segunda-feira, 11 de março de 2024

TEOLOGIA BÍBLICA, DEUS YAHWEH FRACO E FORTE.


 

Nos padrões do antigo Oriente a derrota de uma nação poderia também indicar a impotência de seu deus. A nação da Bíblia, que sempre considerou o seu deus Yahweh como o mais forte, um dia entrou em crise com as sucessivas derrotas de que foi alvo. E agora? Era a pergunta. Nessa hora tiveram que amargar e enfrentar a sanha dos deuses vizinhos que “teriam derrotado” Yahweh assim como tinham derrotado a nação. Ashur, o deus mais vizinho era visto como um imperador divino sobre todos os deuses das outras nações. Assim o deus Ashur tinha o mesmo nome da Assíria e tinha derrotado Yahweh. E o pior era que a Assíria dominava o mundo todo, desde o Egito até a Palestina. Israel era um país quebrado. E de quebra, há um dado importante nisso tudo: a base social de Israel foi quebrada, ao mesmo tempo que a nação, qual era a base social? A família. E como é que a família foi quebrada? Com os sucessivos cativeiros onde eram escravos. Como a terra fazia parte da família, ela foi deixada para trás; os filhos foram deixados e separados dos pais, e as mulheres separadas dos maridos. E ainda mais, os reis ficaram também na cadeia feitos prisioneiros, ou mortos. Foi assim o retorno do exílio quando essa nação quebrada voltou aos pedaços das terras estrangeiras. Foi quando, em vez do rei, era nomeado o sumo sacerdote para o governo no lugar dos reis que já não existiam mais, com exceção de João Hircano, (104 a.C.) quando os romanos lhe concederam o título de rei antes de ser assassinado. Isto era o ano 537 a.C. quando Ciro mandou eles de volta para suas casas, mas na condição ainda de escravos da Pérsia que tinha vencido a Babilônia, e depois ainda no poder de Alexandre, o grego em 333 a.C. no período helenístico, tendo uma folga de 40 anos no período dos macabeus até cair no poder dos romanos em 63 a.C. Digamos que isto teria sido providencial da seguinte maneira: Antes, os reis tínham os seus deuses, como qualquer um dos reis das nações vizinhas, ou quando casavam com estrangeiras ou tinham concubinas que traziam os seus deuses. Agora não tinham mais o rei, não tinham os deuses do rei e das concubinas. E aquilo que anteriormente tinha sido tão criticado sobre os “deuses” das outras nações eles esqueceram que tinham sido também os seus deuses. Era agora a hora de começar a cumprir. Era o século III e II antes de Cristo, quando Israel começou a considerar-se povo de um só deus ou monoteísta porque disseram Yahweh é o nosso rei e o nosso deus porque não temos outro rei, (Cf.Daniel, 3, 37ss.) Aliás, muito antigamente já tinha havido o Akenatón do Egito que em 1.200 a.C. tinha decretado um só deus para toda a nação, o que foi praticado até a morte dele.

