segunda-feira, 27 de março de 2023

“Imprima-se, leia-se, mas não se cumpra”


 

Este era um princípio dos monarcas da Idade Média a respeito de documentos dos Papas. “Imprima-se, Leia-se, mas não se cumpra” quando não lhes convinha.

Hoje em dia não se expressa essa atitude assim tão aberta mas se pratica, quem sabe, também pela sociedade religiosa. Refiro-me a documentos exarados pela autoridade oficial da Igreja sobre assuntos delicados que afetam a consciência moral das pessoas. Por dois motivos: o descompasso da Igreja com o consenso geral da sociedade e mormente com o descompasso do avanço da ciência sobre o valor da consciência humana e com os novos avanços da antropologia, psicologia e democracia, que trazem uma nova cosmovisão. Nesta cosmovisão não se trata daquele mundo, o “cosmo” físico mas daquele cosmo integrado que inclui o ser humano como a “consciência” universal de toda a criação. Evidente que na visão tradicional se separava esse mundo material do mundo da pessoa, do indivíduo, na ideologia do dualismo maniqueu que dividia a matéria como má e o espírito como bom. Daí vinha toda uma filosofia dualista e moral dualista. Vem até no evangelho uma amostra disso, separando Deus e a criatura onde se diz “só Deus é bom” (Mc.10,17), como se tudo o mais não fosse bom. Na moral já vimos noutro Blog que só o espirito era bom e a matéria era má, com todas as consequências de psicopatologias e esquizofrenias que isso aporta para tantos indivíduos que se veem numa guerra perdida com o seu próprio corpo “coisa má” grudado numa alma de que não pode se separar, chamada também “cárcere da alma” como se dizia. Desta ideologia de separação resultam vários desvios, sendo o principal o de “coisifcar o corpo humano”, como diz o documento “Alegria do Amor”n.151, como sendo a coisa má que se carrega. Implantou-se no cérebro humano que só o espírito é sagrado e que Deus é inimigo do corpo. Porém hoje em dia no diálogo com a nova cosmologia se sabe que tudo no mundo é sagrado, e dentro do mundo a pessoa humana é a peça fundamental. Como já dizia Santo Irineu, “a glória de Deus é o homem vivo”. Quando se constrói o ser humano constrói-se já a parceria com Deus. Deus fala em todos que falam pelo bem do ser humano. Yuval Harari, sábio israelense disse que “não precisamos invocar o nome de Deus para viver uma vida de moralidade; o ser humano pode nos prover de todos os valores dos quais precisamos” (Yuval Harari (cf. Donizete Toneti, Sexualidadee e Pastoral, Paulus,p.90). Ou seja, quando se expressa o bem e o valor do ser humano se expressa-se o nome de Deus.

A sociedade hoje entende a vida como movimento feito de avanços. Estamos na passagem de uma sociedade estática para uma sociedade dinâmica e em continua evolução. Experimentamos um contínuo processo de transformações rápidas e profundas em que é urgente assumir a consciência de que a diversidade faz parte da essência humana. E se torna um desafio para quem apostava na ideologia da conservação onde tudo era apologia da ideia estática e narcisista de ter medo de tudo o que é novo. Neste aspecto o histórico da Igreja não é muito positivo no acompanhamento e na recepção dos progressos das ciências humanas. Devido a isso se pregava uma ética sexual estática, restritiva a um modelo na contramão dos contextos históricos; faz-se urgente então reavaliar os critérios éticos repensando o significado do corpo e da matéria, por exemplo na sexualidade e seus valores num contexto de diversidade da sociedade hodierna. Como consequência postula-se hoje a progressão moral evolutiva deixando de lado uma moral ética e sexual de Aristóteles. Aristóteles, observando o sexo dos animais descreveu a “lei natural” como aquele comportamento onde a fêmea apenas é o espaço onde é depositado um “pequeno homem”, um “adulto em miniatura”, pois era no esperma do macho que ele estaria contido. Esta física e cosmologia antiga ainda vigora até hoje nalgumas cabeças antigas, deduzindo daí que o prazer humano do sexo serve só para a reprodução. A cosmovisão de hoje leva a mente a “sair do quarto” para se abrir ao contexto do amor abrangente que significa diálogo, e relacionamento afetivo. Porém, para a maioria dos cristãos falar em sexo e prazer ainda vigora o único imaginário do “quarto” como reprodução. Significa que é preciso ser cristão num tempo de mudança, onde ambos os aspectos, físico e afetivo estão intimamente ligados.

