“A condenação de Santo Tomás em 1277,
três anos após a sua morte, pelos bispos
das duas principais Universidades da
Europa, Paris e Oxford, foi considerada como a mais desastrosa condenação da
Idade Média porque impediu por muitos anos o livre desenvolvimento da teologia”
(Kung H. “Teologia a caminho, p.190).
Não só essa condenação da teologia de
Tomás mas muitas outras condenações tiveram o mesmo efeito aqui referido pelo
autor citado. Isto acontece porque os grandes pensadores podem dizer o que
disse o teólogo H.Kung: “Jamais aprendi a jurar pelas sentenças do mestre,
porém aprendi a aprender dia após dia, pois na teologia também é preciso
aprender a aprender.” (o.c.p.213). Impressiona-nos o fato pouco conhecido e
menos divulgado da condenação da teologia de São Tomás. Mas também ele passou
por essa experiência. Fazemos referência a este fato pelo seguinte: As gerações
estão sujeitas a bitolas ou modelos de expressar a fé que já vem correndo
calmos como um rio pelas suas margens. E todo mundo olha aquele rio e acha que
se não fosse o seu trajeto ele não seria mais o rio. Mas a história não é só a
nossa visão e o nosso horizonte e o nosso rio. Ao rio nós vamos chamar agora de
religião, fé ou teologia; à bitola chamamos paradigma, ou modelo
ou configuração. Um rio pode mudar o seu curso, i.é a sua configuração,
devido a terremotos, abalo das placas teutônicas e outros eventos mas ele
permanece o mesmo rio. A fé, a religião ou a teologia pode mudar de
configuração mas permanece a mesma fé. Foi isso que fez São Tomás na Idade
Média, como já tinha feito Orígenes no primeiro séc. d.C.
Nos primeiros séculos “Orígenes, o
primeiro sábio e pesquisador metódico do Cristianismo” (o.c.p.179), foi
condenado porque propôs a fé numa nova configuração que hoje é muito
conceituada pela teologia. Em seguida veio a configuração de S.Agostinho que
antes de ser aceita passou por outra condenação. Na Idade Média campeou São
Tomás com a Suma Teológica, que foi condenada também depois da sua morte porque
propunha a fé numa nova configuração, apoiando-se na filosofia aristotélica. A
respeito disso diz Kung: ”Novos modelos teológicos não surgem porque alguns
teólogos gostam de brincar com o fogo ou porque ficam sentados na sua
escrivaninha criando novos modelos mas sim porque o modelo hermenêutico
tradicional fracassa. Ou seja, não encontra respostas satisfatórias para as
grandes questões levantadas em novos contextos históricos” (o.c.p.172). São
Tomás só foi reabilitado por Pio V duzentos anos mais tarde em 1567, mas mesmo assim, no concílio de Trento foi dada muito mais relevância a Duns Escoto do que a
Tomás.
A configuração teológica de S.Tomás
representava um grande avanço para o séc.XIII ultrapassando as teologias de Orígenes
e S.Agostinho. Por sua vez, com o andar dos tempos, o que era um avanço para
aquela época já não era mais para o século 19 e 20. Antes do concílio Vat.II o
mundo deu uma enorme guinada devido às descobertas científicas da época com
Galileu, Copérnico, Kepler e vários outros e também por conta da pesquisa
cientifica bíblica. Por isso, como dizem hoje os teólogos, o que era avanço
para o séc.XIII tornou-se retaguarda ou atraso para os séculos seguintes. Justo
nessa época em que era urgente uma teologia dialogante e dialógica e dialética,
os Papas se firmaram numa teologia monolítica medieval e colonialista, como
vinha sendo ainda a teologia escolástica e aristotélica de Tomás de Aquino, do
“motor imóvel”. E assim “os pregadores e Catequistas recebiam pedras em vez de
pão” (o.c.p.217). Foi nessa época que foram pulicados o “Síllabus” de
condenações de Pio IX e as encíclicas Pascendi de Pio X e Generis humani de Pio
XII.
