sábado, 26 de dezembro de 2020

O Natal e Maria de Nazaré: A alma morava no céu e caiu no corpo, como será a viagem de volta ao paraíso?


 Para entendermos este problema temos que retroceder dois mil anos atrás, e nos colocar no pensamento desse mundo que era também o mundo dos inícios do cristianismo.

Veja bem, no pensamento dessa época, Deus estava longe do mundo e não tem nenhuma influência sobre a vida espiritual das pessoas. A ideia era que a alma morava no céu e caiu no corpo, um dia ela teria que retornar ao paraíso. Quando a alma conquista o conhecimento, ela inicía o processo de viagem ao céu.

A cada ser humano restava o desafio de tornar-se um ser espiritual. Como? Abstendo-se da vida sexual ou de cair nos prazeres do corpo para enfrentar essa viagem. Essa viagem era perigosa, pois no trajeto entre a terra e o céu vivem os anjos decaídos, os anjos maus, prontos para tomar a alma. A alma, então, tinha de ser sábia para enfrentá-los. A sua única arma seria a pureza virginal que lhe garantiria a natureza divina.

Por outro lado, defender a virgindade era também sinal de que o corpo não tinha valor. Nesse desprezo pelo corpo, os cristãos receberam influência do pensamento dualista que pregava a separação entre alma e corpo, trevas e luz, vida e morte, Deus e mundo. Assim, tudo o que se dizia pertencer ao mundo era desprezado, pois o mundo era considerado uma armadilha dos poderes do mal. Considerando que já pela mulher tinha entrado o mal no mundo (Eclo. 25,24)

A Igreja dos primeiros tempos participava desta concepção. Basta olhar o calendário: Santas do calendário romano, 85 por cento são “virgens” ou “virgem e mártir”. Além destas e dos mártires, tem monges e bispos. Pouco mais. O primeiro casal que foi canonizado foram os pais de Santa Teresinha.

Para continuar entendendo o conceito de “virgindade” temos que continuar a história, e o mito greco-romano da deusa Vesta, deusa de Roma, e suas sacerdotisas, as virgens Vestais.

A deusa Vesta (em grego Héstia) era filha do Cronos, um deus dos Titãs. Mas foi devorada pelo pai. Porém, conseguiu ser salva pelo deus Zeus, irmão do pai; Quando se viu salva pediu ao tio-irmão que nunca lhe fosse permitido tirar a virgindade para não gerar mais guerras entre os outros deuses para conquistá-la.

Zeus atendeu o seu pedido e para isso reservou um lugar para ela no centro das cidades como forma de agradecimento. Por isso ela era servida por sacerdotisas virgens, as Vestais, que no centro da cidade de Roma tinha o seu templo sempre com fogo aceso como garante da Paz de Roma. Se o fogo apagasse aconteciam castigos para Roma, fomes, pestes ou guerras. E se a guerra  falhava  a culpa não era dos generais mas das Vestais.

O templo de Vesta ficava no centro de Roma. As Vestais eram encarregadas de manter no centro do templo o fogo aceso de dia e de noite como garantia da paz romana “Pax Romana”.

Nas sociedades arcaicas, o sacerdócio feminino era considerado essencial, porque se preservavam da atividade sexual, como modelos de paz numa sociedade violenta. E porque a atividade sexual era considerada uma das “portas de entrada” da violência na sociedade.

E como é que os primeiros cristãos  trataram a vida da Virgem Mãe de Deus com estes conceitos na cabeça? Será que não tiveram influência? Quando Maria foi para casa de José, cinco jovens virgens a acompanharam, que deveriam permanecer com ela na casa de José. Esses virgens a chamavam de “rainha das virgens”.

Quando José soube da gravidez de Maria, as outras virgens contaram-lhe que tinham vigiado Maria. Somente anjos conversavam com ela. “Se queres que te confessemos nossa suspeita, nenhum outro a tornou grávida senão o anjo do Senhor”.

Outra tradição diz que o escriba de Anás, numa visita que fez à casa de José percebeu a gravidez de Maria e  os denunciou ao tribunal do templo. Maria e José foram submetidos ao teste da “água da prova do Senhor”. Conforme o costume judaico, eles deviam beber essa água preparada com ervas amargas e dar sete voltas em torno do altar (Nm.5,12). Os culpados receberiam de Deus um sinal no rosto. A inocência de ambos foi comprovada.

Então Maria foi conduzida a sua casa com grande exultação e júbilo acompanhada por uma multidão de virgens.

No trânsito de Maria para o céu como foi? “No seu velório, virgens prepararam o seu corpo e seguiram o cortejo. João, aquele que recebeu o encargo de cuidar dela, levava a palma da virgindade de Maria, porque também se conservara virgem”.

Esses e tantos outros elementos nos mostram como as comunidades discutiam a questão da virgindade mariana, e como alguns elementos passaram para os evangelhos canônicos. Por outro lado, essa obsessão pela virgindade era também sinal de que o corpo não tinha valor. Os primeiros cristãos foram influenciados pela negatividade da matéria, segundo a qual Deus não criou a matéria e o mundo, e de nada se interessava com ele; o “demiurgo”, o deus intermediário entre o mundo e Deus é que foi o criador do mundo e da matéria, que é chamado nos evangelhos como o “príncipe deste mundo” (Jo.14,30 e Jo.16,10).

Assim, tudo o que se dizia pertencer ao “mundo” era desprezado e considerado uma armadilha dos poderes do mal. Deus está longe do mundo e não tem muita influência sobre a vida espiritual das pessoas. A cada ser humano restava o desafio de tornar-se um ser espiritual de verdade, abstendo-se da vida sexual e do contato com a matéria do corpo. A alma morava no céu e caiu no corpo, um dia ela teria que retornar ao paraiso. Quando a alma conquistasse o conhecimento, ela iniciaria o processo de viagem ao paraíso.

Esta era uma viagem perigosa porque tinha que enfrentar os anjos maus nesse trajeto onde eles estavam prontos para tomar a alma. A alma teria que ser sábia para enfrentá-los. A única segurança da alma seria a pureza virginal, que lhe garantiria a natureza divina, como acima dito.

A tradição revela que Maria teve medo de encontrar-se com esses anjos maus quando saísse de seu corpo, por isso pediu a proteção dos apóstolos na custódia de seu corpo.

Como vemos há nestas tradições uma cultura baseada em mitos trabalhados por aquelas gerações de pagãos e cristãos. E de uma maneira ou outra  influenciaram os escritos dos evangelhos.

Como diz o historiador dos inícios do Cristianismo Frei Jacir de Freitas “muitas crenças de nossa devoção popular mariana provêm dos evangelhos apócrifos” (As origens apócrifas do cristianismo, 122).

Já deu para dar uma resposta ao nosso título desta matéria que preocupava demais as primeiras gerações de nossos antepassados, os primeiros cristãos, e procuravam encontrar respostas:  A ALMA MORAVA NO CÉU E CAIU NO CORPO; COMO SERÁ A VIAGEM DE VOLTA AO PARAISO ?

P.Casimiro

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

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