A natureza é imutável? Cadê o motor imóvel? Ou a evolução de Charles Darwin? Cadê a era industrial? Me disseram que não se pode mexer com a natureza, mas a natureza mexe com a gente. Porém a natureza toma outras roupagens conforme as épocas.
Dizer “segundo a natureza” já não é a
mesma coisa de há 2000 anos ou de 1000 anos atrás, porque a natureza se tornou por
sua vez incerta, e insegura de si mesma e sujeita a ser “corrigida” pelo homem.
Veja a correção dos hormônios e os transplantes de coração. Veja a seleção de
embriões. A Igreja fala que isso é perigoso porque é criar super-homens
artificialmente. A resposta é fácil: e quando ela cria espontaneamente gigantes
e super-homens? A diferença está na frequência modificada pela técnica. E
quando o Faustão ganhou o coração de um doador? Não houve receios de quê? E o
que falar dos super-homens e supermulheres que estão sendo programados para ser
gerados para a Lua e mais espaços? Onde funciona a natureza aí?
Natureza versus moral.
A moral diz “não matar”. Porém na Inquisição a Igreja passou por cima da moral
e inventou junto com a monarquia a técnica da “sobrevivência da fé”, ou
o “princípio pragmático” de Gianni Vattimo, e a “caça às bruxas” que
eram conduzidas à fogueira e ao extermínio.
E assim matavam e queimavam quem se desviasse da fé. A Igreja não pode
se queixar se vir que a técnica hoje já resolveu a seu modo o problema da
convivência entre os homens com mais sucesso do que tenham alcançado todas aa
morais que se sucederam na história” (Cf. Umberto Galimberti, “Rastros do
sagrado”, pg.363). Assim, ao lado da moral funcionam também as normas da
técnica, chamadas também como “regras da arte” segundo as quais cada um deverá
fazer da melhor maneira possível o que escolheu fazer, gerir com competência e
rigor a função a que foi chamado. Chega-se assim a dizer que as “morais
profissionais ou técnicas” não são um indicio de amoralidade mas o sinal da
progressiva ocupação da técnica de um espaço que lhe concede a moral”
(o.c.p.364).
Este aporema é sobremaneira oportuno e
urgente, de tal maneira que o autor citado nos adverte ainda: “Neste ponto é
importante evitar o problema relativo ao modo como configurar-se a moral na idade
da técnica, e para enfrentá-lo é preciso antes de mais nada acabar com as
falsas inocências, e com as fábulas da ciência neutra que opera apenas os meios
que depois as decisões dos homens optam por empregar ou bem ou mal. A ciência não é neutra porque cria um
mundo com determinadas coordenadas que nós não podemos deixar de habitar e,
habitando-as adquirimos hábitos e costumes”. Veja bem o que mudou: antigamente
o chinelo, o sapato, o lápis e o relógio faziam parte dos pertences e das
viagens do homem, como a bengala do cego e as muletas do acidentado. Hoje em
dia é o celular, o Laptot, o fone de ouvidos, a máscara dos olhos e a mala de
bordo. A tecnociência é o nosso mundo. Não somos seres imaculados e estranhos
que por vezes nos servimos da ciência e da técnica. Habitamos um mundo já
organizado cientificamente e tecnicamente. Não é uma escolha nossa, é o nosso
ambiente onde vícios e virtudes, condutas e paixões, sonhos e desejos são
cientifica e tecnicamente estruturados. (cf. o.c.p.364).
Esta é uma realidade a que o ser humano
atual não pode furtar-se. E no caso de alguém entender que pode sobreviver
recorrendo às épocas “daqueles tempos” de quando “no meu tempo
não era assim”, estaria fabricando para si um ser mitológico que andou
neste planeta há cem anos, mas que agora não anda mais. Nesses tempos era um
mundo terraplanista, hoje não é mais. A isto junte-se a consideração que há 100
anos o mundo era um mundo rural, a cidade era uma exceção para poucos. Hoje
porém a cidade se estende até os confins da terra. A “natureza” era o que
enchia a vista e o imaginário desse tempo. Antes a “natureza era o largo
horizonte sem fim. Hoje a velha natureza vive-se na cidade, isto é, a cidade
tomou o lugar da natureza, de tal modo que muitas pessoas só conhecem alguma
partezinha da “natureza” pela televisão.
Conclusão.
Podemos dizer que o ser humano de há 100 anos tinha os braços, pernas, cérebro
e o coração da natureza. Hoje braços, pernas, cérebro e coração são tomados
pela técnica. Pense numa grande fábrica chinesa ou em São Paulo em que os
braços, pernas e cérebro são de mais de 100 robôs comandados pela inteligência
artificial. Apenas três ou quatro humanos de mistura estão lá também,
confundindo-se com todos aqueles seres em movimento constante. Aí um leigo
muito histórico e empacotado na sua roupagem meio aristocrática pode olhar
aquelas figuras impecáveis e automatizadas e se perguntar: Cadê a natureza e a
técnica? Cadê a moral na era da técnica? Ainda tem um motor imóvel? Cadê a era
industrial de há 100 anos quando os primeiros carros e trens e barcos começaram
a ser movidos pelo carvão e o vapor de água? Que época estamos vivendo?
P.Casimiro João smbn
Nenhum comentário:
Postar um comentário