segunda-feira, 28 de agosto de 2023

O Deus ex máquina e o Deus na mente, na matéria e no espírito.


 

Tradicionalmente havia o dualismo antigo com raiz no maniqueísmo, da matéria má versus espírito bom. Porém, temos convivido com outro dualismo que é matéria de um lado versus mente do outro lado. Porém agora, na hora da física quântica, do robô e da Inteligência artificial (IA), somos convidados a ter e certeza de que a matéria tem mente, e a mente também está na matéria. Portanto, afirmamos duas verdades: Toda a matéria é boa, e: toda a matéria tem mente, ou seja, é inteligente.

Antigamente, a humanidade tinha a visão mecanicista do mundo e de Deus. Na visão mecanicista Deus estava fora do mundo e da matéria, como que sentado no trono em cima das nuvens controlando o mundo com uma varinha mágica e ele de fora da máquina só intervindo nas avarias da máquina. E foi forjada essa definição de Deus como "Deus ex machina". Hoje temos a visão holística: Deus está no centro de tudo. Deus não é, como na visão anterior mecanicista, como um Superinspetor fora da máquina. Deus era considerado totalmente distinto da criação, muito acima dela, "sentado acima das nuvens". Porém, já reparou que não há “acima” nem “abaixo”? Considerávamos Deus acima das nuvens, e considerávamos os japoneses lá em baixo do nosso planeta de cabeça para baixo. Mas eles vivem com a cabeça para cima igual nós, eles e os que estão do outro lado da terra, todo mundo e ninguém está de cabeça para baixo ou de ponta cabeça. Porque não há “em baixo” nem “em cima”. Quando os cientistas inventaram de trocar o coração, de implantar o fígado, os rins, ou o pulmão, onde encontraram Deus? Está aí mesmo. Quando inventaram de congelar os óvulos para serem usados por outro sémen depois de 10 ou 20 anos, onde está Deus? Aí mesmo. Quando fazem o bebê de proveta, ou noutra barriga de aluguel, quando inventaram o DNA para, de um fio de cabelo, identificar a pessoa, onde está Deus? Aí mesmo. Quando chegam à Lua, quando viajam na estação orbital onde encontram Deus? Aí mesmo. Agora estão controlando o “asteróide apocalipse” que ameaça cair sobre a terra, e mandaram a sonda Osíris-rex para tirar pedaços dele, onde encontram Deus? Aí mesmo. Quando tem milhares de bombas nucleares (atômicas) armazenadas no fundo do mar ou debaixo da terra a quilômetros de profundidade, onde está Deus? Aí mesmo.

