domingo, 23 de agosto de 2020

As intenções teológicas de Lucas.

 Vimos em colocações anteriores três temas sobre as intenções teológicas de Mateus, Marcos e João.  Hoje vamos dar uma olhada sobre as intenções teológicas de Lucas.

1. Introdução- Jesus não escreveu nada no Novo Testamento e nem há qualquer indício que ele tenha instruído seus discípulos a registrar suas palavras ou ações. A Igreja viveu os 4 primeiros séculos sem  o Novo Testamento. Os primeiros Escritos do Novo Testamento foram a Cartas de São Paulo escritas antes dos evangelhos, nos anos 50 d.C. em diante.

Nós não recebemos os textos do Novo Testamento das mãos de seus autores originais, mas de uma forma editada. Não sabemos o nome de nenhum de seus autores além das primeiras sete Cartas de São Paulo. Sabemos que teve uma “escola paulina”, uma “escola mateana” e “uma escola joanina” que contribuíram para esse processo.

O Novo Testamento é o livro da Igreja no sentido que ela o escreveu e editou. Segundo o costume dos historiadores da época, o escritor punha longos discursos na boca de  seus heróis mesmo  não deles. Por isso discursos atribuídos a Jesus, Pedro e Paulo podem não ser deles. (Boring I, 19).

Nenhum dos títulos que aparecem no Novo Testamento foi atribuído por seus autores, mas pela Igreja posteriormente, por exemplo evangelho de Marcos, de Mateus, de João, de Lucas  etc. Por isso os evangelhos são anônimos, sem nome de autor.

1. O evangelho de Lucas e Atos estão muito relacionados com a “escola paulina”. O evangelho de Lucas e Atos são os escritos que trazem longos discursos. Os escritores dos primeiros tempos, como dito atrás, adotavam os métodos convencionais da sua época para fazer história: fabricavam discursos e colocavam na boca dos seus heróis. Assim fizeram Tucídides, considerado o pai da história, Horácio, Tácito e também Josefo, famoso historiador judeu. Por isso os estudiosos afirmam que os historiadores cristãos os imitaram na mesma arte.

E ainda mais: cada historiador tem uma tese e uma teologia própria e por isso  faz os discursos adequados ao seu ponto de vista. Os escritores cristãos, cada um também tinha a sua própria teologia e assim adaptava os discursos à sua teologia.

2. Os primeiros cristãos achavam que estavam vivendo os últimos dias, que incluíam a ressurreição. Estavam convencidos que esses acontecimentos iriam acontecer na vida deles: (“Quando for dado o sinal, à voz do arcanjo e ao sinal da trombeta, o mesmo Senhor descerá do céu, e os que morreram em Cristo ressurgirão primeiro, depois nós, os vivos, que ainda estamos na terra, seremos arrebatados juntamente com eles sobre as nuvens ao encontro do Senhor nos ares e assim estaremos para sempre com o Senhor”. (1.Tes.4, 13-18). Os 4 evangelistas e suas escolas partilhavam essas certezas.

3 Porém, as gerações iam passando, e as decepções vieram junto porque essas coisas não aconteciam. Quando os esperados fins dos tempos e o reino de Deus vindouro falharam em aparecer, a 2ª e 3ª geração de cristãos desenvolveram  várias formas de responder a esse atraso.

As comunidades de São Pedro resolveram a questão recorrendo ao Salmo 90 que diz: “Mil anos diante de Vós são como o dia de ontem que já passou“ (Sl.90,4). E São Pedro repetiu esse salmo da sua forma: “1.000 anos diante de Deus são como um dia, e um dia como 1.000 anos” (2 Pd.3,8).

4. O evangelho de Lucas resolveu a questão com a sua teologia própria. Ela consta da expressão  que leva a marca dele e de Paulo “Segundo as Escrituras”. Esta teologia de Lucas afirma que o fim dos tempos se concretizou e aconteceu já na vida Jesus e foi manifestado nas ações de Jesus.

Como assim? São Lucas desenvolve que na vida de Jesus tudo obedece a um ”plano de Deus”. Deus tem um “plano para a história”, que obedece ao senhorio de Deus. Em vários lugares Lucas assim descreve esta teologia do plano de Deus, em expressões como “é necessário”, “o que deve acontecer” e “o plano de Deus”. “É necessário que o Filho do homem seja entregue nas mãos dos pecadores, seja morto e ao 3º dia ressuscite” (Lc.24,7). “Ele manifestou o misterioso plano de sua vontade” (Ef. 1,9).

E finalmente na mente dele implodiu e cunhou aquela expressão que ficou célebre “segundo as escrituras”: “Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado e ressuscitou ao 3º dia segundo as Escrituras” (1 Cor.15,3-4).

5. Na teologia de Lucas este plano de salvação se desenvolve em 3 tempos. Primeiro tempo contando a infância de Jesus e de João; segundo: o tempo de Jesus, e terceiro, o tempo da Igreja. Para o tempo de Jesus, Lucas vai buscar a maneira de narrar no imaginário lendário do Antigo Testamento (Conzelmann). O tempo de Jesus começa com o seu ministério onde afirma que as coisas finais, a escatologia, já está acontecendo na vida de Jesus “Hoje se cumpriu esta Escritura” (Lc.4,21). O tempo da Igreja vai desde o Pentecostes (Lucas é único que traz o pentecostes), até o final da História, a “parusía”.

6. Finalmente, no “tempo da Igreja” Lucas inclui aqui o tempo das nações e do império que, assim como no Antigo Testamento era inseparável da religião. O império e a Igreja eram duas realidades juntas e unidas, e sagradas; no conceito antigo vinham diretamente de Deus. Os povos antigos, entre os quais Israel, não faziam diferença entre Igreja e Estado. Na época de Lucas ainda não havia a moderna separação Igreja-Estado, que só começou no séc.18.

Por  isso encontramos na Bíblia “Todo o poder vem de Deus”, (Rom.13,1) conceito que já não adéqua com os tempos de hoje, e devemos colocar isso na sua época.

Com o tema “intenções da teologia de Lucas encerramos as “intenções da teologia dos evangelhos sinóticos”. Tivemos ocasião de ver que as intenções teológicas dos quatro evangelistas tiveram suas características próprias e teologia diferenciada.

P.Casimiro  smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

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