Nesta época que estamos falando, a Bíblia foi editada, e reeditada, e o monoteísmo que agora adotaram, digamos, na marra, eles o estenderam como se tivesse sido praticado em épocas anteriores, o que é uma falácia. E nas reedições que agora fizeram assim colocaram nas novas reedições, desde o Êxodo, Deuteronômio, Crônicas etc.(Cf. 2Cr.36,14) Autores modernos colocam esta data como a mais produtiva da escrita e reescrita da Bíblia, dizendo que antes tinham só “ensaios”, nós diríamos rascunhos. E teria sido esta a data da elaboração definitiva da Torah e dos Livros Históricos, de Gênesis até Reis. (Cf. Mark Smith, “O memorial de Deus”, p.170). E também Philippe Wajdenbaum, “Os argonautas do deserto, pari passu). Vejamos o que diz M.Smith: “As reedições de grandes textos religiosos sobre o passado parece ajudarem a gerar e a modificar a ideia de uma deidade única na história bíblica”(o.c.p.177). E assim, esta atividade de editar e reeditar textos antigos envolveu também sua configuração: Textos deste tipo e deste tempo canalizaram todos os papéis dos deuses anteriores para esta única divindade agora adotada, o Yahweh. Deste modo foi construída uma afirmação pós-exílica sobre o monoteísmo como sendo constante em todo o passado de Israel. “No contexto pós-exílico uma das mais importantes asserções do monoteísmo reside na construção da primeira metade da Bíblia Hebraica canónica, a Torá e os Livros Históricos” (M.Smith, o.c.p.179). Na verdade, vejamos a data em que os estudos modernos colocam a escrita da Torá e dos Livros Históricos: “O formato destas obras foi concluído ao redor de 198 a.C. à época de Ben Sirac, sendo a última reedição do fim do império persa. Desta maneira, e nesta estratégia, o politeísmo foi empurrado para as sombras, ou negado, como se em todo o período tivesse havido “um só deus em  Israel” (o.c.p178), estratégia que já foi explicada neste blog (www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br de 25/2/24). Um exemplo flagrante: “Em Êxodo, 6,2-3 fica bem claro que que os patriarcas não conheciam a deidade pelo nome que a tradição javista associou ao chamado de Moisés” (o.c.p179). Estamos vendo como a “memória coletiva de Israel e a amnésia coletiva de Israel ajudou a gerar e visão monoteísta da Bíblia fora da cosmovisão politeísta israelita mais antiga e, então, interpretaram os fatos antigos à luz da nova visão” (o.c.p.179). Estamos agora observando como no mundo acontecem coisas estranhas: religião e política caminham juntas, ou para bem ou para mal. Sobre as acirradas críticas aos santuários de Dã e Betel, com o deus Baal se recusando a unir-se aos cultos de Jerusalém com o deus Yahweh mas também com a deusa Asherá o autor M.Smith observa o seguinte: “O problema não era ter ou não ter outros deuses mas era a competição de diferentes divindades apoiadas por diferentes santuários”.(o.c.p.81). Isto é, não eram problemas religiosos mas políticos porque tanto em Betel como em Jerusalém cultuavam vários deuses e deusas, como a Asherá, esposa de Yaweh. E tanto assim que eles levaram esta briga até transportá-la para o Monte Sinai, onde estrategicamente montaram a cena do “bezerro de ouro”. E tanto em Betel o deus Baal era representado como um “bezerro de ouro” como em Jerusalém o deus Yaweh era representado também como um “bezerro”, junto com a consorte “Asherá”, a “Rainha do céu”(Cf. o.c.p.101; cf. Jer.7,18 e 44,19).   Esse bezerro de ouro estava acontecendo nesse momento entre eles. Na verdade O Sul queria que todos viessem em Jerusalém, mas os do Norte não queriam e fizeram seus santuários e os seus deuses (Dã e Betel). Embora que tanto uns como outros tinham vários deuses, com suas imagens. O povo da Samaria fez esses cultos “a fim de impedir a sua população de continuar sua peregrinação a Jerusalém,” (o.c.p.62; cf. 1 Reis, cap.12), i.é, para que os Baal do Norte não fossem adorar os Baal de Jerusalém. Antes de concluir, diremos com M.Smith que com todas as habilidades e estratégias de época em época o Sinai conseguiu firmar-se como “uma realidade quase divina, consistindo de múltiplas partes de diferentes períodos; em resumo, como uma unidade “divina e eterna”, ainda que um amálgama humano unido pelo tempo”. (o.c.p.215). Assim como “mudanças posteriores sobre as figuras de Davi e Moisés foram transformados em figuras heróicas e lendárias”(id.p.230). Em consequência: ”Historicamente falando, a revelação no Sinai, como ela é apresentada na Bíblia, não “aconteceu” no ponto de origem de Israel. Em vez disso, como vimos, a apresentação bíblica do Sinai envolveu descrições construídas em vários pontos no tempo, apresentadas como uma única narrativa” (o.c.p.232). Além disso, como dissemos na página anterior, Não há evidências claras da estadia de Israel no Egito nem em fontes e documentos egípcios, nem na arqueologia. (M.Smit, O memorial de Deus,p.176-177).

 

Conclusão. Terminamos como começamos: Yahweh, deus fraco e forte. Era fraco quando sofriam derrotas. Mas eles queriam sempre ganhar, e que Yahweh sempre ganhasse. Mas ele ganhou sendo fraco e “derrotado” porque com as derrotas sucessivas do povo judeu ele veio a ser o “deus e o rei dos judeus que já não tinham outros reis nem outros deuses como vimos atrás. E assim a política andou sempre no meio. E apesar da relativa folga depois de voltarem para suas casas, nunca o povo judeu alcançou a liberdade depois da queda da Samaria no séc.VIII a não ser por uns 40 anos com os macabeus, de 123 a 63 a.c. ano da conquista por Roma. E nunca também deixou o politeísmo. Porém, depois dessa sujeição histórica às nações estrangeiras e depois desses deuses que sempre cultuou, Yahweh ficou escolhido, digamos, na marra, como único deus. Foi então o último recurso, e dali em diante Israel, diante do mundo, teve ocasião  de ficar como o padrão de nação monoteísta. Vejamos o que diz uma escrita da época: “Senhor, estamos hoje reduzidos ao menor de todos os povos, somos hoje o mais humilde de toda a terra: estamos sem reis, sem profetas, sem guias, não há holocausto nem sacrifício, não há oblação nem incenso, não há lugar para oferecermos em tua presença as primícias e encontrarmos benevolência”(Dn.3,37-38). É como você quando não tem mais ninguém para quem recorrer é que se apega com Deus. Assim, quando ficaram sem rei e sem seus deuses e suas concubinas, ele ficou como único rei e único deus, como vimos, menos de 200 anos antes de Cristo. “Quando não há mais recursos, só Deus mesmo”. Digamos que pela sua “fraqueza” Yahweh se tornou o deus “forte”, historicamente, politicamente, e teologicamente.

P.Casimiro João  smbn

www.paroquiadechapadinha.blgospot.com..br

 

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