No novo entendimento a mente não se limita a ser uma função consciente ligada apenas a um cérebro. A mente está ou existe em toda a matéria, e a matéria inanimada não é tão inativa no cerne de si mesma como estamos acostumados a pensar. Vejamos: A mente está presente na matéria e nas plantas, e animais e essa mente torna-se consciente em nós onde encontra um córtex cerebral que proporciona o pensamento e a consciência, assim como num interruptor, mas a inteligência já vem com ela. É assim que falamos que o cavalo, o cachorro, o gato, os pássaros, os golfinhos, as abelhas e as formigas, os chipanzés, têm inteligência. Veja só que uma cientista comprovou que as mamães golfinhos também usam voz de bebê para conversar com os filhotes. (Iti Malia, Instituto de Ciências dos USA, PNAS). E não só, os algoritmos, as células, os ions, e elétrons, têm inteligência, agora vamos ficar assistindo de camarote aos jogos e às manobras da inteligência artificial (IA), como já estamos assistindo com os Robôs. Onde está Deus? Ele está aí. Isto nos diz que hoje não podemos continuar a separar o mundo material em matéria inanimada, como fazíamos antes, e mente, como duas realidades separadas, nem ligar a mente somente com o que tem o córtex da consciência. Os cientistas da Física Quântica levam-nos a ver a mente e a matéria como aspectos únicos de um mesmo fenômeno. É mente-matéria. E onde Deus está? Ele está aí. Por isso encontramos, em toda parte, variedade, espontaneidade, mudança, crescimento, desenvolvimento, novas possibilidades, adaptabilidade e até desordem, que é o resultado da liberdade e de encontros casuais. É devido a isso que a ciência é fabricada pelo homem, mas o homem também é fabricado pela ciência, como o bebê de proveta e a transformação do DNA. A eletricidade foi descoberta por um acaso, o Facebook foi descoberto por um acaso. Imagine o que seríamos sem a energia elétrica e sem o Facebook e o computador. A tudo isso chamamos Interação. Imagine o que seria o mundo sem as abelhas, sem os cães farejadores nos terremotos, sem os algoritmos combinadores e modificadores de dados, sem a força magnética da energia contínua e descontínua, sem a inteligência das células manipuladas e transformadas pelos laboratórios. O que seria dos pacientes de câncer sem o tratamento radioativo com o qual se mantém o equilíbrio dos tecidos humanos. Imagine o agronegócio onde a máquina sabe a que profundeza está a raiz da planta e a do capim e vai salvar a planta e atacar o capim automaticamente. Imagine as suas rosas e flores no seu jardim onde a mesma terra produz a cor vermelha de uma flor, e amarela da outra e a branca de outra. Um perfume para uma flor, outro para outra flor. Um sabor para uma fruta e outro sabor para outra fruta. Onde está Deus? Ele está aí. O que seria o mundo sem o cachorro tão fiel e carinhoso e aquele que acompanha cegos e cegas pela rua, e os cachorros farejadores nos acidentes e nos escombros? O que seria do mundo esportivo ou do trabalho sem a inteligência do esbelto cavalo? Sem a passarada que imita todo tipo de fala e cantares? Onde está Deus? Ele está aí. Devemos então não separar o mundo material em matéria inanimada e “mente”. É “mente-matéria”, é Física quântica, é fé integradora. Quando meus pais e meus irmãos e irmãs dizem que me amam e me alimentam, eu sei que neles está a realidade de Deus que neles recebeu forma humana. Os antigos queriam manifestar essa forma da presença de Deus dizendo que Deus estava no trovão, no relâmpago, numa pomba, num fogo. Eram metáforas e comparações. Porém, alguém te dá um prato de comida, um abraço, você sente que ali está a presença encarnada de Deus. Você não ouve Deus falar com seus ouvidos, te abraçar com seus braços. Você precisa de um corpo para fazer sons. Deus precisa o seu corpo para fazer isso. Deus pega o seu corpo para falar, para fazer poesia e escrever música e “para fazer amor” (M.Morwood). Já lá vai o tempo em que se afirmava o domínio humano sobre o restante da criação, e quando podíamos fazer com o mundo material o que quiséssemos. Hoje nos damos conta de que não somos “senhores” da natureza, mas somos unidos aos sistemas de vida da Terra e somos totalmente dependentes dela. Essa Natureza faz parte de nossa vida e é a nossa vida, e nós somos a vida dela. É uma interação do coração e de mente.

Um átomo precisa sua autodeterminação para fazer o seu trabalho. Veja quando se juntam miríades de átomos, alguma coisa que pode acontecer é o que chamamos o acaso. Outra coisa é a manipulação dos átomos. Esse “acaso” fica controlado e guardado numa caixa, como fósforos. É o que se chama a “bomba” e espera o momento ou a ordem para explodir. Isto acontece também na natureza, os átomos se encontram em caixas naturais, e encontram uma fuga e acontece o vulcão, ou o tsunami, ou o terremoto. E onde está Deus? Ele está aí. Há maneiras para interagir e colocar aí a mente humana? Há. É a ciência da previsão dos vulcões, há maneiras de pressentir os tsunamis e de prevenir os terremotos. E maneiras dos prédios com colunas sanfonadas. As duas inteligências têm feito progressos, só que a mente humana muitas vezes fica preguiçosa, ou gasta mal os recursos e não faz o dever de casa, não faz as necessárias previsões científicas e recursos econômicos, e o respeito pelas pessoas.

Conclusão. O homem antigo era ainda criança. Para ele era Deus que fazia tudo sozinho como o controlador da máquina do mundo. Com o tempo o ser humano cresceu como adolescente e como adulto. Agora a visão dele é segurar a sua vida e a vida do mundo de que faz parte, com suas próprias mãos e inteligência. Como dizia o autor do Livro “Honestos com Deus” (Honest to God): “Viver em Deus sem Deus”(J.Thomas Robinson). Como o filho quando cresce: “viver dos pais sem os pais”. E onde está Deus? No que o homem pensa, no que planeja e no que ele faz.

P.Casimiro João  smbn

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segunda-feira, 21 de agosto de 2023

O divórcio da teologia com o tempo e os tempos civis e culturais.


