segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Revelação, inerrância e inspiração bíblica


 

“O concílio de Trento não foi claro, e deixou a discussão em aberto sobre se a Escritura é a única fonte da Revelação ou se esta tem duas Fontes, a Escritura e a Tradição. O Vaticano II também não encerrou com clareza o assunto, embora se notasse a favor das Duas Fontes pela pressão da Cúria. A única tábua de salvação sobre a Escritura como única Fonte da revelação foi uma indicação velada no último capítulo da Constituição sobre a Revelação onde se indica a Escritura como “alma da Teologia” (Cf. Hans Kung, “Teologia a caminho” p68-71). Estamos falando em Fontes da Revelação, ou seja a Escritura e a Tradição. Tradicionalmente tem-se defendido as Duas Fontes. É por isso que colocamos a posição do concilio de Trento e do Vaticano II, na análise do teólogo H.Kung que foi perito no Vaticano II. Quer no concilio de Trento quer no Vaticano II campearam fortes reações, como era de esperar, contra a Reforma protestante do século XVI. Por seu lado, o protestantismo reagiu atribuindo a infalibilidade às frases bíblicas, a mesma que os católicos atribuíam ao Papa e à Tradição. Por isso que para eles a Bíblia é como um “Papa de papel” (o.c.p.71). Isto é, como para os católicos o Papa teria o dom da infalibilidade, assim para eles a Bíblia tem infalibilidade, como única Fonte da Revelação.

Agora vamos falar da inerrância. Em que consiste a inerrância? Aquilo que não tem erros, infalível. Fabricada pela Reforma protestante, para se contrapor à infalibilidade do Papa, a inerrância seria aplicada a todas as palavras e frases da Bíblia. Esse assunto nem apareceu no concílio de Trento. Simplesmente os Papas, no século XIX se aproveitaram dessa doutrina dos protestantes em favor de sua própria política. No Vaticano II o esquema que trazia a discussão sobre a inerrãncia foi retirado da ordem do dia pelo Papa São João XXIII, o Papa que convocou o concílio. Porém, o sucessor, Paulo VI, homem indeciso e obedecendo de novo ao esquema da Cúria aceitou colocá-lo de novo na ordem do dia da terceira sessão, para surpresa de todos.” (o.c.p73). Então as conclusões do vaticano II foram as seguintes: A palavra “inerrância” foi substituída pela outra palavra “inspiração”, tirando da cabeça que o autor da Bíblia não é um “instrumento” de Deus, como se dizia no sentido de “inerrância”, mas que era o autor descrevendo suas experiências e de seu povo, experiências estas que se alimentavam da convivência com Deus. Portanto, não havia uma limitação ou supressão da sua autoria, como antes se pensava. Inclusive, o autor estava sujeito a erros, como expôs o cardeal de Viena, Franz Konig (o.c.p.74). Daí em diante, autores católicos seguidos por muitos protestantes concordam nos seguintes pontos básicos: 1) Os livros bíblicos são também totalmente humanos; devem ser julgados e relativizados de acordo com seus dons e suas limitações, seus conhecimentos e possibilidades de erro. 2) Não são como um ditado, e não se trata de um milagre, como por exemplo no caso do Corão que, na crença do islão, veio diretamente do céu e ditado por um Anjo. 3) Os escritos do Novo Testamento não pretendem ter caído diretamente do céu e não são excluídas deficiências nem falhas, obscuridades nem confusões, limitações nem erros (Cf. o.c.p.76-77).

Em último falemos de Magistério da Igreja. O Magistério da Igreja consiste no conjunto dos dogmas, encíclicas papais e documentos da Sagrada Congregação da doutrina da Fé. Vejamos quatro itens que é preciso refletir. 1) ”Não só os Santos Padres mas também os concílios ecumênicos se desautorizam muitas vezes um ao outro, ou se corrigem de  fato; 2) Nem sequer os concílios ecumênicos têm, a priori, a verdade em seu favor; ao contrário, ela somente se revela pelo fato de as afirmações conciliares serem “recebidas” e aceitas por toda a Igreja; 3) A intenção dos próprios concílios não é constituir uma doutrina, mas apenas constatar e confirmar o que já vem sendo crido; 4) Os concílios não têm a capacidade de dispor da verdade de Cristo, devem esforçar-se por compreendê-la; 5) Portanto, Sim à Bíblia, mas não ao biblicismo, que tende a idolatrar a letra da Escritura. E também Sim à autoridade, mas não ao autoritarismo que tende a idolatrar a autoridade quando rejeita qualquer crítica à autoridade em nome de suposta ortodoxia católica” (o.c.p 78-79).

Referimos algumas vezes nestas páginas o documento da Pontifícia Comissão Bíblica que nos alerta sobre muitas passagens bíblicas que são baseadas numa “antiga cosmologia já ultrapassada”, e que não precisam ser aceitas “só porque encontram-se na Bíblia” (PCB, 1993, pp.40-41). E também os autores bíblicos são autores humanos e não “anjos” ou “instrumentos” de Deus, como dizemos nesta página. Sabemos que muitas narrativas antigas passaram para a Bíblia, como o caso dos primeiros Onze capítulos do Gênesis, para dar só um exemplo e são cópia de “mitos” antigos. Então não será lógico que um dogma que se baseia num mito antigo só poderá vir a ser um dogma mitológico?

Conclusão. Encontramos várias narrativas na Bíblia que relatam “cosmologias antigas e ultrapassadas” que já não têm aplicação para o agora de hoje, “passaram de prazo”. A mesma afirmação não valerá também para vários atos do Magistério que se apoiam nessas narrativas e passagens da Escritura já “passadas de prazo”? Dogmas que dependem de mitos bíblicos e dessas cosmologias, não estarão também eles debaixo de suspeição?

P.Casimiro João.     Smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

 

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