Hoje a sexualidade não pode ser reduzida ao aspecto genital e à procriação mas deve ser assumida consciente e livremente pelo sujeito. A Congregação para a Educação católica assim se expressou: “A sexualidade é um componente fundamental da personalidade, um modo de ser, de se manifestar, de se comunicar com os outros, de sentir, de expressar e de viver o amor humano como parte integrante do desenvolvimento da personalidade e do seu processo educativo” (Orientações, 1983, n.4) Cf: André Luis Boccato, Sexualidade e Pastoral, p.41).

Vemos que há uma intuição universal sobre o bem e o mal moral. Na verdade, a “análise histórica dos Mandamentos revela que há um grande paralelismo entre eles e as leis de outros povos do Oriente Médio” (Barboglio, em Decálogo, cf. Almeida, André Luis, o.c.p.64). E a Pontifícia Comissão Bíblica afirma: “O Deus da Bíblia não revela antes de tudo um decálogo, mas a si mesmo” (o.c.p.62).

Há um atraso histórico em certos canais televisivos que têm merecido críticas ultimamente. Entramos agora no aspecto da progressão moral. Entendemos que certas respostas dadas como receitas matemáticas em canais televisivos tratam deste tema como se a pessoa fosse um ser de mármore informe sujeito a uma e outra e outra martelada com as quais pudesse ser cortada, serrada e polida  para ser um cristão. Essas situações levam pouco em conta que as coisas humanas não se apresentam como branco e preto (Papa Francisco, Alegria do amor, 37) mas mais como naquela outra historia em que um aluno respondia à questão, quando foi perguntado que no mundo o mal é preto e o bem é branco, e ele respondeu, professora, então somos todos zebra. O tipo de respostas morais que se propalam nesses canais são de tipo “é, não é,” “pode, não pode”, e isso seria como se os ouvintes fossem marionetes feitas de fábrica, sem possibilidades de reflexão, de consciência, de discernimento e crescimento. É um forno de pão estornicado. Tudo baseado numa moral estática, petrificada e congelada nos freezers dos canais televisivos forjados há quase 100 anos. São “mestres com a cabeça feita antes do Concílio e não conseguiram mudá-la. E esquecem que há aquele Espírito que, como diz o Vat.II dirige o curso dos tempos e renova a face as terra com admirável providência” e ajuda a interpretá-la com discernimento (Gaudium et Spes, 26; Cf. Almeida o.c.83). E também não atendem à gradualidade do crescimento da pessoa, dando respostas de uma moral fria e burocrática” (Alegria do evangelho,32) dando receitas prontas e infalíveis como alquimia para elementos químicos. Por isso, cuidado com as receitas das mídia mediáticas e mágicas tipo rcc e cia.

Nestas páginas focamos que a gradualidade do crescimento implica etapas de crescimento, e para essas etapas não adéquam receitas prontas e mágicas. O outro é o “outro” que merece respeito, veneração. O outro é o outro e não uma coisa. Discernir é tarefa pessoal. Não é pancada que vem na violência de uma imposição alienante. Discernir é buscar o ideal sem esquecer que ele deve se encarnar etapa por etapa no concreto existêncial de cada pessoa. É colocar os pés no chão da realidade qual ela se apresenta hoje e não nas nuvens de épocas de séculos atrás.

Discernir é ajudar as pessoas numa tríplice dimensão: pessoal: a sexualidade a serviço da personalidade; social: a serviço da construção de uma nova humanidade; e transcendental,  a sexualidade a serviço do cosmo como um todo onde o ser humano reflete a luz das estrelas. Discernir deve ainda levar em conta estes três graus: 1ª grau, tomar consciência do ideal e do real; 2º grau, da unidade entre as dimensões objetiva e subjetiva da moralidade; e o 3º grau, levar em conta o significado da importância da consciência da lei da gradualidade e da condução da  sua consciência. No dizer de Antônio Moser, “a sexualidade é uma moradia com muitas janelas abertas para o mundo” (O enigma da esfinge,115).  (Cf.nosso Blog a respeito dos 3 andares do cérebro: www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br de 26/2/23). Tendo em conta que “à Igreja cabe formar consciências, não substiuí-las” (Alegria do amor, 32), e que “deve-se considerar o potencial erótico e instintivo da libido como um aliado, e não um inimigo”(Thiago Calçado, o.c.p.162). Se não se respeitar este processo haverá frustração permanente. “Se não houver formação permanente haverá frustração permanente” O resultado será “a vivência de uma sexualidade neurótica, desintegrada, perfeccionista, presunçosa, narcisista, intolerante, cruel e desumana”(Wisniewski Eliseu, Sexualidade e Pastoral, p.120). Cuidado então com gente que tem a cabeça antes do concílio e não conseguiu mudá-la. O Papa Francisco ainda diz que certas palestras causam desinformação e ‘infodemia’  e apela para “certos formadores se formarem melhor em competência, sensibilidade e autêntico profissionalismo”(o.c.p.349). E dá recomendações ainda como “evitar mesquinharia moral” (Alegria do Amor, 304). O papa Francisco ainda diz que “A palavra de Deus não pode ser conservada em neftalina como se fosse um velho manto mofado que é preciso proteger da traça” (Alocução no XXV aniversário do CIC,11/9/17; o.c.p.306). “Jesus não falou diretamente da sexualidade nem se apresentou como um inimigo do corpo pregando privações e sacrifícios; não encontramos uma palavra sequer vinda de sua boca a respeito de relações pré-matrimoniais, homossexualidade, masturbação; nos evangelhos deparamo-nos com um silêncio surpreendente diante da sexualidade e/ou problemática sexual” (Morano o.c.p.113). Não é a sexualidade que pode entorpecer o caminho para Deus mas antes de tudo a injustiça, o dinheiro, o legalismo, a hipocrisia farisaica, inclusive, em determinados casos, as próprias práticas religiosas”(Morano, Cf. Wisniewski, Eliseu, o.c.p.115)

Sobre as mídia de afirmações arcaicas e petrificadas de certo ”magistério paralelo” diz ainda o Papa Francisco: “Por pensar que tudo seja preto ou branco às vezes fecham o caminho da graça e do crescimento, e desencorajam percursos de santificação que dão glória a Deus” (Alegria do evangelho, 305). E isso também impede que julguemos com dureza aqueles e aquelas que vivem em condições de fragilidade ou apenas diferentes da nossa” (Sdardeloto, Moisés, Sexualidade e Pastoral, p.345).

Conclusão. Para alguns analistas existe uma desconexão entre as normas do magistério e as perspectivas dos fiéis, considerando que as normas da Igreja estão desligadas da realidade. Como exemplo, “90% dos casais católicos utilizam os meios contraceptivos proibidos pela encíclica “humanae vitae”. Jovens casais moram junto antes do matrimônio, embora também Roma tenha-se pronunciado contrária” (o.c.p 118), citando Roger Lenaers, Thomas Halic e Libanio. Daí parece voltarmos à época da Idade Média onde se criou o slogan com que começámos esta matéria, “Imprima-se, leia-se mas não se cumpra”.

P.Casimiro João   smbn

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segunda-feira, 20 de março de 2023

O princípio do prazer na Psicologia de Freud e Adler e na Logoterapia de Victor Frankl


 

Partimos do princípio que o ser humano tem uma orientação primeira e natural para criar e para realizar valores. O indivíduo quer realizar valores.  Eu penso muitas vezes nas vantagens que temos hoje em dia em máquinas, objetos e utensílios que são do uso do nosso dia a dia: o carro, o celular, o avião, o relógio, o computador, a geladeira. Eu uso, nós usamos, mas nem sabemos o cara que fez isso: agora é só eu comprar, e pronto. Quem inventou a roda, a primeira bicicleta, o seu relógio, seu tipo de celular?

