Para entendermos este problema temos que retroceder dois mil anos atrás, e nos colocar no pensamento desse mundo que era também o mundo dos inícios do cristianismo.
Veja bem, no pensamento dessa época,
Deus estava longe do mundo e não tem nenhuma influência sobre a vida espiritual
das pessoas. A ideia era que a alma morava no céu e caiu no corpo, um dia ela
teria que retornar ao paraíso. Quando a alma conquista o conhecimento, ela inicía o processo de viagem ao céu.
A cada ser humano restava o desafio de
tornar-se um ser espiritual. Como? Abstendo-se da vida sexual ou de cair nos
prazeres do corpo para enfrentar essa viagem. Essa viagem era perigosa, pois no
trajeto entre a terra e o céu vivem os anjos decaídos, os anjos maus, prontos
para tomar a alma. A alma, então, tinha de ser sábia para enfrentá-los. A sua
única arma seria a pureza virginal que lhe garantiria a natureza divina.
Por outro lado, defender a virgindade
era também sinal de que o corpo não tinha valor. Nesse desprezo pelo corpo, os
cristãos receberam influência do pensamento dualista que pregava a separação
entre alma e corpo, trevas e luz, vida e morte, Deus e mundo. Assim, tudo o que se dizia pertencer ao
mundo era desprezado, pois o mundo era considerado uma armadilha dos poderes
do mal. Considerando que já pela mulher tinha entrado o mal no mundo (Eclo.
25,24)
A Igreja dos primeiros tempos
participava desta concepção. Basta olhar o calendário: Santas do calendário
romano, 85 por cento são “virgens” ou “virgem e mártir”. Além destas e dos
mártires, tem monges e bispos. Pouco mais. O primeiro casal que foi canonizado
foram os pais de Santa Teresinha.
Para continuar entendendo o conceito de
“virgindade” temos que continuar a história, e o mito greco-romano da deusa Vesta,
deusa de Roma, e suas sacerdotisas, as virgens Vestais.
A deusa Vesta (em grego Héstia)
era filha do Cronos, um deus dos Titãs. Mas foi devorada pelo
pai. Porém, conseguiu ser salva pelo deus Zeus, irmão do pai; Quando se
viu salva pediu ao tio-irmão que nunca lhe fosse permitido tirar a
virgindade para não gerar mais guerras entre os outros deuses para conquistá-la.
Zeus atendeu o seu pedido e para isso
reservou um lugar para ela no centro das cidades como forma de agradecimento.
Por isso ela era servida por sacerdotisas virgens, as Vestais, que no centro da cidade de
Roma tinha o seu templo sempre com fogo aceso como garante da Paz de Roma.
Se o fogo apagasse aconteciam castigos para Roma, fomes, pestes ou guerras. E
se a guerra falhava a culpa não era dos generais mas das Vestais.
O templo de Vesta ficava no
centro de Roma. As Vestais eram encarregadas de manter no centro do templo o
fogo aceso de dia e de noite como garantia da paz romana “Pax Romana”.
Nas sociedades arcaicas, o sacerdócio
feminino era considerado essencial, porque se preservavam da atividade sexual,
como modelos de paz numa sociedade violenta. E porque a atividade sexual era
considerada uma das “portas de entrada” da violência na sociedade.
E como é que os primeiros cristãos trataram a vida da Virgem Mãe de Deus com
estes conceitos na cabeça? Será que não tiveram influência? Quando Maria foi
para casa de José, cinco jovens virgens a acompanharam, que deveriam permanecer
com ela na casa de José. Esses virgens a chamavam de “rainha das virgens”.
Quando José soube da gravidez de Maria,
as outras virgens contaram-lhe que tinham vigiado Maria. Somente anjos
conversavam com ela. “Se queres que te confessemos nossa suspeita, nenhum outro
a tornou grávida senão o anjo do Senhor”.
Outra tradição diz que o escriba de
Anás, numa visita que fez à casa de José percebeu a gravidez de Maria e os denunciou ao tribunal do templo. Maria e
José foram submetidos ao teste da “água da prova do Senhor”. Conforme o costume
judaico, eles deviam beber essa água preparada com ervas amargas e dar sete
voltas em torno do altar (Nm.5,12). Os culpados receberiam de Deus um sinal no
rosto. A inocência de ambos foi comprovada.
Então Maria foi conduzida a sua casa
com grande exultação e júbilo acompanhada por uma multidão de virgens.
No trânsito de Maria para o céu como
foi? “No seu velório, virgens prepararam o seu corpo e seguiram o cortejo.
João, aquele que recebeu o encargo de cuidar dela, levava a palma da virgindade
de Maria, porque também se conservara virgem”.
Esses e tantos outros elementos nos
mostram como as comunidades discutiam a questão da virgindade mariana, e como
alguns elementos passaram para os evangelhos canônicos. Por outro lado, essa
obsessão pela virgindade era também sinal de que o corpo não tinha valor. Os
primeiros cristãos foram influenciados pela negatividade da matéria, segundo a
qual Deus não criou a matéria e o mundo, e de nada se interessava com ele; o “demiurgo”,
o deus intermediário entre o mundo e Deus é que foi o criador do mundo e da
matéria, que é chamado nos evangelhos como o “príncipe deste mundo” (Jo.14,30
e Jo.16,10).
Assim, tudo o que se dizia pertencer ao
“mundo” era desprezado e considerado uma armadilha dos poderes do mal.
Deus está longe do mundo e não tem muita influência sobre a vida espiritual das
pessoas. A cada ser humano restava o desafio de tornar-se um ser espiritual de
verdade, abstendo-se da vida sexual e do contato com a matéria do corpo. A alma
morava no céu e caiu no corpo, um dia ela teria que retornar ao paraiso. Quando
a alma conquistasse o conhecimento, ela iniciaria o processo de viagem ao
paraíso.
Esta era uma viagem perigosa porque
tinha que enfrentar os anjos maus nesse trajeto onde eles estavam prontos para
tomar a alma. A alma teria que ser sábia para enfrentá-los. A única segurança
da alma seria a pureza virginal, que lhe garantiria a natureza divina, como acima dito.
A tradição revela que Maria teve medo
de encontrar-se com esses anjos maus quando saísse de seu corpo, por isso pediu a proteção dos apóstolos na custódia de seu corpo.
Como vemos há nestas tradições uma
cultura baseada em mitos trabalhados por aquelas gerações de pagãos e cristãos.
E de uma maneira ou outra influenciaram
os escritos dos evangelhos.
Como diz o historiador dos inícios do
Cristianismo Frei Jacir de Freitas “muitas crenças de nossa devoção popular
mariana provêm dos evangelhos apócrifos” (As origens apócrifas do cristianismo,
122).
Já deu para dar uma resposta ao nosso
título desta matéria que preocupava demais as primeiras gerações de nossos
antepassados, os primeiros cristãos, e procuravam encontrar respostas: A ALMA MORAVA NO CÉU E CAIU NO CORPO; COMO
SERÁ A VIAGEM DE VOLTA AO PARAISO ?
P.Casimiro
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
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