domingo, 24 de novembro de 2024

UMA RADIOSCOPIA DO EVANGELHO

 

Comecemos pelo primeiro dos evangelhos, o evangelho de Marcos. Marcos não tinha consciência de que estava escrevendo “evangelho”, e nem Mateus, nem Lucas e nem João. Somente na metade do séc.II esses escritos foram chamados “evangelhos”, nome dado por Marcião. Antes de Marcião eram chamados “Memórias dos Apóstolos”, nome que lhes deu Justino mártir. (Cf. H.Koster, Introdução ao N.T. vol.II, p.10). Também foi com Justino mártir que havia a briga entre ele e Marcião sobre a inclusão do A.T. no cânon cristão, uma vez que Marcião, apoiando-se nas Cartas de Paulo afirmava que Cristo era o fim da lei (Rom.10,4), ele argumentava: como essa lei judaica ainda podia ser Escritura autorizada? Entra agora em cena o primeiro evangelho, de Marcos, que deu suporte para os outros evangelhos. O ponto fulcral é o kerigma que consiste no anúncio da Paixão como iremos ver. Judeus helenistas convertidos haviam fundado sua congregação em Antioquia, na Síria. É de suma importância que “o ponto de partida para a pregação da ressurreição de Jesus como momento decisivo da história deu-se então em Antioquia, a primeira capital da província romana da Síria onde esses judeus tinham se estabelecido. Foi aí que Pedro se estabeleceu também depois do concílio de Jerusalém, até que a ‘tradição sobre sua ida a Roma e o martírio sob Nero é lendária” (H.Koester, o.c.p.176). Aí na Síria se desenvolveu em primeira mão o primitivo cristianismo tendo como carro-chefe a influência ou “o partido de Pedro”. E como início da radioscopia sobre a influência de Pedro eis o que nos apontam os estudiosos nas seguintes linhas sobre o kerigma anunciado por Pedro e transformado na redação do evangelho no qual Pedro é o primeiro a proclamar que Jesus é o Messias, como afirma o capítulo oito de Marcos,(Mc.8,29), embora este episódio possa ser considerado como o relato de uma epifania ou aparição anterior de Jesus a Pedro. E não só, mas semelhante a este existe o relato da transfiguração, que pode ter sido também originalmente uma história sobre a aparição de Jesus a Pedro, onde foram colocados João e Tiago por um redator posterior para compor a narrativa (Cf. o.c.p.196). É conhecido que na redação dos evangelhos aparecem disputas entre nomes de apóstolos. E há historicamente confusão sobre cópias e recópias de manuscritos bíblicos. Isto foi devido à maior destruição e queima de manuscritos bíblicos que aconteceu na grande perseguição do cristianismo de 303 a 311 d.C. que representou a destruição de número incontável de manuscritos bíblicos. Alguns outros papiros soterrados começaram a aparecer com a descoberta da Biblioteca de Nag Hammadi, em 1930. E esses papiros perdidos eram do fim do séc.II e início do séc.III. Aí se descobriu que a edição do evangelho de Marcos que foi usada por Mateus e Lucas era substancialmente diferente da primeira edição de Marcos como ele a transmitiu em primeira mão. Até porque também se descobriu que na transmissão desses manuscritos aconteciam omissões e inversão de letras dando numa palavra diferente, ou grupos de palavras muito apagadas, como até omissões de linhas inteiras. E literalmente o mesmo autor informa: “Citações bíblicas nos escritos do N.T. eram com frequência corrigidas comparando-as com manuscritos do Antigo Testamento. Textos paralelos do evangelho foram absorvidos e incorporados uns aos outros, além de que outros redatores fazem modificações por motivos teológicos segundo a sua opinião pessoal.” (o.c.p.178). Nessa época estava também circulando o Evangelho de Pedro nessas comunidades da Síria. Mesmo assim, a transmissão dos ensinamentos de Jesus nunca está relacionada com o nome de Pedro. Foi só a partir de um tal Papias, líder da cidade de Hierápolis, que a tradição eclesiástica ligada ao evangelho de Marcos considerou esse evangelho um transcrito de palestras de Pedro. Mas há algumas características nesse evangelho primitivo de Pedro: O evangelho de Pedro contava pouco mais do que a narrativa da Paixão, à qual outros redatores depois deram um desenvolvimento com o recurso de “passagens de Salmos e do Deutero Isaías, 40-56. Nela há diferenças entre a data da crucificação. Outra diferença: Na lenda do encontro do túmulo vazio, só a Madalena é mencionada. Mateus, Marcos e Lucas acrescentam os nomes de outras mulheres, e João apresenta Maria Madalena competindo com Pedro e com o discípulo amado. Mais: “No Evangelho de Pedro a história da epifania da ressurreição de Jesus está, sem dúvida nenhuma, repleta de características lendárias secundárias. No entanto, como Pedro era conhecido como a primeira e mais importante testemunha na tradição mais antiga das igrejas da Síria, não surpreende que uma história antiga sobre a Paixão, morte e ressurreição de Jesus fosse a primeira escrita sob a autoridade de Pedro. E na verdade, os estudiosos afirmam que “seitas judeo-cristãs encontradas mais tarde nesses locais afirmavam que conservavam os verdadeiros ensinamentos de Pedro”(o.c.p.178). E agora entendemos os reais motivos por que havia uma “séria polêmica das tradições petrinas da Síria contra as comunidades paulinas.(Gal.2,11-22). Agrupamentos judeo-cristãos, com suas coleções de histórias de milagres, forçaram a ser aplicadas a Jesus para que fossem usadas como manuais para suas atividades. Jesus aparece aí claramente como homem divino e a demonstração do poder divino a ser assumido como mensagem obrigatória. (id.p.181). E atenção para a afirmação do estudioso que estamos seguindo sobre a resposta de Paulo: “Para Paulo, como vimos, esse não passa de um ‘Cristo segundo a carne’ - 2Cor.5,16) - a quem ele contesta com a tese de que Jesus não era o mais poderoso de todos os seres humanos, mas aquele que fracassou na cruz, e cuja ressurreição se tornou agora poder para os fracos e liberdade para os desdenhados” (o.c.p.181).

Conclusão. O evangelho era só, no início dos inícios, o kerigma ou anúncio da Paixão, morte e ressurreição baseado no hino do servo sofredor do II Isaías, 40-56. Marcos segue os passos de um gênero literário que era a biografia do profeta tipo Jeremias, e não só, mas indo buscar o elemento essencial do servo sofredor de Is.40-56 como dissemos. E aí acontece o inesperado no evangelho de Marcos como um filme onde esperamos uma grande surpresa da vitória; mas no evangelho de Marcos dá-se o contrário: termina com a história do encontro do tumulo vazio, de tal maneira que os outros evangelhos acharam um final tão sem graça que o florearam com outras narrativas de anjos e mulheres, assim como com a lenda de Mateus dos guardas fugindo do túmulo. Em Marcos é indicado o caminho para a Galileia, onde tudo começou. (cf. id.p.186).

P.Casimiro João       smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

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