 

Isso é a orientação primária e natural para criar valores. A pessoa e pessoas que fizeram esses trabalhos não fizeram em primeiro lugar para o prazer, mas para criar. Ficaram felizes, mas nos tornaram mais felizes a nós. Porém, quanto mais se faz do prazer um alvo pessoal, mais se erra a meta. Vale dizer, quando se busca o prazer pelo prazer já se frustra a sua obtenção. Mas quando se objetivam motivos superiores vem junto o prazer pessoal como a cereja do bolo. Na verdade, quem age objetivamente apenas pelo prazer cai num precipício chamado de auto anulação em que nada constrói, e destrói o seu próprio prazer. Fazendo da felicidade o objetivo de motivação, ela passa a ser também o objetivo de atenção. No entanto, ao proceder  assim perde-se de vista o motivo, a razão para ser feliz; e consequentemente a felicidade, que por sua vez acaba por desaparecer. O prazer pelo prazer seria “thanatos”, i.é, vazio, quimera, ilusão; porém como componente de um objetivo é vida e felicidade. Em condições normais, o prazer nunca é a finalidade última da atividade humana, mas, sim, um efeito colateral da consecução de uma meta. (Victor Frankl)

 

 

Exemplo: o casamento, sendo a realização maior do ser humano, homem e mulher, é o objetivo maior que inclui vários leques, como empresa, trabalho, fortuna, status social, e exercício do prazer erótico. É um kit de várias realizações, mas juntas fazem o feixe da felicidade. No entanto, se se casa somente pelo prazer erótico, ou status, ou para conseguir fortuna, anula-se o objetivo do casamento e vai cair numa auto anulação. A pessoa olhou a uma parte do feixe, e o feixe acaba caindo redondo.

 

A mesma coisa num cargo político onde há os caçadores de status. A pessoa muitas vezes não vai para o cargo para fazer bem à sociedade, mas para se promover, ganhar dinheiro, poder, vaidade, riqueza pessoal e status. Tais visões de funcionamento acabam por ser auto anulativas, uma vez que alguém que demonstra e exibe seu desejo de poder será, cedo ou tarde, repudiado por parecer um caçador de status.

 

 

Em psicologia e especialmente na logoterapia o foco do objetivo maior e abrangenre é definido como vontade de sentido, ou seja o esforço básico do homem na direção de encontrar e realizar sentidos e propósitos.

Podemos então distinguir três tipos de objetivos na mesma ação: a autorealização onde se busca o prazer imediato ou erótico, segundo Freud, ou o prazer imediato do dinheiro e status segundo Adler; e o terceiro é a autotranscendência que ultrapassa ou transcende o prazer imediato e egoísta, para beneficiar a humanidade. Podemos apresentar mais um exemplo: o médico que poderá objetivar sua missão como prazer individual de satisfazer suas práticas eróticas (Freud) ou de ganhar dinheiro e status (Adler); ou então de diminuir o sofrimento da humanidade (V.Frankl). Na logoterapia que é um ramo da psicologia os dois primeiros exemplos não constituem a busca última do ser humano. Eles contradizem o caráter mais abrangente da existência humana. Apenas o último objetivo da autotranscendência realizará a felicidade de melhorar a humanidade. No casamento, como dissemos, a pessoa que vai só com o objetivo de ir depressa à “boca do poço” terá como primeiro fim o prazer erótico, destinado ao fracasso. A pressa na “boca do poço” seria o que se chama autorealização. Quem vai com o objetivo de construir uma família equilibrada e feliz, esse ou essa ultrapassa o objetivo único e egoista do erotismo, para focar no bem geral da família com seu leque de planejamentos. Isso chama-se autotranscedência. O povo já fez esta reflexão com o ditado “não vá com muita pressa à boca do poço”. E V.Frankl conclui: “A autorealização não constitui a busca primeira do ser humano. Não deve ser portanto a sua intenção primária. Essa autorealização quando é procurada como um fim por si mesmo contradiz a essência do ser humano” (V.Frankl “A busca de sentido” p.53).

