O
evangelho de Mateus coloca a figura de Pedro em destaque como liderança, porém
o evangelho de Marcos enfoca a característica de seguir Jesus como Messias. E
só Mateus traz a famosa investidura de Pedro como a pedra da igreja e a
entrega das chaves, omitidas pelos evangelhos de Marcos, Lucas e João.
Quando Jesus perguntou: “Quem
dizem os homens que eu sou” (Mt.16,13), a resposta de Pedro em Marcos
é “Tu és o Messias” (Mc.8,29); Em Lucas é: “Tu és o Cristo de Deus” (Lc.9,18), enquanto que em Mateus é:
Tu és o Cristo, o filho de Deus vivo”
(Mt. 16,16). Respondeu Jesus:“Feliz és tu, Simão filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue
que te revelou isso mas o meu Pai que está nos céus. E eu te declaro: tu és
Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja; e as portas do inferno não
prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que
ligares na terra será ligado nos céus, e tudo que desligares na terra será
desligado nos céus” (Mt.16,16-20). Em Marcos, Lucas e João não tem esta
resposta de Jesus.
E
isto de só Mateus trazer ele sozinho esse texto é significativo, uma vez
que Marcos é anterior, e é a fonte tanto de Mateus como de Lucas, de onde eles,
os dois, compartilharam os seus evangelhos. Mas então porquê só Mateus acrescentou tudo isso e chama
a sua comunidade de “igreja”? As comunidades de Marcos, Mateus e João
não eram também “igrejas”? Claro que
sim, mas ele foi o único a destacar essa comunidade no universo das outras comunidades
como sendo a evangelizada por Pedro, em oposição às outras igrejas fundadas e
evangelizadas por Paulo. Eles achavam Paulo mais avançado, e dando mais
destaque à graça do que a lei, e ao Espirito do mais do que à liderança.
Temos
de perguntar mais: qual o real motivo destas diferenças? Além do objetivo de
destacar a figura de Pedro, dizem os estudiosos da Crítica das Formas:
“As tradições foram não apenas adaptadas mas, em muitos casos, criadas
para o uso que as igrejas cristãs as destinavam na pregação ou no ensinamento.
O processo de transmissão era bastante criativo.” Isto quer dizer que os
redatores iniciais dos evangelhos se sentiam bastante livres para “formularem
as tradições de Jesus para o propósito bem diferente de testemunhar a presença
atual de Jesus em suas comunidades.” (Richard Bauckham, Jesus e as testemunhas
oculares, 310).
Além
de as comunidades de São Mateus acharem São Paulo mais avançado, eles se
consideravam mais na linha da messianidade e da escatologia, isto é, afirmando
que Jesus era o descendente de Davi, e que ia trazer a vitória final e o
julgamento dos últimos dias em breve tempo, na linha da escatologia do Antigo
Testamento.
Foi assim que essa afirmação única do evangelho de Mateus
“sobre esta pedra construirei a minha
igreja”(Mt.16,18) que eles aplicaram à sua comunidade particular,
passou para toda a Igreja.
Já Marcos e Lucas não tinham esses problemas no seu entorno.
Na verdade os evangelhos de Mateus e de Lucas não compartilharam essa afirmação
da “pedra da igreja” e “das chaves”. No evangelho de João também não
há nada a respeito.
Vale dar uma olhada agora para o que refere o evangelho de Tomé, que é da mesma
data de Marcos, sobre o mesmo assunto: “Jesus
perguntou a eles: A quem vocês pensam que eu me assemelho? Pedro respondeu: Tu
és como um anjo justo. Mateus respondeu: Tu és como um sábio filósofo.”
E disse também Tomé: “ Mestre, minha boca é completamente incapaz de dizer
a quem te assemelhas.” Jesus lhe respondeu: “ Não sou eu teu mestre, pois
bebeste, te tornaste ébrio da fonte borbulhante que eu cavei”? (Dito 13 de
Tomé). Isto porque o evangelho de Tomé não tinha interesse algum na Bíblia
hebraica ou na expectativa messiânica hebraica” (Richard Bauckham, 303).
