Segundo Platão, o deus
Zeus recusou sacrifícios humanos. Um dia em que Neféle ia sacrificar o seu filho Frixo ele
enviou-lhe um carneiro de ouro para substituir o filho que ele queria sacrificar.
Isto nos faz lembrar o episódio de Abraão quando, por uma suposta “ordem de Deus” estava também pronto para
sacrificar o filho Isaac, quando Yaweh lhe teria apresentado um carneiro ali
preso nos espinhos. (Gn.22,1-18).
Devemos ter em conta
que os judeus conviviam com deuses, sacrificavam aos mortos, e ofereciam
sacrifícios de crianças, mormente em tempos de crise. (Cf M.Smith, “O memorial
de Deus”, p.150). Desta maneira, o filho mais velho estava destinado para ser a
próxima vítima para os deuses quando aconteciam calamidades, epidemias, ou
grande abalos da natureza como pestes e terramotos. Nessas horas os antigos
atribuíam isso como castigos de Deus, e eram a vingança dos deuses por causa
dos pecados do povo. E os deuses exigiam a morte do filho mais velho para
aplacar a sua ira. A morte dos primogênitos dos egípcios é um reflexo dessa
mentalidade, pois Deus estava irado com o Egito. E de quebra também na
circuncisão dos meninos dos judeus que teriam que ser “resgatados” pela oferta
de um animal, porque eles pertenciam a Deus. Segue esse mesmo padrão a cena
típica do sacrifício do filho primogênito de Abraão: “Toma teu filho único, dirija-se à terra de Moriá e ofereça-o aí em
sacrifício sobre um monte que eu te indicarei” (Gn.22,2). Aqui aconteceu a
troca do filho por um carneiro, igual
como na história de Neféle onde houve a troca por um carneiro de ouro. As
antigas religiões viviam desse imaginário de sacrificar filhos pelos pecados do
povo. Estas exceções de Abraão e a outra de Platão são casos extremos da troca
por animais, o que iria acontecer muito mais tarde como regra geral, como está
ordenado no Livro de Levítico quando fala dos sacrifícios. *Lv.cap. 1; cap.9,
13 e 17). Em consequência vem a teologia de Paulo nas suas Cartas onde diz: “Deus não poupou seu próprio filho, mas o
entregou por todos nós”(Rom 8,32). Sempre a mesma ideologia de sacrificar o filho primogênito, ou o filho
único, pelos pecados do povo. Porquê? Porque era preciso acalmar a fúria dos
deuses, e de Yaweh quando os judeus sacrificavam, e do Pai do céu quando
“entregou” o filho “pelos pecados dos homens”. Dessa teologia paulina se desenvolveu
a teologia dos Padres da Igreja, passou pela época medieval e chegou aos nossos
dias. Porém, agora sabemos por meio de novos conceitos que a fúria dos deuses
não existe, e nem existiu a fúria de Javé no Éden quando “postou os querubins”
com espada flamejante para guardar o caminho e a porta do Éden, depois de ter
expulsado o homem, (Gn.3,24). Essa ordem nunca existiu, porque o conto é um
conto e não uma história física. Então, como não existia a fúria, como
acontecia com os “deuses antigos”, também não é exigido “sacrificar” o
filho pelos pecados dos homens. Até que
se sabe agora que o Gênesis é uma “etiologia” ou um catecismo antigo para
“adivinhar” como teria sido a “criação do mundo”, e “adivinhar” de “onde teria
vindo a morte, e de onde teria vindo o sofrimento”. E o Gênesis , como o
Gilgamesh e Enuma Elish dos babilônicos, mais antigos que o Gênesis, cada um de
sua maneira imaginaram uma explicação,
mas todos os três compartilhando com todos os três. Há novos dados antropológicos
e científicos e cosmológicos onde não se
vai pela imaginação mas pela certeza que antes desses livros já existia o mundo
há 15 bilhões de anos, céus, mar, plantas, terra e animais há 10 bilhões de anos,
oito e sete respectivamente, e o ser humano há cinco milhões de anos. E morria
gente e vivia, faziam amor e enterravam seus entes queridos com respeito e
orações, sem nunca ter visto querubim nenhum com “espadas flamejantes”.
Que a Igreja caminha
junto com a humanidade está hoje afirmado, quando pela primeira vez, perdeu na
quebra de braço quando viu que errou quando condenou a ciência, nos casos de
Nicolau Copérnico, Giordano Bruno e Galileu Galilei. E quando largou a teologia
de Agostinho sobre a condenação ao inferno de quem não era batizado, como até
as crianças, e adultos. Quando, depois de condenar as teorias do Iluminismo, da
“liberdade de religião” e “liberdade de consciência” hoje está retirando esses
anátemas. Vale dizer, o mundo caminha, não é um mundo paralítico; e a Igreja
tem que caminhar, não pode ser uma Igreja paralítica.
Conclusão.
A vida é um show como diz o cantor, o mundo é um palco. É uma surpresa olhar os inicios do pensamento da humanidade,
como ela lidava com os deuses e como os imaginava: seres devoradores que
devoravam vidas, mas primeiro porque eles se devoravam uns aos outros. E os
mortais que assim os consideravam se acomodavam aos seus desejos vorazes. E se
os homens extrapolavam era também devorados por eles. Esse imaginário ainda vem
acompanhando 98 por cento dos mortais gerando medos, pavor e depressões. Entrou
no Novo Testamento com a obrigação de entregar o filho mias velho para ser
“devorado” pelos deuses. Até a ousadia foi tão grande que o Deus cristão também
apanhou o título de ser devorador dos mortais por “causa dos pecados”. E até,
como não havia “equivalência entre as ofertas humanas que apaziguassem a
“dívida e fúria divina”, esse Deus se teria visto na necessidade de entregar o
seu filho que, teria caido na “armadilha” de viver uns tempos com os homens,
para exigir a morte dele para ser também “devorado” pela fúria divina”. Assim
estaria feito o “equilíbrio” entre “a dívida” e o “pagamento” pelos pecados.
Deus por Deus, filho por filho. Foi nesta teologia de Paulo que caminhou a
Igreja e ainda continua caminhando.
P.Casimiro João smbn
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
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