segunda-feira, 5 de junho de 2023

Não é um ato mágico comer o pão e o vinho da eucaristia mas aceitar a pessoa de Jesus.


 

“Como o primeiro redentor fez descer o maná, como se afirma “eu farei chover para vós pão do céu Ex.16,4, assim o segundo redentor fará descer maná”, dizia um Midrash Rabbá sobre o Êxodo. E a catequese dos rabinos explicava: “Esse maná está preparado  para os justos na era que virá; todo aquele que crê é digno e come dele” (R. Brown, Comentário do evangelho de João vol I p.502). E nós constatamos como o tema “crer” aparece tanto no capítulo seis do evangelho de João. Esta era uma expectativa escatológica do que era esperado para o futuro. E em documentos da época é encontrada a seguinte expectativa: “Os que temem a Deus herdarão a verdadeira vida eterna, sobre o pão do céu estrelado” (o.c.p.502). E noutro lugar: “Vinde, comei do meu alimento e bebei do vinho que eu misturei” (Prov.9,3).

Devido a essa expectativa que estava na cabeça de todo judeu, os judeus impõem um desafio a Jesus de produzir um sinal que seria esse maná ou seu equivalente. Até porque Eliseu também tinha distribuído 20 pães de cevada para 100 pessoas. (2R.4,42). Também existe aí um paralelo com o novo êxodo ou saída da Babilônia, sobre o qual Isaías falou que “haveria abundância de comida até sobrar” (Is. 49,9). Os estudiosos afirmam que o evangelho não é geográfico e nem histórico, é teológico. As narrativas falam em 5000 pessoas; se considerarmos que Jerusalém na época de Jesus tinha 20.000 habitantes, como é possível num pequeno rincão do interior juntar “5000 homens, e as 5 mil mulheres, e quantas crianças? “Wilkens pensa que o ponto de vista do evangelista é kerigmático e não histórico" (o.c.p.510).

O pão da vida, histórico da interpretação: Além do que dissemos atrás, o maná era interpretado em alguns círculos judaicos como significando a palavra ou instrução divina. Alguns Padres da Igreja primitiva, como Clemente de Alexandria, Origenes, e Eusébio não interpretavam em termos eucarísticos. Para  Agostinho, se referia à imolação de Cristo para a salvação dos homens. No que concerne ao período patrístico, Crisóstomo, Gregório de Nissa, Cirilo de Alexandria e Cirilo de Jerusalém deram preferência à teoria eucarística. Já os Reformadores não aceitaram a interpretação eucarística, assim como o grande teólogo católico Caetano. O Concílio de Trento, após longas discussões não tomou posição, muito menos favoreceu os husitas que usavam Jo.6,53 para exigir a comunhão sob as “duas espécies”. (o.c. p.510-511). Uma parte dos estudiosos de hoje admitem que a última parte do capitulo seis da “multiplicação” é uma adição posterior, e a primeira parte é um tema sapiencial, isto é, uma clara referência ao simbolismo sapiencial do pão. O paralelo mais próximo do pão é o tema da água viva no cap. IV, e o tema da água também é simbólico. Esta constatação deriva do pano de fundo do Antigo Testamento onde a palavra e a sabedoria divinas são apresentadas como simbolismo de alimento ou pães. À guisa de exemplo citemos esta passagem : “Vinde, comei do meu pão, bebei do vinho que eu mesmo misturei” (Prv.9,5). Em Siraque, falando da Sabedoria e o que ela faz pelos que temem a Deus: “Ela o alimentará com o pão do entendimento  e lhe dará a água da erudição para beber” (Eclo.15,3). O pano de fundo toma realce na imagem de um banquete messiânico com Javé ou com seu Messias (Is. 65,11-13) onde são descritas as alegrias dos dias messiânicos no santo monte de Jacó.

Procuremos adequar mais ainda a nossa reflexão, haja vista que o capitulo seis de João no original não apresentava nenhuma referência à eucaristia. Esta e outras referências foram acrescentadas depois, ou seja, os versículos 51-58, a fim de dar aceitação ao evangelho de João e ser admitido no cânon do Novo Testamento. Na verdade, por não trazer elementos sacramentais, tanto eucarísticos como batismais, este evangelho corria o risco de ficar como um dos evangelhos apócrifos. Concluimos o que fica dito com a seguinte citação: “Já vimos que a conexão que João estabelece entre o discurso sobre o pão da vida e a multiplicação pode bem representar uma construção literária. De igual modo, devemos assumir que no próprio discurso as ressonâncias eucarísticas são mais provavelmente o produto de interpretações cristãs. Nos versículos seguintes Jesus deixa claro que não está falando do pão natural, e sim do ensino: “Em verdade eu lhes digo, aquele que acredita em mim tem a vida eterna” Jo,47; E: “o espirito é que vivifica, a carne de nada serve, as palavras que eu lhes tenho falado são espirito e vida”(Jo.6.63). (E.Boring o.c.p.514). E mais uma vez a referência do Eclesiástico: “Ela, a Sabedoria alimentará o homem com o pão da inteligência e o saciará com a água da sabedoria”. (Eclo.15,13).

Intérpretes veem no uso da palavra “carne” um termo com significado mais abrangente se reportando à encarnação, o que supõe intenções anti-docéticas, haja vista que essas teorias negavam a humanidade de Cristo. Alguns autores sugerem que a “consistente ênfase sobre o beber o sangue é dirigido contra um circulo cristão gnóstico judaico que se opunha ao uso do cálice na prática eucarística por causa do medo profundamente radical de sangue. Contudo o IV evangelho não vai ao outro extremo de atribuir poder mágico nem equipara o sacramento cristão com os mistérios pagãos onde afirmavam que comiam as carnes dos deuses; mas, em contrapartida, insiste mais na necessidade de crer ou aceitar a pessoa de Jesus”. (Cf.o.c.p.536).

Conclusão. Não é um ato mágico “comer o pão e o vinho da eucaristia mas aceitar a pessoa de Jesus”. Vimos as palavras e as intenções do A.T. que expressavam a escatologia futura onde era assegurada a refeição messiânica aos crentes. E afinal das contas, o capítulo da multiplicação transmite a fé nessa escatologia que se realizava em Jesus, onde o maná era plasticamente explicado como alimento da palavra e salvação. “Ter a vida eterna e estar em íntima comunhão com Jesus é uma questão de o cristão permanecer em Jesus e a permanência de Jesus no cristão.

P.Casimiro João      smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

 

 

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