Na verdade, houve cinco etapas na redação dos evangelhos: 1.
memórias sem ordem e sem cronologia, 2. recontagens 3. reformulações,
4. expansões, e 5. trabalho editorial
dos redatores (evangelistas). Até
que ponto a tradição foi conservada ou criativa e, portanto, em que medida o
conteúdo dos evangelhos preservou fidedignamente o que Jesus, de fato, disse e
fez, é questão sobre a qual os estudiosos divergem largamente.
Vamos
analisar outras narrativas agora: 1º a transfiguração: A cena da
transfiguração de Marcos (Mc.9.2-10) foi compartilhada por Lucas e por Mateus.
Nesta cena, a figura de Pedro incorpora e envolve os leitores. A proposta de
Pedro a Jesus, é a mesma que qualquer leitor seria levado a dizer “ Mestre, é bom estarmos aqui; façamos três
tendas, uma ti, outra para Moisés, e outra para Elias” (Mc.17,5). Esta é a
habilidade e intencionalidade dos escritos do evangelho de Marcos: envolver
o leitor, colocá-lo ali na presença.
Aqui seria necessário enfocar o gênero literário “teofania”, manifestação divina ao jeito das teofanias do Antigo Testamento com o objetivo de
impactar o leitor no ensino a ser transmitido, como assim em outros episódios
onde o escritor põe Deus “falando” no meio do fogo, da tempestade, das nuvens e
relâmpagos e dos trovões.
2º A sonolência na hora da Agonia: Aqui Pedro e os
outros decepcionaram Jesus ao adormecerem no Getsêmani. A função narrativa desta
sonolência é possibilitar ao leitor
compreender e simpatizar com a incapacidade dos discípulos de permanecer
acordados. O episódio é um apelo à nossa identificação com eles, outro jeito de
habilidade do evangelista.
3 - As negações de Pedro: Também o episódio das negações de Pedro foi compartilhado por Mateus e Lucas. É constrangedor que Pedro tivesse por três vezes negado Cristo (Mc 14.66-72). Mas assim como nos episódios já mencionados, também a negação é um apelo que provoca e envolve o leitor de Marcos.
Também
o leitor contemporâneo de Marcos tinha ocasião de sacar daí algumas lições:
Assim como o “mais corajoso dos apóstolos” negou o Cristo e se recuperou, não
seria um apelo para que muitos que teriam negado a sua fé pudessem
também voltar para ela e para a conversão? Eis a questão.
Antes
de terminar gostaria de enfocar uma conclusão que alguns teólogos protestantes
tiram da existência das várias teologias e enfoques teológicos nos
evangelhos. Por exemplo Kaselmann diz que
isso não funda a unidade da Igreja mas a “diversidade das confissões”.
A
esta questão responde Leonardo Boff que não se deve olhar a uma parte
mas ao todo dos textos neotestamentários, validando a aporia de que o todo vale
mais do que a parte. ”A unidade da Igreja
é uma realidade teológica fundada na audiência e obediência do único evangelho
de Jesus Cristo que está para além dos textos evangélicos. Aqui não decide a
história mas a fé”. (Leonardo Boff, “A Igreja, Carisma e poder”, 135).
Tivemos
ocasião de ver o ambiente em que os evangelhos foram pensados e escritos. Mateus e Lucas beberam na fonte de Marcos, que
é o 1º evangelho. E apesar de ser o primeiro, a palavra “igreja” e chaves
não aparece em Marcos e nem em Lucas, e vimos a variante do evangelho
de Tomé.
Voltemos
de novo ao título da matéria que é a ação conjunta e desencontrada de São
Pedro, São Mateus e São Marcos para a redação dos evangelhos, e o evangelho
apócrifo de Tomé
P.Casimiro smbn
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
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