem
o “Espírito” como maneira preferencial de referência ao divino. “O que seria de
uma Igreja só com a prece de seus especialistas sem o grito dos marginalizados,
sem a imaginação das mulheres? Toda a liturgia é fuga ou magia na medida em que
não é vivida como pulsão entre o amor de Deus e o cuidado dos mais sofridos. O
fato de os cristãos “praticantes” serem mais conservadores do que os outros
prova que muitas coisas devem ser mudadas ainda para que a Igreja se torne
oração de todos para todos. Para que servem os cultos de liturgia se neles se
celebra um Deus que só se enquadra nas ambições deles? Os “franciscanos espirituais”
depois de São Francisco continuaram ensinando que o “Espírito” podia ser
encontrado na natureza, no “irmão sol”, e na “irmã lua” mas também pregavam
contra a riqueza da Igreja institucional. O pesquisador Setl Wax reuniu 110
entrevistas de pessoas de áreas profissionais diferentes que se sentem próximos
a Deus nas profissões que exercem.” (E.Morin, o.c.p116). E lembremos as mais de
mil enfermeiras e outros tantos enfermeiros que aceitaram entregar a sua vida
para salvar tantos doentes da COVID 19.
Conclusão.
Desta visão dos dois primeiros períodos temos uma ideia de como a fé e a crença
tomam formas diferentes. Para um esclarecimento ulterior, o A.T se baseava no
sacerdócio e no Templo. E, de quebra, Jesus e os discípulos “nunca tomaram
parte de um sacrifício no Templo” (E.Morin, o.c.p 112). Quem insistiu em ainda
transportar alguma ligação forçada com o sacerdócio do Antigo Testamento para
Jesus, afirmando Jesus como sacerdote, foi o autor judeu anônimo da Carta aos
hebreus, que era considerada de Paulo mas que agora está esclarecido que não é
de Paulo, mas desse anônimo judeu que imaginou Jesus como continuador de um
sacerdote da antiga Lei, enquanto que “Jesus e seus discípulos nunca
participaram de um sacrifício no Templo”, como afirmado atrás.
P.Casimiro João smbn
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
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