 

Onde há divórcio é porque houve casamento. E às vezes o divórcio é doloroso e precisa coragem para que aconteça. E não é questão de conveniência, mas de sobrevivência.

A Igreja trazia com ela o casamento com o mundo antigo, mítico, mágico, dualista, maniqueísta, imaginativo. Esse mundo hoje já virou a página, e hoje é um mundo científico, unitário, e realista. Este mundo vinha se gestando por meio das novas filosofias e cosmovisões desde o séc. XVI e irrompeu no séc. XVIII com o Renascimento, e trouxe no seu bojo o Iluminismo, a filosofia da razão, a nova Psicologia, a Psicalálise, a Astrofísica e  a nova Cosmologia e Antropologia. Já falámos nesta matéria em outros temas, mas agora devemos aprofundar a questão, que nos leva ao diagnóstico da doença que causou o choque da Igreja com a modernidade nos séculos XVIII e XIX. Este choque de duas visões de mundo em andamento causou traumatismo no corpo da instituição eclesiástica. Já houve cuidados médicos e reanimação de membros, mas, quem sabe, ainda restam sequelas e canais do organismo onde o sangue novo ainda não chegou. Estou me referindo mormente à nova cosmologia e à teoria da evolução  e em especial à troca do Criacionismo ancestral pela teoria da evolução cósmica e das espécies. Quando falamos de criacionismo falamos dos mitos babilônicos, sumérios, persas e zoroastristas, e masdeístas da primitiva história. Aquele criacionismo segundo o qual se formou o aparecimento dos homens do sangue do deus Marduk que nas guerras entre os deuses foi derrotado, caiu na terra e do sangue dele foram formados os homens pelos deuses aqui de baixo, sangue amassado com o barro da terra. E nessa onda se inspiraram os primeiros autores de Bíblia para se aproveitarem dessa história trocando o sangue pela água amassada com o mesmo barro da terra. Esta é a teoria do Criacionismo clássico e bíblico, segundo o qual o resultado desse trabalho de oleiro deu origem a um casal que depois gerou a pouco e pouco a humanidade. E nesta geração, deixada só a cargo do “primeiro casal” geraram-se os problemas e mitos subsequentes como este: a relação sexual do primeiro macho com a primeira fêmea tornou-se a causa do sofrimento do mundo porque eram matéria. A relação vinha da matéria e não do espírito, e dai vinha o mal pro mundo. Porquê? Porque formou-se uma doutrina que a matéria não tinha sido criada pelo deus chefe mas pelo deus que caiu derrotado, e esta matéria má passava em todas as relações sexuais. Como não podia ser infeliz e pecadora a humanidade pensada deste jeito. Estas consequências do velho criacionismo passou para o Novo Testamento, para a primitiva Igreja, para a primitiva fé e a primitiva teologia. Durante os primeiros Mil anos, e em toda a Idade Média reinou esta teologia, que devia chegar até a Idade pre-moderna e Idade Moderna. Com a Idade Moderna chegou a teoria de Evolucionismo e da nova Cosmologia segundo as quais a Criação dos astros, do Cosmo, da Terra, dos seres vivos e dos seres humanos resultou da primeira explosão nuclear do Big-bang há 15 bilhões de anos atrás, e com intervalos de bilhões e milhões de anos surgiram, por novas explosões, os bilhões de galáxias, estrelas, planetas, o Sol, a Terra, as plantas, os dinossauros, todas as espécies de seres vivos vertebrados e invertebrados, e o ser humano. Tudo isto, todo este pacote, incluído no chamado Iluminismo que surgiu no Renascimento no séc.XIX. A Igreja, sendo pega de surpresa, sofreu um trauma. E num exame laboratorial um biólogo religioso, historiador, investigador e teólogo, fez o seguinte relatório e diagnóstico: “Não nos surpreende que a autoridade da Igreja resistisse tão fortemente a esse entendimento científico do desenvolvimento da vida. Grande parte da teologia cristã dependia de uma visão do mundo que afirmava terem os seres humanos vindo ao paraíso e que as coisas deram errado por causa dos seres humanos. O que acontece agora quando somos confrontados com provas esmagadoras de que desenvolvimento, morte, desastre e revolução eram partes essenciais da existência deste planeta milhões e milhões de anos antes que os seres humanos entrassem em cena? O que acontece quando alunos do Curso fundamental são educados para uma visão do mundo totalmente diferente  e aprendem, por exemplo, que os dinossauros foram extintos mais de sessenta e três milhões de anos antes que os seres humanos viessem a existir? O que acontece quando as imagens de Deus que estavam tão entranhadas em nós, que ainda tanto fazem parte de nossa maneira de pensar e prática religiosa são postas em dúvida por modos diferentes de ver e criação, o universo, a realidade?” (Michael Morwood “O católico de amanhã”, Paulus, pag.32-33).

Falamos que a teologia das Igrejas nasceu com a letra dos inícios cosmológicos milenares primitivos, tanto a pagã quanto a “bíblica” até aos nossos dias. E esse casamento ainda perdura. Será preciso um tempo enorme pelo menos tão grande como essa teologia tem perdurado até que dê lugar a outra, mais de outros 2.000 anos pra frente. A não ser que na Igreja e nas Igrejas haja um “tsunami” para que esse divórcio possa se concretizar. Estou falando do divórcio da teologia com essa cosmologia antiga para o casamento com a nova cosmologia. Porque na verdade esta ideia está ainda no Catecismo, na liturgia, no CIC, na compreensão e expressão dos sacramentos, orações litúrgicas e na piedade e religiosidade popular tradicional., nas pregações e modus vivendi. Faz parte do sangue das religiões. Sempre há um receio do Novo. Pelo contrário, a nova cosmologia e sua visão do mundo não são ameaça ao cristianismo, pelo contrário, irão alavancar o cristão para uma fé madura, responsável e adulta. Não sem motivo a pergunta de M.Morwood a respeito: “Não poderiam, e não deveriam o Catecismo e a liderança de Igreja em todos os níveis tentar nos libertar de imagens de Deus e de um entendimento de Jesus que são dependentes de uma visão antiquada de mundo? Não poderia e não deveria a liderança da Igreja adotar a realidade da cosmologia contemporânea e ajudar os fiéis a fazer o mesmo?” (o.c.p.35). Concordo com você, caro Morwood, mas aconselho a ter paciência, e paciência de 1.000 anos, e se não bastar, mais 2.000 e tantos outros anos mais, mas esse tempo vai chegar.

Conclusão. Concluindo, estes receios estarão patentes da lentidão que refiro, como esta: Não será o medo de que os novos conhecimentos possam abalar padrões de pensamento religioso enraizados em todos os níveis dos crentes? Seria uma grande pena que esse medo dominasse. Na verdade, afirma Diamond O. Murchu: “é da essência do futuro ser perigoso”. Mas novos conhecimentos precisam ser incorporados urgentemente a nossa visão religiosa do mundo, para não continuar na visão das estórias da Branca de neve e Alice no país das maravilhas.

P.Casimiro João    smbn

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segunda-feira, 14 de agosto de 2023

A pérola, o tesouro, e o Reino dos Céus.


 

Talvez algum rico tenha vivido só com sua riqueza sem nunca ter experimentado a alegria de viver a partilha com mais pessoas. Ou talvez ele, com menos coisas mas começando a conviver com os outros, experimentou a experiência dessa felicidade  da partilha: isso é o Reino dos Céus, ou o Reino de Deus.