Partimos agora para outra reflexão ontogenética: o principio do prazer na criança, no adolescente e no adulto, segundo Freud, Adler e Ungers. Freud afirmava que o primeiro grau da busca de prazer individual e erótico está mais na criança pequena; Adler afirma que no adolescente começa a despertar o 2º grau da autorealização que por sua vez é de superar-se com a autotranscendência no adulto. Frankl diz que no sujeito maduro se completa este 3º grau da superação dos outros dois graus. (o.c.p.57). Isto corresponde à nossa postagem sobre o desenvolvimento ou evolução dos três andares do cérebro humano, conforme o Blog www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br de 26/2/23

 

Conclusão. Freud estuda a psicologia do prazer erótico; Adler estuda a psicologia do prazer de status, poder de dinheiro\; V.Frankl estuda a logoterapia, que analisa os outros dois. Hoje vemos tantas noticias de estupros, violências contra a mulher, grupos de extermínio, e outros caçadores de poder, dinheiro e status, estes mormente instalados na classe política. Isto dá-nos ocasião para conferir com as teorias citadas por Freud, 1º grau da procura de erotismo; segundo grau da procura de status, poder e dinheiro (Adler), e o 3ºgrau do desenvolvimento da autotranscendência (V.Frankl) daqueles e daquelas que lutam na sociedade pelo equilíbrio dos dois pesos. Se não existisse este terceiro grau a humanidade estaria dedicada ao fracasso, mas com ele a vitória da humanidade está garantida não sem muito esforço, prevenção e educação.

 

P.Casimiro João    smbn

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segunda-feira, 13 de março de 2023

A canonização dos Santos e as pressas em algumas canonizações, herdeiras dos imperadores romanos.


 

Existem na Igreja tabus conciliares, surgidos após o Concílio Vaticano II e que ainda subsistem. Questões relativas à família e novas disposições para a nomeação dos bispos, reforma da Cúria dos cardeais e sobre o papado. Eram tabus no Concílio. Quanto ao controle da natalidade e métodos contraceptivos houve três intervenções sucessivas de eminentes cardeais, porém o debate foi logo abortado pelo Papa (Paulo VI). Afinal o tema foi delegado a uma Comissão especial, que favorecia o debate, mas mesmo assim foi mais uma vez anulado pelo mesmo Paulo VI na encíclica “Humanae Vitae” de 1968, após o Concílio. No entanto, esta tentativa do Papa não teve êxito, desde o surgimento da pílula em 1960. E é sabido que milhões de mulheres em todo mundo se utilizavam já desse método anticoncepcional. Aliás, a pílula foi inventada por dois cientistas católicos John Rock e Pasquale DeFelice. A bem da verdade, a referida Encíclica que proibia o controle da natalidade e como tal o uso da pílula mostrou o primeiro caso na história do século 20 em que a grande maioria do povo e do clero recusou-se a obedecê-la. (Cf. H.Kung A Igreja tem salvação, pg.175 e 178).

É verificável que houve atividade e um propósito de frear o movimento conciliar assim como as reformas propostas pelo Concílio logo desde o Papa Paulo VI, sucessor de JoãoXXIII.  Esta atitude de não aceitação do Concílio ainda aumentou com a chegada do Papa João Paulo II, atitude que alguns teólogos chamam de “traição ao Concílio” (o.c.p.180), que consiste num distanciamento da Igreja de tudo que tinha sido decidido nos documentos conciliares, o que por sua vez fazia distanciar da Igreja numerosos católicos de todo mundo.

