“Pedro desceu da barca e começou a
andar sobre a água. Mas quando sentiu o vento ficou com medo, e começando a
afundar, gritou: ‘Senhor, salva-me’. Jesus logo estendeu a mão e segurou Pedro.
Assim que subiram na barca o vento se acalmou. Os que estavam na barca disseram
‘verdadeiramente, tu és o filho de Deus” (Mt.14,29-33).
Esta
cena só vem descrita no evangelho de Mateus. Comparemos com outra cena que só
vem também no evangelho de Mateus: “E vós
quem dizeis que eu sou? Simão Pedro respondeu: ’Tu és o Cristo, o filho de Deus
vivo’...Eu te declaro que sobre esta
pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra
ela”. (Mt.16,15-18).
O
primeiro episódio é paralelo ao segundo: ‘verdadeiramente,
tu és o Filho de Deus (’14,33); ‘Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo’ (16,18).
Nos dois episódios se fala em igreja, porque no primeiro a barca
é a igreja. E ambos os episódios têm a confissão, no primeiro proferida
por todos os discípulos:“ verdadeiramente
tu és o filho de Deus”, no segundo proferida só por Pedro, ’Tu és o Cristo, o filho de Deus vivo’.
No
primeiro tem a barca, “assim que
subiram na barca, o vento se acalmou”. No segundo tem expressamente
a igreja, “em ti edificarei a
minha igreja”. No primeiro episódio Jesus salvou a barca das ondas;
no segundo salva a igreja dos ataques
do inferno. No primeiro tem a correção de Jesus a Pedro: “homem fraco na fé, porque duvidaste” (14,31). No segundo também, “não sejas satanás, não sejas para mim um
escândalo, teus pensamentos não são de Deus, mas dos homens” (16,23).
Como
dito acima, são construções únicas e paralelas do evangelho de Mateus, para
surtir o mesmo efeito. Qual efeito? O seguinte: para construir o alicerce da
proeminência das comunidades que cultuavam Pedro como tendo sido fundadas por
ele e conservando a memória dele, no caso a igreja de Antioquia. Nas
mesmas cenas, o evangelho de Marcos, que foi seguido por Mateus, como sua
fonte, depois de falar na travessia do mar, parou aí, e não diz nada sobre
Pedro, nem a caminhada no mar, nem que afundou, nem a falta de fé e nem a
confissão “tu és o filho de Deus”, (cf Mc.6,45ss.) Lucas e João nada trazem a
respeito. E na cena das “chaves”, Marcos só refere as parcas palavras de Pedro
‘Tu és o Cristo’, e nada mais. A mesma coisa Lucas, (cf.Lc.18,20). João nada
fala em nenhum lugar.
O
pormenor, a redação de Marcos, que não fala de tempestade, nem ondas,
nem ventania: “Vendo-os se
fatigarem em remar, foi ter com eles pela quarta vigília da noite, andando por
cima do mar”.(Mc.6,46). Enquanto que em Mateus a cena se avoluma: “Entretanto, já a boa distância da margem, a
barca era agitada pelas ondas; quando os discípulos o perceberam caminhando sobre
as águas ficaram com muito medo, soltando gritos de terror. E redobrando
a violência do vento, Pedro teve medo e, começando a afundar, gritou ‘Senhor
salva-me’ (Mt.14,30). Como dissemos, não é difícil perceber a intenção
do autor no paralelismo das duas cenas do mesmo Mateus,14,29-23 e 16,15-18.
Para
a construção desta teologia o evangelho de Mateus foi buscar o messianismo da
Bíblia hebraica: “Porei sobre os seus
ombros as chaves da casa se Davi; quando ele abre, ninguém fechará;
quando ele fechar, ninguém pode abrir”(Is.22,22). Cf.blog www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br 30/5/21. Busquemos paralelos na teologia e teofania do
Antigo Testamento. Sobre Jesus e o mar, ventos etc devemos vê-los à luz das
grandes maravilhas provenientes do Antigo Testamento, que o evangelista de
Mateus foi buscar para o seu episódio. Neste caso, o salvamento prodigioso dos
discípulos foi interpretado nos parâmetros do Antigo Testamento. Na transmissão
dos dois episódios foram introduzidos elementos provenientes do Antigo
Testamento onde Deus é Aquele que caminha sobre as elevações do mar. “Ele sozinho estende o céu e caminha sobre as
ondas do mar”(Jó 9,8). “Ele pisa no mar com seus cavalos”(Hab.3,15); “Desafiou a tempestade e houve uma brisa e
silenciaram-se as ondas” (Sl.107,9).