Numa parte do evangelho é falado assim: “O Reino de Deus é como um tesouro escondido no campo. Um homem o encontra, e vendendo tudo, compra aquele campo” (Mt. 13,44). Pode até não se tratar de vender, mas de ficar com menos coisas, quem sabe, num acidente, num incêndio, numa enchente, ou numa Partilha voluntária. É que a pessoa, do nada, viu-se com uma multidão de gente mais igual a ele que perderem também metade ou mais daquilo que tinham. Mas ai veio aquela experiência de se sentir irmão com aqueles irmãos, com menos coisas mas mais com Deus e com muitos irmãos, sentindo-se uma nova família, e com Deus no meio. E ainda essa pessoa partilhando com os outros o que tinha. Qual é o tesouro? É esse de se sentir família e sentir Deus mais perto e se sentir mais irmão do ser humano. Essa é também a pérola de maior valor do que ficar se sentindo rico sozinho. Porque depois da citação do tesouro escondido, o mesmo trecho diz que o Reino dos Céus é como um achador de pérolas preciosas, e encontrando uma de grande valor vendeu tudo para comprá-la. Em ambos os casos podemos imaginar que esses que “venderam” para adquirir o “tesouro” e a “pérola” são os mesmos que aceitaram partilhar os bens que têm com quem não tem. O “Reino dos Céus“ é uma das chaves do evangelho. E é justamente a partilha, a solidariedade que são essas chaves do “Reino dos Céus”. Notemos que o evangelho de Mateus fala em "Reino dos Céus" e os outros em "Reino de Deus" porque o evangelho de Mateus era dirigido para Judeus, e eles não pronunciavam facilmente o nome de "Deus", então diziam "Reino dos Céus" em vez de "Reino de Deus" por respeito ao nome de Deus. Temos outra cena no evangelho paralela com estas, a cena do “jovem rico”. Um dia propôs-se seguir Jesus. Jesus porém deu-lhe uma condição: “Partilhe com os outros”. (Mt.19,16-30). Ele não aceitou a proposta, e como resultado o evangelho acabou dizendo:” Foi embora muito triste, porque possuía muitos bens”. Se aceitasse a partilha estaria no caminho do Reino de Deus; recusando ficou fora e ficou sozinho com sua riqueza e sua tristeza. É portanto uma cena paralela com estas do “tesouro” e da “pérola”.

Faleceu há pouco o senhor Charles Chuck Feener, o bilionário da empresa Duty Free Shoppers (DFS), bilionário que “distribuiu sua riqueza para não morrer rico”. Quando tinha 10 anos vendia cartões de Natal nas ruas de Nova York. Frequentou a Universidade nos programas de Cotas semelhantes às do Brasil. Quando se formou fez parte do exército, e no final fundou a empresa para vender fardas para o exército e tornou-se bilionário. Ele tinha um lema que era: “As pessoas devem alimentar a ideia de usar parte dos seus recursos para melhorar a vida de seus semelhantes”. E ele assim fez. Passou 40 anos fazendo o bem anonimamente percorrendo o mundo para conhecer onde e quem precisava mais da sua partilha, doando nessas viagens mais de oito bilhões de dólares, i.é, 45 bilhões de Reais. Até por isso ganhou o nome de “James Bond” do bem. Também pode se chamar o “samaritano moderno”. Quando morreu vivia com sua esposa num apartamento de dois quartos e possuíam um único carro popular para seu uso.

Conclusão. As características que definem o Reino de Deus são a partilha e o serviço aos outros.(Mc.10,45). Os estudiosos afirmam que o “reino de Deus” para os Judeus e para Jesus era o reino onde Deus mandaria aqui na terra com distribuição de justiça e abundância para todos, i.é, a escatologia e o fim das coisas que estava para chegar e sempre esperada. Resumido na palavra "shalom". Com o tempo, e porque nunca chegava, é que foi tomando a conotação da vida eterna, coisa que não estava nas cabeças daquele tempo.

P.Casimiro João  smbn

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segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Sempre no evangelho palavra por palavra de Jesus?

 