E porque é tabu dizer a verdade na Igreja? Um dos tabus do reinado de João Paulo II foi um caso impactante como o seguinte: No México havia a Instituição dos “Legionários de Cristo” comandada pelo Padre Marçal Maciel. Esta congregação era super rica e milionária, tanto que fazia correr muito dinheiro para o Vaticano. Tanto como eles só outra semelhante, a “Opus Dei” também uma das preferidas do mesmo Papa João Paulo II. O padre Maciel era quem mais se opunha às orientações do Vaticano II. Isso não seria porque ele convivia publicamente com duas mulheres de quem teve quatro filhos, a mexicana Bianca Gutierres e Norma Banhos, e mais uma filha no Reino Unido e outra na Suiça, além de abusos de menores? Ele se proclamava agente da CIA e alto executivo do petróleo; possuindo 5 identidades diferentes. Apesar disso era acobertado pelo Papa João Paulo II, pois eram muito amigos, de tal maneira que o P.Maciel foi o companheiro fiel e o organizador das Quatro viagens que João Paulo II fez ao México. Quando Maciel morreu, sua fortuna rodava pelos 30 milhões de dólares.

Quando João Paulo II faleceu, em 2005, foi visto um Cartaz de grupos dos “LEGIONÁRIOS DE CRISTO”, infiltrados na multidão na praça do Vaticano que muita gente chamava de “Milionários de Cristo”, os mesmos que o Papa poucos dias antes tinha abençoado e elogiado das janelas do Vaticano. Os cartazes pediam “SANTO SÚBITO”, isto é, a canonização de João Paulo II. E quando o Cardeal Ratzinger o sucedeu como Papa, teve logo o interesse em pôr em prática o slogan do Cartaz. Na verdade, esta pressa tinha como objetivo não dar chance a maiores dificuldades e objeções contra a canonização de João Paulo II reduzindo os intervalos canônicos para a canonização. Como disse depois o escritor alemão Michael Walsh: “Os Papas herdaram a tradição dos antigos imperadores romanos, que tratavam de endeusar os seus predecessores”.  E era essa a preocupação de Ratzinger. Por isso nem foram respeitados os prazos legais tanto para a beatificação como para a canonização. Inclusive, os médicos duvidam se até a freira francesa que supostamente foi curada do mal de Parkinson se até mesmo ela esteve doente. (o.c.p.186-187).

Falando de tabus, falemos também sobre as canonizações de Santos. As canonizações começaram em 1.200 com Inocêncio III que chamou para si todos os procedimentos, e dos quais ele viu que poderiam retornar em fabulosos lucros para o Papado. Até lá eram os bispos que levavam seus amigos à honra do título de Santos. Honra que era mais ligada ao poder e à influência do que “dedo de Deus”, por isso que só concedida a nobres romanos e europeus influentes. De hoje em dia esses processos dão muito dinheiro ao Vaticano. Dizia a freira que levou Santo Antônio de Santana Galvão aos altares: “Gastarei o que for preciso, mas levarei o Frei Galvão aos altares”. A este propósito, só para falar nos últimos Santos, detenhamo-nos no último Papa que fez mais “Santos” do que os outros Papas em 400 anos, João Paulo II: 1.380 beatificações e 538 canonizações. Algumas destas canonizações foram duvidosas, como os mortos na guerra civil da Espanha. Outra, a do Padre Pio, no qual as “chagas” ou “estigmas” foram consideradas “manipuladas”. Também a canonização do Pio IX tão reacionário aos tempos modernos, e com documentos que ficaram padrão de uma Igreja inimiga da ciência e da inteligência. Por seu lado, já como dito atrás, Bento XVI, na canonização de João Paulo II extrapolou todas as regras e espaços de tempo. Além de que protegeu o famoso Padre Marcial Maciel, “casado” com duas mulheres, e com a agravante de ser o organizador das suas Quatro viagens ao México. Eles guiavam-se por aquela pauta falada pelo historiador alemão Michael Walsh, como dito atrás: “Os Papas herdaram dos antigos imperadores romanos a tradição de eudeusar os seus predecessores”.

