segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

A TECNOCIÊNCIA E A MORAL


 A natureza é imutável? Cadê o motor imóvel? Ou a evolução de Charles Darwin? Cadê a era industrial? Me disseram que não se pode mexer com a natureza, mas a natureza mexe com a gente. Porém a natureza toma outras roupagens conforme as épocas.

Dizer “segundo a natureza” já não é a mesma coisa de há 2000 anos ou de 1000 anos atrás, porque a natureza se tornou por sua vez incerta, e insegura de si mesma e sujeita a ser “corrigida” pelo homem. Veja a correção dos hormônios e os transplantes de coração. Veja a seleção de embriões. A Igreja fala que isso é perigoso porque é criar super-homens artificialmente. A resposta é fácil: e quando ela cria espontaneamente gigantes e super-homens? A diferença está na frequência modificada pela técnica. E quando o Faustão ganhou o coração de um doador? Não houve receios de quê? E o que falar dos super-homens e supermulheres que estão sendo programados para ser gerados para a Lua e mais espaços? Onde funciona a natureza aí?

Natureza versus moral. A moral diz “não matar”. Porém na Inquisição a Igreja passou por cima da moral e inventou junto com a monarquia a técnica da “sobrevivência da fé”, ou o “princípio pragmático” de Gianni Vattimo, e a “caça às bruxas” que eram conduzidas à fogueira e ao extermínio.  E assim matavam e queimavam quem se desviasse da fé. A Igreja não pode se queixar se vir que a técnica hoje já resolveu a seu modo o problema da convivência entre os homens com mais sucesso do que tenham alcançado todas aa morais que se sucederam na história” (Cf. Umberto Galimberti, “Rastros do sagrado”, pg.363). Assim, ao lado da moral funcionam também as normas da técnica, chamadas também como “regras da arte” segundo as quais cada um deverá fazer da melhor maneira possível o que escolheu fazer, gerir com competência e rigor a função a que foi chamado. Chega-se assim a dizer que as “morais profissionais ou técnicas” não são um indicio de amoralidade mas o sinal da progressiva ocupação da técnica de um espaço que lhe concede a moral” (o.c.p.364).

Este aporema é sobremaneira oportuno e urgente, de tal maneira que o autor citado nos adverte ainda: “Neste ponto é importante evitar o problema relativo ao modo como configurar-se a moral na idade da técnica, e para enfrentá-lo é preciso antes de mais nada acabar com as falsas inocências, e com as fábulas da ciência neutra que opera apenas os meios que depois as decisões dos homens optam por empregar ou bem  ou mal. A ciência não é neutra porque cria um mundo com determinadas coordenadas que nós não podemos deixar de habitar e, habitando-as adquirimos hábitos e costumes”. Veja bem o que mudou: antigamente o chinelo, o sapato, o lápis e o relógio faziam parte dos pertences e das viagens do homem, como a bengala do cego e as muletas do acidentado. Hoje em dia é o celular, o Laptot, o fone de ouvidos, a máscara dos olhos e a mala de bordo. A tecnociência é o nosso mundo. Não somos seres imaculados e estranhos que por vezes nos servimos da ciência e da técnica. Habitamos um mundo já organizado cientificamente e tecnicamente. Não é uma escolha nossa, é o nosso ambiente onde vícios e virtudes, condutas e paixões, sonhos e desejos são cientifica e tecnicamente estruturados. (cf. o.c.p.364).

Esta é uma realidade a que o ser humano atual não pode furtar-se. E no caso de alguém entender que pode sobreviver recorrendo às épocas “daqueles tempos” de quando “no meu tempo não era assim”, estaria fabricando para si um ser mitológico que andou neste planeta há cem anos, mas que agora não anda mais. Nesses tempos era um mundo terraplanista, hoje não é mais. A isto junte-se a consideração que há 100 anos o mundo era um mundo rural, a cidade era uma exceção para poucos. Hoje porém a cidade se estende até os confins da terra. A “natureza” era o que enchia a vista e o imaginário desse tempo. Antes a “natureza era o largo horizonte sem fim. Hoje a velha natureza vive-se na cidade, isto é, a cidade tomou o lugar da natureza, de tal modo que muitas pessoas só conhecem alguma partezinha da “natureza” pela televisão.

Conclusão. Podemos dizer que o ser humano de há 100 anos tinha os braços, pernas, cérebro e o coração da natureza. Hoje braços, pernas, cérebro e coração são tomados pela técnica. Pense numa grande fábrica chinesa ou em São Paulo em que os braços, pernas e cérebro são de mais de 100 robôs comandados pela inteligência artificial. Apenas três ou quatro humanos de mistura estão lá também, confundindo-se com todos aqueles seres em movimento constante. Aí um leigo muito histórico e empacotado na sua roupagem meio aristocrática pode olhar aquelas figuras impecáveis e automatizadas e se perguntar: Cadê a natureza e a técnica? Cadê a moral na era da técnica? Ainda tem um motor imóvel? Cadê a era industrial de há 100 anos quando os primeiros carros e trens e barcos começaram a ser movidos pelo carvão e o vapor de água? Que época estamos vivendo?

P.Casimiro João smbn

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