Na leitura do evangelho, às vezes pensamos que estamos lendo palavras de Jesus, e estamos lendo palavras de um cristão qualquer anônimo ou pregador daquela época que comentou, e essas palavras ficaram lá no evangelho. Não imaginamos também que os livros naquela época não eram como os de agora, quando a imprensa foi inventada por Gutenberg no século XV. Não era raro que fossem folhas soltas ou amarradas de alguma maneira, e alguns comentários e outras histórias iam sendo escritas e amarradas junto com os primeiros originais que recordavam as palavras de Jesus. E esses primeiros originais andavam de boca em boca antes de serem escritos, e aumentados ou diminuídos, e modificados. E assim aos trancos e barrancos foram engrossando e aparecendo os evangelhos. Até que no século IV foram definidos os escritos no cânon, isto é, declarados como evangelhos. E com a seguinte recomendação: Que daí em diante ninguém podia mais ajuntar ou escrever comentários ao que já estava escrito; o nome de Cânon é isso mesmo, e significa Lista, definindo os escritos como intocáveis por mais ninguém. Observação: Os judeus faziam a mesma coisa nos seus escritos do Antigo Testamento juntando coisas e comentários. Até que eles também decidiram acabar com esses aumentos e comentários, sabe quando, no séc.II d.C. portanto dois séculos antes. É por isso que eu comecei dizendo: Na leitura do evangelho, às vezes pensamos que estamos lendo palavras de Jesus, e estamos lendo palavras de um cristão qualquer anônimo ou pregador daquela época. Isto é o que diz justamente o Comunicado da Pontificia Comissão Bíblica: As palavras da Bíblia não são “palavra por palavra” como palavra de Deus. (Pont.Com.Bíblica, 1944, cf www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br 30/7/23). Exemplos ou indicações disto se mostram nas ultimas Edições dos Folhetos Litúrgicos mensais da LITURGIA DIÁRIA da Editora PAULUS. Alguns trechos do evangelho trazem uns colchetes a vermelho separando a leitura longa da leitura breve, significando também: até aqui é do primeiro original, daí para a frente é comentário, e você pode ler ou não ler na celebração, é opcional. Vamos dar o exemplo de Mt.13, 44-52. Antes dos colchetes teríamos o original, e depois o que foi aumentado. E vejamos a diferença: no original onde a palavra chave é o Reino dos Céus, a finalização é que o joio, no final da história, não vai servir para fazer parte do Reino dos Céus; somente o trigo  vai servir para o Reino dos Céus. Porém o homem do comentário mandou logo o “joio” i.é, os “maus” ir para o inferno. Na verdade naquela época não se respeitavam as opiniões contrárias ou discordantes, eram logo mandados pro inferno quem fosse diferente. Ninguém podia ter outra opinião. Mandavam logo pro inferno. Inclusive nas próprias Cartas de João consta que houve um cisma, uma parte da comunidade que mantinha outra opinião, e o autor da Carta insurge-se contra eles com termos injuriosos como “anticristos” (1Jo.2,18; e 2Jo,3,10), e “filhos do diabo”(1Jo.3,10),Cf. Raymond Brown, “A Comunidade do Discípulo Amado”, Paulus,2020, pag.107).  Neste comentário que referimos o Filho do Homem enviaria os seus anjos e eles iriam jogar os “homens maus na fornalha de fogo onde haverá fogo e ranger de dentes” (Mt.13, 41). Sabemos que isto aconteceu também no séc. XVI nas condenações contra os protestantes. A Igreja católica condenava eles, e eles condenavam os católicos. Hoje sabemos que todos somos irmãos e “cristãos”, e ninguém condena mais ninguém. O Papa São João Paulo II e o Papa Francisco já pediram perdão, o Papa João Paulo II em 12/3/2000; e o Papa Francisco em 25/01/2016. Deus respeita os protestantes, e respeita os católicos igualmente. Então o católico respeita protestante e o protestante tem que respeitar o católico. Deus respeita as religiões da China, da Indonésia, da Pérsia, da África e da Amazônia, do Japão e os Afro-brasileiros. E nós temos que respeitar também. Igualmente na família, o esposo respeitar a esposa, os pais respeitar os filhos, os filhos respeitar os pais; e os governos devem respeito a todos, e as populações que optaram pela diferença de gênero. Se Deus nos respeita porque é que não devemos respeitar também uns aos outros? E a teologia atual tem a certeza que Deus “falou” pelos profetas das outras religiões como pelos profetas da religião de Israel. Será que Deus estará se limitando à geografia e ao povo judeu? O Concílio Vaticano II fez esta afirmação ecumênica: “A Igreja nada rejeita do que há de verdadeiro e santo nas outras religiões”.(Vat. II, Nostra Aetate, n.2). E ainda: “Não podemos invocar Deus como Pai comum de todos, se nos recusarmos a tratar como irmãos alguns homens, criados à sua imagem” (id.n.3). Segundo a definição atual de “Inspiração”, ela é a experiência pessoal do divino na mente e na vida vivida de um personagem. E em toda a superfície e em todas as nações do planeta, em todos os tempos homens e mulheres tiveram experiências fortes do divino. Algumas dessas pessoas escreveram e outras nem tanto. Mas todas que seguiram esse espirito que os transformou, eles o comunicaram e comunicaram sua experiência a inúmeras pessoas, ou a uma nação inteira.(Cf. M. Morwood, “O católico de amanhã”, p.52). Foi assim que antes ainda que os Judeus existissem apareceram tradições e religiões mais antigas que os judeus onde Deus já tinha se manifestado. Os judus não são os únicos e nem os primeiros.

Conclusão. Agora se torna mais fácil dar a resposta à pergunta inicial: Sempre no evangelho palavra por palavra de Jesus?

P.Casimiro João  smbn www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br