Falando de canonizações não será tabu falar sobre os gastos. As beatificações saem na média de 35 mil Euros; As canonizações por 55 mil Euros, cada processo. Imagine se entre os Países do 3º Mundo será possível nem pensar nessa aventura? Além disso há os lucros adicionais: Medalhas, imagens, Livros, Turismo, e Doações. Mas tudo isto será tabu com a mistura da proclamação da santidade dos Servos de Deus, que ficariam de queixo caído se eles soubessem disso.

Falando de Pio IX: “Declarou guerra à modernidade, e com a incentivação dos Livros do “Index” proibidos mundialmente manteve as inteligências mundiais no obscurantismo de rebanho imbecilizado e analfabeto” (Cf.H.Kung o.c.p.454). Eis alguns nomes de fama mundial que colocou no Index dos livros proibidos: Copérnico e Galileu, os pais da ciência moderna; Descartes, Pascal, Bayle e Malebranche, e Espinoza, s pais da filosofia moderna; Os filósofos Kant, Locke e Hume; Literatos como Diderot, D’Alembert com as suas Enciclopédias e o Dicionário Larousse; Hugo Grotius, teórico do Direito Internacional; Vitor Hugo, Lamartine e Balzac e Simone de Beauvoir, para falar nos principais. Imagine-se o cegueirismo ditatorial da Igreja católica dessa época causando um apagão cientifico da fé e das ciências (Cf. o.c.p. 139).

Sem falar épocas anteriores, em que Inocêncio III fez o seu casamento dentro do Vaticano. Vivendo em monumental luxo na busca desenfreada do prazer e em monumental devassidão eram colocadas nessa época as bases para o celibato do clero. Sucedeu-lhe Sisto IV que colocou todos os seus sobrinhos com cargos no Vaticano, ele que tinha a ideia fixa do dogma da Imaculada Conceição de Maria. Alexandre VI com as amantes, e Inocêncio VII levou seus filhos também para o Vaticano (o.c.p. 125).

Conclusão. Um dado importante é que entre os candidatos à canonização, os leigos não têm vez. Nas pesquisas dos historiadores encontraram um Leigo por ano em média, no meio de centenas por ano de todos os outros, só religiosos ou religiosas.

P.Casimiro João        smbn

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segunda-feira, 6 de março de 2023

Quaresma, glória e fome.

“Pedras podem transformar-se em pães”? (Mt.4,3) Sim, as pedras do povo se transformam em riqueza e muito pão para outros que têm cargos de governo nas nações. O povo tem muitas pedras e muitos espinhos na sua vida. “No meio do caminho havia uma pedra” (Drumomond de Andrade).  Parafraseando podemos dizer que no meio do caminho dos pobres não há somente uma pedra mas muitas pedras e muitos espinhos dolorosos. Nestes casos a fragilidade de uns é glória de outros. Fala-se muito em estupros de vulneráveis. Sim, aqui quem é vulnerável é a nação, e muitos governantes estupram a nação e o povo. Desde 2014 que as autoridades das cidades costeiras do Brasil (Baixada Santista) foram avisadas dos riscos de deslizamentos e nada fizeram. Em Petrópolis, autoridades ficaram com os recursos destinados aos atingidos pelos deslizamentos de 2021 conforme afirmado pelos canais televisivos. Dois dias antes dos deslizamentos da Vila Sahy de São Sebastião, os prefeitos foram avisados, porém nada fizeram, e deixaram o Carnaval correr, mas em vez do carnaval quem correu foram as águas que mataram 74.

Em segundo lugar, para nos colocarmos no início da quaresma, seria possível Jesus “subir na parte mais alta do Templo para se jogar” (Mt.4,5). Reflexão: O analfabetismo geral se transforma em domínio fácil para alguns, e ainda mais usando a religião para seus fins perniciosos. Temos outra derivante que encerra a parábola das “tentações de Jesus”: No cimo de uma montanha foram oferecidos a Jesus “todos os reinos do mundo e sua glória se ele adorasse o demônio” (Mt.4,8). Na verdade muitas pessoas, levadas pelas ganâncias e por muitas alienações facilmente se entregam nas mãos de políticos habilidosos, gananciosos e perversos para adorá-los. Eles até podem dizer assim: “esse deus que vocês adoram não lhes dá nada mas eu darei tudo que vocês precisam”. Eles pretendem que sejam adorados pelo povo.

No outro lado da medalha, uma oração da quaresma fala assim: “que a Igreja e seus ministros não cedam à tentação do poder, da glória e da riqueza”. Não será que a Igreja terá contribuído muito para que em vez do povo adorar a Deus, adore as pessoas, achando que por uma roupona vistosa são adorados, e pela riqueza, e pela glória, e pelo poder, igualmente como os políticos? Os fariseus receberam uma advertência de Jesus quando lhes disse: “ vocês trazem largos filactérios e estendem largas franjas nos seus mantos, e amam os primeiros lugares nos banquetes e as primeiras cadeiras nas sinagogas” (Mt.23,5).

Na verdade, a Igreja está no patamar dos poderes políticos, no outro lado da medalha, por todas as vezes que as pessoas do mando usam roupas vistosas, poder, glória e riqueza. E em vez de servir, se oprime o povo. Porque a riqueza dá poder, as rouponas dão poder, e com o poder vem a glória. Em contrapartida, há uma oração rezada todos os dias, que diz assim: “não nos deixeis cair em tentação”. No entanto, quanto mais se reza essa oração todos os dias, mais se busca a riqueza, mais se buscam roupas vistosas, mais se busca glória e mais se busca poder. Em todos os níveis da Igreja. Aliás nós sabemos que as vestes da Igreja são uma herança do Império romano. Quando o império romano acabou passou para a Igreja em honrarias, roupagens, brasões e títulos. O poder do imperador passou para o Papa, e como imperador o Papa dizia “eu mando em todos e ninguém manda em mim” (Inocêncio XIII), e o título de “príncipe” passou para os bispos, como “príncipes da Igreja” e o Papa como o “rei dos reis” (www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br de 24/10/21).

Ainda está aí um caso bastante escondido que conta o seguinte: No encerramento do concílio Vaticano II houve uma resolução para que fosse vendida a Tiara de três coroas de ouro usada pelo Papa, e de fato Paulo VI vendeu-a para entregar o dinheiro aos pobres da rua da cidade de Roma e começou usando uma tiara mais simples e sem ouros. Ótimo que foi bom. Porém, dali a pouco mais de 20 anos um dos sucessores, em 2009, Bento XVI lembrou que nos baús antigos do Vaticano havia uma Tiara ainda mais rica, da época dos imperadores e cheia de ouro, conseguiu essa coroa e começou usando, igual a outra vendida. (Hans Kung, “A Igreja tem salvação?”, p.228).

Hoje em dia há alguns candidatos ao seminário que quando voltam à sua cidade depois de um ano no seminário da diocese de Frederico Westphalen (RS) regressam com vestes clericais semelhantes a cardeais. A xarada é que um paroquiano deu o seguinte comentário: “Como? Aquele menino saindo há pouco dos cueiros e já vem vestido de cardeal?”

Conclusão. Há uma oração dos cristãos que reza assim: “o pão nosso de cada dia nos dai hoje”. Hoje quem tem a barriga cheia diz que quem cobra pão para os pobres é comunista. Porque não querem que ninguém mexa com eles. Na época de Jesus chamavam a Jesus de belzebu, e que tinha belzebu; porque ainda não havia esse termo de comunista. Na verdade, quem não tem pão não tem poder. Muito menos riqueza, glória e vestes de grife. A Igreja e o Estado, quem sabe, poderão achar que o pão para os pobres é um favor, mas para eles é um direito. E é sempre bom lembrar a invectiva de Jesus: “Ai de vós fariseus hipócritas que trazeis largos filactérios e largas franjas nos vossos mantos, e amais os primeiros lugares nos banquetes e as primeiras cadeiras nas sinagogas” (Mt.23,5).

P.Casimiro João       smbn

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