segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Quem eram os “servos inúteis” do evangelho


 

Uma certa vez, no evangelho de Lucas, encontramos esta expressão: “Assim também vós, quando tiverdes feito tudo o que vos mandaram, dizei: ‘somos servos inúteis’, fizemos o que devíamos fazer” (Lc. 17,10).

Em primeiro lugar, a quem era dirigida esta palavra? A uma autoridade? A um sumo sacerdote? A um doutor da lei? Ou a um governador? Não? Era a um trabalhador manual ou rural, talvez um escravo. Na época do colonialismo era assim que tratavam os colonos, mas ninguém diria isso a um “europeu”. Infelizmente seguimos muito os vícios da antiga Grécia e Judeia neste campo. Os antigos gregos seguiam a filosofia de Platão segundo a qual as ideias moravam no Olimpo celeste, e eram separadas da matéria da terra. E havia uma parte da humanidade que se devia dedicar ao estudo das ideias. Esta classe de pessoas não podia se ocupar com trabalhos manuais e do campo. E deviam ter uma formação adequada de estudo, ou “skolé”, donde deriva a nossa palavra Escola. Esta era a filosofia de Platão e Aristóteles. A outra classe de pessoas era dos trabalhadores rurais. Eles não estudavam e tinham que produzir os bens para aqueles primeiros. Já para Homero e Hesíodo, o trabalho era um castigo que Zeus impôs aos homens, coisa semelhante ao que encontramos no Gênesis.

Entre os romanos havia os cidadãos livres e os não livres, estes que tinham sido derrotados nas guerras e faziam os trabalhos servis, isto é de servos e escravos. E havia os detentores dos direitos de propriedades e os que trabalhavam nelas sem nenhum direito. Os donos de propriedades tinham todos os direitos perante os servos. Os servos eram desprovidos de todos os direitos e de personalidade jurídica.

Em consequência temos que olhar portanto as categorias sociais da época.: “servo inútil” seria igual a animal de carga, que você pode espancar para andar, trabalhar, pode maltratar, berrar com ele; se ele morrer tem logo outro animal. Por isso o trabalhador só tem que comer para entrar logo no trabalho, como se fazia com qualquer animal. Daí que esse desprezo de “servo inútil” significa isso, e não vamos pensar que será um discurso de Jesus mas uma composição da época usando as mesmas categorias sociais da época. Estamos longe ainda da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1949 e dos direitos sociais dos trabalhadores que foram se desenvolvendo do séc.XVIII em diante até chegar aos nossos dias. Já vimos noutro BLOG como a própria Igreja, durante muito tempo foi conivente com a situação de opressão, finalmente despertando e reagindo com a publicação das Encíclicas Sociais. (www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br 01/01/23), e no Brasil com as SEMANAS SOCIAIS.

Aqui no Brasil, a primeira vez que se falou nos direitos dos trabalhadores foi na Constituição de Getúlio Vargas, de 1934, onde foi instituído pela primeira vez o salário mínimo, 08 horas de jornada de trabalho, e a organização do trabalho de mulheres e crianças, muito requisitadas pela indústria porque eram mais baratas. E solidificaram-se e aperfeiçoaram-se mais os direitos trabalhistas com a famosa CLT, Consolidação das Leis de trabalho de 1943.

Conclusão. “Somos servos inúteis” portanto é uma daquelas sentenças que passaram de prazo de época de validade e não dá para alguém se aplicar a si  com aquela iludida “humildade” que se julgaria “evangélica”. Pelo contrário é falsamente evangélica porque uma diminuição do ser humano. Tudo que é contra o ser humano é anti-evangélico. E contra toda a mentalidade de Jesus que disse: “Eu não lhes chamo de servos mas amigos” (Jo.15,15).

P.Casimiro João     smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

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