Na história da ciência teológica
acontece que “os pesquisadores mais velhos e seguidores dos modelos
tradicionais se opõem durante toda vida aos novos paradigmas. Isso acontece não
só por causa da teimosia
do idoso mas também porque estão totalmente comprometidos com os antigos
modelos ou configurações. Precisa-se de uma nova geração até que finalmente a
grande maioria assuma as novas configurações” (o.c.p.179). E o cientista Max
Plank dizia: “Uma nova verdade cientifica não costuma se impor pelo
convencimento e pela conversão de seus adversários mas sim esperando que eles
desapareçam, e que as novas gerações se familiarizem com essa verdade” (
Autobiografia, p.42). Ele e também Ch.Darwin se referiam tanto às ciências como
à teologia. E Eisntein disse: “É mais difícil destruir preconceitos do que
desintegrar um átomo” (o.c.p.181).
“O problema maior da
dificuldade e da demora de aceitar os novos modelos acontece quando a teologia
e a Igreja rejeitam um modelo hermenêutico determinado é que a rejeição se
transforma facilmente em condenação, e a discussão é substituída pela
excomunhão; identificando-se Evangelho e teologia, realidade eclesial e sistema
eclesiástico, conteúdo de fé e expressão de fé. E a consequência é que esse modelo
hermenêutico tradicional com sua explicação teológica se transforma em verdade
verdadeira ou seja aquele velho modelo teológico se torna dogma, e a
tradição se torna tradicionalismo. Historicamente na Igreja e na teologia esse
fechamento se transformou em violência e repressão: contra todos os direitos
humanos, perseguição dos “hereges”, inquisição física ou psicológica dos
opositores, ou simplesmente proibição da discussão, como vimos com Orígenes e
Tomás de Aquino.” (Cf. o.c.p.189).
Reparando bem, atendendo a modelos ou expressões de modelos
da religião ou de fé, há o essencial, e há o acidental, o acessório. ”Os
representantes da religião institucional sempre se aproveitaram disso para
preservar não só o essencial mas também o acessório, e até o ridículo e
sobretudo para revestir o próprio poder de uma aura de eternidade e
imutabilidade divinas. Quantas coisas como instituições muito terrenas
(autoridades romanas), ou posições jurídicas, objetos litúrgicos e ritos folclóricos
foram declarados “santos” e intocáveis para imunizá-los contra qualquer crítica
e reforma. Os menores detalhes em assuntos de fé, de moral e de Igreja foram
regulamentados juridicamente, sancionando-se os desvios com penas
eclesiásticas, excomunhões, inclusões no índice e suspensões “a divinis” neste
mundo além do fogo eterno no outro. Assim não se preservava a mensagem cristã e
a causa do Cristianismo, mas também mitos e costumes, às vezes de origem pagã,
a superstição, a procura de milagres e o culto das relíquias, mitos e símbolos
duvidosos que, mesmo que tivessem seu sentido na sua época, não têm mais agora”
(o.c.p.250).
Em 1983 realizou-se o Congresso ecumênico internacional em
Tubinga, na Alemanha, e uma das coisas importantes que se constataram foi que a
perda da hegemonia político-militar e econômica e cutural da Europa deu
um abalo da hegemonia do Cristianismo como única religião verdadeira,
“salvífica” e “absoluta”: pela primeira vez realizou-se um encontro do
Cristianismo com as religiões mundiais. Aí o lado cristão deu-se conta de
adquirir mais disposição em ouvir seriamente as outras religiões e aprender
delas. Será que isto seria possível no modelo de teologia e de Igreja na Idade
Média, com Santo Tomás de Aquino, ou no séc.XIX com os Papas Pio IX, Pio X e
Pio XII?
Conclusão. Vimos nesta breve reflexão que uma pessoa pode mudar de
modelo ou formato de religião sem mudar
de religião. É como trocar a moldura de um quadro mas não a figura do quadro.
Assim por exemplo, quando se trata de “conversão: quando por exemplo um
católico, por sentir repugnância contra o sistema romano autoritário se torna
protestante, ou vice versa, se um protestante se torna católico, atraído pela
unidade e universalidade católica, então, em ambos os casos não acontece uma
mudança de religião propriamente dita, mas ambos permanecem cristãos, pois
houve só uma mudança de paradigma (ou configuração)” (o.c.p.242). Como
dizíamos, só trocaram de moldura mas a figura do quadro ficou a mesma. Isto é,
não houve troca do essencial mas só do acidental ou acessório.
P.Casimiro João smbn
www.paroquiuadechapadinha.blogspot.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário