sábado, 2 de janeiro de 2021

A Parábola dos vinhateiros, a vinha e a torre, e os frutos do latifúndio; o talento enterrado no chão, e a atitude do “preguiçoso” que não é preguiça, ao contrário.


 

Um proprietário plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, colocou um engenho, e construiu uma torre. Arrendou-a a vinhateiros, e viajou para o estrangeiro. No tempo oportuno mandou seus servos para receberem os seus frutos. Mas os lavradores agarraram os servos, espancaram um, mataram outro, e apedrejaram o terceiro. Enviou outros servos em maior número do que os primeiros e fizeram-lhes o mesmo. Por fim enviou seu próprio filho dizendo: hão de respeitar o meu filho. Os lavradores, porém, vendo o filho, disseram uns aos outros “Eis o herdeiro, matemo-lo, e teremos a sua herança” (Mt.21,33-39).

Além da interpretação usual, tem fontes com outra versão de interpretação alternativa que é a seguinte: O homem rico do texto representa aqueles que acumularam as terras roubando dos camponeses pobres da Galileia. Na hora da colheita o proprietário quer os frutos da colheita, porém os trabalhadores defendem os seus direitos. O envio do filho, o herdeiro tinha como objetivo intimidar os trabalhadores.

Na interpretação tradicional é tudo legitimo, tudo o que o proprietário tem e faz. E ao contrário, tudo errado o que fazem os trabalhadores. Nesta versão invertem-se os papéis. Errado o proprietário porque terá acumulado terras às custas de tirar dos mais pobres, e acertado o comportamento dos trabalhadores, que cobram os seus direitos. Na verdade, os latifundiários, na época de Jesus, tiravam as terras dos pobres quando eles não tinham com que pagar as dívidas, e ficavam escravos dos patrões. Assim os ricos ficavam mais ricos, e os pobres ficavam mais pobres.

Uma é a perspectiva  dos três evangelhos sinóticos, outra a perspectiva aqui representada. Tem uma parábola semelhante, a dos talentos, na qual todo mundo elogia a atitude do patrão, e condena a atitude do servo, que não colaborou para aumentar os lucros do patrão, e enterrou o talento. “servo mau e preguiçoso, não devias ter colocado meu dinheiro no Banco, e à minha volta, eu receberia com os juros o que é meu”? (Mt.25,26-27).

O P.Nilo Luza, nos comentários da “Liturgia Diária” comenta este capítulo como representando os problemas sociais da época. E na verdade, em ambas as parábolas os problemas são iguais.

Falta respondermos à pergunta: Porquê esta inquietação não vem expressa nos evangelhos sinóticos, e eles dão razão aos patrões? Além da explicação do P.Nilo Luza, temos a explicação que oferece o teólogo Leonardo Boff, da seguinte maneira, seguido por outros teólogos como Eugène Boring, Neill Eliott, Frei Jacir Freitas e Richard Bauckam: No princípio o Cristianismo estava junto com o Judaismo. O Judaismo era uma religião legalizada pelo Império. Mas quando o cristianismo se separou do Judaismo tornou-se uma seita, a “Seita dos nazarenos”. Como tal vivia na ilegalidade e era uma religião inferior, e sujeita à repressão.

Nessa época, foram escritos os evangelhos sinóticos. Aí nos diz textualmente Leonardo Boff: “Os apologetas se esforçaram por apresentar o Cristianismo como uma religião que poderia desempenhar uma função útil ao Estado como os demais cultos, e se tornar uma religião lícita” (Igreja, Carisma e Poder, 143).

Numa situação de perseguição como aquela os evangelhos iriam, digamos, sair em defesa dos romanos, porque os patrões eram todos romanos ou afetos a eles. Não iriam cair na desavença contra eles mas iriam procurar uma aceitação do cristianismo entre eles.

Ao invés disso, esta versão se reporta à situação das comunidades da Galileia, mais afastadas dos centros de Roma. Os abusos dos proprietários e latifundiários na região da Galileia é que estavam aí denunciados. E os estudiosos dizem que é mais provável que esta versão esteja mais próxima à versão de Jesus.

Concluindo, temos ocasião de ver como as duas versões foram desenhadas, dependendo do objetivo: ou defendendo uma classe, ou defendendo outra, inclinando o pêndulo para a vantagem de não magoar os exploradores, ou para a defesa dos explorados.

Ainda hoje a Bíblia pode servir para manter o “status quo” dos poderosos ou para denunciar a exploração, como “faca de dois gumes que vai “até à medula dos ossos” (Heb. 4,12).

Quantas vezes pregadores, palestristas, sobretudo em cerimônias de ocasião ou cultos de adulação, dão-se ao trabalho de escolher textos: “Este não, porque vai contra os ouvintes tal e tal, que ficariam revoltados. Então se escolhem outros, ou que podem servir de elogios, ou que não dizem nada, “não são quentes nem frios", e mais que mornos. É da experiência de cada um, só não dos profetas.

Vemos assim a abrangência da Parábola dos vinhateiros, a vinha e a torre, e os frutos do latifúndio; o talento enterrado no chão, e a atitude do “preguiçoso” que não é preguiçoso, ao contrário, é o inteligente.

P.Casimiro    smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

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