Além
disso, como dito atrás noutras páginas, as primeiras igrejas de João, como de
Lucas e Paulo torciam mais pela liderança do Espírito do que pelas instituições.
Mateus, ao contrário, torcia pelas instituições. As estruturas do Antigo
Testamento foram seguidas pelas comunidades do evangelho de Mateus, que tinham
a tradição de Pedro. Tanto assim que os textos referentes a Pedro e às
“chaves”, e “o caminhar sobre o mar para subir para a “barca” (leia-se igreja)
só se vêm no evangelho de Mateus unicamente. (Cf. BLOG www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br 5/9/2021). Particularmente no respeitante a João já fizemos
notar o contraste deliberado entre Pedro e o “discípulo amado”,
pois o “discípulo amado” era o herói das igrejas joaninas, enquanto que Pedro
era o herói das igrejas mateanas, (Cf. BLOG www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br de 8/8/21).
Até
porque na sua tradição, a escola joanina não dava importância à estrutura e às
instituições que a Igreja começava a formular nas suas fileiras, mas a
importância que dava era para a presença e a função do Espírito. Ao
passo que nas igrejas mateanas se dava toda a importância à instituição. E isto
porque as igrejas mateanas seguiam à
risca a tradição vetero-testamentária. Aliás vemos isso declarado na festa
litúrgica de São Pedro e São Paulo: “Pedro, o primeiro a proclamar a fé,
fundou a Igreja primitiva sobre a herança de Israel” (Missal
Romano).Cf. GLOG www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br de 5/9/21). E a Igreja católica adotou este formato, até
porque lhe convinha, pois ela se propôs também a herdar os costumes e quadros
institucionais do império romano, e também as roupagens litúrgicas.
Conclusão. Apesar de Marcos ser a fonte e o primeiro evangelho,
mais perto das fontes, os dois evangelhos que entraram no formato histórico e
teológico da Igreja foram o evangelho de Mateus e de João. O de
Mateus pelas razões apresentadas. O de João pela suposição que este João
era o “apóstolo” filho de Zebedeu e “discípulo amado” e que afinal das
contas se constatou que eles não são o mesmo João mas duas pessoas
diferentes. Vimos em páginas anteriores que o “discípulo amado” foi uma
construção teológica e eclesiológica de João para dar mais valia ao “ser discípulo”
do que “apóstolo”. E por isso mesmo, na continuação da sua tese, colocou
a figura do “discípulo amado” junto à cruz para ser recebido pela Mãe de
Jesus. “Quando Jesus viu sua mãe e perto
dela o discípulo que amava, disse à sua mãe: Mulher, eis aí teu
filho”(Jo.19,26).
Podemos
responder: é porque os apóstolos não ficaram ao pé da cruz. Certo, mas, segundo
as pesquisas dos estudiosos, nem os apóstolos, nem João, e
nem o “discípulo amado” estavam ao pé da cruz, mas foi colocado
lá para compor esta teologia e eclesiologia da escola joanina.(Cf. R.Brown
o.c.p.87). Na verdade só o evangelho de João traz esta cena e nenhum outro.
Todos os outros evangelhos falam só nas mulheres e até dão nomes. E Lucas
termina assim: ”Os amigos de Jesus, como
também as mulheres que o haviam acompanhado desde a Galileia, conservavam-se a
certa distância”(Lc23,49). Por sua vez os outros evangelhos dizem: “todos o abandonaram e fugiram” (Mc.14,40 e
Mt.26,56), apenas Lucas diz que Pedro o seguia de longe (Lc,22,54).
P.Casimiro
João smbn
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
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