Comecemos pelo primeiro dos evangelhos, o evangelho de
Marcos. Marcos não tinha consciência de que estava escrevendo “evangelho”, e
nem Mateus, nem Lucas e nem João. Somente na metade do séc.II esses escritos
foram chamados “evangelhos”, nome dado por Marcião. Antes de Marcião eram
chamados “Memórias dos Apóstolos”, nome que lhes deu Justino mártir. (Cf.
H.Koster, Introdução ao N.T. vol.II, p.10). Também foi com Justino mártir que
havia a briga entre ele e Marcião sobre a inclusão do A.T. no cânon cristão,
uma vez que Marcião, apoiando-se nas Cartas de Paulo afirmava que Cristo
era o fim da lei (Rom.10,4), ele argumentava: como essa lei judaica ainda podia
ser Escritura autorizada? Entra agora em cena o primeiro evangelho, de Marcos,
que deu suporte para os outros evangelhos. O ponto fulcral é o kerigma que
consiste no anúncio da Paixão como iremos ver. Judeus helenistas convertidos
haviam fundado sua congregação em Antioquia, na Síria. É de suma importância que
“o ponto de partida para a pregação da ressurreição de Jesus como momento
decisivo da história deu-se então em Antioquia, a primeira capital da província
romana da Síria onde esses judeus tinham se estabelecido. Foi aí que Pedro se estabeleceu
também depois do concílio de Jerusalém, até que a ‘tradição sobre sua ida a
Roma e o martírio sob Nero é lendária” (H.Koester, o.c.p.176). Aí na Síria se
desenvolveu em primeira mão o primitivo cristianismo tendo como carro-chefe a
influência ou “o partido de Pedro”. E como início da radioscopia sobre a
influência de Pedro eis o que nos apontam os estudiosos nas seguintes linhas
sobre o kerigma anunciado por Pedro e transformado na redação do evangelho no
qual Pedro é o primeiro a proclamar que Jesus é o Messias, como afirma o capítulo oito de Marcos,(Mc.8,29), embora este
episódio possa ser considerado como o relato de uma epifania ou aparição anterior
de Jesus a Pedro. E não só, mas semelhante a este existe o relato da
transfiguração, que pode ter sido também originalmente uma história sobre a
aparição de Jesus a Pedro, onde foram colocados João e Tiago por um redator
posterior para compor a narrativa (Cf. o.c.p.196). É conhecido que na redação
dos evangelhos aparecem disputas entre nomes de apóstolos. E há historicamente
confusão sobre cópias e recópias de manuscritos bíblicos. Isto foi devido à
maior destruição e queima de manuscritos bíblicos que aconteceu na grande
perseguição do cristianismo de 303 a 311 d.C. que representou a destruição de
número incontável de manuscritos bíblicos. Alguns outros papiros soterrados
começaram a aparecer com a descoberta da Biblioteca de Nag Hammadi, em 1930. E
esses papiros perdidos eram do fim do séc.II e início do séc.III. Aí se
descobriu que a edição do evangelho de Marcos que foi usada por Mateus e Lucas
era substancialmente diferente da primeira edição de Marcos como ele a
transmitiu em primeira mão. Até porque também se descobriu que na transmissão
desses manuscritos aconteciam omissões e inversão de letras dando numa palavra
diferente, ou grupos de palavras muito apagadas, como até omissões de linhas
inteiras. E literalmente o mesmo autor informa: “Citações bíblicas nos escritos
do N.T. eram com frequência corrigidas comparando-as com manuscritos do Antigo
Testamento. Textos paralelos do evangelho foram absorvidos e incorporados uns
aos outros, além de que outros redatores fazem modificações por motivos
teológicos segundo a sua opinião pessoal.” (o.c.p.178). Nessa época estava
também circulando o Evangelho de Pedro nessas
comunidades da Síria. Mesmo assim, a transmissão dos ensinamentos de Jesus
nunca está relacionada com o nome de Pedro. Foi só a partir de um tal Papias,
líder da cidade de Hierápolis, que a tradição eclesiástica ligada ao evangelho
de Marcos considerou esse evangelho um transcrito de palestras de Pedro. Mas há
algumas características nesse evangelho
primitivo de Pedro: O evangelho de Pedro contava pouco mais do
que a narrativa da Paixão, à qual outros redatores depois deram um
desenvolvimento com o recurso de “passagens de Salmos e do Deutero Isaías,
40-56. Nela há diferenças entre a data da crucificação. Outra diferença: Na
lenda do encontro do túmulo vazio, só a Madalena é mencionada. Mateus, Marcos e
Lucas acrescentam os nomes de outras mulheres, e João apresenta Maria Madalena
competindo com Pedro e com o discípulo amado. Mais: “No Evangelho de Pedro a história da epifania da ressurreição de Jesus
está, sem dúvida nenhuma, repleta de características lendárias secundárias. No
entanto, como Pedro era conhecido como a primeira e mais importante testemunha
na tradição mais antiga das igrejas da Síria, não surpreende que uma história
antiga sobre a Paixão, morte e ressurreição de Jesus fosse a primeira escrita
sob a autoridade de Pedro. E na verdade, os estudiosos afirmam que “seitas
judeo-cristãs encontradas mais tarde nesses locais afirmavam que conservavam os
verdadeiros ensinamentos de Pedro”(o.c.p.178). E agora entendemos os reais
motivos por que havia uma “séria polêmica das tradições petrinas da Síria contra
as comunidades paulinas.(Gal.2,11-22). Agrupamentos judeo-cristãos, com suas
coleções de histórias de milagres, forçaram a ser aplicadas a Jesus para que
fossem usadas como manuais para suas atividades. Jesus aparece aí claramente
como homem divino e a demonstração do poder divino a ser assumido como
mensagem obrigatória. (id.p.181). E atenção para a afirmação do estudioso que
estamos seguindo sobre a resposta de Paulo: “Para Paulo, como vimos, esse não
passa de um ‘Cristo segundo a carne’ - 2Cor.5,16) - a quem ele contesta com a
tese de que Jesus não era o mais poderoso de todos os seres humanos, mas aquele
que fracassou na cruz, e cuja ressurreição se tornou agora poder para os fracos
e liberdade para os desdenhados” (o.c.p.181).
Conclusão. O evangelho era só, no início dos inícios, o kerigma ou
anúncio da Paixão, morte e ressurreição baseado no hino do servo sofredor do II
Isaías, 40-56. Marcos segue os passos de um gênero literário que era a
biografia do profeta tipo Jeremias, e não só, mas indo buscar o elemento
essencial do servo sofredor de Is.40-56 como dissemos. E aí acontece o
inesperado no evangelho de Marcos como um filme onde esperamos uma grande
surpresa da vitória; mas no evangelho de Marcos dá-se o contrário: termina com a
história do encontro do tumulo vazio, de tal maneira que os outros evangelhos
acharam um final tão sem graça que o florearam com outras narrativas de anjos
e mulheres, assim como com a lenda de Mateus dos guardas fugindo do túmulo. Em
Marcos é indicado o caminho para a Galileia, onde tudo começou. (cf. id.p.186).
P.Casimiro João
smbn
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
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