O mundo é feito de ondas, e como as
águas do mar dificilmente se aquietam, assim a vida de nosso mundo tem seus
ritmos. O século 19 assistiu a uma onda de ateísmo mantido pelo filósofo
Nietzsche. Desde o século 20 até esta parte corre o risco de banalizar Deus.
Analisaremos as causas dos dois movimentos.
A principal expressão do ateísmo vem da
constatação histórica de que o ser humano ficaria alienado e diminuído na sua
liberdade e na sua autonomia motivado pela fé em Deus, isto é, a fé em Deus
estaria na contra mão do crescimento do ser humano; assim como os filhos não
crescem se não se independenciarem dos pais. Este princípio foi colocado já por
Freud recordando o complexo de Édipo, como explicaremos.
Outra constatação era a filosofia da
educação, e o relacionamento de pais e filhos, e de cidadão e de Estado. Filho
não cresce quando o pai é só autoritarismo e não deixa o filho pensar e crescer
e agir por si mesmo. E o cidadão quando é manipulado pelo Estado. Pensa que é
livre mas é escravo. O mesmo perigo pode ocorrer também na esfera da Igreja, de
Deus e da fé. Em todas estas esferas pode ser anulado ou suprimido e diminuído na
sua liberdade o ser humano.
É conhecido o enigma de Édipo, em que o
filho, para crescer tinha que matar o pai para ficar com a mãe. Levada aos
extremos a filosofia do crescimento é essa. Claro que isso virou um ícone e um
símbolo, não se trata de morte física mas de se libertar de tutelas e amarras
que não deixam crescer. Em vez de “matarem” a liberdade, a liberdade teria que
matar as tutelas. Daí quo e filósofo Nietzsche fez a expressão da “morte de
Deus”. E como toda a filosofia é uma raiz, originaram-se daí movimentos de
ateísmo. E ninguém sabe se o verdadeiro Nietzsche era ateu. Por seu lado, o
filósofo Karl Marx, constatando que a religião tradicional pregava que o ser
humano não assumia a transformação das situações de dominação pelas classes
altas que cresciam em riqueza devido à cada vez maior exploração dos pobres,
inventou a expressão que a religião era “ópio do povo”: ‘sofram aqui, porque
depois terão o paraíso”.
Estes movimentos levaram a Igreja a uma
reflexão que ficou expressa no Concílio Vaticano II nestes termos: “Os crentes podem ter tido parte não pequena
na gênese do ateísmo, na medida em que, pela negligência no crescimento da sua
fé, ou por exposições falaciosas da doutrina, ou ainda pelas deficiências da
sua vida religiosa, moral e social, se pode dizer que antes esconderam do que
revelaram o autêntico rosto de Deus e da religião”(Vat.II. Gaudium et spes,
n.19).
“Na verdade, a pregação de Deus feita
por certos cristãos aliena os fiéis do compromisso social de transformação da
realidade. Assim, pessoas socialmente engajadas abraçavam o ateísmo, pois não
aceitam um Deus que possa estar ao lado dos dominadores. O ateísmo veio também
do lado da psicologia ao interpretar a fé em Deus como neurose infantilizante
de quem não assume a própria liberdade a autonomia e se escuda em
Deus”(Libânio, Creio na Trindade, p.43). Após alguns tempos até agora, alguma
reviravolta aconteceu. Como reação, nos últimos cinquenta anos surgiu outra
onda. Se o movimento anterior carregava o risco do ateísmo, este segundo
corre o risco de banalizar Deus. Tanto maior quanto no capitalismo
avançado tudo é mercantilizado e assim Deus entra no imenso comércio como
produto de oferta para consumo individual escurecendo-lhe a verdadeira
natureza.
Certas formas de religião e de fé
descompromissada apresentam Deus como consolador para satisfazer as
necessidades individualistas momentâneas beirando a droga terapêutica. Deus se
reduz a fonte de milagres e é lembrado e usado só para pedir cura para as
doenças e “libertação do demônio”. É evidente que o demônio é uma grande
desculpa furada para tirar a atenção das reais opressões dos reais demônios
vivos que são as injustiças na sociedade. Por isso atinge-se nível de extrema
comercialização e coisificação de Deus. Já vem do Antigo Testamento essa
“coisificação” de Deus, quando os Israelitas transportavam a arca da aliança
para vencerem as batalhas, o que nem mesmo dava certo, como não podia dar(1
Sam.4,3). Movimentos modernos não têm a arca hoje em dia, mas têm outros
símbolos que são usados como amuletos.
Conclusão.
Os perigos humanos sobre Deus sempre foram bastantes: Tanto o Islão como o judeu
e o cristão estão na linha de risco. Entre os árabes o seu Livro chamado Corão, é considerado como a “encarnação”
de Deus. “Deus criou o mundo como um
Livro, tendo a sua revelação descido sob a forma de livro” (F.Schou). E o
judeu não está muito longe disso, assim como o cristão, “no princípio era o Verbo, e o Livro era Deus” (jo.1,1).
Qual é o risco? O próprio livro e a própria leitura, e a audição dos que
ouvem. Segundo o antigo adágio latino, “o que se recebe é recebido ao modo do
recipiente”, quidquid recipitur, ad modum
recipientis recipitur”. Como no Islão, quem sabe, também entre católicos e
protestantes pode haver o perigo de considerar o Livro, a Bíblia, como
“encarnação de Deus”, quando se considera cada palavra e histórias como ditas
literalmente por Deus; não se estará muito longe dessa mesma ideia do Islão dos
árabes.
P.Casimiro João
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