segunda-feira, 1 de abril de 2024

TEOLOGIA BÍBLICA, A FÚRIA DOS DEUSES E OS FILHOS PRIMOGÊNITOS


 

Segundo Platão, o deus Zeus recusou sacrifícios humanos. Um dia em que Neféle  ia sacrificar o seu filho Frixo ele enviou-lhe um carneiro de ouro para substituir o filho que ele queria sacrificar. Isto nos faz lembrar o episódio de Abraão quando, por uma suposta  “ordem de Deus” estava também pronto para sacrificar o filho Isaac, quando Yaweh lhe teria apresentado um carneiro ali preso nos espinhos. (Gn.22,1-18).

Devemos ter em conta que os judeus conviviam com deuses, sacrificavam aos mortos, e ofereciam sacrifícios de crianças, mormente em tempos de crise. (Cf M.Smith, “O memorial de Deus”, p.150). Desta maneira, o filho mais velho estava destinado para ser a próxima vítima para os deuses quando aconteciam calamidades, epidemias, ou grande abalos da natureza como pestes e terramotos. Nessas horas os antigos atribuíam isso como castigos de Deus, e eram a vingança dos deuses por causa dos pecados do povo. E os deuses exigiam a morte do filho mais velho para aplacar a sua ira. A morte dos primogênitos dos egípcios é um reflexo dessa mentalidade, pois Deus estava irado com o Egito. E de quebra também na circuncisão dos meninos dos judeus que teriam que ser “resgatados” pela oferta de um animal, porque eles pertenciam a Deus. Segue esse mesmo padrão a cena típica do sacrifício do filho primogênito de Abraão: “Toma teu filho único, dirija-se à terra de Moriá e ofereça-o aí em sacrifício sobre um monte que eu te indicarei” (Gn.22,2). Aqui aconteceu a troca do filho por  um carneiro, igual como na história de Neféle onde houve a troca por um carneiro de ouro. As antigas religiões viviam desse imaginário de sacrificar filhos pelos pecados do povo. Estas exceções de Abraão e a outra de Platão são casos extremos da troca por animais, o que iria acontecer muito mais tarde como regra geral, como está ordenado no Livro de Levítico quando fala dos sacrifícios. *Lv.cap. 1; cap.9, 13 e 17). Em consequência vem a teologia de Paulo nas suas Cartas onde diz: “Deus não poupou seu próprio filho, mas o entregou por todos nós”(Rom 8,32). Sempre a mesma ideologia de sacrificar o filho primogênito, ou o filho único, pelos pecados do povo. Porquê? Porque era preciso acalmar a fúria dos deuses, e de Yaweh quando os judeus sacrificavam, e do Pai do céu quando “entregou” o filho “pelos pecados dos homens”. Dessa teologia paulina se desenvolveu a teologia dos Padres da Igreja, passou pela época medieval e chegou aos nossos dias. Porém, agora sabemos por meio de novos conceitos que a fúria dos deuses não existe, e nem existiu a fúria de Javé no Éden quando “postou os querubins” com espada flamejante para guardar o caminho e a porta do Éden, depois de ter expulsado o homem, (Gn.3,24). Essa ordem nunca existiu, porque o conto é um conto e não uma história física. Então, como não existia a fúria, como acontecia com os “deuses antigos”, também não é exigido “sacrificar” o filho  pelos pecados dos homens. Até que se sabe agora que o Gênesis é uma “etiologia” ou um catecismo antigo para “adivinhar” como teria sido a “criação do mundo”, e “adivinhar” de “onde teria vindo a morte, e de onde teria vindo o sofrimento”. E o Gênesis , como o Gilgamesh e Enuma Elish dos babilônicos, mais antigos que o Gênesis, cada um de sua maneira  imaginaram uma explicação, mas todos os três compartilhando com todos os três. Há novos dados antropológicos e científicos e cosmológicos  onde não se vai pela imaginação mas pela certeza que antes desses livros já existia o mundo há 15 bilhões de anos, céus, mar, plantas, terra e animais há 10 bilhões de anos, oito e sete respectivamente, e o ser humano há cinco milhões de anos. E morria gente e vivia, faziam amor e enterravam seus entes queridos com respeito e orações, sem nunca ter visto querubim nenhum com “espadas flamejantes”.

Que a Igreja caminha junto com a humanidade está hoje afirmado, quando pela primeira vez, perdeu na quebra de braço quando viu que errou quando condenou a ciência, nos casos de Nicolau Copérnico, Giordano Bruno e Galileu Galilei. E quando largou a teologia de Agostinho sobre a condenação ao inferno de quem não era batizado, como até as crianças, e adultos. Quando, depois de condenar as teorias do Iluminismo, da “liberdade de religião” e “liberdade de consciência” hoje está retirando esses anátemas. Vale dizer, o mundo caminha, não é um mundo paralítico; e a Igreja tem que caminhar, não pode ser uma Igreja paralítica.

Conclusão. A vida é um show como diz o cantor, o mundo é um palco. É uma surpresa  olhar os inicios do pensamento da humanidade, como ela lidava com os deuses e como os imaginava: seres devoradores que devoravam vidas, mas primeiro porque eles se devoravam uns aos outros. E os mortais que assim os consideravam se acomodavam aos seus desejos vorazes. E se os homens extrapolavam era também devorados por eles. Esse imaginário ainda vem acompanhando 98 por cento dos mortais gerando medos, pavor e depressões. Entrou no Novo Testamento com a obrigação de entregar o filho mias velho para ser “devorado” pelos deuses. Até a ousadia foi tão grande que o Deus cristão também apanhou o título de ser devorador dos mortais por “causa dos pecados”. E até, como não havia “equivalência entre as ofertas humanas que apaziguassem a “dívida e fúria divina”, esse Deus se teria visto na necessidade de entregar o seu filho que, teria caido na “armadilha” de viver uns tempos com os homens, para exigir a morte dele para ser também “devorado” pela fúria divina”. Assim estaria feito o “equilíbrio” entre “a dívida” e o “pagamento” pelos pecados. Deus por Deus, filho por filho. Foi nesta teologia de Paulo que caminhou a Igreja e ainda continua caminhando.

P.Casimiro João   smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

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